Fotografia, poesia, audiovisual, palavra, imagem e linguagem se cruzam, aproximam, distanciam e tensionam a partir dos gestos propostos pela artista - ou autora, como prefere - Betty Leirner. Nascida em São Paulo em 18 de julho de 1959, ela é radicada hoje na Europa e soma mais de 40 anos de atuação interessada nas relações e contaminações recíprocas entre diferentes meios, suportes e linguagens. Neste sábado, Betty adiciona nova expansão de limites à trajetória artística, estampando a sobrecapa da edição de hoje do O POVO com uma obra.
Em contato para a entrevista desta matéria, Betty impôs à lógica do jornalismo outros modos de ser. Numa conversa inicial por telefone, pediu as perguntas por e-mail e disse que respostas sobre sua trajetória poderiam ser encontradas em textos de alguns documentos que compartilhou.
No envio das perguntas, arrisquei seguir com algumas questões ligadas à trajetória da artista, em tentativas de desvendar mais detalhes. Em retorno, Betty assumiu não se sentir à vontade para responder esses pontos em específico e preferiu enviar um texto curatorial, "Betty Leirner - A ambiguidade essencial da linguagem", assinado por Arlindo Machado.
"Não sou uma artista 'oficial'. Para mim, ser artista significa aprender a viver. A palavra que há um bom tempo a mim melhor cabe é autor/a."
No escrito, o autor, curador de arte, atenta para o pioneirismo do trabalho de Betty em tempos de "convergência dos meios e das artes". O gesto não é de fusão, ele contrapõe, mas de interesse justamente nas intersecções. "O que importa realmente é compreender o que existe de um meio em outro, o que há de pictórico no cinema, de cinemático na literatura, de fotografia na música e assim por diante", elabora.
Na tarde da quinta, 2, porém, a artista surpreende com um e-mail. "Espero que você não tenha levado um susto com minha resposta anterior sobre as perguntas abaixo, eu levei um susto quando as recebi, mas agora já me acostumei com o teor investigativo que incluiria nomes, datas, especificações…", escreveu. Abaixo do recado, respostas - bem próprias - para as perguntas.
Sobre contato com a arte antes de ser artista, explicou: "Não sou uma artista 'oficial'. Para mim, ser artista significa aprender a viver. A palavra que há um bom tempo a mim melhor cabe é autor/a". "Quando lido com palavras, a responsabilidade é imensa", completou.
"Minha vida é cinema: sou personagem do meu filme, principalmente quando esqueço que estou vivendo."
"Aos dezessete anos de idade, optei por cursar a faculdade de cinema. Já naquela época, sabia que apenas o cinema trabalha com todas as artes, e que, assim como o pensamento filosófico, perpassa todas as possíveis perguntas (não as respostas) da humanidade", permitiu desvendar, completando: "Minha vida é cinema: sou personagem do meu filme, principalmente quando esqueço que estou vivendo". Citou, ainda, a produção francesa de vanguarda "O Sangue de um Poeta" (1932), de Jean Cocteau, e uma frase do cineasta: "O cinema é a moderna escritura, onde a tinta é a luz".
A ideia de Cocteau, construída a partir de atravessamentos entre diferentes artes, ecoa a multiplicidade da produção de Betty. Perguntada sobre as diferenças de produzir a partir de distintas técnicas e suportes, defende: "Se isto é isto e se aquilo é aquilo, nem isto não é aquilo, nem aquilo não é isto, mas isto não deixa também de ser aquilo e aquilo não deixa de ser também isto. Os meios não são as mensagens, porém lidamos com as especificidades de cada técnica, de cada formato e cada matéria".
E a folha impressa de um jornal? Como Betty recebe, com uma obra tão interessada na imagem e na palavra, compor um projeto que desloca a arte para o veículo? "Bela possibilidade esta, a de disponibilizar imagens-palavras reais, palpáveis, impressas em um meio que será distribuído para quem quiser tocá-lo, seja lendo-o ou não, para depois vir a transformar-se no jornal do dia, no jornal de ontem, anteontem, ou de um dia sem importância, e que sem esforço, modificada sua função informativa, voltará a ser apenas papel-matéria de significado funcional", elabora.
A experiência de compor a mostra Nosso Papel É Arte, justamente em suporte tão significativo quanto fugaz, com público indefinido e por isso amplo, quase se contrapõe a uma iniciativa recente de Betty quando expôs em plena quarentena as obras "mundo" e "resto de mundo" na Galeria Superfície, em São Paulo. A ideia era levar à exposição obras "inevitavelmente privadas de espectadores", fato imposto pelo contexto de pandemia.
"No meu entendimento, uma obra não carece de 'espectadores'. A obra existe, ou não. No caso do projeto Nosso Papel é Arte, trata-se de utilizar o sentido informal, o espaço midiático e o material 'Papel Jornal' para fazer Arte. Trata-se de transformar o papel do POVO em Arte, trata-se de transformar a Arte sobre Papel em Povo. Mãos (páginas) à obra!", convidou.
Na mostra O nosso papel é arte, as páginas do jornal adquirem o valor de artefato. O leitor poderá apreciar as criações artísticas, além de colecioná-las. O assinante do O POVO+ ainda terá acesso a todas capas em alta qualidade, para poder baixar e deixar a criatividade fluir: quem sabe imprimir para virar pôster na parede? Ou então decorar a tela do celular?
Para baixar as capas, basta acessar o link bit.ly/NossoPapelÉArte. O link direciona para uma pasta na nuvem com os arquivos em alta qualidade - a pasta será atualizada quinzenalmente.
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