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Juliana Freitas: o Ceará no centro financeiro do Brasil
Reportagem Seriada

Juliana Freitas: o Ceará no centro financeiro do Brasil

Juliana Freitas, fundadora e CEO da fintech cearense FortBrasil, detalha como ganhou espaço no mercado financeiro nacional e como proporcionar acesso ao crédito a pessoas sem cair no erro da inadimplência
Episódio 43

Juliana Freitas: o Ceará no centro financeiro do Brasil

Juliana Freitas, fundadora e CEO da fintech cearense FortBrasil, detalha como ganhou espaço no mercado financeiro nacional e como proporcionar acesso ao crédito a pessoas sem cair no erro da inadimplência
Episódio 43
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Dos sonhos inquietos da infância, onde ser dona de uma empresa era a brincadeira favorita, até a disputa por espaço no mercado financeiro nacional, a cearense Juliana Freitas acumula diferentes histórias sobre o que é ser uma mulher empreendedora nordestina.

Caçula com dois irmãos mais velhos, conta ao O POVO como a força da avó, que viu no empreendedorismo o caminho para construir a casa própria e sustentar os três filhos quando ficou viúva, a impulsionou no mundo dos negócios.

Genuinamente cearense, como gosta de se definir, Juliana aposta na inovação para consolidar um modelo de negócios para quem, por anos, foram marginalizados pelo sistema financeiro tradicional.

“A oferta de crédito consciente é uma forma de empoderar e melhorar a vida das pessoas, de abrir margem para novas possibilidades de crescimento pessoal e profissional”, destaca.

 

Há mais de duas décadas, quando os debates sobre liderança feminina eram ainda mais incipientes, a empresária cearense se apresentou como exceção à regra e assumiu projetos de investimentos idealizados em parceria com os irmãos, diante da experiência de um escritório de contabilidade fundado pelo pai.

“Eu não me vejo fazendo outra coisa que não seja empreender”, afirma com convicção ao destacar a importância da representatividade enquanto líder de negócios.

Fundadora e CEO da FortBrasil, fintech cearense especializada na oferta de produtos financeiros para pessoas das classes C e D, em especial autônomos e trabalhadores informais, ela diz que preserva a curiosidade destemida de criança e firma o sonho de consolidar o Ceará como berço da futura liderança do mercado financeiro no Brasil.

Para isso, fortalece a expansão nacional da empresa ao atender as necessidades de médios e pequenos varejistas de fidelizar seus clientes por meio de um cartão de crédito com sua marca, criando uma rede interconectada de lojistas que podem financiar compras aos seus respectivos clientes por meio do cartão FortBrasil.

 

 


O POVO - De que forma se dá início sua trajetória como empresária?

Juliana Freitas - A FortBrasil com certeza está marcada 100% na minha pessoal e profissional, mas minha história começa bem antes disso. Eu fui mordida pela mosca empreendedora, pela vontade de empreender desde os meus 20 anos de idade. Muito nova eu já comecei esse desejo com empresas diferentes, negócios diferentes, e foram o que deram o pontapé inicial para criar a FortBrasil.

É o que falamos muito no mercado do empreendedorismo, que, às vezes, você pivota seu modelo de negócios. Você observa que o que você lançou no início não era exatamente aquele produto que você estava buscando que o mercado desejava e então você tem que ir ajustando seu produto até que ele se torne o que você escala.

OP - O que te inspirou para se tornar uma empreendedora?

Juliana Freitas - Eu venho de uma família de empreendedores, mas eu tenho uma referência muito forte na minha vida que é a minha avó. Minha avó era costureira de alta costura e eu me lembro que gostava muito de observar aquela entrada de clientes para pegar seus vestidos, fazer suas encomendas. Ainda criança ver toda aquela movimentação, todo o trabalho que ela fazia, acho que foi isso que me despertou a veia empreendedora em mim e que continua sendo uma parte muito importante da minha vida. Eu não consigo me ver fazendo algo diferente de empreender.

OP - Qual o peso de mercado atual da FortBrasil?

Juliana Freitas - Nós terminamos o ano de 2021 com o total transacionado em nossos cartões de crédito totalizando R$ 2,3 bilhões, com um crescimento de 56% com relação ao ano de 2020. Estamos muito felizes com o resultado de 2021 e continuamos com planos de crescimento para o ano de 2022. Somos uma empresa genuinamente cearense, mas hoje já com atuação em todo o território nacional.

Atuamos em todos os estados do Brasil com o nosso produto que tem como foco o pequeno e médio, que é o credifácil e nosso propósito para os próximos anos é continuar crescendo nacionalmente.

Juliana Freitas mira expansão no Brasil(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Juliana Freitas mira expansão no Brasil

Apesar de mantermos nossa sede em Fortaleza, nós não pensamos mais regionalmente, todas as nossas estratégias e pensamentos já são nacionais e queremos aumentar nossa presença em todo o Brasil.

Nossa carteira de crédito atual é estimada em R$ 700 milhões e queremos atingir R$ 1 bilhão em 2022. Temos 700 mil clientes ativos, comprando com nosso cartão todo mês, seguindo uma tendência de crescimento de vendas de cartões em 50% ao ano.

Para este ano esperamos um crescimento similar, talvez um pouco menor diante dos desafios já postos, como inflação, características do cenário macroeconômico. Mas esperamos continuar crescendo, temos caixa para continuar crescendo.

O ano de 2022 do ponto de vista dos desafios externos será um ano animado, como costumo dizer, mas nós continuamos buscando e apostando em nosso crescimento consciente.

OP - Como a pandemia afetou as operações da FortBrasil?

Juliana Freitas - Foram dois anos de muitos muitos desafios. No primeiro ano da pandemia, para gente foi bastante desafiador colocar todo nosso time em casa e até hoje mantemos isso, não voltamos 100% para o escritório. Essa foi nossa primeira preocupação, com nossos colaboradores, e depois foi que nossos clientes soubessem operar 100% no mundo online e que isso não impactasse a vida deles e nós conseguimos fazer isso com bastante maestria e bastante foco.

O que a gente viu foi que o nosso cliente, assim como nós, rapidamente precisou se digitalizar, rapidamente a gente viu nosso cliente mudando sua forma de consumo e pagamento.

Nosso cliente tem a possibilidade de fazer o pagamento presencial em nossas lojas parceiras e durante a pandemia vimos rapidamente ele migrando para os canais digitais.

"Vimos o cliente partindo para compras onlines, uma imigração muito rápida e que ficou. A gente vê que hoje não adianta a gente pensar que existem clientes que não são digitais, hoje eu costumo dizer que não existe mais ninguém que não seja digital."

Nossos clientes conseguiram usar os seus cartões de crédito, nossos varejistas conseguiram fazer com que os cartões chegassem nas mãos de seus clientes, então, conseguimos passar pela pandemia atendendo nossos parceiros varejistas, nossos clientes e aprendendo muito também.

A gente fez uma mudança forte em nosso modelo de gestão, antes nós tínhamos um modelo de gestão tradicional e já queríamos mudar para um modelo mais novo, mais moderno e que permita mais a inovação, e durante a pandemia conseguimos mudar isso.

A gente alterou muita coisa e hoje boa parte da companhia roda no modelo de squads e nós nos preparamos para um 2022 positivo, já que com certeza a pandemia deve ficar para trás já que as vacinas estão se provando eficazes.

Mas nós temos um ambiente macroeconômico ainda incerto e temos olhamos esse horizonte ainda com bastante cautela onde a gente sabe que nosso cliente sofre bastante com a inflação, então é um misto de “poxa, vamos continuar crescendo”, mas de que forma esse crescimento vai acontecer.

OP - Como a empresa vê o perfil do cliente já que estamos em um contexto de mais de 70% das famílias endividadas?

Juliana Freitas - Nosso cliente é diverso, mas procuramos trabalhar com algumas personas que sabemos ser mais representativas dentro de nossa base de clientes. Uma das nossas personas de maior peso é uma mulher de 46 anos de idade com uma renda média de R$ 1,8 mil até R$ 2 mil por mês, autônoma.

 

 

É oferecer um crédito consciente, usando um modelo de decisão completamente baseado em dados justamente para entregar para nosso cliente o melhor limite de crédito para ele poder fazer bom uso desse crédito e poder viver melhor com isso.

OP - Como veem a expansão do modelo de negócios adotado pela FortBrasil?

Juliana Freitas - Trabalhamos com um modelo de negócios de Business to Business to Consume, a gente faz a parceria com os lojistas e emite um cartão de crédito com a marca da loja, dá um crédito na hroa para o cliente desse varejistas que já sai com uma compra. Ele entra em uma sapataria parceira, é apresentado ao nosso cartão, se for aprovado, ele já consegue sair com uma compra financiada pela FortBrasil.

A gente vê uma contínua expansão desse modelo de negócios e devemos em breve começar a emitir, também em parceria com nossos varejistas ou de mais parceiros, cartões no ambiente online. Antes nós éramos muito do ambiente presencial, mas já em 2022 vamos migrar para o digital com a emissão de cartões digitais.

FortBrasil, empresa administradora de cartões de crédito(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita FortBrasil, empresa administradora de cartões de crédito

OP - Pois quais os planos da empresa para 2022?

Juliana Freitas - Devemos lançar o credifácil, uma espécie de crediário mantido pela FortBrasil, que é nosso produto voltado exatamente para a pequena empresa.

Ou seja, aquele microempreendedor que estiver passando por um período de dificuldade, vamos permitir a ele alavancar suas vendas através da parceria com a FortBrasil, onde o cliente também entra na loja do empreendedor e na mesma hora ele faz um cartão e já realiza uma compra.

Nós temos uma taxa de conversão de compras bem alta, quase 90% dos clientes que fazem o cartão nas lojas, já saem com a compra.

E para esse microempreendedor, nossos parceiros e clientes, também vão poder emitir o cartão através do WhatsApp. Ou seja, nós estamos aumentando nossa abrangência nacional com o nosso modelo de negócios, de cartão cobrand e estamos com nosso novo produto que é o credifácil para o pequeno empreendedor, estamos indo para emissão digital e estamos começando com o nosso empréstimo.

Também teremos o produto chamado “MeuEmpréstimo” que a gente disponibiliza empréstimo para nossa base de clientes, começamos a operação dele agora na virada do ano e vamos expandir durante todo o ano de 2022. Ou seja, temos expansão da amplitude nacional, amplitude de canal e amplitude de produto para o ano de 2022 então promete aí muito trabalho

Nós fizemos uma captação via Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) de R$ 100 milhões para capitalizar nossa expansão em 2022. Nós estamos prontos para crescer, temos caixa para crescer, estamos prontos para continuar fazendo nossa expansão nacional, mas também tudo isso com muita cautela, olhando o cenário macroeconômico.

OP - Como é a receptividade do mercado financeiro para uma mulher, nordestina e empresária?

Juliana Freitas - A questão da representatividade das mulheres nas empresas ainda é extremamente baixa. Eu estou há mais de 20 anos na jornada empreendedora e eu vi muita coisa mudando, tá? Mas no mercado financeiro eu não consigo ver essas mudanças.

É um compromisso que eu assumo como empreendedora, como executiva. Eu tento, começando de dentro da FortBrasil, quebrar esse ambiente.

OP - Mas existe investimento em diversidade na empresa?

 

 

OP - E diante de um País desigual, quais ações sociais que a empresa apoia e defende?

Juliana Freitas - Nós tivemos tanto em 2020, como em 2021 uma campanha solidária muito forte, no período de junho, foi nosso São João solidário, onde doamos muitas cestas básicas. A gente faz um movimento de gincana envolvendo todos os colaboradores, isso é exatamente para quê? Para não ter só a questão da arrecadação financeira, mas buscar o engajamento de todo nosso time vendo realmente a necessidade da nossa população que tem sofrido tanto nessa pandemia.

A gente gosta de fazer essa gincana com objetivo de demonstrar, engajar nosso time nesse apelo social. Não temos uma causa fixa, mas temos o projeto SerMais que é um projeto da empresa que buscamos causas para apoiar. É o próprio time da FortBrasil em apoio a diversas causas durante todo o ano.

OP - Quais os principais desafios enfrentados na consolidação da FortBrasil no mercado ante tantos outros concorrentes dessa área financeira?

Juliana Freitas - Nós estamos no mercado há 17 anos, mas a gente entrou nesse negócio de fintech sem antes saber o que de fato era isso, antes do termo ser disseminado. No começo da FortBrasil, dar crédito fora do sistema financeiro tradicional era algo quase que ninguém entendia.

Quase ninguém entendia como a gente conseguia operacionalizar tudo isso, então foi difícil conseguir investidores, conseguir fontes de fundo, é algo que nos últimos anos quando as startups e as fintechs se tornaram mais sexys para os investidores, para a gente também ajudou bastante no nosso crescimento

O empreendedor às vezes entra em um negócio, em um produto sem saber muito, sem analisar muito o mercado, ou as características do produto,eu acho que em algum momentos na minha carreira eu fiz isso, mas hoje não, a gente toma decisões baseadas em dados, de forma muito mais assertiva.

Hoje existe um ecossistema de apoio muito grande para as startups, nós somos empreendedores Endeavor e a Endeavor foi e é super importante nessa nossa construção e nos ajuda sempre a alcançar novas metas. Nós, enquanto empreendedores, temos que ter a cultura de sempre buscar mais, aprender mais, sonhar grande e sempre acreditando que a empresa pode ir ainda mais longe.

Juliana Freitas vai lançar o credifácil, uma espécie de crediário mantido pela FortBrasil, produto voltado para a pequena empresa(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Juliana Freitas vai lançar o credifácil, uma espécie de crediário mantido pela FortBrasil, produto voltado para a pequena empresa

OP - O que considera que foi principal erro que a empresa já cometeu?

Juliana Freitas - Quando a gente entrou no mercado de crédito para pessoa física, nós erramos muito no nosso modelo de crédito. Erramos muito muito muito mesmo, tivemos uma inadimplência muito maior do que a gente esperava, e aí, acho que isso foi uma grande lição para mim.

Foi a lição de que se eu queria entrar no mercado, lançar um produto, eu tinha que estudar, analisar, tomar decisões baseadas em dados antes de se aventurar.

Esse foi assim, o que chamamos de day one, que foi quando eu vi que a empresa estava crescendo, mas a carteira de crédito não estava sadia. Era difícil dizer para todo o time: ‘pessoal, eu estou analisando aqui, as coisas não estão como deveriam ser’.

"Nós tivemos que frear nossos investimentos, para desacelerar o crescimento, freamos com tudo, analisamos, estudamos, aprendemos a dar crédito e hoje é nossa grande expertise."

 

OP - Observado a sua jornada, quais são suas bases de apoio?

Juliana Freitas - Com o tempo você acaba aprendendo um pouco dessa gangorra típica da vida de um empreendedor. Eu tenho outros empreendedores amigos, a própria Endeavor, que me ajudam nessa gangorra.

Também tive um grande mentor que foi o Jose Tosi, presidente da MasterCard por muitos anos e foi conselheiro da FortBrasi até esse último ano e foi uma pessoa muito importante na minha vida pessoal e profissional.

Eu aprendi muito com ele e a gente busca também sempre ter um conselho para a empresa, que seja forte, de executivos que tenham experiência similares para os desafios que a FortBrasil possa estar passando.

Tenho um time de executivos, entre novos e veteranos. E a minha família também, que sempre me dá muito apoio e me dá um carão quando eu preciso, quando tô trabalhando demais. Felizmente eu tenho muitas pessoas que me ajudam nessa jornada.

OP - Diante da polaridade política brasileira, a FortBrasil pode tomar algum partido diante da disputa eleitoral de 2022?

Juliana Freitas - Eu, como executiva, dentro da empresa, eu gosto de me posicionar sim, mas nós como empresa, a FortBrasil, não se posiciona. Nossos executivos, nosso time são todos livres para tomar suas decisões, para falar o que pensam com seus times e vice e versa.

A gente até já fez, em outros anos de eleição, alguns debates com pessoas de lados opostos simulando os debates presidenciais, fizemos votação também.

A gente tenta deixar esse debate, que é muito importante para nosso País, em um ambiente que as pessoas se sintam livres para falar sobre isso.

OP - Diante da expansão nacional, como fica a relação da empresa com o Ceará?

Juliana Freitas - O Brasil é muito grande, temos um desejo de continuar com boa parte da operação aqui, mas cada vez mais, outras regiões vão se tornando mais importantes. A maior parte dos nossos executivos está em São Paulo, então minha presença lá tem aumentado muito.

Os centros do mercado financeiro estão todos lá. A gente está buscando maior capilaridade então o coração continua aqui, a sede continua aqui, mas cada vez mais a empresa vai se espalhando por todo o Brasil.

A maior parte do PIB do País está na região Sudeste, a bolsa de valores está lá, então nós queremos ser uma empresa nordestina, mas atingir patamares nacionais, quem sabe num futuro lançar um IPO e para isso cada vez precisa pensar, agir fora do Nordeste, mas queremos continuar com o nosso coração aqui.

Fora do Nordeste, o cearense, pelo menos, é visto como pessoas que têm uma grande veia empreendedora e é isso que eu quero levar para lá.

Juliana Freitas diz que veio de uma família de empreendedores(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Juliana Freitas diz que veio de uma família de empreendedores

Queremos levar o Ceará para o centro financeiro do Brasil, mas sem perder a essência nordestina, sem perder esse aconchego nordestino, sem perder a maneira de se relacionar nordestina, assim como outros empreendedores daqui, que eu admiro, e que conseguiram passar de uma empresa regional para escala nacional.

Nós nordestinos precisamos sonhar alto, que podemos pensar grande. Saber que, às vezes, nosso caminho é mais difícil, mas que a gente pode ir sim, pode sonhar alto, pode sair de uma operação regional, escalar um produto nacionalmente, por mais dificuldades que tenhamos nesse caminho.

É importante sempre amar nosso Nordeste, mas também ter noção que para realmente ser uma empresa grande, precisamos ir além daqui.

 

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