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Márcio Araújo, cearense, dono de medalha de prata em Olimpíada
Reportagem Seriada

Márcio Araújo, cearense, dono de medalha de prata em Olimpíada

Com dois Jogos Olímpicos no currículo e medalha de prata em Pequim-2008, cearense relembra trajetória no esporte, vê Ceará como celeiros de talentos na modalidade e relata drama com Covid-19: "Quase morri"
Episódio 17

Márcio Araújo, cearense, dono de medalha de prata em Olimpíada

Com dois Jogos Olímpicos no currículo e medalha de prata em Pequim-2008, cearense relembra trajetória no esporte, vê Ceará como celeiros de talentos na modalidade e relata drama com Covid-19: "Quase morri"
Episódio 17
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A rotina se transferiu do ar livre, com pés descalços na areia sob sol escaldante, para um gabinete cercado de antessalas e vista para a natureza. As memórias, porém, persistem. A carreira de quase duas décadas do cearense Márcio Araújo no vôlei de praia começou graças à paixão pelo esporte em geral e pela generosidade de dois ídolos. Com rápida ascensão, foi coroado com medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, na China, ao lado do capixaba Fábio Luiz.

Hoje presidente da Rede Cuca Fortaleza, Márcio passou a limpo a trajetória na modalidade e na vida: relembrou a influência da família na área esportiva e a escolha pelo vôlei, destacou a oportunidade dada pelos ex-atletas Franco Neto e Roberto Lopes — precursores da modalidade no Ceará —, falou sobre as duplas com Benjamin e Fábio Luiz, explicou a diferença de desempenho nos Jogos Olímpicos que disputou, alertou para a condição do Ceará como revelador de atletas para o vôlei de praia e relatou o drama que viveu ao ser internado com Covid-19 em maio de 2020.

 

 

O POVO - Você já tinha algum contato com esporte na infância? Você chegou a praticar outras modalidades?

Márcio Araújo - Eu fui criado dentro de um lar esportivo. Meu pai era professor de educação física, árbitro de futebol, e meus tios jogadores de futebol profissional, o Danilo Baratinha, que foi do Fortaleza e do Ferroviário, e o Valber, que jogava no Sumov, na Coelce. Então era respirando esporte. Meu pai era professor do Sesi, e eu vivia no Sesi da Barra, praticando esporte desde os 3 anos de idade. Eu fazia ginástica solo, natação, saltos ornamentais e ia vivenciando o esporte, fui criado dentro desse ambiente. Aí não tinha como não enveredar para o esporte, né? (risos) Com 16, 17 anos, eu fui para o voleibol, comecei jogando nas escolas, no Náutico, aí fui para a praia. Aproveitei a oportunidade para jogar com o Franco e Roberto, que estavam no auge e precisam de pessoas para ajudar, e eu era moleque, ia para a praia para ajudar eles. Ali eu fiquei.

Márcio Araújo faz uma defesa durante partida de vôlei de praia(Foto: Arquivo O POVO.doc)
Foto: Arquivo O POVO.doc Márcio Araújo faz uma defesa durante partida de vôlei de praia

OP - E como foi a escolha definitiva pelo vôlei?

Márcio Araújo - Na verdade, eu pratiquei todos os esportes, mas parei no voleibol. Sempre gostei de esporte. O voleibol foi porque eu vi uma porta que se abria. Fui para o Ferroviário, joguei futebol com o professor Jordano, tive a oportunidade de jogar no juvenil ainda, fiz teste para ser goleiro, mas quando eu vi que o voleibol era uma coisa que me atraía mais e eu tinha mais essa vocação, resolvi ficar. E aí eu tive uma experiência muito boa no começo, que foi ajudar dois atletas e ídolos nacionais, o Franco e o Roberto. Então, para mim, foi muito legal e eu tive logo um norte de onde eu podia me ver. Aquilo foi muito determinante para ser um esporte que eu praticasse. Apesar de eu ter praticado outras modalidades, me identifiquei muito com o voleibol. Era uma coisa que me atraía. O Circuito Brasileiro de Voleibol, do Banco do Brasil, era um campeonato que pagava premiação, dava uma condição financeira que eu podia não ficar dependendo só dos meus pais para viajar, porque era moleque. Com uma "premiaçãozinha" que eu ganhava ali, naquele mês, já ajudava... E ali eu vi que era uma porta para mim. Então por isso que eu escolhi o voleibol.

Marcio Araújo comemora conquista em 2011(Foto: MAURICIO KAYE)
Foto: MAURICIO KAYE Marcio Araújo comemora conquista em 2011

OP - Você lembra quando teve a virada de chave e percebeu que poderia ser um atleta profissional?

Márcio Araújo - No período que eu comecei a treinar com eles (Franco e Roberto), eu já idealizava aonde é que eu poderia ir. Claro que eu não pensava em chegar onde eu cheguei, naquele momento, mas logo quando eu comecei a treinar com eles, em um ano, mais ou menos, que eu comecei a viajar para as competições, eu vi que dava. Eu disse: "Rapaz, aqui dá para chegar". Eu fiz um mapeamento dos atletas, dos que estavam no meu nível: "Esse aqui é difícil, esse aqui eu ganho, com esse aqui eu empato"... E eu fui fazendo um raio-x de onde eu poderia começar a me encaixar e vi que tinha condições. Um ano depois que eu comecei a trabalhar com os caras, ajudando... Eu era o cara que subia no treino para atacar, pegava bola para sacar para eles, fazia um papel de ajudante. Quando eu comecei a jogar e competir, vi que dava para chegar. "Vou começar a brigar por um qualifier, passar dessa fase classificatória para depois poder entrar no ranking". Lógico que gerou um tempo, dentro de uns três anos, mais ou menos, eu já estava conseguindo me manter no ranking.

OP - No início, certamente você precisou de apoio e de mentores também. O Ronald Rocha, que foi seu treinador, foi uma dessas pessoas?

Márcio Araújo - O Ronald, na verdade, não foi meu primeiro treinador, foi o treinador com quem eu fiquei muitos anos. Meu primeiro treinador foi o Marco, tive o Emerson, Carlinhos, Henrique, foram pessoas que me ajudaram. Eu tive várias pessoas que tiveram importância na minha vida. O Ronald, que era o técnico do Franco e Roberto, foi quem me chamou para ficar nesse processo e com quem eu passei praticamente toda a minha vida na areia. Foi uma pessoa que me inspirou muito e eu devo muito a ele, porque foi um cara que me deu oportunidade quando eu não tinha a menor condição financeira de poder estar ali e contribuir. Porque você tem que pagar para estar, claro que não é de graça. É como uma academia. Eu não tinha dinheiro, e ele comprou a ideia de eu ficar lá com ele, até que a gente pôde montar um projeto juntos. Então, o Ronald foi um cara muito importante na minha carreira, a quem eu devo muitos dos meus títulos.

OP - Você lembra em qual época percebeu que estava mudando de patamar no vôlei de praia?

Márcio Araújo - Teve anos que eu fui bem, anos que eu tive um pouco mais abaixo da média. De 1994 para 1995, eu comecei a me destacar mais, quando eu entrei no ranking com o (Francisco Castro) Reis, que hoje é o técnico da (Ana) Patrícia e da Rebecca e está na sua quarta Olimpíada como técnico. Ele foi meu parceiro, com quem eu joguei muito tempo também, e a partir dali eu senti que estava crescendo cada vez mais no esporte. 1996, 1997, 1998... em 1999 eu fui jogar com o Benjamin, aí eu fiz um projeto já para Circuito Mundial, começar a viajar para fora, fui campeão brasileiro em 2000, em 2004 fui para os Jogos Olímpicos... Então, quer dizer, em 1995 eu comecei a sentir que dava para dar passos um pouco mais audaciosos.

 

"A minha grande decepção junto com ele foi não ter conseguido uma medalha em Atenas, porque estava uma Olimpíada muito boa para nós. Obviamente Olimpíada é difícil, uma competição que requer muito do psicológico, mas a gente estava muito bem. " Márcio Araújo ao falar sobre frustração nas olimpíadas de Atenas

 

OP - Como foi a dupla com o Benjamin?

Márcio Araújo - O Benjamin foi um time com um jogador muito qualificado, de muita capacidade técnica e física, e a gente formou um time muito bom, muito forte. Fizemos várias finais, ganhamos várias etapas do Circuito Banco do Brasil, ganhamos várias etapas do Circuito Mundial, fomos três anos seguidos vice-campeões do Circuito Mundial, fomos terceiro lugar na Copa do Mundo, em Copacabana, e classificamos para os Jogos Olímpicos. A minha grande decepção junto com ele foi não ter conseguido uma medalha em Atenas, porque estava uma Olimpíada muito boa para nós. Obviamente Olimpíada é difícil, uma competição que requer muito do psicológico, mas a gente estava muito bem. E nós fracassamos naquele ano de 2004, perdemos para uma dupla da Suíça, os irmãos Laciga, e fomos eliminados nas oitavas de final.

E ali foi um start que deu na minha cabeça, eu descobri que uma grande equipe não só se faz com dois grandes jogadores, se faz quando um joga pelo outro. E eu acho que isso foi o mais determinante na minha parceira com o Fábio Luiz em 2005, quando a gente começou a jogar junto. O Benjamin, tecnicamente, é um jogador de muita qualidade, e o Fábio é um jogador muito físico, muito forte fisicamente. Um jogador com 2,04 m de altura, 100 quilos, é um famoso Ivan Drago, do Rocky Balboa (risos). Um cara enorme, um armário. Era um jogador que não tinha tanta habilidade, mas um jogador de força, de esquema tático. Com ele, a gente conseguiu formar um time tão forte e tão campeão. Isso eu vi dos dois lados, como a gente pode formar um time grande sendo forte quando um joga pelo outro.

OP - Foi com o Benjamin com quem você disputou as Olimpíadas de 2004. Como foi a experiência em Atenas?

Márcio Araújo - Em Atenas, foram meus primeiro Jogos Olímpicos, muito glamour. Você foi para uma Olimpíada, toma café com o (Rafael) Nadal, daqui a pouco vai andando e cruza com a (Maria) Sharapova, aí a (Elena) Isinbayeva passa por ti, o Michael Phelps, aí passa pelo Ronaldinho Gaúcho, janta com Roger Federer, o Kobe Bryant... Inclusive, eu tive a honra — não sei onde é que está, mas vou achar essa foto ainda (risos) — de tirar uma foto com o Kobe Bryant em Pequim. Você cruza com grandes ídolos do esporte do planeta, então você está na nata. E eu vou ser honesto: eu nem senti tanto isso, o que pesou, de fato, para mim, foi saber que estava em condições de ganhar uma medalha e não estar no meu melhor emocionalmente.

Márcio Araújo, ex-atleta olímpico é professor e dirige a Rede Cuca(Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Márcio Araújo, ex-atleta olímpico é professor e dirige a Rede Cuca

OP - Já para 2008, em Pequim, você chegou a dizer que chegou menos pressionado em razão da classificação difícil. Isso influenciou na campanha?

Márcio Araújo - Bem lembrado. Eu me classifiquei muito antes para Atenas. Nos Jogos Olímpicos de 2004, não teve nem terceiro (lugar), fomos eu e Benjamin e Ricardo e Emanuel (gesticula com as mãos sinalizando topo)... Eles ganhavam uma, a gente ganhava outra; a gente ganhava uma, eles ganhavam outra. A gente estava muito bem, muito bem e classificou tipo... Olimpíada em final de julho para agosto, a gente classificou em fevereiro. Essa pressão não teve.

Já nas Olimpíadas de Pequim, a classificação foi muito sofrida, e eu passei esse período de quatro anos vivendo não um luto da Olimpíada (de 2004), foi o crescimento da derrota, de me mostrar como é que eu podia fazer diferente para ter resultado melhor. Sempre Atenas foi uma referência positiva, apesar de eu ter perdido. Eu aprendi mais lá do que em Pequim, porque em Atenas em descobri o que eu não deveria fazer nesse período de quatro anos para estar mais forte quando chegasse em Pequim. E foi o que aconteceu.

Quando nós chegamos no ano da Olimpíada, que ainda classificava, foi muito difícil. O Fábio estava sentindo muitas dores, muito cansado, a gente sofreu muito para se classificar. O Harlei e o Pedro fizeram um time muito bom e estava brigando nas cabeças. A gente venceu em Marseille a última etapa que classificava para os Jogos Olímpicos e ganhou deles na semifinal, ali decidiu. Quando nós chegamos a Pequim, chegamos exatamente com esse (faz onomatopeia de alívio). Estavam todos classificados antes, exceto um time da Alemanha e um segundo time da Rússia, praticamente todo mundo classificado bem antes. Ricardo e Emanuel estavam classificados já em abril, tinham tanto ponto...

A disputa do primeiro e do segundo lugar é com o terceiro, né? O primeiro e o segundo do Brasil não brigam entre eles, porque são dois (classificados). A disputa é entre os dois primeiros com o resto, então a disputa do Ricardo e Emanuel era com o terceiro, que estava anos-luz atrás. Eles passaram um pouco da gente, e a gente ficou um pouco mais embaixo, mas também com uma vantagem. O terceiro é que foi chegando, aí nós ganhamos dele e classificamos. Quando nós chegamos em Pequim, na Olimpíada, aí as coisas inverteram. A gente estava muito naquela pressão de classificar, classificar, classificar e sofreu muito com isso, enquanto os outros times estavam jogando tranquilos, porque já estavam classificados. Na Olimpíada, na cabeça da gente, a gente já tinha conquistado o nosso objetivo, que era de se classificar. E aí inverteu a pressão, porque estava agora todo mundo querendo ganhar medalha e eu não estava mais pensando em ganhar medalha. Claro que eu queria ganhar uma medalha, mas queria descansar dentro da Olimpíada, porque estava tão cansado...

OP - Quanto essa jornada complicada influenciou na participação de vocês em 2008?

Márcio Araújo - O Circuito Mundial e o vôlei de praia são muito malvados com a classificação olímpica. São dois anos em um Circuito, como Fórmula 1, competindo, para tirar os oito melhores resultados de 24 etapas. É muito sofrido. Não estou dizendo que é fácil, mas Grand Prix de atletismo: o cara fez o índice, acabou. 100 metros, tantos segundos, bateu, acabou. Natação: Grande Prix, Maria Lenk, Mundial, Brasileiro... bateu o índice, acabou-se. Eu não estou dizendo que é fácil, mas que ali ele classifica. Tu pode ganhar várias etapas, como a gente ganhou, e quase não classificar, porque o que vale é a performance no vôlei de praia. Basquete a classificatória é o Pan-Americano, voleibol é Pan-Americano e Sul-Americano, Grand Prix no feminino...

Claro que tem outras modalidades também que são pontuações, mas não é tanto quanto o vôlei de praia. São muitas competições, e isso destrói os atletas, matando um torneio atrás do outro, 12, 13 etapas por ano no Circuito Mundial, na China, na Europa, na África, no mundo inteiro, para conseguir essa classificação. Então isso foi muito desgastante para mim e para o Fábio. Tivemos que jogar todos os torneios porque os caras estavam indo bem, e a gente tinha que pontuar.

Aí, quando você chega lá dentro e olha que está de igual para igual... Eles estavam dentro, e a gente fora, então ninguém está olhando de igual para igual. Quando você pula para dentro da Olimpíada, está todo mundo igual. Aí a gente cresceu. Já estava na segunda Olimpíada, Emanuel na quarta, Ricardo na terceira e o Fábio estreando, todo mundo veterano...

O nosso bloco na Vila Olímpica era atrás do dos Estados Unidos. Eu cruzei com o Michael Phelps umas dez vezes e toda vida ele vinha com uma medalha. Eu disse: "Esse cara só pode estar comprando, meu irmão, não é possível. Toda hora que eu vejo esse cara ele está com uma medalha. Só pode ser a mesma ou está comprando. Deve ter alguém vendendo réplica, e ele está comprando para ficar tirando onda". O cara ganhava toda hora. Jamaica, toda hora cruzava com o Bolt e com o Blake (risos). Aí começa de novo: Federer, Nadal, Kobe Bryant... Aí tu começa a viver esse glamour de novo, só que eu já estava com uma bagagem de outra Olimpíada. Tu encontra caras de outras modalidades que já estavam na Olimpíada passada: "Fala, fulano". E o cara que está estreando meio que vê de fora. Robert Scheidt, Torben (Grael), Guga, Larri (Passos), Dunga, Robinho, Diego, Ronaldinho Gaúcho, o Giba, Serginho, Ricardinho... Tu está vendo os caras e faz muita diferença quando tu se familiariza com essas pessoas, não se sente um qualquer um.

Aí, eu cresci, trouxe o Fábio para perto de mim. Mudou tudo. Eu olhava no olho do adversário e via ele com o olho que eu estava fora dos Jogos Olímpicos. "E agora, como é que vai ser?", e eu pensava: "Agora é tua vez, tu vai pagar essa conta" (risos). Nós tiramos Ricardo e Emanuel na semifinal, foi um jogo duríssimo, mas fomos superiores naquele momento, e fizemos a final contra os americanos (Rogers e Daulhauser).

Fabio Luiz e Márcio Araújo durante os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. Eles foram medalhistas de prata na Olimpíada(Foto: Arquivo O POVO.doc                            )
Foto: Arquivo O POVO.doc Fabio Luiz e Márcio Araújo durante os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. Eles foram medalhistas de prata na Olimpíada

OP - Como foi a final? Podia ter vindo o ouro?

Márcio Araújo - Poderíamos ter ganhado a medalha de ouro, porque botamos 8 a 2 no primeiro set. Um dia desses eu estava assistindo a esse jogo, depois de 13 anos eu vi, acredita? Uns dois meses atrás. Aí eu fiquei: "Por que eu não fiz isso, por que eu não fiz isso?". Não tive coragem de assistir a esse jogo. Ricardo e Emanuel eu assisti, mas esse eu não tive coragem. Depois de 13 anos eu tive coragem de assistir. Para você ver como isso traumatiza. Na verdade, não é um trauma, porque vir com uma medalha de prata não pode ser trauma, mas é como você não quer ver aquela situação porque sente. E eu não queria sentir de novo.

Você ganha a medalha de prata no dia anterior (à final), quando ganha a semifinal. Você não ganha a prata na final, você perdeu o ouro. Quando você olha o pódio, o bronze está feliz, o ouro feliz, e o prata triste, normalmente é assim. Só tinha um time chorando, era eu e o Fábio, a foto ficou feia para caramba (risos), mas é a realidade. Para a gente, foi uma grande conquista.

OP - Como foi em relação a apoio, patrocínio em 2008?

Márcio Araújo - No Ceará, com tanta dificuldade, pouco investimento. A nossa estrutura é boa porque a gente é praia, né? Eu não preciso de tanta coisa, preciso de sol e sol tem todo ano o dia inteiro, durante o ano inteiro. Para a gente foi do caramba, mas em relação a patrocínio, investimentos... A gente perdeu um patrocínio na nossa ida para Pequim, o patrocinador cortou a gente um mês antes achando que não ia classificar. A gente se classificou, e eles se ferraram.

A falta de entendimento de abraçar essa causa e faltou isso. Aqui, no Ceará, a gente teve pouco apoio. Mas o Governo ajudou com algumas passagens, faltou uma estrutura de time, de seleção. Foi tudo por conta própria, na luta, na garra, determinação. O cearense é assim. (...) A gente no sacrifício de treinamento, lutar para realizar os sonhos.

Quando a gente carrega esse sonho de um Estado, todo mundo vem sonhando contigo. Tu carrega todas as 9 milhões de pessoas que estão aqui e os 210 (milhões) de brasileiros, todo mundo está querendo. Aquele medalha é um pouquinho de cada um. Eu vi muito esse sentimento de gratidão depois que a gente conquistou, mas faltou. "Poxa vida, se a gente tivesse um pouquinho mais de apoio, a gente poderia ter ido mais longe" ou não teria sofrido tanto na classificatória. Se tivesse mais apoio, se os filhos estivessem lá, "pô, vou bancar tua família aqui". O futebol faz isso. A CBF aluga um hotel — os jogadores têm pouco dinheiro, né? —, e eles levam mãe, filho, sogra para cuidar. Aí o Tite dá folga e vai todo mundo ficar com a família, janta e depois volta. Isso é muito importante. Você vai para a Olimpíada e fica 40 dias fora.

O Reis viajou para o Mundial com as meninas, que foi na Suíça, já estava há uma semana fora, faltando dez dias para as Olimpíadas e vão ficar mais 18, quer dizer, 30 e tantos dias. E as meninas têm família, filho, marido. E isso conta muito.

 

"Você não vai esquecer o medo, vai colocar dentro do bolso e pensar em outra coisa. Então, eu escondo o medo, escondo o nervosismo e dou foco em outra coisa." Márcio, ao falar sobre como vencer o medo e enfrentar os desafios da competição

 

OP - Aquele jogo contra Ricardo e Emanuel foi uma das melhores atuações da sua carreira?

Márcio Araújo - Acho que sim. Eu estava muito bem emocionalmente, estava realmente no meu auge. Estava com 33 para 34 anos e estava com uma estrutura física muito boa, tecnicamente no meu auge e também emocionalmente. Já vinha de uma Olimpíada, já tinha vivido inúmeras experiências positivas e algumas negativas, alguns percalços que me fortaleceram, então eu estava muito bem. Aquele foi um dos melhores jogos da minha vida e o jogo de maior pressão.

Por quê? Porque quando você chega na semifinal da Olimpíada, veja bem, são quatro times para três medalhas. Você tem 75% de chance. Imagina o cara que fica em quarto? Vocês sabem quem foi o quarto lugar em Pequim? Um time da Geórgia, que eram brasileiros representando a Geórgia. Quem foi o quarto em Londres? Um time da Holanda, que tinha o cara que foi medalhista de ouro na quadra e poderia ter sido na praia. Aqui, no Rio de Janeiro, em 2016, foi a Rússia, inclusive um amigo meu, Semenov.

O cara é quarto lugar na Olimpíada e ninguém sabe quem é o cara, ele não é lembrado. São os dois jogos mais difíceis: a quarta de final e a semifinal. Para mim, o jogo mais difícil foi as oitavas de final. "Pô, mas tu pegou o Japão nas oitavas de final". Olha a condição que eu peguei o Japão: o Japão tinha ganhado da Alemanha, que foi campeã na Olimpíada seguinte, da Suíça, que tinha sido terceiro lugar uma Olimpíada antes, quer dizer, era um timaço. E eu me lembrei que foi exatamente naquela fase, há quatro anos, que eu tinha sido eliminado.

Eu entrei tão tenso, tão nervoso com esse jogo que só Deus sabe o que eu passei. Eu topei quando entrei na quadra, ia caindo, derrubei minha garrafa... Eu não me aguentava. Meti minha mão dentro de uma toalha porque estava me tremendo. Eu tinha que equilibrar, estava só com a emoção e tinha que equilibrar a razão. Eu pensei: "O que é que eu tenho que fazer?". Aí, veio o trabalho desses quatro anos que eu fiz com um psicólogo, que me ajudou muito a tirar os meus medos. O que dá foco, aumenta. Como é que eu consegui fazer isso? Você não vai esquecer o medo, vai colocar dentro do bolso e pensar em outra coisa. Então, eu escondo o medo, escondo o nervosismo e dou foco em outra coisa.

Arranjei logo uma briga com o juiz, criei uma estratégia — tudo teatro —, criei uma situação para esquecer que estava nervoso. E eu comecei ainda muito nervoso, o primeiro set foi duro. Estava perdendo, set point para os caras, aí o Fábio foi lá e deu dois bloqueios nos caras, pegou uma bola de contra-ataque, ganhamos o set. Fabão jogou para caramba. Quando foi no segundo set, aí eu deslanchei.

Dentro da chave, a gente foi bem, passou bem, e a partir desse jogo das oitavas de final foi quando virou a chave para mim. E foi muito importante porque o Fábio estava superbem. Então ali eu disse: "Eu vou ganhar a Olimpíada", eu vi que ia chegar. É a confiança sem arrogância. Saber estar melhor, não é que você se acha o melhor. Ninguém precisa saber disso, as pessoas precisam ver isso. Só você tem que saber. Eu estava muito confiante, seguro, porque era merecedor de estar lá. (...)

Essa trajetória serve para a minha vida inteira. Foram ensinamento que eu tive. (...) Esse período foi um aprendizado, eu consegui reverter muita coisa da minha vida, rever muita coisa e melhorar algumas coisas. Isso foi muito determinante para o meu crescimento como pessoa. E inspirar outras pessoas, porque muitas pessoas viram toda essa história acontecer. As pessoas que me conhecem há mais tempo, de onde eu vim, como eu vim, família simples, pessoas humildes, e chegar onde a gente chegou... Meu pai mesmo diz: "Márcio, você é a prova viva de que um sonho pode se tornar realidade". Isso foi muito massa.

O POVO de 25 de agosto de 2008 mostrou a festa para Márcio Araújo e Fábio Luiz na volta ao Brasil(Foto: Acervo O POVO)
Foto: Acervo O POVO O POVO de 25 de agosto de 2008 mostrou a festa para Márcio Araújo e Fábio Luiz na volta ao Brasil

OP - Quando você se deu conta da importância que tem uma medalha de prata olímpica?

Márcio Araújo - Eu vou ser sincero... Nunca contei isso para ninguém, vou contar logo para um jornalista (risos). Eu tomei uma multa de 500 dólares, eu e o Fábio, porque quebrei duas cadeiras quando acabou o jogo (risos). Biquei duas cadeiras, o italiano viu lá e deu a multa de 500 dólares. Eu estava com um corte na perna naquele pódio. Eu andei "caxingando" por causa da bicuda que eu dei na cadeira de plástico, de tão revoltado que eu estava.

"Caramba, meu irmão, fiz tanto trabalho para chegar aqui e perder essa medalha de ouro". Eu nem estava sabendo que ia ganhar uma medalha, só estava olhando para a medalha de ouro que não tinha ganho.

E eu só fui entender isso quando cheguei a Fortaleza, no aeroporto, que eu não conseguia sair. Ninguém conseguia sair. Milhares de carro, eu nunca nem vi tanta gente na minha vida. Milhares, milhares. Uma carreata que parou lá naquela pista de skate, na Raul Barbosa. "Caramba". Foi uma carreata gigante, de amigos, admiradores, gente do esporte, que torcida, pessoas que não me conheciam, torcedores... Isso foi muito legal. Aí, a ficha caiu. Tinha um carro de bombeiros esperando a gente, e eu não conseguia sair do aeroporto.

Acho que demorou uma hora para os carros abrirem, o caminhão passar, para a gente poder subir. Eu nem sei como eu peguei minha mala ou quem foi que pegou, sei que gente deu a volta na cidade inteira, e uma multidão. Aí, eu entendi: "Pô, cara, o feito foi muito grande". Foram apenas 19 medalhas do Brasil nos Jogos Olímpicos, a minha e mais 18. Isso tem uma representatividade muito grande dentro do país e do mundo. O país Brasil foi tal colocação, com 19 medalhas, e tu contribuiu com uma.

Então o chute na cadeira, aquela coisa todinha... (risos). Eu nunca contei isso, viu? E o Fábio ia quebrar umas cinco, aí eu falei: "Não, está bom, só duas, quatro cadeiras está bom". Eu quebrei duas, e ele quebrou duas. E o cara entrou: "O que é isso?", achando que estava tendo briga, entrou segurança (risos).

Márcio Araújo, ex-atleta olímpico de vôlei de praia relembra os aprendizados das competições: "foram muitos"(Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Márcio Araújo, ex-atleta olímpico de vôlei de praia relembra os aprendizados das competições: "foram muitos"

OP - Por que você acha que o Ceará é um celeiro de atletas de ponta no vôlei de praia?

Márcio Araújo - Eu considero o Ceará pioneiro, junto com Pernambuco, Paraíba e Bahia, que tiveram Franco e Roberto, Moreira e Garrido, Paulão e Paulo Emílio, Dênis e Zé Marco... Então foram os caras que criaram e começaram o voleibol de praia no Nordeste. No Rio de Janeiro, aquela turma que veio da quadra: o Bernard, o próprio Renan (Dal Zotto)... Esses caras eram a referência.

O Ceará passou a ter uma referência grande. Veio a Shelda, que depois fez o convite a Adriana Behar, que veio do Rio de Janeiro para morar aqui, veio eu, a Larissa e Juliana, agora a Rebecca. O Ceará não é só celeiro de atletas, também é celeiro de técnicos e é um Estado que favorece muito a prática do esporte.

Muitos gringos vieram treinar aqui já. Eu treinei com vários jogadores alemães, suíços, suecos, poloneses, noruegueses, franceses. O Ceará é um polo de treinamento de voleibol de praia, e a gente não pode perder isso. Esse investimento é importante e fundamental para que possa, em todos os Jogos Olímpicos, manter essa escrita. Em 1996, tivemos Franco e Roberto em Atlanta; em 2000, Shelda em Sidney, prata; 2004, Shelda e eu, prata; 2008, eu e a Larissa e a Ana Paula, porque a Juliana machucou o joelho, prata; 2012, Larissa e Juliana, que são radicadas e a equipe toda cearense, bronze; 2016, Larissa e Talita; em 2020, Rebecca, com a mesma comissão técnica que era da Larissa e Juliana, com o Reis.

Existe uma história e a gente não pode perder. E outra coisa: nós vamos com chance de medalha, até mais no feminino do que no masculino. Olimpíada é Olimpíada, não tem prognóstico. As apostas mais azarentas são nos Jogos Olímpicos, exceção do basquete americano. (...) A expectativa é que daqui para frente o voleibol de praia dê uma alavancada. A gente teve uma queda, caiu umas etapas, diminuiu a quantidade de torneios, a pandemia destruiu os esportes...

Destruiu o mundo, os esportes foi só mais uma leva que esse vírus carregou. A gente espera que em 2022 pode ser a vida normal e o esporte possa alavancar de novo grandes atletas e esses atletas sejam exemplos para outros atletas e que esse ciclo não se acabe.

Márcio Araújo e Fabio Luiz comemoram a vitória sobre Ricardo e Emanuel durante as Olimpíadas de Pequim, em 2008 no Chaoyang Park Beach em 20/08/2008 ( AFP PHOTO / THOMAS COEX)(Foto: THOMAS COEX / AFP)
Foto: THOMAS COEX / AFP Márcio Araújo e Fabio Luiz comemoram a vitória sobre Ricardo e Emanuel durante as Olimpíadas de Pequim, em 2008 no Chaoyang Park Beach em 20/08/2008 ( AFP PHOTO / THOMAS COEX)

OP - Hoje você também faz um trabalho de formação de atletas, além de presidir o Cuca. Você sentiu que tinha aptidão para isso?

Márcio Araújo - Eu sou professor de escola, dou aula em colégio para jovens, presido a Rede Cuca e trabalho com Saymon e Adrielson, que é um time que vai brigar para ir para os Jogos Olímpicos de Paris. O Saymon não é cearense, mas mora aqui, montei uma estrutura, trouxe toda essa minha equipe de Atenas e Pequim e coloquei junto para montar o projeto. Eu trabalho na formação de atletas.

 

"Eu aprendi muito com a disciplina, as tomadas de decisões, os meus mestres e meus técnicos me ensinaram muito a dominar, controlar, saber ser forte quando precisa, recuar no momento que precisa, ouvir"

 

Eu até brincava com o Ronald e chamava de sr. Miyagi, e eu era o Daniel San (personagens do filme "Karatê Kid"). Ele parecia muito com o Sr. Miyagi, mas eu não era o Daniel San, nem de perto, porque era totalmente indisciplinado (risos).

Eu aprendi muito com a disciplina, as tomadas de decisões, os meus mestres e meus técnicos me ensinaram muito a dominar, controlar, saber ser forte quando precisa, recuar no momento que precisa, ouvir, entender o que ele está querendo, descobrir novos caminhos para sair das dificuldades... Isso me deu um crescimento muito grande na vida pessoal. Esses ensinamentos eu tenho que passar para esses jovens.

Os atletas, às vezes, querem sonhar e esses sonhos são inalcançáveis. Para chegar nesse sonho, você tem que começar com um sonho menor, porque senão aquele sonho se torna delírio. É uma diferença muito grande e está muito perto, o sonho e o delírio. Eu aprendi muito isso: sonhar no tempo certo, pelo caminho certo. É para onde eu vou, como eu vou e em quanto tempo eu vou. Isso foi determinante na minha vida.

Se eu quero fazer de qualquer jeito, o que é sonho vira delírio, não tem jeito. Vai viver em um sonho que nunca acorda e normalmente se frustra, se torna derrotado por esse sonho que são inalcançáveis porque não consegue colocar metas e objetivos. Por isso meu pai fala muito que eu sou a prova viva de que um sonho pode se tornar realidade, porque eu passei por todos os estágios.

Sou filho de professores, venho de uma família simples. Nunca me faltou nada, mas também nunca tive nada de luxo. Estudei em colégio privado porque meu pai era professor, pagava com o trabalho dele. Ele nunca pagou colégio, porque não ia ter condição de pagar para quatro filhos. Impossível. Certamente eu teria ido para a escola pública. Depois que eu passei a jogar vôlei pela escola, tinha bolsa. Não me faltou, mas não tinha luxo. Era no limite o tempo todo, então eu sabia que tinha que correr atrás, não podia ficar dependendo.

O grande barato da vida é tu passar para as gerações o conhecimento, que é o que fica. Passo muito isso para os meus alunos. Os alunos gostam das minhas conversas, sou um professor muito didático. Eu tenho a parte teórica, mas eu tenho muito mais vida, a vivência me ensinou, o esporte me ajudou muito. Falo quatro idiomas, aprendi novas culturas, conheço mais de 80 países, e isso me enriqueceu muito como ser humano. Eu poder passar para eles novas culturas, como é que fulano pensa, como é a vida árabe... Isso, para eles, é muito rico. Esses jovens que passam a conhecer certamente vão ser grandes homens e mulheres.

Aqui, na Rede Cuca, que é um programa de juventude e trabalha com inclusão social, desenvolvimento de jovens em vulnerabilidade. Eu faço um processo e conto essas histórias para os professores. De vez em quando eu conto para os jovens, mas a grande maioria é os professores que têm que levar essa ideia, essa proposta. A Rede Cuca deveria ser um programa mundial. Você olha para uma piscina dessa, dez turmas de 20 pessoas, 100 pessoas em cinco piscinas, 500 pessoas nadando por dia... Esses meninos iam estar fazendo o que se não estivessem aí? Tenho seis turmas de jiu-jistu por dia, 15 ou 20 por turma, multiplicado por quatro Cucas... Esses meninos iam estar fazendo o quê?

OP - Pelas redes sociais e pelas suas palavras fica muito claro que você é bastante ligado à família. Eles foram um suporte importante ao longo da carreira?

Márcio Araújo - Sem dúvida, meu pai foi o grande mentor da minha vida profissional. Foi um cara que ficou do meu lado a vida inteira, sempre fez um papel de pai e "paitrocínio", me ajudou sem condições, sem poder. Deu o sangue para educar os filhos, todos criados, formados, os netos agora já estudando. Isso foi muito rico para a nossa família, ter esse pilar de pessoas que incentivaram e deram esse suporte mínimo, necessário e determinante para transformação de vida. Minha esposa, Juliana, que está do meu lado desde o começo, me ajudando em todos os sentidos. Eu tenho três filhas e a Juliana tem uma filha, que é minha enteada, e eu considero filha também, então nós temos quatro filhas. Elas são maravilhosas na minha vida, são um pilar, a base. Eu sou base para elas, mas elas também são base para mim. A gente precisa um do outro.

OP - No ano passado, você teve Covid-19 e chegou a ser internado. Como foram aqueles dias?

Márcio Araújo - Eu lamento muito pela questão de Governo. Não quero ser específico em uma única pessoa, acho que existem vários responsáveis por toda essa situação. O primeiro responsável de toda essa situação foi a natureza, de o vírus ter chegado onde chegou. E a segunda questão é como nós tratamos esse vírus. Eu fui um atleta que nunca bebi, nunca fumei, nunca usei droga e nem fiz nada que extrapolasse, sou casado com uma nutricionista, sempre me alimentei superbem, não tenho nada de saúde, meu pai e minha mãe são ótimos — minha mãe até tem um pouco de hipertensão — ... Mas eu não tenho nenhum tipo de doença, nem dores no meu corpo, sou um cara tranquilo em relação a isso. Eu sempre puxei muito o lado do meu pai, que é um cara muito saudável, muito mesmo.

De repente, fui acometido por esse vírus maldito e quase morri. Deus sabe por que eu não morri e para que eu não morri, porque eu passei uma semana, dez dias ruim mesmo. Fiquei cinco (dias) no hospital, não cheguei a ser intubado, porque rápido eu comecei a fazer tratamento. Quando eu cheguei ao hospital, comecei a tomar o corticoide, porque estava com pneumonia e 50% do pulmão comprometido, o que era considerável para mim porque estava em um estado de pouca ventilação. Tem gente que está com 75% (do pulmão comprometido) e consegue ainda ficar numa boa, eu não estava, precisava de oxigênio porque sou um cara grande, tenho 1,92m, 95 quilos. (...)

 

"Saí do hospital cadavérico, perdi uns 14 quilos em dez dias, fiquei cadavérico. Eu estava mal, da cor de uma laranja, não tinha um pingo de sangue. Horrível, cadavérico. Parecia um zumbi. É duro, viu? " Márcio, ao falar sobre a luta com a Covid-19

Graças a Deus, minha cunhada conseguiu um quarto para mim, não tinha leito, fui superbem atendido dentro da Unimed, mas não tinha (leito). Você acha que é psicológico, meu amigo? Eu joguei uma final olímpica. Só chegando gente com 80 anos, 75 anos, 90 anos, várias ambulâncias chegando com gente morrendo... Hospital de guerra, não cabia mais gente. E foi no ano passado, naquele momento... Não gosto nem de me lembrar.

Graças a Deus tive mais uma chance. E também eu me recuperei rápido. Com cinco dias, eu saí. Não estava curado, mas já não tinha risco de morte, então eles liberam logo. (...) Eu ainda estava doente, só que já não tinha mais o risco de voltar onde eu estava, tão mal, cheguei a um ponto em que ia só melhorar e estava tomando remédio. E o corticoide liberou o meu pulmão, porque matou o vírus. Tomei por dez dias azitromicina...

Saí do hospital cadavérico, perdi uns 14 quilos em dez dias, fiquei cadavérico. Eu estava mal, da cor de uma laranja, não tinha um pingo de sangue. Horrível, cadavérico. Parecia um zumbi. É duro, viu? E é incrível, porque eu conheço amigos que fizeram cirurgia bariátrica, estão em fase de perder peso, têm hipertensão e tiveram Covid sem sentir nem dor de cabeça. Nem dor de cabeça, ele nem sabia que estava com Covid. Teve que fazer o exame para poder fazer a cirurgia e soube que estava com Covid. Tem explicação um negócio desses?

A gente tem que ter cuidado porque é uma loteria. As 540 mil pessoas que morreram no Brasil não foram loteria, né? Não são um número, são uma família que carrega... E poderia ter sido eu, né? A gente viu o Paulo Gustavo... Eu passei uns quatro dias chorando por aquele cara. Nunca vi o Paulo Gustavo na minha vida, mas passei uns quatro dias chorando, parecia que era alguém da minha família. Foi igual a quando morreu o Ayrton Senna, passei uma semana chorando. (...)

É muito triste a gente viver com essa situação e saber que poderia ter resolvido se tivesse tido um pouquinho mais de zelo, cuidado, os governantes pudessem ter olhado com mais atenção e dado o valor necessário que precisava para poder ter a resposta rápida. Eu não quero criticar nem botar a culpa em ninguém, só acho que se a gente tivesse tido um olhar mais humano, as coisas teriam sido de outra forma. Ia continuar morrendo gente, mas iam morrer 10% dessas pessoas.

 

 

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