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Bolsonaro é ameaça ao espaço cívico, diz Ilona Szabó
Reportagem Seriada

Bolsonaro é ameaça ao espaço cívico, diz Ilona Szabó

ENTREVISTA | Autora de obra sobre autoritarismo e espaço público, Ilona Szabó reflete sobre os mecanismos de sufocamento da democracia no Brasil e no mundo
Episódio 2

Bolsonaro é ameaça ao espaço cívico, diz Ilona Szabó

ENTREVISTA | Autora de obra sobre autoritarismo e espaço público, Ilona Szabó reflete sobre os mecanismos de sufocamento da democracia no Brasil e no mundo
Episódio 2
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Era fevereiro de 2019, e o “gabinete do ódio” do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não era sequer conhecido com esse nome – mas já tinha seus alvos. O primeiro deles foi a cientista política Ilona Szabó de Carvalho.

Convidada pelo então ministro Sergio Moro (Justiça) para ocupar cargo de suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a pesquisadora foi vítima de campanha articulada de difamação e intimidação nas redes sociais. Diretora-executiva do Instituto Igarapé, Ilona havia aceitado integrar o colegiado e sua nomeação, publicada no Diário Oficial da União.

No mesmo dia, porém, foi defenestrada do cargo (não remunerado e não deliberativo) depois da pressão dos apoiadores mais radicais do chefe recém-empossado. Sob ameaças, deixaria o país meses após o episódio. De fora, passou a estudar os passos da gestão do ex-capitão do Exército que derrotara Fernando Haddad nas urnas no ano anterior.

De seu esforço, resultou o livro agora publicado “A defesa do espaço cívico” (editora Objetiva), no qual esquadrinha uma escalada de autoritarismo e estreitamento do campo político no Brasil. Na esteira do governo, parte das instituições está acuada. Essas investidas, contudo, têm método, aponta a autora, para quem Bolsonaro segue cartilha comum de afronta à democracia.

Em conversa com O POVO por telefone, Ilona Szabó fala sobre os ataques de que foi vítima e detalha a pesquisa levada a cabo para entender o grau de ameaça representado por aliados do presidente. Também reflete sobre possíveis saídas para a encruzilhada democrática pela qual o país passa. Confira os principais trechos da conversa.

Ilona Szabó - AZUIS - CAPA(Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos Ilona Szabó - AZUIS - CAPA

O POVO – Em livro recém-publicado, a senhora descreve didaticamente o processo de estreitamento do espaço cívico no Brasil. Quais riscos corremos hoje?
Ilona Szabó – Para começar, queria explicar um pouco esse conceito de espaço cívico. É essa esfera pública, entre Estado, família, negócios, onde nós, cidadãos, nos organizamos, debatemos e também agimos, para tentar influenciar não só a opinião, mas as políticas públicas. É a forma que a gente tem de participar da construção do país. Isso vem sendo construído no Brasil muito fortemente desde a nossa Constituição de 1988. Eu diria que não é um espaço simples. Há conflitos, é um espaço de bastante diálogo, mas sempre esteve aberto e estava se ampliando. Já antes das eleições de 2018, com o aumento da polarização, a gente percebe que esse espaço começa a ser ameaçado. Vemos uma intolerância com opiniões divergentes. Pessoas que pensam diferente passam a ser tratadas, num primeiro momento na esfera digital, como inimigas, e isso é um sinal de que as pontes de diálogo, o espaço mesmo de convivência, começa a ficar dividido entre nós e eles. Obviamente a esfera digital é a mais visível dessa estratégia de fechamento. Mas vemos que isso vai piorando a partir das eleições de 2018 e da retórica que ganha a eleição. Depois temos algumas fases, primeiro ainda no campo da retórica, em seguida estratégias que começam a ser testadas, e as instituições reagem. Hoje estamos num momento de piora, começamos a ver o uso de instrumentos legais. Cruzamos a linha não só retórica para a tentativa, mas também para a ação efetiva para fechar, na prática, o espaço, e não apenas na esfera do debate.

 

 

O POVO – A senhora foi um dos primeiros casos entre pesquisadores e jornalistas que depois se tornariam alvo dessas falanges bolsonaristas digitais. O que isso já sinalizava naquele momento, ainda no início do governo? Esse cenário se deteriorou de lá para cá?

Szabó – Essas estratégias às vezes parecem descoordenadas, isoladas, casos isolados, mas estão seguindo uma cartilha usada por líderes com traços populistas e autoritários mundo afora. Isso tem método, não é aleatório como a gente pode imaginar. Vimos uma eleição muito contaminada, com discursos de defesa da “revolução” e não do golpe de 1964, a promoção de figuras que tiveram um papel terrível na nossa história, como o Ustra, um torturador, uma pessoa que não respondeu aos crimes que cometeu por conta da anistia. A gente viu um discurso de ódio e difamação. Quando vem 2019 e o governo assume, quando entra em exercício, a gente vê, já no início mesmo, uma tentativa de decreto para controlar ONGs. Isso teve uma repercussão muito negativa. Nesse momento, a gente ainda foi tentar conversar, o general Santos Cruz estava no Governo, para tentar entender do que se tratava, e houve um recuo, porque de fato a repercussão foi negativa.

"... mesmo com essa retórica do ódio, alguém que elege como presidente tem um mínimo de decoro. Tem que estar à altura do cargo e governar para todos. É eleito pela maioria, mas, por lei, tem que governar para todos"

Mas outros indícios estavam chegando. No meu caso, em fevereiro de 2019, fui convidada para fazer parte de um conselho voluntário, não remunerado, consultivo, que não tinha poder de decisão, sobre política penitenciária e criminal. Eu já era parte de um conselho, e nesse sentido é importante a gente explicar: conselhos não são cargos de governo, são espaços que foram criados justamente para permitir essa troca entre cidadãos e governantes, mas são instrumentos do estado brasileiro. Eu estava ali sendo convidada para ocupar uma vaga da sociedade civil. Eu já era titular do Conselho de Segurança Pública e Defesa Social, que tinha sido criado pelo ex-ministro Raul Jungmann, na gestão anterior. Para mim, ocupar esse espaço era um dever cívico. A forma com que a gente trata a agenda da segurança, numa perspectiva baseada em evidências e experiências comprovadamente eficazes, era realmente muito diferente das propostas do presidente Bolsonaro e do governo que ele estava trazendo. Enquanto partícipe dessa construção, eu pensei: vou lá levar meus dados, minha voz. Naquele momento, ainda era um pouco de pagar pra ver, vamos ver se tem algum espaço de troca, porque, mesmo com essa retórica do ódio, alguém que se elege como presidente tem um mínimo de decoro, digamos assim. Tem que estar à altura do cargo e governar para todos. É eleito pela maioria, mas, por lei, tem que governar para todos.

 

 

O POVO – Foi um dilema aceitar ou não o convite do então ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) para integrar o conselho?

Szabó – Foi um grande dilema, sim. Foi um grande dilema porque a gente sabia quais eram as propostas, então não é que fui sem saber. No convite que o ministro Moro fez, ele já expôs que estava ciente das divergências que eu tinha com o governo, inclusive com o seu ministério. Quando li isso no convite, pensei: se tem ciência de que há divergências e, mesmo assim, há convite para o diálogo, é dever cívico ir. Eu acredito na construção de pontes, eu sempre acreditei. Por mais difícil que fosse, sempre me sentei com pessoas que pensavam diferente, a gente sempre trabalhou com as instituições de segurança pública e de justiça criminal, inclusive com missões de paz, com o Exército. O Instituto Igarapé tem a perspectiva não só de criar propostas ou de falar sobre as instituições, mas de estar nesse diálogo com elas. A gente propõe que isso possa virar contribuição. Então sempre conversei com todo mundo. Nesse momento, a minha interlocução não era com o núcleo mais ideológico do poder, não era com o presidente e seus filhos. Não tinha essa interlocução, as diferenças eram muito grandes, mas eu achava que, a partir do convite do ministro, com essa abertura mesmo, pensei que era um dever, em especial porque o tema de políticas sobre drogas era o único lugar onde eu achava que teria algum espaço para eu levar as questões relacionadas ao sistema carcerário no Brasil. Por isso aceitei.

"Numa democracia a gente tem que dialogar com diferentes posições, a gente tem que buscar os pontos de contato, tem que construir os consensos"

Mas, no dia em que sai minha nomeação, ela dura 24 horas, porque essa guerrilha digital logo entra em ação. Importante dizer que essa guerrilha digital não nasce organicamente. Nasce de uma mensagem de um lobista das armas, mas imediatamente é replicada e ganha uma hashtag ligada ao núcleo ideológico do governo e, a partir disso, ganha as redes. É uma ação coordenada justamente para dizer assim: pessoas que pensam diferente ou que não apoiem 100% a ideologia bolsonarista não são bem-vindas. Passa um recado não só para a sociedade civil. Passa um recado também para funcionários públicos, para as pessoas que estão ocupando cargos no governo, de que não tentem trazer pessoas que não estejam de acordo com nossas propostas. Ali já não tinha mais o sentido de democracia. Numa democracia a gente tem que dialogar com diferentes posições, a gente tem que buscar os pontos de contato, tem que construir os consensos.

Ilona Szabó, cientista política(Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO Ilona Szabó, cientista política

O POVO – Dali em diante esse tipo de ataque se tornaria sistemático?

Szabó – A partir daí obviamente muitas outras coisas muito mais graves aconteceram, seja comigo, seja com outras pessoas. Muito mais pessoas foram atacadas. Hoje são centenas de pessoas alvo de estratégias para calar, desde a desumanização dessas pessoas, a difamação, toda essa rede de notícias falsas. Mas também algumas vezes isso cruza o campo digital e tem intimidações que já vão para a sua vida pessoal e profissional, vai subindo o tom. Infelizmente a gente tem visto que isso acontece no Brasil.

O POVO – Há quase que um padrão nesse constrangimento, principalmente contra jornalistas mulheres atacadas nas redes, com ameaças reais, mas também contra parlamentares. Isso foi importante para a sua decisão de deixar o Brasil. Queria que falasse sobre como foi esse processo, já que existe uma repercussão pessoal grande.

Szabó – Houve esse episódio de fevereiro de 2019, com uma nomeação e uma desnomeação para o conselho, com uma repercussão digital muito grande. Esse caso virou um caso emblemático do tom de que o governo Bolsonaro seria intolerante. Essa foi a marca daquele episódio, mas obviamente depois isso ficou comprovado porque são centenas de líderes cívicos, jornalistas, artistas, líderes indígenas, acadêmicos, cientistas. São centenas de pessoas que fazem parte desses grupos que atuam mais publicamente no espaço cívico sendo atacadas. Sendo atacadas às vezes por defender dados, inclusive dados do próprio governo. Sendo atacadas por falar a verdade, por questões e opiniões contrárias, tudo dentro do que seria muito normal numa democracia.

"... não só temos que entender melhor o que está acontecendo, como também alertar para o que está por vir para que a gente possa se preparar e tentar evitar os próximos passos que, nesses países, já aconteceram, em especial depois do segundo mandato"

A partir desse caso, eu fui nomeada, o presidente fala no meu nome até hoje publicamente, seja em coletiva de imprensa ou em jornais. Isso era maio de 2019, um momento em que tinham sido lançados vários decretos para diminuir o controle de armas no Brasil, e eu trabalho há muitos anos para que a gente tenha uma regulação responsável de armas. Nesse ponto, volto a entrar muito forte no debate público. Aí começo a sofrer outro tipo de intimidação. Intimidações mais sérias, muito difíceis de entender de onde estão vindo. Elas não deixavam rastro, portanto não tinha como denunciar ou pedir ajuda. Tanto intimidações quanto ameaças em e-mails, que saem de um discurso de ódio e assumem uma conotação mais de ameaça. E eu tinha recebido um convite para passar um tempo fora, para estudar na Universidade de Columbia, e achei que era um bom momento. Foi importante para mim ter essa oportunidade de sair porque eu pude me aprofundar, justamente olhar o que estava se passando no Brasil numa perspectiva comparada. Comecei a olhar outros governos do mesmo tipo de método, liderados por outros líderes autoritários, seja na Hungria, nas Filipinas, na Polônia, na Rússia, até o próprio Trump, na Turquia. Comecei a entender melhor. Isso virou um programa e uma pesquisa, criamos estratégias para lidar com o tema. Porque não só temos que entender melhor o que está acontecendo, como também alertar para o que está por vir para que a gente possa se preparar e tentar evitar os próximos passos que, nesses países, já aconteceram, em especial depois do segundo mandato.

 

 

O POVO – O que o Brasil partilha com nações como essas, Rússia, Hungria e outras cujos governos rezam pela mesma cartilha antidemocrática?

Szabó – De um lado, há uma tentativa dessas lideranças de destruir a imprensa livre, de calar a imprensa, e também de constranger, trazer para perto ou infiltrar-se noutros poderes, atentando para a separação de poderes, comprometendo o sistema de freios e contrapesos. A gente viu isso no Brasil também. Isso se desdobra numa estratégia atual, que é a do acordo com o “centrão”, a parte mais fisiológica da política. Do lado do Judiciário, houve um certo recuo por conta dos processos e das ações que chegaram contra o próprio presidente e seus filhos, então teve um momento de temporário recuo, porque o STF responde a essas ameaças instaurando inquéritos a partir das acusações que havia recebido. Tudo isso aconteceu mundo afora. Assim, ou esses líderes conseguem controlar os poderes de fato ou há ataques muito intensos a esses poderes e à imprensa por parte do Executivo. Em relação à sociedade civil, vemos a mesma estratégia. Primeiro, tentar difamar e desumanizar, criar campanhas de desinformação sobre o trabalho de organizações e de atores do espaço cívico. Quando escala um pouco, há estratégias de intimidação que usam inclusive instituições de segurança pública ou justiça criminal. Nos países que verifiquei, alguns deles já têm restrição de financiamento para essas organizações, em alguns outros a gente vê detenção, o que cruza a linha. Ou é preso ou sai do país. Vemos finalmente fechamento de universidades. Enfim, há uma escalada.

"E a gente vê também, o que é muito danoso para quem é vítima, a orquestração de processos, como jornalistas que respondem a ações de grupos da base de apoio do governo"

No Brasil, as estratégias de assédio são grandes e o uso do aparato de repressão do Estado começa a aparecer. A gente viu casos, por exemplo, como o de delegado que indicia o Felipe Neto e intima o (William) Bonner e a Renata (Vasconcelos, ambos apresentadores do Jornal Nacional) a depor. A gente vê procurador constrangendo a Sociedade Brasileira de Infectologia por seu posicionamento sobre a Covid – esse mesmo procurador ainda processa uma agência de fact-checking por fazer seu trabalho de checagem. A gente vê a Polícia Federal, dossiês, pessoas sendo chamadas, inclusive jornalistas, para depor. A gente vê o monitoramento de policiais antifascistas e de acadêmicos antifascistas. E a gente vê também, o que é muito danoso para quem é vítima, a orquestração de processos, como jornalistas que respondem a ações de grupos da base de apoio do governo. Tem dois casos que são muito evidentes, um dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CAC) processando um formador de opinião e outro de grupo evangélico contra um jornalista. Isso são dezenas de ações por todo o país nos juizados especiais criminais nos quais você tem de estar presencialmente. Além de ser um custo gigantesco, muitas vezes as audiências são na mesma data. É uma forma muito pesada de intimidação e de também passar o recado. Para completar, a gente perdeu de fato o espaço à mesa. Dezenas de conselhos foram fechados, e os que funcionam por força da lei, porque não eram criados por decreto, mas por lei, não têm participação da sociedade civil. Alguns ministérios ainda têm conselhos ligados à área econômica, mas o interesse público não tem mais esse espaço. Então nós perdemos esse lugar. Aqui a gente já andou passos muito rápido para dois anos de governo.

 

 

O POVO – O cenário é grave e desafiador. No seu livro, a senhora chega a apresentar possibilidades de reconstrução desse espaço cívico. Quais são as tarefas mais importantes considerando-se o cenário do Brasil de hoje, a partir de tudo isso já mencionado?

Szabó – Primeiro, a gente tem que fazer uma reflexão sobre as lideranças que a gente tem escolhido para nos representar. Lideranças são pessoas que se comprometem com o interesse público e com a vocação de servir a todos. Alguém eleito não representa apenas o seu eleitorado, ele está ali para fazer o seu melhor para a população e para o país. A gente hoje tem que buscar perfis de lideranças responsáveis e que estejam muito atentas ao conhecimento de ponta, que não neguem a ciência, que respeitem as liberdades e os direitos garantidos na nossa Constituição. Que sejam pessoas que acreditem em times, que montem equipes capazes de atuar para enfrentar nossos verdadeiros problemas. Nós somos o segundo país mais desigual do mundo, temos uma insegurança que volta a crescer mesmo no ano de pandemia. A gente está vendo o país perder os ganhos que teve a partir de 2018. Por exemplo, homicídios e feminicídios estão crescendo, a população prisional desassistida. A população mesmo, que sai de um auxílio emergencial sem saber o que vem depois.

"... estamos perdendo a capacidade de desenvolvimento da nossa população e do nosso país. A gente está ficando pra trás. Já estávamos, mas agora estamos retrocedendo"

A minha preocupação é que a gente não está olhando para as características centrais de lideranças. Lideranças não são salvadores da pátria, não podem ser, são pessoas que têm a capacidade de resolver nossos principais problemas. São características que a gente tem que buscar nessas lideranças. Depois, a gente tem que pensar muito a nossa participação cívica. Não basta votar de quatro em quatro anos, a gente tem que pensar qual é nosso papel enquanto cidadãos, desde o cidadão mais mobilizado e responsável mesmo que seja no meio digital, como também aquele que faz uma melhor fiscalização, cobrando transparência e seriedade com as políticas públicas. Vou além: para quem quiser estar de fato participando, seja do processo político-eleitoral, seja da sociedade civil, há várias maneiras de se engajar, e eu convido todos os cidadãos a refletirem sobre qual é o seu momento, como você pode contribuir mais para a construção de um país que seja seguidor do que a gente tem na nossa Constituição. O que estamos vendo hoje é que, nesse discurso de ódio, nessa separação, nesse ressentimento entre lados que muitas vezes nem fazem mais sentido quando a gente pensa nos problemas que a gente tem que resolver, estamos perdendo a capacidade de desenvolvimento da nossa população e do nosso país. A gente está ficando pra trás. Já estávamos, mas agora estamos retrocedendo. E deixando também de fazer um dever de casa muito importante nesse momento em relação às mudanças climáticas. Além da desigualdade, a questão ambiental no Brasil vai cobrar muito caro da população nos próximos anos, inclusive na agricultura, não é apenas nas florestas. O impacto da questão ambiental vai ser sentido por todos nós.

 

 

O POVO – O resultado das eleições de 2020, não somente as municipais no Brasil, mas também as dos Estados Unidos, com a derrota de Trump, mostra que há no horizonte a perspectiva de bloquear essa onda populista e autoritária, ou é cedo para falar?

Szabó – O resultado das eleições nos EUA é positivo para a retomada do espaço cívico, porque a gente volta a ter pessoas que estejam comprometidas com o diálogo, com as políticas públicas baseadas em evidência, com a democracia, com os direitos humanos, com a questão ambiental. Isso é chave. A gente freia a onda. O Trump era o grande bastião para esses outros líderes autoritários, então é positivo. No Brasil acho que tem menos relação com 2022 e mais relação com o entendimento de que a gente não pode negar a política. Porque a gente teve um processo de criminalização da política muito sério no país, e por mais que a gente tenha que consertar, aprimorar, isso vai ser consertado com política, não é sem política. A população acabou elegendo políticos tradicionais, mas o que precisa ficar claro é que o voto não é uma liberdade para eles fazerem o que quiserem. Temos que cobrar.

"... não é economia ou democracia, é economia e democracia. A gente não pode ter um governo que extingue direitos, separa a população, dissemina ódios, separa famílias por questões ideológicas"

Nossos problemas foram agravados pela pandemia, por isso cada mandato precisa estar muito focado na missão de ajudar a melhorar a vida das pessoas. Se a gente não ficar em cima, se a gente não acompanhar, isso não vai acontecer. Mas acho que isso (o resultado eleitoral) foi uma volta à perspectiva de que a política é muito importante. Tivemos muitas candidaturas mais plurais, cidadãos comuns que resolvem ir para a política. Obviamente não se reflete imediatamente em voto, no processo, mas acho muito positivo. Eu diria que é a volta da importância da política e de um entendimento de que, para melhorar a política, a gente vai ter que trabalhar também por dentro. Com a sociedade trabalhando de fora, mas com a disposição de ir para dentro para ajudar a aprimorar, a democratizar os partidos, enfim, modernizar as estruturas, para a gente reconstruir nosso país. Acho que 2022 está muito longe, tem muita água pra rolar em relação à nossa economia, que determina muito as chances de um governo de situação se reeleger. Mas espero que a gente consiga fazer uma análise: não é economia ou democracia, é economia e democracia. A gente não pode ter um governo que extingue direitos, separa a população, dissemina ódios, separa famílias por questões ideológicas. Isso não é aceitável. No curto, médio e longo prazos é tragédia para todas as questões em que temos de avançar. Temos de pensar sobre isso bastante. A gente quer um país desenvolvido, mas quer também um país livre, livre de verdade, onde possa andar sem medo, sem ódios. Um país de diálogo. Espero que, até 2022, a gente possa estar voltando a construir pontes entre pessoas que pensam diferente, juntando os moderados da sociedade para que a gente possa ter lideranças muito mais atentas às garantias como um todo.

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