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Em corpo e poesia
Reportagem Seriada

Em corpo e poesia

Artista visual Cecilia Bichucher apresenta obra "À sombra do cajueiro" (2019) na sobrecapa da edição de hoje do O POVO para o projeto Nosso Papel é Arte
Episódio 11

Em corpo e poesia

Artista visual Cecilia Bichucher apresenta obra "À sombra do cajueiro" (2019) na sobrecapa da edição de hoje do O POVO para o projeto Nosso Papel é Arte
Episódio 11
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À beira de um cajueiro, em plena luz do dia, Cecilia Castellini Bichucher repousa atenta ao tempo, ao mundo porvir que se anuncia agora. Entre os dedos finos e ágeis, enlaça o pincel para compor afluentes de águas e tintas; borda uma letra na outra e escreve poemas; costura com as linhas da vida. Destino, coisa feita, encanto — quem conhece os mistérios da criação? —, Cecilia rebentou ao mundo com asa no pé e corpo afeito à arte. Artista visual nascida na São Paulo de 1967, aportou em Fortaleza em 1989 e no Ceará criou filhos, raízes, trabalhos, pesquisas. Na sombra farta da árvore que mora em seu jardim, Cecilia encontra formas de voltar para casa.

"Desenvolvo uma poética tanto com imagens como com  palavras", descreve-se a artista visual Cecilia Bichucher. (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação "Desenvolvo uma poética tanto com imagens como com palavras", descreve-se a artista visual Cecilia Bichucher.

"Não me lembro do tempo em que a arte não fazia parte da minha vida", compartilha Cecília. Filha de pai italiano nascido em Milão e de mãe descendente de turinenses, a artista visual cresceu numa família apaixonada por múltiplas culturas. "Nós éramos os netos brasileiros do meu avô, então quando nós o visitávamos, ele nos mostrava as coisas belas da Itália quase como uma educação. Pequenininha, visitava museus e achava tudo aquilo maravilhoso. Não era uma educação direta, mas era uma família interessada em artes. O papai, certa vez, comprou ingresso para todo mundo ver a "Ópera do Malandro". A gente tinha convívio com arte em casa", rememora.

"Desenvolvo uma poética tanto com imagens como com palavras", descreve-se a artista visual Cecilia Bichucher. (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação "Desenvolvo uma poética tanto com imagens como com palavras", descreve-se a artista visual Cecilia Bichucher.

Ainda na escola, Cecilia fugia das aulas de química para fazer estudar desenho e aproveitava o intervalo para deambular por museus na Avenida Paulista. "Quando fui escolher o que estudar, eu sabia tudo que eu não queria. Na família, a gente tinha uma fábrica de tecidos para roupa e eu brincava de desenhar roupas... Acreditava que queria ser estilista, mas não era aquilo. Sou bacharel em Belas Artes". No correr incessante dos dias, a artista envolveu-se em outras atividades: trabalhou em escritório, criou três filhos, construiu amor e lar com um cearense. "Mas a arte esteve sempre comigo. Agora, já em outro estágio, me dedico 24 horas por dia. Acredito que arte não seja só um métier, mas uma maneira de viver", acredita.

"Desenvolvo uma poética tanto com imagens como com  palavras", descreve-se a artista visual Cecilia Bichucher. (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação "Desenvolvo uma poética tanto com imagens como com palavras", descreve-se a artista visual Cecilia Bichucher.

"Conto a minha trajetória como uma trajetória interrompida", ressalta Cecilia. "Uma mulher que se dedica à arte, historicamente, sofre uma defasagem muito grande. Ao mesmo que desejamos nos envolver com a arte, tem um outro lado da vida que puxa… O meu caminho percorrido na arte é lento, porque eu não tive a oportunidade de ser aquele artista que para tudo para criar. Uma época, eu trabalhava com aquarela porque aquarela é portátil: eu fazia dentro do carro, enquanto meus filhos saíam da escola; pintava durante os campeonatos que eles participavam… Não existiu o 'para tudo que a mamãe está trabalhando'. O cenário tem mudado, mas a vida da mulher artista ainda é muito permeada pelo privado, pela casa… A minha vida foi assim".

Uma mulher do hoje, Cecília defende a importância da reflexão sobre os lugares que os artistas ocupam e de onde eles produzem. "Tem uma mística que existe no imaginário popular do artista gênio que se isola para estudar e trabalhar. Picasso dizia precisar de silêncio absoluto. A minha vida e o meu trabalho não funcionaram assim. É importante falarmos sobre isso, não nos calarmos".

Politicamente engajada, a artista visual lê, pesquisa e tece conversações com outras mulheres sobre a condição feminina nas artes. "Percebi esse meu lugar de fala, a minha voz. Eu noto atualmente em Fortaleza um avanço na pluralidade de vozes, de gêneros, de espaços sociais. Fico muito feliz quando vejo essas outras tantas vozes, a atenção das curadorias. Quem entra agora ainda enfrenta muitas dificuldades, mas se compararmos com a situação há 20 anos, muitas portas foram abertas — e é um trabalho de formiguinha", pontua.

 

 

Mãe de Paulo, Vitório e Bernardo, Cecilia precisou unir esfera privada e trabalho artístico para conciliar maternagem e processo de criação. "Uma vez, eu estava numa galeria de arte conversando com o pintor Otto Cavalcanti e falei que precisava ir embora, voltar para casa porque era hora dos meus filhos comerem. O Otto, então, me disse:

'Você já fez três obras de arte, que são seus filhos. Espero que você consiga fazer muitas outras'. Eu amei isso. A vida privada me levou a escolher materiais que pudessem me acompanhar. Muitas das minhas escolhas estão ligadas às possibilidades. Uso bastante aquarela, que requer apenas água, papel e tinta, e isso é fácil de transportar. A ideia é usar materiais que conversem bem com o meu trabalho. Utilizo muito papel, faço colagens, bordo, crio camadas de interferência. Gosto da simplicidade, de combinar materiais. Esse controle descontrolado é muito presente no meu trabalho porque é muito presente na minha vida", explica.

 

 

 

Na mostra O nosso papel é arte, as páginas do jornal adquirem o valor de artefato. O leitor poderá apreciar as criações artísticas, além de colecioná-las. O assinante do O POVO+ ainda terá acesso a todas capas em alta qualidade, para poder baixar e deixar a criatividade fluir: quem sabe imprimir para virar pôster na parede? Ou então decorar a tela do celular?

Como funciona?

Para baixar as capas, basta acessar o link bit.ly/NossoPapelÉArte. O link direciona para uma pasta na nuvem com os arquivos em alta qualidade - a pasta será atualizada quinzenalmente.

 

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