Cada pincelada da produção da artista visual fortalezense Azuhli, de 26 anos, guarda consigo possibilidades de reconhecimentos de si e alargamentos a partir das abordagens oníricas propostas pelas obras.
“Eu sempre disse que o que me inspira são as pessoas ao meu redor, mas esses dias eu pensei que, talvez, o que move meu trabalho é a vontade de fazer com que as pessoas se enxerguem como eu as enxergo”, arrisca a artista. A identificação do público com seus quadros, ela percebe, é constante a partir da descoberta que, por trás das telas que escapam do realismo, estão temas tão humanos e identificáveis quanto o amor, a saudade, as relações. “As pessoas, por alguns segundos, se veem naquela obra como um reflexo de espelho. E isso é o que me faz querer produzir todos os dias, esse diálogo intenso e silencioso”, destaca.
Se Azuhli hoje é essencialmente pintora, a primeira expressão artística com a qual se envolveu na adolescência, há 10 anos, foi a fotografia. “Ganhei uma câmera analógica e com alguns filmes vencidos fui construindo meu interesse pela estética”, recupera. O olhar fotográfico construído ao longo da década segue sendo um importante acompanhante da produção pictórica da artista.
“A maioria dos meus quadros surgem em referência a alguma fotografia que tirei de uma pessoa ou paisagem. Uso esse acervo de imagens também como pesquisa para composições das telas”, explica. A construção das obras passa, ainda, por uma espécie de ritual que ela descobriu funcionar: fumar um cigarro e beber um copo de água gelada antes de ir ao ateliê. "Depois disso, embarco num processo de leitura do que tenho finalizado até o momento e só então me comprometo a passar algumas horas produzindo", afirma.
Essa intimidade com a pintura, expressa neste ritual pré-produção e no entendimento do próprio processo, começou a ser construída a partir da experiência que Azuhli colheu trabalhando como mediadora no Espaço Cultural da Universidade de Fortaleza, instituição na qual cursava arquitetura. “Foram dois anos imersa naquele salão que a cada exposição se remodela para receber os novos quadros. Minha paixão pela arte foi arrebatadora! Comecei, com algumas tintas e telas, o que eu tinha tanto anseio em expressar, contar pro mundo”, narra.
Ter sido, anos depois, convidada a expor naquele mesmo espaço foi um reconhecimento importante, divide, assim como ter visto seu nome impresso nas páginas do Vida&Arte. “Lembro que a primeira vez que saí no jornal foi em uma matéria no O POVO citando meu nome brevemente em meio a outros artistas. Mesmo que muitos interpretem como uma banalidade, comprei todas as cópias da banca de revistas para distribuir entre familiares e conhecidos”, divide. A “Azuhli criança que roubava o jornal do pai para ler as notícias”, hoje, não acredita que ocupa a sobrecapa do jornal e uma página inteira do V&A.
Nas obras em destaque nas páginas do O POVO, despontam novas imagens que interessam atualmente à artista, como o papel do inconsciente, dos sonhos e da psicanálise. “enquanto o sonho durar”, a da sobrecapa, foi produzida neste ano e compõe a série “Sonhos”. “Muito do meu inconsciente está presente na pintura através de pinceladas mais precisas ou até mesmo menos criteriosas. Colocando o estudo da psicanálise em prática, percebemos que os trabalhos falam de sonhos. Sonhos que tenho ou que me contam, e de alguma forma, tento traduzi-los em pintura”, explica.
O viés onírico traz liberdades que permite extrapolar a representação “realista” ou “fiel” mais clássica, fazendo com que os reconhecimentos que a obra de Azuhli evocam sejam, justamente, pela partilha do sensível. “Sinto-me livre para reproduzir sensações que ficam ao acordar e tentarmos lembrar do que sonhamos. Por isso, alguns personagens podem parecer flutuantes em meio ao cenário da pintura ou o destaque para símbolos presentes na composição”, elabora.
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