Nascida em São Luís, no Maranhão, e filha do comerciante João Pedro Esteves e de mãe negra alforriada, Leonor Filipa, Maria Firmina teve grandes conquistas em vida, como ter sido a primeira mulher aprovada em um concurso público no Maranhão e ser considerada a primeira mulher negra a escrever um romance no Brasil.
Considerada por muitos historiadores como a primeira romancista negra do Brasil, Maria Firmina dos Reis, nascida há 202 anos, foi de grande importância para a literatura brasileira, em especial pelo período em que viveu: o escravista.
Autora do livro Úrsula, Firmina gerou grande impacto ao escrever um romance que critica a sociedade escravocrata daquela região, mas também por dar voz a personagens negros.
Mestre em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Régia Agostinho da Silva destaca que Firmina foi a primeira mulher negra a escrever um romance no Brasil. O livro “é considerado por muitos o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira”.
Régia explica que o movimento abolicionista no Brasil começa no final da década de 1860. “Eu costumo dizer que em 1869 — quando o livro Úrsula foi lançado — ela lança um romance antiescravista”.
Explicando os termos antiescravista e abolicionista, Régia ressalta que o primeiro é “todo aquele que é contrário a escravidão”, mas que não necessariamente pedia pelo fim imediato da escravidão.
Em relação ao segundo termo, a historiadora explica: “Os abolicionistas reivindicavam o fim imediato da escravidão”. Segundo ela, o abolicionismo é “um movimento social, coletivo", mas que era possível ser um antiescravista de forma solo . “Dentro do próprio movimento no Brasil havia diferenças: alguns abolicionistas aceitavam a abolição apenas com indenização”.
A professora conta que Firmina se tornou abolicionista no ano de 1887, quando lançou o conto A Escrava, onde ela constrói uma personagem feminina que tem sentimentos sinceramente abolicionistas. “O termo já existia em 1887, mas em nenhum momento é citado em Úrsula”.
Segundo Régia, a obra de Maria Firmina é importante no contexto histórico e literário, pois os personagens cativos do livro aparecem como “sujeitos históricos”. “Nós que estudamos a obra de Maria Firmina, sabemos que os personagens Úrsula e Tancredo — ambos brancos —, são apenas um chamariz para a maioria das pessoas que liam romances naquela época, que eram mulheres”, explica.
“Eles tomam a cena, eles falam deles mesmos, contra a escravidão. O autor é onisciente também fala contra a escravidão. Temos três personagens: o Túlio, que ajuda Tancredo a escapar da morte; a Preta Susana, onde ela fala pela primeira vez na literatura brasileira sobre a passagem em um navio negreiro; e Antero, que também era um africano e sofria com o alcoolismo”.
A historiadora e professora explica que, este último personagem, na África, trabalhava e não precisava mendigar dinheiro a ninguém. “Ele bebia apenas em dias festivos, nos rituais religiosos, a bebida tinha um outro sentido para ele na África. Aqui no Brasil, a bebida se torna uma doença para ele”, explica.
E segundo ela, há uma construção de uma imagem de África, pela primeira vez no Brasil, de forma positiva. “A África de Maria Firmina dos Reis é oposta ao Brasil. Era a terra da liberdade. Embora a gente saiba que, historicamente, havia escravidão no continente africano”.
LEIA TAMBÉM | Dragão do Mar, o cearense mais importante na história do Brasil
A doutoranda em Literatura Brasileira (FFLCH/USP), Luciana Martins Diogo, que também é autora dos livros Maria Firmina dos Reis: vida literária (Malê, 2022) e Cantos à beira-mar e outros poemas (Fósforo, 2024), destaca que, quando Firmina falece, nenhuma nota foi publicada pela imprensa, mesmo tendo contribuído com os jornais locais.
“Ao que se sabe, não foram encontradas nenhuma nota nos jornais maranhenses, noticiando ou marcando a contribuição dela. Isso também aconteceu com outras autoras do século 19”.
Luciana continua: “No mesmo momento em que essas mulheres estavam vivas e seus contemporâneos da imprensa tiveram seus textos debatidos pela crítica, ao mesmo tempo que elas falecem, caem no esquecimento pelo próprio desinteresse da crítica feita pelos homens em manter esses textos debatidos”, explica.
Um outro motivo para o silenciamento, seria o fato de Firmina ser uma mulher negra que debatia temáticas raciais à época. “Não foi uma temática privilegiada pela crítica”.
Luciana também destaca a importância e contribuição de Maria Firmina à literatura nacional: “Ela coloca um ponto de inovação no cenário da literatura brasileira do século 19, em que os homens predominavam, com seus textos, discursos e pontos de vista. Podemos pautar a Maria Firmina com a construção das personagens negras enquanto personagens literárias com profundidade, reveladoras de projetos de vida — para essas personagens”.
De acordo com Luciana, o tratamento no ponto de vista nas vozes dos personagens, que Firmina faz, instaura no discurso literário do século 19, inovações que servem de contribuição até hoje.
Para ela, Firmina e suas obras podem ser debatidas no espaço acadêmico e escolar, servindo de base para crianças e adolescentes. “Ela também deveria fazer parte da formação das crianças, escolar. Se isso acontecer, ela será uma escritora tão debatida quanto outros autores do século 19 que são discutidos no ensino fundamental”.
Especial OP+ para marcar o Dia da Consciência Negra traz a história de mulheres negras apagadas da história nacional, causando um silenciamento irreparável. Preta Tia Simoa, Tereza de Benguela e Maria Firmina dos Reis foram apenas algumas das vítimas deste apagamento