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José Carlos Pontes: O futuro após os 50 anos, não de idade, mas de empresa
Reportagem Seriada

José Carlos Pontes: O futuro após os 50 anos, não de idade, mas de empresa

Empresário atua nas mais diversas áreas, da construção civil ao turismo, do setor energético ao de shopping centers, com grande destaque para a gestão de resíduos sólidos. Ainda tem planos de ver sua empresa ganhar o mundo, inclusive de ele chegar aos 120 anos vendo as realizações
Episódio 73

José Carlos Pontes: O futuro após os 50 anos, não de idade, mas de empresa

Empresário atua nas mais diversas áreas, da construção civil ao turismo, do setor energético ao de shopping centers, com grande destaque para a gestão de resíduos sólidos. Ainda tem planos de ver sua empresa ganhar o mundo, inclusive de ele chegar aos 120 anos vendo as realizações
Episódio 73
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Ele podia ter seguido carreira jurídica como o pai ou a política como o primo, mas decidiu fazer engenharia e logo encontrou o caminho do empreendedorismo ao lado do colega e, posteriormente sócio, Erivaldo Arraes.

Estamos falando de José Carlos Pontes, o nome mais forte por trás da história de quase 50 anos do Grupo Marquise, fundado em 1974, no Ceará.

 

>> Veja vídeo da entrevista com o empresário

Atuando nas mais diversas áreas, da construção civil ao turismo, do setor energético ao de shopping centers, com grande destaque para a gestão de resíduos sólidos, na qual aparece entre as três maiores do País, o grupo empresarial que ele comanda está presente em obras marcantes para o Estado.

Como o Porto do Pecém, para a Região, também a ferrovia Transnordestina, além de apresentar um crescimento vertiginoso no mercado imobiliário mais valorizado nacionalmente, o paulista.

Muito antes de se falar em ESG, ou seja, em empresas com compromissos ambientais, sociais e de governança, José Carlos Pontes imprimiu em seus negócios tais práticas, sem descuidar de perseguir o lucro.

“Se você acreditar que vai salvar o planeta somente com idealismo e não tiver o lado financeiro por trás, chega um momento que, principalmente, os países do terceiro mundo não aguentam subsidiar isso. Então, você tem que fazer de maneira que aquela ação de melhoria do meio ambiente gere recursos”, defende.

Assim, o empresário nascido em São Paulo, mas que construiu toda a sua trajetória no Ceará, consegue ao mesmo tempo fazer com que o grupo que dirige seja o primeiro a montar uma usina de biometano no Nordeste, esteja inserido na construção da maior usina de dessalinização do Brasil e termine um ano pandêmico como foi 2021, com faturamento de R$ 1,4 bilhão.

O perfil multifacetado também o fez participar nas mais diferentes funções, de conselheiro a vice-presidente, de diversas associações empresariais ou classistas, tais como o Clube de Engenharia do Ceará, o Sindicato da Indústria da Construção Civil, a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Ceará, bem como o Centro Industrial do Ceará, o CIC.

Nessas entidades, percebeu que não estava, de todo, afastado da política, embora admita não ter vocação para exercer cargos eletivos. “A minha vocação é a de empresário, comandar empresas. É isso que eu gosto, de fato. Eu gosto de discutir política, de ver, de comentar, mas não de participar diretamente.”

Por falar em gostos, na vida pessoal tem como grande hobbie, o esqui, esporte ao qual está retornando após anos afastado em decorrência de um acidente de helicóptero que resultou na amputação de uma de suas pernas. O episódio fortaleceu seu olhar sobre a participação das pessoas com deficiência em seus negócios.

Constatando que não pôde estar tão presente na vida dos filhos quanto a família gostaria, buscou nas palavras dele investir “na qualidade do tempo” em que estava com eles e disse estar compensando com os netos também a questão temporal.

Por falar em tempo, José Carlos Pontes quer chegar aos 120 anos e ver o grupo que fundou se tornar uma multinacional sólida. Para quem já superou tantos obstáculos, quem duvida? 

Confira a entrevista na íntegra:

 


O POVO - Como o senhor enxerga a trajetória do grupo Marquise nessas quase cinco décadas? Como avalia, inclusive, o que mudou no empresário José Carlos Pontes do início dessa empreitada para o momento de hoje?

José Carlos Pontes - Olha, nessa trajetória da Marquise, quando eu e o Erivaldo (Arraes, cofundador) nos juntamos para criá-la, ainda estudantes de engenharia, nunca esperávamos ter um grupo do porte que ele chegou. Todo processo foi muito natural. A empresa foi crescendo, ampliando as regiões e ampliando as áreas de atuação e, a partir daí, nós chegamos onde chegamos.

Quanto à minha evolução, também foi um processo natural, em que eu fui me aperfeiçoando. Na medida em que sentia necessidade, fui fazendo cursos. Inicialmente, eu sentia uma deficiência na área de contabilidade, daí, fiz curso de Contabilidade, fui estudar em Harvard (nos Estados Unidos). Passei um mês por ano, durante três anos, indo para lá.

Depois fui para o Japão e passei um mês lá fazendo um curso. Então, eu sempre procurei evoluir, além do aprendizado no dia a dia. Então, o José Carlos de quando começou como estudante para hoje é outra pessoa completamente diferente.

Empresário José Carlos Pontes (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Empresário José Carlos Pontes

OP - Essa fonte de energia para o hidrogênio verde poderia ser o biometano, por exemplo?

Pontes - A energia poderia ser o biometano, mas não com o volume que nós temos. A não ser que você tivesse outros aterros que tivessem a disposição de fazer. Mas você tem a energia solar, você tem a eólica e 1.001 soluções aí que nós temos. O Ceará está despontando nessa área e eu acredito muito nesse nosso Estado, no nosso potencial e na garra do cearense para que isso ocorra.

OP - Pensando no cenário empresarial cearense e brasileiro, já que o grupo Marquise hoje tem atuação em todo o País, o senhor se enxerga como um líder empresarial no Estado e no País?

Pontes - Sim, com certeza! Eu acho que a responsabilidade é muito grande, não só pelos inúmeros funcionários que temos. Hoje, o grupo como um todo tem oito mil funcionários. Essa liderança nasce do exemplo que a gente é e da inspiração que a gente gera, não só para esses funcionários, mas também para outras empresas, que estão começando. Eu sempre gostei muito de participar de associações.

Fui vice-presidente do Clube de Engenharia, durante três gestões seguidas, ou cerca de nove anos. Depois, fui vice-presidente do Sindicato da Construção Civil (Sinduscon). Fui também vice-presidente do Centro Industrial do Ceará (CIC), no tempo em que ele estava começando, à época do presidente Lauro Fiúza. 

Então, eu sempre participei de associações de classe e sempre tive uma atuação muito forte nos clubes sociais, tais como o Ideal Clube e o Iate Clube, participando de conselhos, de diretorias.

OP - O senhor citou o exemplo do CIC e nós cearenses sabemos a importância que ele teve na transformação do Estado. Mas nesse processo pós-CIC, qual passou a ser a percepção do mercado nacional sobre o empresariado cearense. As empresas daqui são vistas de outra forma em relação há 30 ou 40 anos?

Pontes - Sem a menor dúvida! Nós, da Marquise, hoje temos vários negócios em São Paulo, não só na capital, como também no interior.

Eu participo de reuniões com empresários, em associações empresariais paulistas e a visão hoje é completamente diferente, não só do empresariado cearense, mas também do Estado e da gestão política que tem o Ceará.

Nessa época, em que começou esse movimento do CIC, que levou o Tasso Jereissati a ser governador, houve uma virada que foi dada no Ceará. O Estado começou a se preocupar com problema fiscal e passou a ser gerido com essa mentalidade que ele introduziu, de conduzir a gestão pública como se gere uma empresa privada.

Ou seja, com o Estado não podendo gastar mais do que arrecada. E nós tivemos muita sorte que nossos governantes, depois dele, seguiram esse exemplo porque essa mentalidade foi incutida. E todos eles seguiram essa mesma linha. O Estado hoje é um estado que tem uma situação fiscal muito confortável.

O Governo do Ceará tomou uma decisão acertada de colocar isso para frente e é motivo de muita satisfação para gente e mesmo de orgulho pelo fato de a gente estar comandando este processo.

OP - Falando deste panorama, o Ceará aparece mesmo despontando como vanguarda em algumas das novas tecnologias. Hoje, fala-se muito do hidrogênio verde e da dessalinização. O Grupo Marquise está dentro disso e eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho sobre a atuação do Grupo Marquise na planta de dessalinização da Praia do Futuro?

Pontes - Nós participamos dessa licitação. É um projeto no qual o Estado já vinha executando há algum tempo essa ideia de garantir um recurso hídrico para atravessar esse período de secas e tal. Nós vencemos a licitação, contratamos toda a parte técnica com um grupo de Israel, que está desenvolvendo os projetos e dimensionamentos de equipamentos e tudo isso.

É um marco porque esse projeto vai ser exemplo para o Brasil todo. É uma solução que está se consolidando em todas regiões do mundo que têm problema de água, tais como Israel e em Dubai, onde toda água passa por um processo de cristalização, e nós estamos no caminho certo.

O Governo do Ceará tomou uma decisão acertada de colocar isso para frente e é motivo de muita satisfação para gente e mesmo de orgulho pelo fato de a gente estar comandando este processo.

OP - Qual é a previsão de entrada em operação dessa usina e também qual a previsão de operação a pleno vapor?

Pontes - Nós estamos desenvolvendo todos os projetos técnicos e todos os dimensionamentos de equipamentos. Depois, nós temos a fase de importação de todos esses equipamentos, já que a maior parte deles são importados. Nós acreditamos que, em mais dois anos e meio, essa usina estará começando a operar.

Se você acreditar que vai procurar salvar o planeta somente com idealismo e não tiver o lado financeiro por trás, chega um momento que, principalmente, os países do terceiro mundo não aguentam subsidiar isso. Então, você tem que fazer de maneira que aquela ação de melhoria do meio ambiente, de melhoria dos índices de poluição, gere recursos.

OP - Sobre a usina de biometano, qual é a avaliação que o senhor faz do que já foi produzido, do que será deixado de legado e das perspectivas de futuro?

Pontes - Essa é uma área que realmente nós estamos focando bastante porque, nessa área de resíduos sólidos, nós já atuamos com aterro sanitário. Antigamente, no aterro sanitário você simplesmente pegava o lixo e enterrava, dentro de de determinadas técnicas. 

Se o aterro é realmente um aterro sanitário e não um lixão, você tem determinadas técnicas de impermeabilização, para não poluir o lençol freático e tal, mas simplesmente era enterrado o lixo. E este lixo ele gera a deposição da matéria orgânica, na qual é gerado o o gás metano, que é um gás altamente poluente, muito mais poluente do que o CO2 (dióxido de carbono).

Então, começamos a nos preocupar com isso, não somente no processo de seleção, como também no processo de aproveitamento desse gás, porque você tem aí uma melhoria do meio ambiente, não jogando esse gás metano na atmosfera, mas gerando riqueza econômica e gerando recursos. E eu acredito que para resolver a questão do meio ambiente você tem que partir é para isso.

Se você acreditar que vai procurar salvar o planeta somente com idealismo e não tiver o lado financeiro por trás, chega um momento que, principalmente, os países do terceiro mundo não aguentam subsidiar isso. Então, você tem que fazer de maneira que aquela ação de melhoria do meio ambiente, de melhoria dos índices de poluição, gere recursos.

É isso que está acontecendo com o biometano e é isso que acontece aqui com a gente, na GNR "É a primeira usina de tratamento do biogás do Norte e Nordeste. É parceria Marquise Ambiental e Ecometano. Localizada no Aterro Municipal Oeste de Caucaia (ASMOC), trata o gás natural renovável e já atingiu a capacidade de produção de 90 mil m³ de biometano por dia, tornando-se a segunda maior unidade do gênero do País e deve suprir cerca de 20% da necessidade de gás para as residências, para o comércio e para as indústrias do Ceará. " . Nós pegamos o gás metano e o tratamos. Coletamos todo o gás, com uma malha que tem em cima de todo terreno. É lá onde se capta o gás. Esse gás vai para uma usina de beneficiamento.

Ele é tratado e é injetado na rede da Companhia de Gás do Ceará (Cegás). Depois, a Cegás distribui para as indústrias e tal. Isso está gerando recursos financeiros para a empresa e para a Cegás, movimentando a economia, dando emprego e resolvendo um problema de poluição do meio ambiente.

OP - Hoje, o gás que vocês produzem representa 15% do que é consumido pela Cegás. Há projeção de ampliar essa participação?

Pontes - Quando nós fizemos essa usina, a nossa ideia é que o nosso preço fosse equivalente ao preço da Petrobras.

Acontece que, enquanto no nosso contrato com a Cegás, nós vendemos o gás a um preço corrigido anualmente pelos índices de inflação, já que são fatores internos que influem na nossa produção, o preço da Petrobras é dito por ela mesma. Ela diz qual é o preço, tem uma fórmula própria dela.

Então, o nosso gás está muito mais barato, hoje, do que o da Petrobras e a Cegás está nos pressionando, inclusive, para ampliar, e com muita satisfação nós vamos ampliar.

Já estamos fazendo e já deve entrar em funcionamento essa ampliação. Nós iniciamos produzindo 70 mil metros cúbicos (m³) de gás por dia, conseguimos aumentar essa produção para 100 mil m³ e, agora, com essa ampliação que nós estamos fazendo agora, que deve entrar rápido, não sei exatamente quando, mas já está praticamente pronta, nós devemos passar para 120 mil m³ metros por dia.

Só não vamos ampliar mais porque não temos mais gás para ampliar. Então, realmente a gente quer levar esse projeto daqui, que foi um sucesso absoluto, para outros locais onde nós temos aterros. Nós já começamos os estudos e tal para fazer isso em Manaus, onde nós estamos concluindo o nosso aterro privado lá.

É um aterro privado dentro da Floresta Amazônica, que vai ser também outro modelo para o mundo todo. Esse aterro no meio da Floresta Amazônica, que está todo mundo todo de olho, é tecnicamente perfeito e sem poluição nenhuma, com aproveitamento de 100% de todo material que polui.

Então, isso vai ser um modelo para outros locais onde nós temos aterro. Também estamos desenvolvendo esses estudos e a nossa ideia é levar para outros locais.

OP - Esse é um mercado que se abriu muito. O senhor citou o exemplo da Petrobras e até pouco tempo praticamente só a Petrobras operava esse mercado de gás...

Pontes - É um mercado que vem se desenvolvendo muito, não só com o gás gerado a partir do material de aterro sanitário, mas da produção de cana de açúcar e outros materiais que geram o gás metano.

A lei de saneamento que engloba não só a parte de resíduos sólidos, como a parte de água e de esgoto e o saneamento, de uma maneira geral, foi uma evolução excelente para o setor como um todo. Agora, tem que fazer essa legislação pegar porque no Brasil tem leis que pegam e leis que não pegam. Nós temos um fator limitante aí que são os recursos dos pequenos municípios.

OP - Falando um pouquinho da gestão dos resíduos sólidos, que teve mudança relativamente recente em sua legislação, o que a gente pode destacar de novo nesse mercado?

Pontes - A lei de saneamento que engloba não só a parte de resíduos sólidos, como a parte de água e de esgoto e o saneamento, de uma maneira geral, foi uma evolução excelente para o setor como um todo. Trouxe melhorias fabulosas! A legislação está perfeita. Agora, tem que fazer essa legislação pegar porque no Brasil tem leis que pegam e leis que não pegam. Nós temos um fator limitante aí que são os recursos dos pequenos municípios.

Para esses pequenos municípios, embora os processos para implantar um aterro sanitário sejam mais baratos, diferentemente da Alemanha, onde você tem incineração e outras etapas, continua sendo um processo caro, que eles não têm como pagar. Então, temos que estudar uma solução para os pequenos municípios. 

Para os grandes municípios, não. Esses têm condições e possuem volumes grandes, pelos quais você reduz a participação do município com operações conjuntas, tais como a do biogás e a da venda do alumínio. Com esse tipo de coisa, você reduz muito a participação do município.

Esses municípios maiores têm como bancar isso com um sacrifício, com um repasse de tesouro, que poderia estar aí sendo usado na educação, ou na saúde, se houver realmente uma cobrança de taxa ou tarifa do lixo.

Mas, para os pequenos municípios é uma situação muito complicada porque não só a população, normalmente, tem um poder aquisitivo muito pequeno, como parte dessa população é contemplada por uma tarifa social, já que não tem condição de pagar ou vai pagar um valor praticamente simbólico, custeado pelo que tem condição de pagar, pelo grande gerador.

Não é justo eu, que tenho condição de pagar, estar gerando quantidade grande de lixo e tirar dinheiro do tesouro comum, prejudicando o pequeno, o que não tem condição de pagar, o pobre. Mas, então tem que se encontrar uma solução que não sei qual é. Talvez, seja um fundo que você faça, em que outros municípios colaborem ou em que o Estado entre fazendo uma câmara de compensação, na qual o arrecadado com a tarifa ou com a taxa vá para esse fundo e se faça uma redistribuição.

Isso aí tem que ser pensado porque, com certeza, vai se resolver o problema dos grandes municípios, mas o problema do pequeno município tem que se pensar qual será a solução porque se não for pensada vai continuar o lixão.

OP - O senhor, particularmente, e o Grupo Marquise, de um modo geral, têm observado também o que vem acontecendo de mais moderno na área de resíduos sólidos no mundo? Como é e estar sempre se atualizando e pensando em inovação?

Pontes - Nós temos uma empresa, que é a Marquise Ambiental, que concentra toda essa área. Temos um presidente dessa empresa, o Hugo Nery. E eu, alguém dessa nossa equipe ou ele, pessoalmente, sempre estamos participando, viajando para congressos internacionais. O Hugo recentemente esteve na Europa, na Alemanha, vendo novos processos.

Então, a gente está sempre vendo o que está acontecendo no mundo e vendo como é que a gente pode tropicalizar essas soluções, porque uma solução para a Alemanha é diferente de uma solução para o Brasil, não só por ser uma potência, a Alemanha, mas pelo que está disposta a gastar com o meio ambiente.

O Brasil tem outras prioridades, como eu disse antes: saúde, segurança. Então, a gente tem que tropicalizar isso e estamos muito atentos, participando sempre, viajando.

Essa associação com o Porto de Roterdã, eu também vejo como um potencial enorme de crescimento, ainda, aí pela frente. O hidrogênio verde é uma coisa fantástica. Nós, inclusive, estamos observando muito isso porque uma das grandes matérias primas que precisam para a obtenção do hidrogênio verde é a água.

OP - Por um lado o senhor falou de uma potência, como a Alemanha, e por outro falou de pequenos municípios. A gente viu um município relativamente pequeno, em vinte anos se transformar no segundo maior PIB do Estado, que foi São Gonçalo do Amarante com o Complexo Industrial e Portuário do Pecém. E a Marquise está lá desde o início. O que o senhor enxerga ainda de potencial para o Complexo do Pecém e como a Marquise está participando disso?

Pontes - Nós estamos presentes não só na construção do Porto do Pecém, onde nós executamos todas as ampliações, com exceção da fase inicial, que foi feita pela Andrade Gutierrez. Ela construiu o primeiro berço (de atracação). 

Depois, todos os outros berços, pontes, nós os fizemos todos. E estamos fazendo um aterro sanitário. Já estamos aí em fase de aprovação, licenciamento na Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Semace), e em todos os órgãos competentes. Esse aterro sanitário lá em São Gonçalo do Amarante vai atender as indústrias que estão na região do Porto do Pecém e eu vejo ali um crescimento.

Essa associação com o Porto de Roterdã, eu também vejo como um potencial enorme de crescimento, ainda, aí pela frente. O hidrogênio verde é uma coisa fantástica. Nós, inclusive, estamos observando muito isso porque uma das grandes matérias primas que precisam para a obtenção do hidrogênio verde é a água.

Água e energia. Então, nós pretendemos fornecer água através da dessalinização ou de outra solução que a gente encontre, mas a dessalinização não seria a grande sacada aí para essa indústria do hidrogênio verde que vem.

OP - Essa fonte de energia para o hidrogênio verde poderia ser o biometano, por exemplo?

Pontes - A energia poderia ser o biometano, mas não com o volume que nós temos. A não ser que você tivesse outros aterros que tivessem a disposição de fazer.

Mas você tem a energia solar, você tem a eólica e 1.001 soluções aí que nós temos. O Ceará está despontando nessa área e eu acredito muito nesse nosso estado, no nosso potencial e na garra do cearense para que isso ocorra.

OP - O Porto do Pecém é talvez a principal obra do Grupo Marquise, mas por outro lado, tem algum negócio em que vocês tenham entrado e dado dor de cabeça nesses quase 50 anos?

Pontes - Começando pela dor de cabeça! Nós resolvemos, com essa nossa garra e vontade de estar sempre crescendo e sempre entrando em negócios novos, entrar no mercado de ônibus, de transporte urbano. E nós abrimos uma empresa de ônibus em Salvador.

Essa empresa se tornou a maior do Nordeste. Nós tínhamos, à época, em torno de 500 ônibus, o que hoje várias empresas têm. Mas, no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, esse quantitativo nos colocava como a maior do Nordeste.

Mas a dor de cabeça começava pelo fato de você ter uma empresa onde você não mandava na sua receita, porque quem dizia o quanto ela devia ser era o município: - Neste mês você vai faturar tanto porque essa tarifa vai ser tanto!

Então, não adianta você fazer movimento nenhum ou gestão para aumentar o número de transportes e o número de passageiros, se você tem um limitador, que é dita pelo poder municipal, que é a sua tarifa.

E nós tivemos o azar de pegar uma gestão, que foi a da Lídice da Mata (prefeita da capital baiana entre 1993 e 1996, pelo PSDB. Atualmente é deputada federal, pelo PSB). Ela quis fazer uma demagogia em uma decisão eleitoreira de achatar a tarifa. E o que aconteceu? Destruiu o transporte urbano em Salvador. Ficou um caos. As empresas não investiram mais porque as empresas estavam todas trabalhando com prejuízo.

As empresas que já atuavam no sistema lá há muito tempo, estavam com seus equipamentos pagos e tudo resolvido e, nós tínhamos comprado 500 ônibus financiados. E a tarifa não dava para pagar, mal dava para operar, quanto mais para pagar o financiamento. Então, esse foi um negócio que nos deu muita dor de cabeça.

Nós fechamos a empresa, tivemos que vender grande parte do nosso patrimônio, não só da empresa de ônibus, mas como do patrimônio imobiliário feito que nós tínhamos para poder pagar todas as dívidas. Nós não ficamos devendo a nenhum fornecedor, pagamos tudo e fechamos. Esse é um setor que hoje nós não pretendemos nem olhar.

OP - Em contrapartida ao insucesso no setor de transporte urbano, o grupo vem forte no setor imobiliário...

Pontes - Nós descobrimos um nicho de mercado em São Paulo, no qual que estamos entrando fortemente. Estamos agora iniciando as obras e já iniciamos as vendas há uns três meses e elas foram um sucesso.

É um empreendimento chamado Residencial Park View, que fica em Vila Nova Conceição, com vista permanente pro Parque Ibirapuera, uma região super nobre e foi um sucesso de vendas.

Estamos agora iniciando a construção. Vamos lançar outro empreendimento agora, no Jardins. Nós estamos com projetos prontos, com material pronto para lançar ainda este ano e temos outros empreendimentos no Brooklyn, lá em São Paulo também.

Aliás, nós estamos com Valor Geral de Vendas (VGV) em São Paulo, com land bank (expressão em língua inglesa que significa banco de terrenos) já próprio, adquirido, pago em nossa mão, para lançar algo mais ou menos em torno de R$ 1,6 bilhão. Até o meio do próximo ano, nós devemos estar com esse VGV já todo lançado em São Paulo. Então, aquele é um mercado fabuloso, que tem quase metade do PIB do Brasil.

Empresário José Carlos Pontes (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Empresário José Carlos Pontes

OP - E para o Ceará, há lançamentos previstos?

Pontes - Nós pretendemos continuar fazendo lançamentos aqui no Ceará, obviamente com menos velocidade, porque o mercado aqui é bem menor. Mas nós lançamos agora o Mandara, também um sucesso de vendas.

O Mandara é hoje uma grife porque nós lançamos o Kauai, o Lanai e agora o By Yoo, um projeto do escritório do Philippe Starck, um arquiteto londrino de renome internacional, que tem projetos feitos em Miami e no mundo inteiro. Está sendo um sucesso. Nós fizemos em duas etapas, o lançamento.

Lançamos a primeira etapa, que foi um sucesso absoluto. Vamos agora abrir a segunda etapa. E vamos continuar operando em Fortaleza, como sempre operamos, mas não no ritmo de São Paulo porque é um mercado diferente.

Nós, inclusive, estamos contratando um escritório de São Paulo que está montando todo o nosso compliance aqui. Todas as empresas de grande porte hoje tem um compliance, o que de fato não era muito pensado na época e a própria legislação de licitação teve uma melhoria muito grande. Eu acho que, no fundo, o resultado ali foi positivo.

OP - O senhor citou a Andrade Gutierrez, quando falou do Complexo Industrial do Pecém, que teve problemas com a Lava-Jato. Muitas empresas do segmento se comprometeram naquele contexto. Houve uma quebra geral. O que enxerga ter evoluído após a Lava-Jato em termos de licitações e relações entre as grandes empreiteiras e o poder público?

Pontes - Eu acho que houve uma mudança de comportamento muito importante para o setor e para o País como um todo. As empresas começaram a se preocupar com o compliance (expressão inglesa para definir conformidade com a lei). 

Nós, inclusive, estamos contratando um escritório de São Paulo que está montando todo o nosso compliance aqui. Todas as empresas de grande porte hoje tem um compliance, o que de fato não era muito pensado na época e a própria legislação de licitação teve uma melhoria muito grande. Eu acho que, no fundo, o resultado ali foi positivo.

OP - Hoje se fala muito em ESG (sigla inglesa para compromisso ambiental, social e de governança) e vocês têm um conselho gestor com grandes nomes. Qual a avaliação que o senhor faz desse conselho e o quanto ele tem auxiliado o grupo Marquise a se expandir, seguindo essas diretrizes?

Pontes - Nossa experiência com esse modelo de governança praticamente não existia. Nós contratamos, nesse caso específico, o Geraldo Luciano (consultor e conselheiro de empresas) para montar toda uma estrutura de governança. Essa estrutura foi montada e culminou com a criação do Conselho, para o qual nós convidamos o próprio Geraldo Luciano.

Temos outros nomes de peso, tais como o Márcio Utsch, que foi presidente da Alpargatas, temos o Paulo Marcelo também como conselheiro externo, que foi diretor do Moinho Cearense, e temos os conselheiros internos também. Eu acho que esse conselho está dando um outro passo para a evolução e para o crescimento do grupo.

Esse conselho tem só um ano, mas certas decisões que, às vezes, tomávamos apenas eu e o Erivaldo (Arraes), hoje estão sendo tomadas por uma equipe de alto peso, com opiniões externas e internas.

Isso nos dá uma segurança na tomada de decisão. Acho que a principal função, a principal contribuição que o conselho está dando é a tomada de decisão mais pensada, mais trocada, mais debatida.

OP - O senhor já pensou alguma vez na sua vida, na sua trajetória em entrar na política? Qual a sua visão sobre a entrada do empresário na política?

Pontes - É um caminho para quem tem vocação. O empresário tem experiência de gestão que, muitas vezes, o político não tem, porque muitas vezes eles entram ali como deputado estadual ou deputado federal sem experiência de gestão pública e sem nunca ter comandado uma empresa. Outros, sim! Não estou generalizando.

Mas eu acho, sim, importante essa participação do empresário na política. A exemplo do que aconteceu com Tasso Jereissati, no Ceará, e de outros locais em que a gente tem grandes gestores empresários, que entraram aí para o Executivo e estão fazendo excelentes gestões.

Agora eu, particularmente não tenho, embora venha de uma família que gosta de política e tenha uma tendência para a política.

Meu pai foi desembargador federal, mas sempre amou a política. Ele escolheu esse ramo jurídico que o impossibilitou de entrar na política. Depois que ele se aposentou, ele ainda pensou em entrar na política.

Muita gente da minha família vem dessa área. O Alcides Pontes foi senador. O Luiz Pontes que é um político brilhante, meu grande amigo e primo.

O filho dele agora também, o Ozires Pontes, está entrando na política, mas eu, particularmente, nunca tive essa vocação. A minha vocação é a de empresário, comandar empresas. É isso que eu gosto, de fato. Eu gosto de discutir política, de ver, de comentar, mas não de participar diretamente.

OP - Mas há participação indireta pelas entidades que o senhor já integrou...

Pontes - É, há participação indireta pelas entidades sim, mas aí são entidades empresariais, normalmente, o que me motivam.

OP - Mas o senhor vê as entidades empresariais hoje com mais força ou menos força no debate político do que há 30 ou 40 quarenta anos?

Pontes - Eu acho que nós temos períodos em que as entidades têm uma participação muito efetiva e períodos em que isso é menos efetivo. Particularmente, eu diria que, em termos nacionais, essa participação das entidades diminuiu muito. Nós temos exceções, como aqui na Fiec.

Aqui no Ceará se tem uma atuação muito grande e eles estão sempre aqui pedindo a nossa participação.

O nosso presidente (da Fiec, Ricardo Cavalcante) participa de reuniões na Câmara dos Deputados, no Congresso, de uma maneira geral, mas eu acho que se você olhar no Brasil como um todo, essa participação diminuiu muito.

Hoje, estou me dedicando também muito aos meus netos. Na parte de lazer, eu sempre viajo com eles. Acho muito gostoso viajar com eles. Antes de eu ter um acidente (de helicóptero) que me atingiu e me fez perder uma perna, eu gostava muito de esquiar. Esquiava todos os anos. Minhas férias eram para esquiar. Eu já, estou, inclusive, programando para o próximo Carnaval, esquiar com os meus netos. É um esporte que eu amo, que eu pretendo aí reiniciar. Embora, esteja hoje com 70 anos, eu pretendo começar a aprender a esquiar novamente.

OP - Saindo um pouco dessa parte política e empresarial, o que o José Carlos Pontes gosta de fazer, como é em família e com os amigos? Quais são os seus hobbies e interesses pessoais?

Pontes - Eu comecei na empresa com 22 anos. Então, sempre o meu foco foi a empresa, embora eu também fosse sempre muito ligado à família. Eu sempre deixei o meu tempo dedicado à família muito prejudicado em função da dedicação à empresa.

Meus filhos sentiram muito isso e tal, mas entendiam porque eles sabiam que a qualidade do tempo que eu dedicava a eles era muito grande e eles sentem o amor que eu tenho. Hoje, eu já estou me dedicando mais. Acho que o grupo está muito bem profissionalizado. Não gosto muito desse termo profissionalizado porque dá a impressão que você não tinha profissionais, antes, mas hoje a empresa cresceu muito.

O grupo está com excelentes executivos. Está com o Conselho e, assim, a necessidade da minha presença direta diminuiu.

Hoje, estou me dedicando também muito aos meus netos. Estou compensando com os netos. Na parte de lazer, eu sempre viajo com eles. Acho muito gostoso viajar com eles. Antes de eu ter um acidente (de helicóptero) que me atingiu e me fez perder uma perna, eu gostava muito de esquiar. Esquiava todos os anos. Minhas férias eram para esquiar.

Hoje não são mais, embora eu tive a satisfação de ver que eu posso esquiar ainda porque quando fui a Aveiro (em Portugal), vi que eles têm toda a estrutura e escolas para quem é deficiente visual e para quem é deficiente físico. Eles são preparados para isso.

Eu estive lá e consegui, enfim, esquiar novamente. Não com a habilidade que eu tinha antes, mas esquiei como um principiante e vi que se eu me dedicasse, conseguiria esquiar. Então, eu vou continuar esquiando. Eu já, estou, inclusive, programando para o próximo Carnaval, esquiar com os meus netos. É um esporte que eu amo, que eu pretendo aí reiniciar. Embora, esteja hoje com 70 anos, eu pretendo começar a aprender a esquiar novamente.

OP - O senhor vive pessoalmente com a questão da deficiência, por conta do acidente. No grupo Marquise, como o senhor trabalha, por exemplo, a questão da pessoa com deficiência?

Pontes - Nós, do grupo Marquise, sempre tivemos uma preocupação muito grande com as questões sociais, não só por causa do meu acidente, mas mesmo antes. O nosso grupo, desde o princípio, se preocupou com questões sociais.

E nós estamos agora, inclusive, criando com a nova diretoria que nós temos agora e trouxemos até um novo diretor.

Nós estamos criando um departamento com este objetivo: tratar de questões sociais que, antigamente, ficavam ligadas ao de Recursos Humanos. Mas nós temos gerado empregos que a gente sempre procura priorizar para as pessoas com deficiência, de forma responsável.

Embora tenha ocorrido uma situação inusitada no Hotel Gran Marquise, que a gente até brincou: - Rapaz, vocês iam colocar um deficiente auditivo como telefonista? Não tem condições. O deficiente auditivo vai desempenhar outro tipo de função. Também não vamos colocar um deficiente físico como gari porque ele teria de correr atrás do caminhão.

Então, a gente sempre procura dar toda a oportunidade e dar prioridade nos empregos que geramos para as pessoas com deficiência.

OP - Por fim, como o senhor imagina o Grupo Marquise daqui a 50 anos?

Pontes - Eu sonho ter um grupo multinacional, ter uma empresa atuando em diversos países e muito sólida porque essa solidez sempre foi uma marca desde o início da empresa. Eu acho que isso foi veio na minha educação familiar e, então, pretendo ter um grupo sólido, com atuação em diversas áreas e no mundo todo.

E, se possível queria estar vivo para ver, com 120 anos. Acho que com a evolução da medicina, isso é possível, por que não?

 


 

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