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Hebert Conceição: a força nordestina e o ouro olímpico
Reportagem Seriada

Hebert Conceição: a força nordestina e o ouro olímpico

Medalha de ouro nas Olimpíadas de Tóquio, o boxeador baiano Hebert Conceição relembra a trajetória no esporte, destaca mérito para acertar nocaute em ucraniano na final e aproveita o carisma para curtir os holofotes no principal momento da carreira
Episódio 27

Hebert Conceição: a força nordestina e o ouro olímpico

Medalha de ouro nas Olimpíadas de Tóquio, o boxeador baiano Hebert Conceição relembra a trajetória no esporte, destaca mérito para acertar nocaute em ucraniano na final e aproveita o carisma para curtir os holofotes no principal momento da carreira
Episódio 27
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Cria da terra que revelou Popó, Robson Conceição e Bia Ferreira, igualmente forjado nas dificuldades e impulsionado pela força de vontade, o baiano Hebert Wilian Carvalho da Conceição Sousa não sentiu o peso de se tornar mais um expoente brasileiro no cenário mundial do boxe. Aos 23 anos, recheado de medalhas nacionais e internacionais, adicionou à galeria a conquista mais importante da carreira: o ouro olímpico nos Jogos de Tóquio, em agosto deste ano.

Apaixonado por futebol - e pelo Bahia -, Hebert praticou esporte desde cedo por precaução com o peso e experimentou outras modalidades antes de chegar ao boxe, que o encantou e se tornou sonho profissional ainda aos 15 anos. Mais um talento do celeiro de grandes boxeadores, o campeão olímpico de sorriso fácil relembra a trajetória até o auge, revela gostar de rever o nocaute decisivo e diz aproveitar o sucesso pós-Olimpíada para colher os frutos da agenda concorrida na carreira e na vida pessoal.

Assista à entrevista de Hebert Conceição

 

O POVO - Ao contrário de muitos jovens, que escolhem o futebol, você optou por um esporte de menos visibilidade. Como foi seu início?

Hebert Conceição - Como a maioria dos jovens brasileiros, eu tinha muita vontade de jogar futebol quando era moleque. Já passei por algumas escolinhas de bairro, sempre brinquei de futebol na infância, mas também pratiquei capoeira, lá pelos 11 ou 12 anos. Comecei a gostar de luta bastante, porque assistia aos sábados na televisão, e fui ganhando gosto por luta. Comecei a treinar jiu-jitsu, depois comecei a treinar boxe também, nessa mesma academia. Na minha primeira competição de boxe, eu me apaixonei completamente, tive que me dedicar exclusivamente ao boxe em 2013. Em outubro de 2013, na minha primeira competição no boxe, me tornei campeão brasileiro.

A partir daí, parei de praticar as outras modalidades e me dediquei ao boxe. De 2013 a 2017, treinei na Bahia, me preparei muito, lutei muitas competições na Bahia e em outros Estados do Brasil, inclusive lutei um campeonato em Fortaleza, em 2018. Me tornei campeão brasileiro em Fortaleza, em dezembro de 2018, um campeonato incrível, muito especial, também pela terra, que eu gostei bastante. Em 2017, eu já estava em São Paulo, fui convocado para a seleção brasileira e passei a treinar pensando nos Jogos Olímpicos de Tóquio, de 2017 a 2021. Quando fui para São Paulo, pude viajar bastante em competições internacionais, ganhar bastante experiência, conhecer o mundo lutando boxe contra os melhores. Me desenvolvi ainda mais, para que chega em condições de ser um medalhista olímpico em Tóquio. E assim foi.

O POVO - O que te motivou a praticar esporte? Você realmente gostava ou tinha alguma questão de saúde?

Hebert Conceição - Eu sempre gostei de praticar esporte, por diversão mesmo, por gostar, querer ter uma rotina de atleta. E também por saúde, eu era mais gordinho, mais pesado (risos), comia bastante, então sentia essa necessidade de manter meu corpo em atividade. Sempre gostei de esportes, mas não imaginava que me tornaria um profissional da área. Porém fui pegando gosto da coisa. Depois da minha primeira competição no boxe, eu me apaixonei e passei a sonhar mais, desejar mais aquilo. A partir dali, eu comecei a sonhar em me tornar um profissional e sonhei em, um dia, me tornar campeão olímpico. Fico feliz de ter conseguido realizar.

O POVO - A partir de que momento você entendeu que poderia seguir carreira profissional no boxe, mesmo ainda muito jovem?

Hebert Conceição - Foi exatamente em 2013, após essa competição. Fui campeão brasileiro e no ano seguinte já me desenvolvi ainda mais, lutei e fui campeão novamente. Foi a partir daí que eu me encontrei mesmo e pude escolher o que eu faria da minha carreira, o que eu seguiria. Passei a sonhar alto e vi que era ali que eu tinha que me dedicar, tanto que parei de praticar todas as outras modalidades que eu fazia e me dediquei exclusivamente ao boxe.

 

"No início tive bastante dificuldade. Vim de família humilde. Nunca passei grandes dificuldades, nunca passei fome, exemplificando, nunca passei dificuldades extremas, mas sempre vivi no limite, nunca tive nada de sobra"

 

O POVO - Você enfrentou muitas dificuldades no início da carreira, em termos financeiros e de estrutura também?

Hebert Conceição - Sim, no início eu tive bastante dificuldade. Eu vim de família humilde. Nunca passei grandes dificuldades, nunca passei fome, exemplificando, nunca passei dificuldades extremas, mas sempre vivi no limite, nunca tive nada de sobra. Era difícil, a estrutura que a gente tinha para treinar também era difícil. Eu comecei em um projeto social, que não tinha apoio do Governo, então a academia que eu treinava era bancada pelos próprios treinadores, eles não ganhavam para trabalhar ali, davam aula para a gente por amor mesmo. Em algumas situações, os treinadores até ajudavam os colegas, dando transporte ou alguma situação assim.

Depois que eu me tornei campeão brasileiro, passei a receber um benefício que se chama Bolsa Atleta, que eu ganhava R$ 915. Para quem tinha 15 anos e não tinha nada, comecei a receber R$ 915 e já me deu uma tranquilidade para que pudesse me manter exclusivamente treinando, sem trabalhar. Era muito pouco, mas já era alguma coisa, um pequeno incentivo. Já poderia comprar um suplemento, poderia pagar meu transporte com um pouco mais de tranquilidade, poderia comprar um tênis, uma luva. Ainda que isso não superasse todas as dificuldades que a gente passa.

O atleta que se torna campeão tem esse benefício do Bolsa Atleta, mas a academia não tinha nenhuma estrutura, a Federação de Boxe aqui não tem estrutura e nem apoio para realizar as competições, que desenvolvem os atletas. A modalidade, em geral, é carente. Eu passei a ter um pequeno benefício que me ajudou muito, foi um apoio imenso para que eu pudesse me manter treinando, me manter focado para não desistir do meu sonho, mas o esporte era muito carente, então a dificuldade não era só minha.

O POVO - Apesar das dificuldades, a Bahia ganhou protagonismo na revelação de boxeadores.

Hebert Conceição - Foi um privilégio para mim ter nascido na Bahia, terra que formou grandes campeões, poder conhecer a história deles e ter como referência. Eu destaco até mais o Robson por ter convivido na mesma geração. Na verdade, ele é uma geração à frente da minha, mas eu pude acompanhar a trajetória dele antes dele conquistar a medalha de ouro no Rio. Isso me motivou muito, fez muita diferença na minha vida de sonhador. Pude saber que era possível, porque ele era um cara muito próximo e conseguiu. Aquilo me fez acreditar que eu também poderia, me incentivou ainda mais para que eu mantivesse os treinamentos e não desanimasse. Com certeza, o Robson, especificamente, tem uma grande diferença de incentivo na minha vida de boxeador.

O POVO - Por que você acha que a Bahia se tornou esse celeiro?

Hebert Conceição - A gente, sem tanta estrutura, já consegue revelar grandes nomes, grandes talentos, grandes campeões, é mais pela força de vontade do baiano, do povo que quer vencer na vida e vê no boxe uma oportunidade de se destacar nacionalmente, mudar de vida e realizar seus sonhos. E também o amor que todos os treinadores e as pessoas que compõem a nossa modalidade têm em realizar o trabalho. É um trabalho feito com muito amor, sem tanto apoio. Não só pensando no dinheiro, mas no benefício da sociedade em geral, desses jovens que iniciam no esporte e a força de vontade dos jovens de querer vencer são uma combinação muito boa, que traz grandes frutos. Eu fico imaginando se houvesse investimentos, estruturas adequadas, quantos nomes mais não fariam? Quantos Heberts não existiriam, quantas Bias não poderiam existir, quantos Robsons, quantos Popós... Fico triste por não ter uma estrutura ainda que merecemos, mas tenho esperança, principalmente a partir de agora, que isso melhore. Tenho muita esperança.

 

"É o momento que eu mais tenho que aproveitar, enquanto ainda está em evidência, fresco. Eu sei que sempre serei campeão olímpico, nada apagará minha história, mas também a gente sabe que o esporte brasileiro, sem ser o futebol, é mais difícil de se manter em alta visibilidade"

 

O POVO - De que forma você encarou o adiamento das Olimpíadas de 2020 para 2021 em razão da pandemia?

Hebert Conceição - Eu estava em um ciclo muito positivo de 2017 a 2019, fui evoluindo a cada ano, ganhando mais experiência, competindo e mostrando uma grande evolução. Atletas para quem eu perdi em 2017, por exemplo, consegui vencer; atletas que eu perdi em 2018, em 2019 eu consegui vencer, fui um atleta que ainda não perdi revanche. Consegui medalhas nos principais torneios do ciclo: fui medalhista nos Jogos Sul-Americanos, nos Jogos Pan-Americanos, no Campeonato Mundial, no Campeonato Mundial Militar e fui medalhista olímpico.

Então, tive um ciclo muito positivo até 2019. 2020 foi um ano atípico para todo mundo, não só para mim, tive apenas uma competição, no início do ano, e logo depois veio a pandemia atrapalhando tudo, me atrapalhou muito. Fiquei quatro meses longe da seleção, treinando em casa, em quarentena, treinando improvisado. Às vezes eu acordava 4 horas da manhã para correr na rua, quando não tinha ninguém, ou às 22 horas ou 23 horas para tentar fugir da aglomeração, até também para não dar mau exemplo. Ainda assim, eu pensei da maneira positiva, que eu tinha um ano a mais para me preparar e chegar mais experiente, melhor preparado. Pensei de maneira positiva. Fiz o que eu pude, treinei praticamente todos os dias nos quatro meses de quarentena. Fiquei uma semana afastado porque tinha machucado a costela, de tanto que estava treinando, mesmo improvisado.

Às vezes eu pegava a chave da academia com o professor, ia treinar sozinho, então não fiquei parado. Fui um cara muito positivo em um momento tão difícil e acho que fez grande diferença para quando tivesse a oportunidade de competir, voltasse ainda em alto nível. Quando chegou o mês de setembro, outubro, o Comitê Olímpico já disponibilizou uma viagem para Portugal pa ra a gente voltar a treinar e voltar à rotina de atleta. Em dezembro, eu voltei a competir e em 2021 comecei o ano novamente. Não foi um ano tão bom inicialmente, perdi algumas lutas no Circuito Europeu, coisa que não acontecia durante todo o ciclo, perder nas primeiras competições, mas, ainda assim, mantive a positividade e acreditei no meu potencial, no trabalho que estava sendo feito. Cheguei em Tóquio muito bem preparado, muito experiente, com a esperança de trazer uma medalha. E assim foi.

 

O POVO - Ainda muito jovem, você esteve em um ambiente com grandes estrelas do mundo esportivo, em Tóquio. Apesar das restrições, como foi esse contato com ídolos?

Hebert Conceição - É legal a experiência de estar na Vila, conviver com outros atletas, mas eu me restringi bastante a esse tipo de contato até para não desviar o foco. Eu estava com o foco único em ser medalhista olímpico. Eu achava que tinha que ser medalhista olímpico para premiar todo o meu esforço, todo o trabalho que eu tinha feito, a minha dedicação e das pessoas que me ajudam também. Então eu me restringia ao trajeto do quarto para o refeitório, do refeitório para o quarto; do quarto para a área de luta; do quarto para o treino, do treino para o quarto. Eu tive pouco contato com outros atletas. A maioria dos atletas que eu pude conhecer e conversar, até tirar algumas fotos, foram os atletas do Brasil mesmo, que às vezes trombava no elevador ou quando estava chegando. Foi um curto espaço de tempo que a gente pôde conhecer outros atletas, parabenizar alguns pela s medalhas e tietar um pouquinho. Mas eu me restringi muito para não desviar meu foco.

O POVO - E como foi a trajetória nas Olimpíadas até a medalha de ouro? Qual foi o diferencial?

Hebert Conceição - Fui ganhando confiança a cada luta. Eu cheguei muito confiante, claro, mas a gente vai adquirindo ainda mais confiança no decorrer da competição, vai tendo algumas performances que nos trazem bastante confiança. A primeira luta foi bastante difícil, não tive uma performance de se admirar, mas saí vencedor, que era o mais importante. Eu botei na minha cabeça uma coisa: "Não adianta performance, eu quero ganhar'. A performance me adiantava nas outras competições, que serviam de preparação. Lógico, para vencer tem que ter uma boa performance, mas se eu sair vencedor e não tiver lutado tão bem não vai importar. O que importa é ter o meu braço erguido no final.

Na primeira luta, eu não fui tão bem, mas saí vencedor e já descarreguei um peso das minhas costas de vencer na estreia. A estreia pesa muito, principalmente para o atleta que está na sua primeira Olimpíada, então já fui mais tranquilo para a segunda luta, tinha passado pelo primeiro degrau. A segunda luta, contra o atleta do Cazaquistão, foi dificílima, que já valia medalha. Seria a luta mais importante da minha vida, um divisor de águas. Fui com tudo para aquela luta, muito concentrado, muito confiante. Eu falei que poderia sair derrotado, mas, se eu saísse derrotado, sairia de cabeça erguida, porque iria deixar tudo em cima do ringue, tirar golpe até o último minuto e fazer de tudo para não deixar escapar a luta. Me mantive muito focado, muito confiante, tive uma grande performance contra um grande adversário, me tornei vencedor e desabafei até de uma maneira mal educada no final, disse algumas palavras que não deveria, mas era um momento de extravasar mesmo, que a gente está a flor da pele e acaba não controlando as emoções.

Já fui para a semifinal mais tranquilo, já era medalhista, só queria mudar a cor da medalha, mas estava sem peso nenhum nas costas. Pude lutar sem peso, fazer o meu jogo sem nenhuma restrição, tanto que foi a luta mais tranquila para mim, contra o atual campeão mundial. Fui sem nenhum peso na consciência, só para mostrar meu boxe mesmo, que era bom e era capaz de conseguir, ser um finalista. Na final, é uma luta que te divide do ouro, do título de campeão olímpico, com certeza algo que entra para a história. Eu não podia perder aquela luta de maneira alguma. Eu fiquei muito nervoso, concentrado, me exigiu muito trabalho mental. Depois eu botei na cabeça que só por ser finalista já era um vencedor, mas que poderia mudar aquela situação, não podia me conformar e não poderia me pressionar por isso.

Eu tinha a oportunidade de mudar a cor da medalha, eu não podia me conformar e nem poderia me pressionar. Me tranquilizei, consegui dormir à noite, foi tranquilo. Lógico que antes da luta dá aquele frio na barriga, aquela ansiedade, mas pude controlar bem. Ainda perdendo a luta, nos dois primeiros rounds, eu mantive a autoconfiança, acreditando que poderia reverter aquela situação e, no terceiro round, eu fui para o tudo ou nada em busca do nocaute porque seria a única coisa que me salvaria naquela luta. Baixei o meu queixo e falei: "Vou tentar nocauteá-lo". Eu tinha que acreditar naquilo e consegui um momento de muita lucidez, um nocaute muito inteligente, clássico para me tornar campeão.

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O POVO - A final exige uma preparação diferente?

Hebert Conceição - É complicado, porque eu lutei no dia 5 e a final era no dia 7. A gente não tem muito tempo para fazer ajuste ou nada desse tipo, é mais perder o peso para se pesar no dia 7, descansar para se recuperar da luta anterior e montar a estratégia para a luta. A única coisa que eu pude fazer foi perder o peso, assistir bastante vídeo dele para poder montar a estratégia junto com a equipe técnica para chegar na luta com alguma coisa certa para fazer e, lógico, com plano B. Não deu certo nosso planejamento, não consegui pegar a estratégia, aplicar de maneira convincente para os juízes e tinha o plano B, estava preparando para aquela situação.

Eu usei do meu outro recurso, diferente dele, que já estava com a luta ganha na pontuação e continuou vindo com o mesmo ímpeto, se expondo. Mostra que ele era um atleta de um único recurso, apesar de ser um recurso muito bom e um cara muito bom. Eu não, sou um cara mais versátil, tenho diversos recursos. Se precisar ir para cima, eu vou; se precisar administrar, eu sei administrar; e se precisar nocautear, eu vou nocautear também. Acreditei no meu trabalho e no meu potencial, com pés no chão e humildade, claro. Tinha que buscar aquela situação, busquei e me tornei campeão olímpico.

 

 

O POVO - Quando você teve a oportunidade de enfim assistir ao próprio nocaute?

Hebert Conceição - Assim que acabou a luta, que eu peguei o celular e olhava as redes sociais, onde eu apertava era vídeo meu nocauteando (risos). Então eu pude ver diversas vezes. Até uma curiosidade: eu não assisti à luta toda, só assisti o momento do nocaute até hoje (risos). Tenho vários vídeos, de várias maneiras: vídeo editados, com outras narrações, com narrações pessoais, narrações zoando, a própria narração do Rhoodes Lima, que foi bem emocionante, a narração do Luís Roberto também foi bem emocionante. Então eu pude ver diversas forma de nocaute e até hoje eu vejo (risos)

O POVO - E qual foi a sensação de receber a medalha olímpica?

Hebert Conceição - Olha, emoção, né? Emoção muito grande, sensação de dever cumprido. Passa um filme ali na hora, a gente começa a lembrar da nossa trajetória, de onde a gente saiu, onde conseguiu chegar, por tudo que a gente já passou, com momentos difíceis e felizes também. Mas a melhor sensação é aquela de que tudo valeu a pena, nada foi em vão. Eu que já não passo aniversário em casa, com as pessoas que eu mais amo, há cinco anos, dia das mães, dia dos pais...

As principais datas do ano eu sempre estive longe da minha família desde 2017. Foi uma preparação muito forte, muito dedicada, que me exigiu algumas abdicações de coisas que muitas pessoas usufruem e não sabem o quanto são felizes. Eu pude lembrar de todos esses momentos. Meu aniversário, por exemplo, faz cinco anos que eu passo na Bulgária ou na Colômbia, em um frio de -10ºC ou na altitude de 2.600 metros de Bogotá, convivendo com os companheiros de equipe, tendo eles como pai, como mãe, como as principais pessoas, porque convivem com a gente mais do que a nossa família. Então é um filme mesmo que passa na cabeça, da nossa trajetória. É uma sensação incrível.

 

"... no terceiro round, fui para o tudo ou nada em busca do nocaute porque seria a única coisa que me salvaria naquela luta. Baixei o meu queixo e falei: "Vou tentar nocauteá-lo". Tinha que acreditar naquilo e consegui um momento de muita lucidez, um nocaute muito inteligente, clássico para me tornar campeão"

 

O POVO - Como foi a repercussão do resultado? Apareceram muitos familiares e amigos entrando em contato?

Hebert Conceição - Com certeza, muita mensagem recebida, não conseguia mexer no Instagram. Meu WhatsApp também... Porque meu WhatsApp é o mesmo desde a primeira vez que eu tive, é o mesmo número, então surgia gente que eu não falava há anos mandando mensagem. Eu não consegui responder todo mundo, tive que passar a usar o Telegram para me comunicar com a minha família, porque se eu ficasse online dois minutos, gente começava a me ligar, me ligar, me ligar, querendo que eu respondesse, e eu não conseguia. Eu não tinha tempo nem de falar com a minha família, com a minha mãe, com a minha namorada, minha irmã. Então foi um período muito bom, mas também muito difícil porque eu tive que me virar em 30 para poder dar conta de dar atenção a todo mundo. Eu sabia que fazia parte ali do momento, muita gente se sentiu representada e feliz, muita gente torceu junto comigo ali. Com certeza todas essas pessoas fazem parte da minha medalha.

O POVO - A sua relação com o Isaquias Queiroz também acabou ganhando destaque, pela descontração dos dois...

Hebert Conceição - O Isaquias é um cara que eu já acompanhava, já admirava desde os Jogos Olímpicos do Rio. É um cara sensacional, de espírito bom, positivo, sempre sorrindo e sempre brincando, nos proporcionando um momento feliz, deixa felicidade por onde passa. Eu admiro muito ele, ele também me admira muito, fiquei muito feliz por todo o apoio que ele me deu lá, todas as conversas que a gente teve. A gente pôde trocar muita ideia, trocar muita experiência, um torceu pelo outro, então foi uma parceria muito positiva. Sou fã dele, ele também disse que era meu fã. Só tenho que agradecer mesmo, pela admiração dele e a minha também, que é algo recíproco. Foi muito boa essa troca da experiência com o Isaquias.

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O POVO - Como tem sido conciliar todos os compromissos após a volta de Tóquio?

Hebert Conceição - (risos) Eu me virei em 30 lá em Tóquio, aqui no Brasil eu estou tendo que me virar em 50 (risos). Não é fácil, não é fácil. Tenho muitos compromissos, tenho que conciliar também com meus treinamentos, porque eu sou atleta, preciso me manter ativo, não posso parar, mas eu também estou aproveitando bastante esse momento. É o momento que eu mais tenho que aproveitar, enquanto ainda está em evidência, fresco. Eu sei que sempre serei campeão olímpico, nada apagará minha história, mas também a gente sabe que o esporte brasileiro, sem ser o futebol, é mais difícil de se manter em alta visibilidade.

É a hora que eu estou tentando aproveitar ao máximo. Estou tentando me promover, promover minha modalidade bastante para que a gente tente colocar os brasileiros para consumir também outros esportes, que também são importantes e têm grandes atletas, com grandes histórias, que podem nos proporcionar grandes momentos. Às vezes eu não consigo nem almoçar em casa: saio do treino, vou para um compromisso, vou para outro. Às vezes saio de casa às 7 horas e só volta às 23 horas, mas é isso, faz parte da vida pós-medalha. Vou tirar um tempo também para descansar com a família, porque é importante. Não tive esse tempo de descansar, me afastar de tudo, me desligar do mundo para curtir com a minha família, ainda não tive esse tempo. Mas já estou me programando para logo em breve fazer isso e, enquanto isso, estou desfrutando da vida de medalhista (risos).

O POVO - O que você já notou que mudou na sua vida após os Jogos Olímpicos, tanto em termos pessoais quanto na carreira?

Hebert Conceição - Algumas coisas ainda não estão concretizadas, então não posso afirmar nada. Já tive alguns contatos, possibilidade de patrocínio e de parceria. A única coisa que mudou até agora é que eu já me descobri no talento de publicidade, já fiz minha primeira propaganda. Já me tornei um garoto-propaganda (risos). Mas acho que, em breve, coisas boas virão. Ainda estou cuidando também da minha lesão, não pude voltar ainda ao alto nível no boxe, treinando. Estou recuperando a minha lesão, atendendo bastante a imprensa. Ah, e também comentarista: já comentei o meu primeiro evento de boxe, estou indo comentar o meu segundo. Estou descobrindo alguns talentos além do boxe e espero colher bons frutos daqui para frente.

O POVO - Você também não deixou de exibir a paixão pelo futebol e pelo Bahia. Você realmente é torcedor fanático?

Hebert Conceição - Ah, eu sou Bahia desde moleque, desde que eu me descobri como gente. Sou torcedor, sim, daqueles fervoroso, fanático, que assiste o jogo de onde está, frequenta estádio. Uma coisa também que foi muito difícil foi ter ido embora de Salvador, em 2017, e não ter mais a oportunidade de acompanhar meu time presencialmente. Eu ia toda quarta e domingo, quando o jogo era fora eu ficava triste. O Bahia faz parte da minha vida, tem total influência no meu humor. É incrível como esse time pode mexer com o humor da pessoa. Se o Bahia joga no sábado e ganha, meu final de semana é perfeito (risos); se o Bahia perde no domingo, já estragou o final de semana (risos). Mas agora eu pude ter uma relação mais próxima com o Bahia, depois dos Jogos, eles me proporcionaram uma homenagem linda no CT, deixaram eu conhecer toda a estrutura, todos os jogadores, tive um contato muito próximo com todos do clube. Me senti ainda mais torcedor e ainda mais orgulhoso, mais fanático pelo clube.

 

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