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Thiago Monteiro, o cearense que saiu de casa aos 14 anos para se tornar o tenista nº 1 do Brasil
Reportagem Seriada

Thiago Monteiro, o cearense que saiu de casa aos 14 anos para se tornar o tenista nº 1 do Brasil

Sob a mentoria de Larri Passos, ex-treinador de Guga, Thiago evoluiu no esporte e se tornou uma das principais referência do país, mas o percurso demandou sacrifícios
Episódio 64

Thiago Monteiro, o cearense que saiu de casa aos 14 anos para se tornar o tenista nº 1 do Brasil

Sob a mentoria de Larri Passos, ex-treinador de Guga, Thiago evoluiu no esporte e se tornou uma das principais referência do país, mas o percurso demandou sacrifícios
Episódio 64
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Atual número um do Brasil no ranking mundial de tênis na categoria masculina, o cearense Thiago Monteiro, 28, é a principal referência do país na modalidade individual, mas para chegar a esse status  percorreu uma longa trajetória. Aos 14 anos, deixou a mãe e seus dois irmãos em Fortaleza e se mudou para Santa Catarina em busca do sonho de se profissionalizar no esporte. O frio, por mais que tenha assustado de início, foi somente um detalhe dentre muitas outras dificuldades que encontrou. Nenhuma delas, entretanto, foi suficiente para fazê-lo desistir — embora tenha cogitado.

O sonho de Thiago Monteiro passou pelo esporte desde cedo. Primeiro o futebol, mas foi o tênis que ganhou um campeão nascido no Ceará(Foto: Fotojump/Rio Open 2022)
Foto: Fotojump/Rio Open 2022 O sonho de Thiago Monteiro passou pelo esporte desde cedo. Primeiro o futebol, mas foi o tênis que ganhou um campeão nascido no Ceará

O primeiro contato com a raquete e a pequena bola amarela aconteceu aos 8 anos, por meio do irmão mais velho, que costumava jogar em um espaço próximo à casa em que viviam. Apaixonado por futebol, dividiu-se entre o campo e as quadras de saibro até os 14, chegando, inclusive, a fazer testes na categoria de base do Ceará, do qual quase integrou a equipe juvenil — seu time de coração. A vocação para o tênis, entretanto, se sobrepôs.

Descoberto durante um campeonato em Santos (SP), Thiago Monteiro foi convidado para fazer uma semana de testes no mesmo centro de treinamentos que Gustavo Kuerten, um dos maiores tenistas da história brasileira, frequentava. No local, viu de perto o tricampeão de Roland Garros se preparando para o seu último Grand Slam da carreira, além de conhecer Larri Passos, técnico de Guga e que, posteriormente, tornaria-se o seu mentor também. Ambos foram importantes pilares para a ascensão do cearense.

Não demorou muito para Thiago despontar. Com 16 anos, acumulou diversos títulos juvenis, figurou como top-1 do ranking brasileiro e sul-americano, disputou torneios gigantes da categoria, como Roland Garros, e até aqueceu com Andy Murray momentos antes do britânico entrar em quadra para enfrentar o espanhol Rafael Nadal pela semifinal do torneio realizado em Paris.

Como profissional, superou uma grave lesão no joelho em 2015, contrariando os exames — e o diagnóstico de médicos —, que apontaram um rompimento completo do ligamento, recuperou-se antes do tempo previsto e, meses depois, surpreendeu o mundo após derrotar, na primeira rodada do Rio Open, o francês Jo-Wilfried Tsonga, naquele ano o número nove do ranking e cabeça de chave da competição. Nos anos subsequentes, chegou a ocupar o top-75 da ATP, venceu Challengers e segue se consolidando no cenário internacional.

Em entrevista ao O POVO, Thiago Monteiro contou sobre o início da carreira, as dificuldades do percurso, assim como as suas alegrias, as influências de Guga e Larri Passos, os momentos épicos como tenista, o medo da pandemia causada pela Covid-19, o peso de ser o top um do Brasil e também a admiração por Cristiano Ronaldo, seu atleta preferido.

 

 

O POVO - O tênis não é um esporte tão popular entre as crianças como o futebol, por exemplo. Como surgiu essa paixão?

Thiago Monteiro - Eu cresci em Fortaleza e comecei a jogar tênis com 8 anos. Até então eu jogava mais futebol, sempre gostei muito de esportes. Mas no início eu jogava futebol, treinava em alguns campinhos próximos da minha casa. Quando fiz 8 anos, meu irmão começou a jogar tênis, por causa daquele “boom” do Guga que ocorreu em 2000, 2001. Isso (do irmão passar a treinar tênis) aconteceu em 2002, ele treinava em uma academia de tênis. Eu ficava vendo ele jogando e acabei tendo esse primeiro contato com o tênis por meio do meu irmão. Ele jogava só por lazer, mais por exercício físico, para perder peso. Eu comecei a brincar ali, a ter umas aulinhas, e fui jogando tênis e futebol até os 14 anos. Com 14 anos, foi a época que eu saí de casa e optei por realmente seguir só no tênis. Eu sempre tive o sonho de ser jogador de futebol, mas também gostava muito do tênis e estava me saindo bem. Tive também uma inclinação maior da minha mãe, porque ela achava mais seguro, por não ter tanto contato físico, tanto risco. E naquele momento eu fui morar no Sul.

OP - Em 2009, você trocou Fortaleza por Santa Catarina e passou a treinar com Larri Passos. Como foi esse processo de mudança tão jovem e qual foi a importância de Guga na sua carreira?

Thiago - Sem dúvidas foi muito importante. São as principais referências. O Guga no tênis, tudo que conquistou e fez pelo tênis brasileiro, é sempre o nosso grande ídolo. Mas foi uma casualidade do destino. Eu fui com meu irmão e a minha irmã mais nova, que também jogavam, para um torneio em Santos, e lá conhecemos uma pessoa em comum do grupo de pessoas que jogavam com meu irmão em Fortaleza, e esse cara era próximo da família do Guga. Ele ficou lá com a gente nessa semana em Santos, era um torneio nacional grande e eu acabei vencendo. Esse cara que estava com a gente, que se chama China, gostou muito de mim, da forma que eu jogava. Ele teve essa conexão muito forte comigo e entrou em contato com o Guga, com o irmão do Guga também, que tomava conta das empresas e das ações do Guga.

Isso foi em 2008, mais ou menos em fevereiro, março, e aí em junho saiu realmente a primeira oportunidade para fazer uma semana de testes. Eu nunca tinha tido uma rotina mais profissional no tênis. Eu jogava em Fortaleza, mas eram três, quatro vezes na semana, uma hora por dia, e achava que isso era treinar bastante, mas na verdade não era nem 10% do que se fazia nos grandes centros de treinamento. Eu lembro que cheguei no frio do Sul, nunca tinha pego tanto frio na vida. Foi uma adaptação difícil, mas esse primeiro contato foi só uma semana.

Foi muito legal, acabou que eu conheci realmente o Guga, ele estava se preparando para o seu último Roland Garros antes de se aposentar, então vi ele treinando, o Larri também. Conheci muita gente lá, tive esse contato mais profissional e me apaixonei, vi que era realmente o que eu queria fazer. Em dezembro foi quando eu me mudei de vez. Passei alguns anos lá tendo essa mentoria do Larri, que é um cara que confio muito, me deu muita confiança. Ter esse suporte do Guga e da sua empresa por trás foi algo que me ajudou muito e, sem dúvidas, me fez chegar onde eu estou.

Aqueci com o Andy Murray e ele foi super educado, simpático... Foi minha primeira vez em uma quadra central de Grand Slam e nisso eu fiquei nervoso, claro, nunca tinha treinado com um cara de nível tão alto. Foi bem marcante. Estar com o Murray foi fantástico

OP - Você teve uma evolução rápida no cenário e, em 2010, atingiu a primeira colocação no ranking da Confederação Brasileira de Tênis e também no ranking Sul-Americano, ambos na categoria de 16 anos. O que essa conquista representou?

Thiago - Eu lembro que em 2009 foi meu ano de transição (para o profissional). Foi um ano difícil, vários momentos sentindo saudade de casa, da família. Tudo muda, você vai em busca de um sonho, mas na verdade não está tão preparado por ser muito novo e não entende certos processos. Ter a experiência de caras como o Larri, o Guga, ali próximo, foi algo que me tranquilizou e ajudou nos momentos difíceis. Eu pensei em desistir de tudo no meu primeiro ano, de voltar para Fortaleza e ficar mais próximo da família, ter algo mais tranquilo. Mas depois que eu entendi que era algo normal, até mesmo o Guga me contou vários relatos de ter pensado em desistir, que abriu mão de várias coisas, viagens, uma rotina puxada desde cedo, ajudou a me preparar mentalmente. O início é bem complicado.

Depois que consegui passar por esse processo e me adaptar, no ano seguinte, já mais tranquilo, melhor treinado e tendo bons resultados nos torneios da América do Sul, eu lembro que joguei cinco torneios seguidos e venci todos, que foi na Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e no Brasil. Depois que passei por esses cinco torneios, eu já tinha 16 anos, mas passei a jogar mais na categoria de 18, que entra no ranking mundial juvenil, o ITF. Então eu consegui me antecipar, pegar ritmo com o pessoal mais velho, pelo qual divido os circuitos com a grande maioria. Essas fases de 16, 17 e 18, passando por processos e barreiras que, se você conseguir desempenhar bem a nível América do Sul, Europa e Estados Unidos, você vê que é possível estar se estabelecendo. Sempre foi um grande sonho meu, dos meus irmãos e da minha mãe, de me ver fazendo o que amo e, ao mesmo tempo, representando bem o meu país.

Tenista cearense Thiago Monteiro é o 101 do ranking mundial e o número um do Brasil(Foto: Fotojump/Rio Open 2022)
Foto: Fotojump/Rio Open 2022 Tenista cearense Thiago Monteiro é o 101 do ranking mundial e o número um do Brasil

OP - Em 2011, você disputou a chave principal de todos os quatro Grand Slams na categoria juvenil. Isso lhe rendeu experiências importantes, entre elas um aquecimento com o Andy Murray em Roland Garros em plena quadra central, momentos antes dele enfrentar Nadal na semifinal. O que sentiu naquele dia?

Thiago - Foi uma sorte, na verdade (risos). Porque eu lembro que em 2011 eu estava em Roland Garros e nesse ano eu terminei como número dois do mundo no juvenil. E eu lembro que joguei Roland Garros, acho que perdi na segunda ou terceira rodada e fiquei alguns dias treinando lá, porque o torneio juvenil começa na segunda semana do torneio profissional, então o pessoal já estava nas oitavas/quartas de final.

O Andy Murray iria jogar a semifinal contra o Nadal, que é um cara canhoto. E aí eu lembro que fui de manhã cedo treinar com o meu treinador da época, estava sozinho batendo bola nas quadras de fundo e chegaram algumas pessoas da equipe do Murray perguntando se eu não queria aquecer com ele na quadra central antes dele jogar com o Nadal, porque viram que eu era canhoto, e o pessoal sempre busca, além deles (Murray e Nadal) se conhecerem bem, obviamente, sempre gosta de treinar um pouco com alguém que tem características parecidas do adversário. Então eles perguntaram: "Você não quer bater bola com o Murray na quadra central daqui meia hora?". Eu respondi: "Claro, vamos!" (risos).

Aqueci com o Andy Murray e ele foi super educado, simpático, até deu dois ingressos para assistirmos ao jogo, mas ele acabou perdendo fácil (risos). Foi minha primeira vez em uma quadra central de Grand Slam e nisso eu fiquei nervoso, claro, nunca tinha treinado com um cara de nível tão alto. Foi bem marcante. Estar com o Murray foi fantástico. Alguns anos depois eu joguei na quadra central na segunda rodada de Roland Garros, acabei perdendo, mas é diferente você pisar nesses grandes palcos do esporte.

OP - Também em 2011 você conquistou seu primeiro título como profissional, o Aberto da Bahia. O quão marcante foi esse triunfo?

Thiago - Foi o meu primeiro título em torneio nível future. O tênis tem escala de Futures, depois Challengers, aí tem os ATPS 250, 500, 1000 e Grand Slams. Mas esse foi o meu primeiro título a nível mundial. Eu joguei a final contra um cara da Bahia, o Schimit, treinava junto comigo na época, éramos da academia do Larri ainda. Foi bem marcante, porque o meu primeiro ponto no ranking profissional foi em um jogo features em Fortaleza. No ano seguinte, no último torneio do ano, eu ganhei meu primeiro título profissional. Eu tive um ano muito positivo como juvenil, terminei como número dois e, sem dúvidas, toda essa confiança e experiência, de poder estar compartilhando momentos e treinos com grandes nomes do esporte nos campeonatos que coincidiam de ter juvenil e profissional, me ajudaram a estar evoluindo. Sempre busquei estar aprendendo com as pessoas ao meu redor.

OP - Esse foi o seu primeiro prêmio como profissional? Lembra do que fez com o dinheiro?

Thiago - Os Futures, eu acho que a premiação do campeão era US$ 1.200, US$ 1.300, algo assim. Eles depositam, mas eu não lembro direito o que fiz, mas devo ter deixado na conta porque eu sempre tinha que pagar muitas coisas, então não podia esbanjar muito (risos). Até então foi a minha maior premiação em um torneio, acho que convertendo na época, foi uns R$ 3 mil. Pra mim era ótimo, excelente, mas não fiz muita coisa, não (risos). Eu já morava sozinho, tinha que fazer compras, pagar contas, então já tinha essa responsabilidade de adulto desde novo.

Então veio a pandemia forte mesmo, tudo em lockdown, fechado, ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo, quando as coisas iriam voltar ao normal. Foi um momento de incerteza, sem saber quanto tempo ficaria parado. Eu estava em casa e o circuito ficou sem torneio por uns seis meses. Tive muita preocupação com a minha mãe, por ela ser do grupo de risco. Naquela época não tinha conhecimento, a gente pensava que ia pegar e morrer na hora

OP - No ano de 2015 você sofreu uma grave lesão no joelho e foi diagnosticado com um rompimento completo no ligamento cruzado. O que sentiu naquele momento e como foi o processo de recuperação?

Thiago - Foi um momento bem complicado mesmo. Eu estava em uma sequência de torneios na Europa, já estava morando no Rio de Janeiro, treinando com outra equipe. No começo do ano eu tive algumas pequenas lesões, não estava emplacando um ritmo muito legal de jogos. Então nesses torneios da Europa, a gente optou por jogar um Challenger no interior da Eslováquia, e as condições não eram boas, as quadras não eram boas, em certos momentos era perigoso. No último jogo do qualify, para entrar na chave principal — inclusive no match-point, era o último ponto do jogo, se eu tivesse feito teria ganho — fui correr para uma bola, fui deslizar, a quadra meio que quebrou, torci o pé e ao mesmo tempo torci o joelho também.

Caí no chão e já não consegui levantar, tive que sair de maca. Eu senti um estalo estranho no joelho e eu nunca tinha tido nada tão grave, já tinha torcido o pé algumas vezes, mas bem mais tranquilo. Essa foi mais feia, não conseguia levantar, o joelho estava bem inchado. Os médicos do torneio me levaram para um hospital para fazer exame e lá me falaram que não teria condições de eu continuar no campeonato, porque poderia ser algo mais sério. Ele colocou uma tala no meu joelho, saí de maca e voltei para o hotel. Meu treinador estava com mais outros dois jogadores, então tive que voltar sozinho para o Brasil, com as malas, de muleta, e foi bem complicado.

Eu estava no interior da Eslováquia, tive que pegar um táxi, deu uma hora e meia até o aeroporto. Peguei um voo até Milão e depois para São Paulo, então foi quase um dia e meio viajando. Chegando no Rio de Janeiro, eu fiz a ressonância e saiu que eu tinha rompido o ligamento cruzado anterior total, ou seja, processo cirúrgico. Foi meio que um choque, porque essa lesão demora uns seis ou oito meses para voltar a jogar. Recebi a notícia um pouco impactado, mas, de certa forma, tranquilo.

Comecei a fazer alguns tratamentos com o meu fisioterapeuta e ele via que eu respondia muito bem a diversos exercícios. Eu sentia a dor no joelho mais pela pancada, mas ele fazia certos testes para ver se rompeu o ligamento, se tem frouxidão no joelho, se tem estabilidade, e meu joelho parecia normal, igual ao direito, em questão de firmeza. Ele estava inchado por causa da pancada, mas na imagem aparecia esse ligamento cruzado.

Eu fiz todo o processo pré-cirúrgico, tinha até a cirurgia marcada. Eu lembro que uma semana antes eu fiz uma outra ressonância para realmente ter certeza, e na segunda deu de novo que foi um rompimento total. Só que eu estava me sentindo bem melhor, fazia alguns exercícios de musculação que o meu fisioterapeuta ficava sem acreditar que realmente tinha rompido totalmente, porque para um joelho sem estabilidade, eu não deveria conseguir fazer.

Os fisioterapeutas meio que acreditavam que eu não tinha rompido, mas as imagens e os médicos falavam outra coisa. Acabei não fazendo a cirurgia na data marcada, fiz outros testes e em um dos últimos exames indicou que estava parcialmente rompido, e parcialmente não é caso de cirurgia, mais para fortalecer. Depois de quatro meses, eu voltei a competir. É todo um processo de adaptação, de ter confiança em se mexer, de saber que está realmente 100% recuperado.

Foi um período difícil, mas de muito aprendizado para mim. Eu comecei a dar mais valor ao tempo de carreira que se tem, o tempo na quadra, aproveitar os treinos, cada experiência. Foi uma virada de chave para mim. Não à toa, no ano seguinte eu tive o melhor ano da minha carreira até então. Comecei a me firmar em nível ATP, ganhei meu primeiro Challenger, sai de 380 do mundo para 75. Sem dúvidas muito por esse momento difícil, onde eu soube lidar e amadurecer para me tornar um jogador melhor.

Tenista cearense Thiago Monteiro em jogo do Rio Open 2022(Foto: Fotojump/Rio Open 2022)
Foto: Fotojump/Rio Open 2022 Tenista cearense Thiago Monteiro em jogo do Rio Open 2022

OP - Em 2016, você foi convidado para disputar o Rio Open e, logo na primeira fase, foi sorteado para enfrentar o francês Jo-Wilfried Tsonga, naquela época cabeça de chave e top 9 do mundo. Como foi esse confronto e o quão importante a vitória foi para a sua carreira?

Thiago - Lembro que nesse ano eu comecei muito bem. Tive boas vitórias a nível Challenger, fiz duas semifinais pela primeira vez, ganhei do Rogerinho, que, na época, era um dos melhores do Brasil. Foi a primeira vez que venci ele de fato em uma partida, eu sempre perdia fácil nos treinos ou em jogos e no primeiro torneio do ano, na rodada inicial, eu ganhei dele, meio que foi um alerta de que tinha algo diferente naquele ano. A academia que eu treinava tinha uma certa proximidade com a Secretaria de Esportes, e eles tinham direito a um convite para o Rio Open, que acabou sobrando para mim.

Eu aproveitei da melhor forma, porque na verdade foi a minha primeira chave principal de um ATP 500. Sem dúvidas fiquei muito animado e motivado, lembro até que foi um pouco controverso esse convite para mim. Algumas pessoas foram contra, não me recordo se foi o Rogerinho que teve que jogar o qualify, ou o Bellucci, só que, na verdade, eu não tinha nada a ver. Só queria aproveitar aquela experiência e, ao mesmo tempo, me testar em um torneio de alto nível. Eu queria ver o quão longe eu estava de me firmar para jogar naquele nível de campeonato.

Quando saiu a chave, apareceu o Tsonga logo na primeira rodada e ele era o cabeça três. Na época, ele era o nove do mundo e caiu eu contra ele. Na verdade, não fiz uma preparação antes achando que iria ganhar, não passava pela minha cabeça vencer o Tsonga. Eu queria aproveitar da melhor forma essa experiência, passar o maior tempo possível na quadra contra um cara tão grande do esporte e, ao mesmo tempo, testar meu nível, entender o que eu poderia melhorar, as minhas fraquezas. O jogo estava programado para uma terça-feira à noite, mas choveu e adiaram para quarta-feira, às 14 horas. E eu peguei isso como confiança para mim.

Eu adorava jogar em condições quentes, nunca tive problema, vim de Fortaleza e treinava no Rio há três ou quatro anos, estava acostumado. Meus treinadores falavam que ele iria sentir o calor. Aí tudo bem, cheguei às 14 horas da quarta, aquecemos e começamos o jogo. Eu estava me sentindo bem, tudo fluía. Ele não começou com um ritmo forte e eu ganhei o primeiro set, 6 a 4. Mentalmente eu passei a acreditar mais, sentir que era possível. Perdi o segundo set, mas no terceiro eu senti que ele estava se mexendo mais lento, cansado, e eu super motivado, contra um cara top-10, ali já queria ganhar a qualquer custo, daria a vida pra ter aquela vitória.

O final da partida foi dramático e quando venci, caí no chão, porque passa um filme de tudo que foi investido, o que passei, eu ter saído de casa, tudo valeu a pena para aquele momento. Foi um divisor de águas para a minha carreira. Comecei a me consolidar, acreditar muito mais em mim. Só de mudar essa mentalidade já modifica muitas coisas.

O pós-jogo foi uma euforia, uma loucura, muita gente começou a me conhecer. Li as notícias, no grupo dos meus amigos no celular tinham mais de 2 mil mensagens, pessoal chorando, ninguém acreditando. Depois teve a recuperação, conferência de imprensa e, no dia seguinte, por mais que você tenha tido a maior vitória da sua carreira, tem que jogar de novo. Então, depois de tudo isso, teve um tempo de preparação para o confronto seguinte, que foi diante do Cuevas, na época era top-30 do mundo. Meio que, por eu ter vencido o nove do mundo, achavam que eu era o favorito pro jogo, mas eu não era.

Fiz uma grande partida contra o Cuevas, mas não deu. Ele, inclusive, foi campeão do torneio, derrotou o Nadal na semifinal. Foi um divisor de águas, o qual eu soube aproveitar muito bem também em questão de confiança, em termos de ter mais motivação para seguir treinando, saber que estava no caminho certo. Na semana seguinte também foi super positiva, no ATP de São Paulo, onde ganhei do Almagro, que era top-40 do mundo, cheguei até as quartas, mas perdi para o Cuevas de novo, que foi novamente campeão. Logo em seguida ganhei meu primeiro Challenger e passei a ter uma consistência maior nesses grandes torneios.

Os jogadores mais jovens me veem como uma referência hoje, e eu sempre busquei, da melhor forma, ser um cara profissional, disciplinado, para passar bons exemplos. Muitas pessoas hoje, principalmente com as redes sociais, qualquer torneio que você joga tem transmissão, então sempre tem gente te assistindo e apoiando, então sempre busco representar da melhor forma o meu país

OP - Em 2020 você chegou até a terceira rodada do Roland Garros, o seu melhor desempenho até então em um Grand Slam. Como foi esse momento?

Thiago - A minha estreia em Roland Garros nesse ano foi muito positiva. Eu me senti muito bem adaptado desde o início. Joguei contra um cara da Geórgia, era o 25 do mundo, e na segunda rodada ganhei de um americano, 3 sets a 0. Acabou que eu perdi na terceira rodada para um atleta da Hungria, que eu havia jogado duas ou três vezes anteriormente e perdido todas. Mas foi uma campanha muito marcante para mim.

OP - Como foi a chegada da pandemia por Covid-19 para você, um atleta de alto rendimento, acostumado com rotina de treino e campeonatos? Qual foi o impacto?

Thiago - Eu joguei uma Copa Davis na Austrália e voltei para o Brasil, fui para Fortaleza, porque tinha uns dias de descanso, e foi bem nesse período que os circuitos começaram a cancelar os torneios. Eu estava planejando ir para Miami treinar, mas já havia algumas restrições. Foi um choque não só pra mim, mas para o circuito inteiro. Então veio a pandemia forte mesmo, tudo em lockdown, fechado, ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo, quando as coisas iriam voltar ao normal. Foi um momento de incerteza, sem saber quanto tempo ficaria parado. Eu estava em casa e o circuito ficou sem torneio por uns seis meses. Tive muita preocupação com a minha mãe, por ela ser do grupo de risco. Naquela época não tinha conhecimento, a gente pensava que ia pegar e morrer na hora, então era muita preocupação com a família.

Eu aluguei um apartamento no mesmo prédio da minha mãe, dois andares acima, mas não ia tanto lá. Fiquei muito tempo sozinho em casa, aproveitei para estudar algumas coisas, cursava Administração na época, hoje em dia estou formado. Muitas lives no YouTube, conferências online com os amigos. Depois de uns três ou quatro meses isolado, consegui viajar para o Rio de Janeiro e voltei aos treinamentos aos poucos, mas tudo sem muita perspectiva.

Quando tivemos mais informações sobre isso, o circuito voltou nos Estados Unidos, em Cincinnati. Foi um torneio de portas fechadas, em bolhas, todo mundo isolado nos quartos, testes todos os dias. Esse processo foi muito complicado, era tudo novo, muita limitação, difícil de suportar por várias semanas. Era o que dava pra ser feito no momento e, aos poucos, fomos voltando ao normal.

OP - Já tem alguns anos que você é o brasileiro da categoria masculina melhor ranqueado da ATP. Qual o peso?

Thiago Monteiro - Hoje eu consigo lidar bem com isso, mais tranquilo. Acho que não é uma pressão tão grande pra mim. Os jogadores mais jovens me veem como uma referência hoje, e eu sempre busquei, da melhor forma, ser um cara profissional, disciplinado, para passar bons exemplos. Muitas pessoas hoje, principalmente com as redes sociais, qualquer torneio que você joga tem transmissão, então sempre tem gente te assistindo e apoiando, então sempre busco representar da melhor forma o meu país. Eu sou o número um do Brasil, mas sinto que posso melhorar em termos de ranking e, ao mesmo tempo, motivar pessoas que estão próximas de mim a estarem ali junto comigo, ter essa troca de experiência para seguir evoluindo. Hoje eu estou 101º do ranking, sou o número um do Brasil, mas preferia mil vezes estar em 50º e ser o segundo ou terceiro do país. Quero colocar o Brasil ainda melhor no mapa do tênis para motivar ainda mais a garotada que está chegando no circuito.

Eu torço Ceará. Inclusive, eu quase treinei no time de base do Ceará antes de ter ido para o tênis, fiz alguns testes e estava avançando. Também simpatizo com o Flamengo porque morei no Rio de Janeiro. O Ceará agora na Sul-Americana eu acompanhei, tento acompanhar sempre

OP - Nós já tivemos referências como a Maria Esther, o Guga, Rogerinho, Bellucci, hoje é você. Mas dos 150 primeiros colocados da ATP, somente você de brasileiro está presente. Porque está havendo esse “gap” com o restante do mundo?

Thiago - Acho que ter diminuído os torneios no Brasil afetou um pouco. Eu lembro que quando comecei a jogar, tinham muitos brasileiros ali no top-150, mas, de alguns anos para cá, os campeonatos diminuíram muito no Brasil. Tínhamos uns 40 Features, 40 Challengers no Brasil, ano passado tivemos dois. Logisticamente, conseguir ter o apoio financeiro para estar viajando nem todo mundo tem, não é tão barato estar investindo na carreira, e isso limita muita gente.

Tem muitos exemplos também de vários jogadores que foram muito bons nos juvenis, mas não emplacaram no profissional, e isso é um pouco da falta de troca de experiência. No Brasil é tudo muito espaçado, um treina no Rio, outro em São Paulo, no Sul, então tem pouca troca de informações, essa troca entre os jogadores e os treinadores. Se fala muito no grande centro de treinamento do tênis brasileiro, mas acho que essa união pode ser feita independente disso.

Na Argentina, por exemplo, onde eu treino e de onde meu treinador é, lá tem vários jogadores no top-100 e quando você vai lá, todo dia é um treino em um local diferente, não existe um centro, mas tem um intercâmbio dos jogadores firmados no circuito com os juvenis, que conseguem ter uma referência melhor do que podem melhorar, de certas coisas que ele sente que é possível fazer, torna mais palpável acreditar que pode chegar.

Eu fui jogar a minha primeira chave de ATP quando eu tinha 21 anos, enquanto nos Estados Unidos, Itália ou na Austrália, os caras com 16 anos já estão jogando qualify de Grand Slam, tendo vivência com top-20, top-30. Isso muda muito, essa troca de experiência. A Confederação de Tênis até tenta juntar todo mundo, mas é um período muito pequeno no fim do ano. Eu acho que se conseguissem planejar de alguma forma que desse para os tenistas terem essa proximidade, seria algo muito positivo para o nosso cenário e para a garotada se motivar mais.

Tenista cearense Thiago Monteiro em entrevista no Rio Open 2022(Foto: Fotojump/Rio Open 2022)
Foto: Fotojump/Rio Open 2022 Tenista cearense Thiago Monteiro em entrevista no Rio Open 2022

OP - Você falou no começo da conversa que gosta muito de futebol. Você torce para algum time de Fortaleza e costuma acompanhá-lo?

Thiago - Eu torço Ceará. Inclusive, eu quase treinei no time de base do Ceará antes de ter ido para o tênis, fiz alguns testes e estava avançando. Também simpatizo com o Flamengo porque morei no Rio de Janeiro. O Ceará agora na Sul-Americana eu acompanhei, tento acompanhar sempre. Acho que o meu atleta favorito entre todos os esportes é o Cristiano Ronaldo, um cara que sempre acompanho, gosto muito da mentalidade, história de vida, sempre torço para o time que ele está. Também gosto dos campeonatos europeus em geral, Champions League. Estive recentemente na Alemanha e tenho um amigo que mora em Munique, fã do Bayern 100%, e assistimos juntos ao jogo que deu o título alemão ao Bayern.

OP - O tênis é um esporte que requer muito fisicamente. Como é a rotina de um atleta profissional?

Thiago - Eu acordo umas 7h30min, mas o treino em si acontece na academia a partir das 8h45min, com alguns aquecimentos e alongamentos para preparar para o treino físico, que vai até umas 10h15min. Nesse horário, vamos para a quadra e ficamos até 12h30min. Temos uma pausa para o almoço e retorno para a quadra umas 15 horas e fico até 17 horas. Em seguida, mais uma parte de treino físico, que dura cerca de uma hora e meia. A gente começa às 8h30min e acaba às 19 horas, como se fosse um trabalho de escritório mesmo. Como são muitos torneios em várias semanas, então a gente faz uma preparação forte para ter uma base sólida ao decorrer do ano.

OP - O que você almeja, como tenista, para o futuro?

Thiago Monteiro - Eu tenho um grande sonho de conquistar o meu primeiro ATP, já estive próximo, fiz três semifinais. Em termos de ranking, quero quebrar a barreira do top-50. Minha melhor posição, se não me engano, foi 72º, então é algo que é possível, sim, mantendo uma consistência de resultados. É uma meta para a temporada em si, mas ao mesmo tempo um grande sonho. Conseguindo alcançar isso, é planejar os próximos grandes objetivos que estão por vir. Mas sem dúvidas, conquistar o meu primeiro ATP e entrar no top-50 seria algo grande e estou trabalhando muito para conseguir. 


 

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