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Bordado, crochê e performance na arte de Jamille Queiroz
Reportagem Seriada

Bordado, crochê e performance na arte de Jamille Queiroz

A fotógrafa Jamille Queiroz investiga técnicas milenares por meio de imagens. Obra da artista estampa a sobrecapa do O POVO deste sábado, 30, no projeto "Nosso Papel É Arte"
Episódio 13

Bordado, crochê e performance na arte de Jamille Queiroz

A fotógrafa Jamille Queiroz investiga técnicas milenares por meio de imagens. Obra da artista estampa a sobrecapa do O POVO deste sábado, 30, no projeto "Nosso Papel É Arte"
Episódio 13
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"Sempre me foi próxima a relação com o fazer manual e os fios", recorda a fotógrafa e artista visual Jamille Queiroz. Talvez por isso seja complexo resgatar o primeiro contato com as artes têxteis. Ela ainda era menina quando os seus olhares pairavam sob as mãos da mãe. Observava como a matriarca, assim como tantas outras mulheres da família, concebia artefatos por meio da costura. Ali nasceu o interesse e o despertar para o trabalho manual.

Artista utilizou o próprio corpo como estrutura para crochê(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Artista utilizou o próprio corpo como estrutura para crochê

Desde o início, o processo aguça certo encanto, visto que cria algo "a partir de um fio, dá a forma em uma maneira autônoma - só você, o fio e as mãos -". Aprendeu, então, o bordado e o crochê. Paralelamente, uma câmera analógica presenteada por um amigo a fez experimentar os métodos de criação das imagens e narrativas visuais durante a juventude. "Vi que tinha muito de um processo artesanal ali - a fotometria manual, o filme, a revelação", associa Jamille. Ela se distanciou das práticas ao ingressar no curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC). Na graduação, mergulhou no universo da Literatura e da linguagem.

 

 

"Levei um tempo para entender que o que eu buscava estava justamente no ponto de encontro dessas duas linguagens: a imagem e a palavra. Se a literatura nos traz imagens, a fotografia nos traz também uma literatura", compara a fotógrafa. Quando compreendeu mais sobre o que desejava construir e compartilhar profissionalmente, Jamille retomou o uso das ferramentas já familiares. "Neste momento, começo a ver meu trabalho também como arte têxtil, onde a junção de técnicas tão milenares - bordado e crochê - entram de forma direta para a construção de uma imagem", complementa.

Atualmente, o seu ofício na fotografia, que perpassa pela moda e pelo retrato, engloba o recorte das linhas. "O crochê chega no meu trabalho no meio desse emaranhado de técnicas, mesclando o fio, a fotografia e a palavra", explica.

Jamille pesquisa a figura do crochê no corpo(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Jamille pesquisa a figura do crochê no corpo

Enquanto detalha as particularidades do âmbito artístico, lembra novamente da figura materna. "Como não tinha acesso a linhas, ela fazia e desfazia um crochê para transformá-lo em outra coisa. Esse processo de fazer e desfazer sem marcas me instigou. A partir de um fio contínuo podemos dar forma, criar corpos, desenhos".

Com base nas referências constantes das fiandeiras da mitologia às artesãs que ainda resistem, Jamille desenvolveu diferentes formas de expandir a ligação entre o corpo e os tecidos. Produz bordados em fotografias ou enlaça, através do crochê, palavras, frases e figuras em quadros, por exemplo.

"Quando crio essas narrativas, elas também falam de mim. Vejo um trabalho artístico como um trabalho manual, vem de um mergulho de dentro de si. Cada quadro tem horas da minha vida, onde parei e teci aquela peça a partir de um novelo". A investigação ininterrupta enquanto indivíduo é recorrente em sua metodologia criativa. "Quando eu passo a me fotografar eu começo a entender que meu trabalho cruza a performance, é tudo o que atravessa e se mistura", conta.

No período conturbado dos primeiros meses da pandemia, sem sair de casa e com "a cabeça a mil", Jamille utilizou o teor performático para dar vazão a outra versão deste "corpo - linha". A fotógrafa reuniu sobras de fios e usou a própria figura como molde de estrutura para o crochê, desde o dedo do pé até o fio de cabelo. Em alguns dias, teceu uma espécie de armadura de proteção em tramas coloridas. "Foi um lugar muito simbólico, de me refazer nesse momento tão delicado, muito isolado. Passei a entender melhor as dimensões do meu corpo e a ver o crochê quase como uma segunda pele".

Conexão com bordado é utilizada no trabalho da fotógrafa (Foto: fotos Divulgação)
Foto: fotos Divulgação Conexão com bordado é utilizada no trabalho da fotógrafa

Em suas pesquisas, passou a entender mais sobre o papel social dessas técnicas ao longo da história, principalmente no que tange a conexão com as mulheres. "Depois da revolução industrial o papel da artesã passa a ser desvalorizado, além da questão do machismo e do trabalho doméstico como uma forma de manter as mulheres em casa. Há uma reviravolta quando elas passam a vender seus trabalhos e ganham autonomia financeira. Tem vários altos e baixos nessa relação", comenta.

Aos 29 anos, sendo artista, nordestina e mãe, pontua, é "importante perceber o que isso significa", principalmente vivendo em um Estado considerado polo artesanal. Para Jamille, ela está sempre em movimento com algum projeto, visto que "é difícil saber exatamente quando um trabalho começa e quando termina". Uma coisa é certa: a fotografia, a linguagem e a arte têxtil continuam se difundindo. "Na raiz da palavra fotografia temos o conceito de "escrever com a luz" e no têxtil, de escrever com os fios".

 

 

Na mostra O nosso papel é arte, as páginas do jornal adquirem o valor de artefato. O leitor poderá apreciar as criações artísticas, além de colecioná-las. O assinante do O POVO+ ainda terá acesso a todas capas em alta qualidade, para poder baixar e deixar a criatividade fluir: quem sabe imprimir para virar pôster na parede? Ou então decorar a tela do celular?  

Como funciona?

Quinzenalmente, esta matéria será atualizada com as capas dos artistas, a biografia deles e uma galeria com outras obras. 

Para baixar as capas, basta acessar o link bit.ly/NossoPapelÉArte. O link direciona para uma pasta na nuvem com os arquivos em alta qualidade - a pasta será atualizada quinzenalmente.

 

 

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