Mas afinal, quem foi Preta Tia Simoa? Saiba que, seu poder de articulação social, a história do Ceará seria contada de outra forma. Ela ajudou a mobilizar a população na Greve dos Jangadeiros, em 1881, ao lado do marido e do Dragão do Mar. A luta dos jangadeiros pelo fim do tráfico de escravos foi um movimento importante que contribuiu para a abolição da escravidão no Ceará, que veio se concretizar em 1884. Preta Tia Simoa foi uma figura ativa e fundamental desse evento.
Quase nada se sabe sobre ela. Não se tem imagem ou registros sobre seu nome verdadeiro, data de nascimento, ano de sua morte, apenas que era esposa de José Luiz Napoleão, um dos líderes da revolta junto de Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar. Essa ausência de informações evidencia um processo que, segundo estudiosos, passa por camadas como racismo, gênero e misoginia.
Segundo a escritora Karla Alves, historiadora e co-fundadora do Grupo de Mulheres Negras do Cariri Pretas Simoa, a Tia Simoa foi uma mulher negra que era detentora do saber africano, que viveu em Fortaleza. “Na segunda metade do século XIX teve grande importância na mobilização popular que impulsionou a Greve dos Jangadeiros, em 1881”, explica a historiadora.
Ainda de acordo com Karla, os manifestantes correram o risco de prisão por desordem. “A população tomou a praia com a finalidade de apoiar a greve. A frente dela havia Preta Simoa, que tinha um grande poder de articulação social”.
Segundo a também historiadora e coordenadora da Casa da Mulher Trabalhadora Preta Simoa, Cleidiane Morais, as preparações na greve consistiram na mobilização social por parte dos três — Tia Simoa, José Luiz Napoleão e Francisco José do Nascimento, conhecido como Dragão do Mar.
“Naquele momento o papel social que eles podiam exercer, era o de mobilizar e fazer com que a população entendesse a recusa de fazer o embarque dos escravizados nos navios”.
Segundo Karla, apesar de toda a sua importância e contribuição, Preta Simoa teve seu nome totalmente apagado da história. Para ela, o que contribui para isso é a junção da misoginia com o racismo.
Segundo a historiadora, essa combinação “seleciona nomes de mulheres negras para ficar de fora da narrativa, assim, não contando como protagonistas".
Ainda falando sobre a questão do apagamento, ela afirma que é algo intencional que contribui para a manutenção do poder hegemônico. “Isso não é algo que permaneceu no século XIX só com a Preta Simoa”.
“É algo que atravessa o tempo como uma prática comum, infelizmente. Assim como o racismo e o sexismo, isso (o apagamento) acomete muitas mulheres negras, nos destituindo da própria intelectualidade e do protagonismo da nossa própria história. Tentando ou nos mantendo no silenciamento”.
Para Cleidiane, as causas são as mesmas. “A história dita como certa e civilizada era a do colonizador. Eram os grandes feitos do homem branco, católico e heterossexual”.
“O apagamento da Preta Tia Simoa da história cearense, se deve a esse viés que durante muito tempo foi um anexo da história europeia”, explica.
Em setembro de 2021, o deputado estadual Renato Roseno foi o autor da lei que instituiu o feriado em homenagem à Tia Simoa, comemorado em 25 de julho no Estado.
Em paralelo a lei, foi criada a Semana Preta Tia Simoa de Combate à Discriminação contra Mulheres Negras no Estado do Ceará, que tem alguns propósitos:
O apagamento que muitas mulheres pretas sofrem, seja na história, área acadêmica ou profissional, perdura dos tempos antigos até a atualidade. Diversas autoras, também pretas, abordam essa temática tão urgente e importante.
Para a pedagoga e secretária de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras no Serviço Público Municipal (Confetam) Vilani Oliveira, falar da Preta Simoa é falar sobre resistência, luta e libertação. “Ela teve um papel preponderante na greve, que foi fundamental para pôr fim ao tráfico de pessoas escravizadas. No entanto, pouco se fala sobre o seu legado”.
“Assim como ela, centenas de outras mulheres negras foram e continuam sendo invisibilizadas: Dandara, Maria Firmina, Antonieta de Barros, Carolina de Jesus e Laudelina de Campos. Essas foram mulheres negras que tiveram papéis importantíssimos na história deste país e, no entanto, os livros e as aulas de história pouco fazem referência a elas”, explica Vilani Oliveira.
Vilani ainda fala sobre tentativas de silenciamento nos dias atuais, citando o exemplo onde parlamentares negras relatam violência de gênero político: “Elas vêm denunciando que estão sofrendo violência política de gênero e por quê? Porque a branquitude não nos aceita nestes espaços que historicamente pertenciam a eles, não por direito ou merecimento, mas porque nos excluíam destes espaços e agora se sentem ameaçados”, explica a pedagoga.
Ainda de acordo com ela, é importante ter representatividade e políticas de ação para que esse cenário mude. “Ter referências põem em risco o projeto da branquitude de se perpetuar nos espaços de poder. Por isso as políticas públicas afirmativas são tão importantes, pois criam oportunidades a quem historicamente foi excluída e invisibilizada. Nós existimos e queremos deixar nossa marca neste mundo”, finaliza.