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No olho do furacão: a periferia aos olhos de Léo Suricate
Reportagem Seriada

No olho do furacão: a periferia aos olhos de Léo Suricate

Produtor, agitador cultural, militante do MTST, suplente de deputado estadual, Léo Suricate fala sobre luta por habitação, cultura popular nas favelas e influência política na juventude
Episódio 93

No olho do furacão: a periferia aos olhos de Léo Suricate

Produtor, agitador cultural, militante do MTST, suplente de deputado estadual, Léo Suricate fala sobre luta por habitação, cultura popular nas favelas e influência política na juventude
Episódio 93
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"Vetin" da Sapiranga, neto da dona Gonçala e pai da Lua. Léo Suricate, 30 anos, cresceu no mangue, onde teve a história atravessada pela pobreza e pela luta. Militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) desde “pivete”, ficou conhecido na Internet em 2012 com o sucesso da página de humor cearense Suricate Seboso, da qual é co-fundador. O termo “influenciador digital” ainda nem bem era utilizado, e Léo já se denominava agitador cultural.

No ano passado, foi candidato a deputado estadual pelo Psol. A campanha, refletiu a própria história — marcada pela força da juventude, por linguagem e cultura da periferia de Fortaleza, pelos conhecimentos herdados pela família e pela rua, a grande professora. Recebeu 22.466 votos, virou primeiro suplente da vaga do partido na Assembleia Legislativa do Ceará, mas admite que não pretende se candidatar novamente. Para ele, política se discute mais na favela do que na área nobre da Capital.

Afinal, Léo é morador do conjunto habitacional José Euclides. Palco de arte, âmago cultural do Jangurussu e de onde ele vez por outra ouve trocas de tiros. Se já quis se mudar de lá? "Todo dia". Mas não vai. Porque, para ele, estar no olho do furacão significa de fato viver a cultura da cidade.

Da periferia de Fortaleza, desbrava as de todo o País. No início do ano, foi parar no Planalto, convidado para participar da equipe de transição do Governo Lula, no Grupo Técnico de Cidades. E entre a luta por habitação, o debate de ideias, mergulhado no caldo cultural da diversidade de repertórios sociais, que o Léo se fez Suricate, uma influência para os ‘vetins’ esquecidos nas esquinas de todo o Brasil.

 

 

O POVO - Toda biografia sua, publicada nas redes sociais, você sublinha ser neto de Dona Gonçala. Por que você sempre faz questão de dizer que é neto dela?

Léo Suricate - Papo de terapia total! Minha avó é uma pessoa que é muito mais do que as pessoas podem falar sobre ela. Posso verbalizar mil coisas, que ela é a pessoa que eu mais amo, que ela deu a vida por mim, pelos filhos, pelos netos, que ela tem uma história foda de vida, de superação, principalmente. Ela tem desvio na coluna, tá ligado? E trabalhou a vida inteira, até hoje é uma pessoa ativa. (Ela tem) Noventa, vai fazer noventa e um (anos). Então, minha avó pra mim é uma grande referência de pessoa mesmo. Com todas as contradições e defeitos, porque ninguém é perfeito, ninguém é santo nessa Terra e eu aprendi isso com ela. Ela é muito católica, gosta muito de igreja, de Cristo, de reza, mas não gosta de padre, porque ela diz que padre é carne, e carne é humano e humano, igual nós, erra. E é isso, lições de vida que aprendi com ela. Acho que a melhor definição é essa, aprendi a ser gente com a minha avó, ainda que do meu jeito.

Eu gosto de ver o palhaço que tem umas 15 ou 10 pessoas assistindo a arte dele na rua, e que também é popular. Cultura é isso para mim, mais do que o conceito abstrato, ela é concreta no cotidiano, é o traço de um povo, de uma gente.

O POVO - Até legal você falar que ela que o influenciou, porque você influencia muita gente. Como produtor cultural e influencer, o que cultura representa para você?

Léo Suricate - Não vou falar que cultura é tudo, porque eu acho que esse é um tremendo papo demagógico. Mas acho que é fundamental, é o respirozinho que a gente precisa. Vou quebrar o conceito de cultura, porque o pessoal acha que cultura são obras plásticas… Pratim! Pronto, a marca cultural nossa. Em qualquer canto desse Estado vai ter uma pessoa vendendo comida típica, como o pessoal chama lá fora, que é o que a gente talvez mais consome no cotidiano de Fortaleza: aquele pratinho de creme de galinha, vatapá, com arroz e uma farofinha. São coisas básicas que estão muito no nosso dia a dia. É o papo do Gilberto Gil que diz que “cultura é ordinária, é igual arroz com feijão”, para mim é isso.

Eu sou fã de cultura popular, ao mesmo tempo que gosto da galera que sobe no palco com uns "milhão", eu gosto de ver o palhaço que tem umas 15 ou 10 pessoas assistindo a arte dele na rua, e que também é popular. Cultura é isso para mim, mais do que o conceito abstrato, ela é concreta no cotidiano, é o traço de um povo, de uma gente.

O POVO - E o que lhe fez produzir cultura?

Léo Suricate - Não sei dizer um momento. Casa foi influência, mas não acho que seja só isso, sabe? Foi rua, escola. Teve muita influência de vários cantos. Ter aprendido música me ajudou, mas aprendi já velho, com uns 15 anos. Então, eu já fazia cultura antes disso. Ao mesmo tempo que ir para a praça, para o sarau, foi uma coisa que me ajudou. Ver meus amigos tocarem violão, também foi algo que me influenciou. Dentro de casa, meu tio ouvindo as músicas dele, minha tia e minha avó assistindo novelas. Fui um menino formado vendo televisão. A cultura entrou por aí, pelos meus poros, por todos os cantos.

Mas teve uma coisa que me marcou, que foi o Belchior, essa foi uma influência de casa. Só que eu vim entender quando era mais velho, com os meus 13 anos, ouvindo Belchior, eu falei “caraca, mancho, esse cara tá falando mais coisas, tem umas metáforas ali”. Essa foi uma coisa que me abriu. Sempre tive por perto gente que gostava de cultura, que gostava de cinema, de teatro e essas coisas vão entrando em você.

O POVO - Como foi o começo do Suricate Seboso?

Léo Suricate - Em 2012 foi quando começou o Suricate, mas a gente já fazia coisas para a internet antes. Eu e o Diego (Jovino) nos conhecemos desde moleques, eu tinha uns 12 ou 13 anos quando a gente se conheceu, tocando violão, participando de movimento social do MTST. Tinha um grupo na Sapiranga, em que meu tio era militante e eu já estava dentro do rolê. Enquanto o pessoal jovem tava passando por um momento de transição da adolescência, arranjando namorada e tal, eu ainda tava jogando bola. E o Diego sempre foi um cara com quem tive muita proximidade, ele tinha um irmão da mesma idade que eu e a gente também jogava bola junto e tudo mais.

Nosso lazer era ir para o mangue, era o nosso dia de diversão, íamos a pé. Só que nessa ida, o Diego tava com uma câmera e assim nasceu o nosso primeiro vídeo para a Internet. Certa vez, a gente ganhou uma bolsa do movimento e nos juntamos para comprar uma banca. Quando a gente chegou nela, só tinha uma carteira de cigarro e uns bombons velhos. Daí começou a Banca do Anime, ainda no Orkut, a gente falava de anime e de cultura pop. Foi um sucesso muito rápido, tínhamos até um blog no O POVO. Só que, com o tempo, a gente foi se desgastando.

Eu e o Diego trabalhávamos em uma loja, de lá ele puxava um cabo de internet para a casa dele. A gente acompanhava umas páginas de humor, no comecinho do Facebook, que (a moda) era de um animal com um fundo estelar. Certa vez, o Diego pediu pra criar conteúdo para uma dessas páginas e o cara não quis. Aí ele pegou e começou a fazer por conta própria. Com uma semana, o Suricate fez 100 mil seguidores, o Dudu (Souza, irmão de Léo) entrou para cuidar do Twitter da página e, com um mês, eu entrei para fazer o YouTube.

O primeiro vídeo que a gente fez foi um Harlem Shake "Estilo de vídeos que viralizou em 2013; pessoas ou grupos de pessoas dançam de forma quase aleatória para uma música do DJ Baauer" , lá na Ponte Metálica, e era uma febre. Nesse tempo, tinha ainda aqueles eventos que uma pessoa marcava e todo mundo ia.

Um motivo que fez o Suricate viralizar muito rápido foi o começo da ferramenta “compartilhar” no Facebook. Quem vê hoje acha que ela sempre existiu, mas ainda não existia no tempo que a gente tava começando. Desde então, todos os anos crescíamos um milhão (de seguidores).

O POVO - Desde que surgiu, a página trata de uma cultura essencialmente cearense, mas sempre com uma dose de humor. Porém, por trás das telas, quem fazia o Suricate Seboso vinha de uma realidade complexa e, muitas vezes, violenta. Qual papel o Suricate Seboso exerceu sobre a perspectiva de futuro que o Léo tem hoje?

Léo Suricate - (Influenciou ao) Me dar a oportunidade de ser alguém. Aí é duro dizer isso, porque você pode me olhar e dizer: “Mas você não é alguém?”. Eu sei que eu sou alguém, sei que eu existo do mesmo jeito que um catador existe e muitas vezes a gente passa e não olha pra ele. Mas eu sei que, se eu me tornei alguém que as pessoas olham e pensam “ele tem algo para contar, algo para oferecer”, foi por causa do Suricate. Eu consigo entender isso. Minha avó foi fundamental para eu existir. Meu tio foi fundamental para eu ter consciência política e para ser uma pessoa consciente. Minha mãe, pelos traumas, me ensinou o que eu não devo fazer da vida. Então, eu criei toda a minha base e o Suricate me deu a oportunidade de chegar, e aí eu poder — talvez — ser quem eu sou.

A vida de quem mora no Meireles tá muito confortável, mas a vida da cidade não acontece lá. As contradições, as histórias, as discussões, o centro do debate. Mesmo sabendo que é ali o melhor lado da cidade, no sentido de infraestrutura, de bem-estar social, é onde tá a burguesia. Mas é na periferia que acontecem as coisas.

Não foi à toa que eu fui para o Planalto, não foi por eu ser legal ou ter um discurso bacana, porque em um mundo com bilhões de pessoas, em que várias podem ser parecidas comigo, o Suricate me fez poder ter voz. E eu sou muito grato por isso. A gente não ficou milionário, muitas vezes passaram a perna na gente, mas ainda assim tudo isso serviu para que a gente chegasse em outro lugar, para entender o que a gente representa e ter mais consciência do que a gente tem.

O POVO - Como foi para você crescer em um contexto político de luta por habitação?

Léo Suricate - Eu começo pela minha avó. Ela era do interior do Ceará, na região que hoje é o açude Araras, perto de Sobral. A mãe dela morreu quando ela tinha 6 anos. Com 9 anos, ela se mudou para o Rio de Janeiro, para a (favela da) Rocinha, e aí ela teve seus filhos com seus 30 e poucos anos, morava de favor na casa do irmão, trabalhava na casa dos outros. Enfim, viveu a vida dela e passou por todo o contexto político da época, ditadura militar… Ela estava no Rio, ela viu (o golpe militar de) 1964.

Ela era do morro, já era sem-teto — mas você só toma consciência política quando tem alguma referência —, e ela ainda não tinha. Quando voltou para o Ceará, ela morava perto do Náutico, trabalhava em uma fábrica de sardinha. Ela foi do Ceará para o Rio e do Rio para o Ceará e, nesse processo, a gente ainda não tinha casa própria, ou morava na casa de alguém ou era de aluguel. Aí passa as durezas da vida, minha avó volta com algum dinheiro e compra a primeira casinha em um beco, na Sapiranga. Meus tios já eram adolescentes e minha mãe engravidou, muito nova, com 15 anos, teve a primeira filha, a minha irmã, que ficou morando com a minha avó. Depois de um ano, eu nasci e, três anos depois, veio o Dudu.

A casa do meu tio era de ocupação, a casa dos meus pais também e, posteriormente, eles a compraram. Minha primeira lembrança de movimentação é de quando eu tinha uns 7 ou 8 anos de idade. A galera se organizava para dar usucapião "É uma forma de conseguir a propriedade de um bem, seja móvel ou imóvel, por tempo de uso" na terra, naquele beco. E foi aí que a gente descobriu que morávamos em cima de uma praça. Então, não podia dar usucapião, mas o Estado também não podia remover, porque era terreno público. E desde então, a gente começou a participar cada vez mais de movimentos sociais pela luta por habitação, que também se misturavam com as apresentações culturais que fazíamos nas praças, e tudo isso era político. A política está presente em tudo.

O POVO - Falando em específico do José Euclides, o que tem de diferente ali para você? Porque existe uma articulação cultural muito forte por lá, ao mesmo tempo que é um ambiente de muita violência. Já pensou em sair de lá algum dia?

Léo Suricate - (O José Euclides) Tem muito a ver com as pessoas. O lugar é fundamental e as pessoas também. Porque se a gente tivesse só um conjunto habitacional, podia ser só mais um conjunto habitacional. Se não fossem as pessoas, se não fosse o MTST, se não fosse o Suricate, o Fortaleza Ordinária, o La Casa du'z Vetin… talvez não fosse o que o Zé Euclides é hoje.

Mas não deixa de ser um lugar marcado pela violência. E, de fato, quebra esse estigma de que não é porque um lugar tem articulações culturais que ele deixa de ser um lugar de violência, que “tá tudo bem”. Porque não tá. Tem muito tiro, muita gente morrendo.

Dia desses, fui fazer terapia e escutei o papoco de seis tiros no meio da rua, meio-dia. Isso não vai acontecer com quem mora em bairros nobres de Fortaleza. Podem até ouvir baderna, mas não vão ouvir barulho de tiro. E temos essa consciência, de que estamos no olho do furacão e de que é ali que também está o debate. A vida de quem mora no Meireles tá muito confortável, mas a vida da cidade não acontece lá. As contradições, as histórias, as discussões, o centro do debate. Mesmo sabendo que é ali o melhor lado da cidade, no sentido de infraestrutura, de bem-estar social, é onde tá a burguesia. Mas é na periferia que acontecem as coisas. É nela que estão as concentrações, é onde vai ter um maior debate sobre a cultura, porque é ali que vai ter um monte de gente diferente reunida no mesmo canto e disso vai sair outras coisas diferentes. Inclusive, tiro, gente morta, sabe? Infelizmente, faz parte.

Acho que, nessa parada, tá uma coisa atrelada a outra. A gente não quer morar num lugar em que a marca seja “não ande lá, é muito perigoso”, queremos que as pessoas olhem e digam: “Caraca, man, podia em outros cantos ser assim”.

Então, acho que envolve muita gente. Tem um cara que dá aula de capoeira, outro que dá aula de judô, tem o tiozinho que trabalha com solda e ajuda os meninos, tem uma galera que ajuda no racha e os meninos que organizam o basquete. E tá todo mundo tentando não morrer de tiro. Isso é uma marca muito potente do que tá acontecendo no Zé Euclides. Lógico que tá todo mundo tentando sobreviver. Mas também tem o lance de você se sentir bem onde você tá.

Não adianta eu estar bem da porta de casa para dentro e quando sair, da porta para fora, estar o inferno na Terra, tá ligado? Se eu não fizer parte daquela comunidade ali, se quem tá ali não tiver interesse, a gente viveria no caos. Porque nós fomos abandonados mesmo. Então, “tudo o que nós tem, é nós”, como diz o Emicida. 

A busca é por estar vivo, por lutar por um mundo melhor e por sonhar. Mas aí vem a resposta: “Você já pensou em se mudar?”. Já. Todo dia. Todo dia quando escuto tiro, eu penso que deveria me mudar para outro lugar, não viver mais esse perrengue. E eu posso me mudar, mas o problema é que: não, eu não vou. A gente vai continuar e vamos usar o que temos para amenizar os problemas.

O POVO - Enquanto jovem periférico, atrelado à militância desde muito novo, e que encontrou na arte uma válvula de escape de um cenário de violência, como você acredita que a sua imagem pode inspirar outros jovens a seguir pelo mesmo caminho?

Léo Suricate - Esse é o tipo de pergunta que eu preferiria não responder, mas que eu vou responder porque acho que faz todo o sentido. Eu não busquei esse lugar. Mas eu entendo que influencio, justamente por eu ser o menino da periferia, que fez isso e aquilo. Isso é o que a galera vai olhar, mas sem conseguir ver o que tem no plano de fundo, não vão conseguir ver o que tem por trás disso: todo o cansaço, o desgaste, o debate. Porque a gente é marcado pelo que marcamos nas pessoas. Esses são os nossos prêmios, as nossas medalhas.

E eu sei que, na vida, eu consegui algumas medalhas que, para um jovem que vem de onde eu venho, é difícil e, às vezes, até quase impossível, conseguir — por vários motivos, sobretudo, estar vivo. A medalhinha dos meus 30 anos de idade, que eu ganhei, é já estar fora dos quase 50% dos jovens da minha cidade que não vão ter a oportunidade de chegar até os 29.

E eu sei que, na vida, eu consegui algumas medalhas que, para um jovem que vem de onde eu venho, é difícil e, às vezes, até quase impossível, conseguir — por vários motivos, sobretudo, estar vivo. A medalhinha dos meus 30 anos de idade, que eu ganhei, é já estar fora dos quase 50% dos jovens da minha cidade que não vão ter a oportunidade de chegar até os 29.

Então, tem várias camadas desse lugar que eu prefiro que outros respondam. Sei que eu causo impacto, mas eu sei que, às vezes, não é o impacto que um jovem quisesse. Porque talvez ele quisesse ser o cara do carro, o famoso. Quando você vai para a TV, para a Internet, para a sociedade… bem sucedido é o cara que tem dinheiro, não a pessoa que faz o que gosta. Se ele tem dinheiro, ele fez sucesso. Não importa como, o importante é que ele tem dinheiro e, com ele, dá para comprar quase tudo. Até amor, prazer. Não compra a vida, mas compra um tratamento, um plano de saúde "bala" (ótimo).

O dinheiro é um fator que atravessa a nossa vida, principalmente de quem vem da periferia, desde a hora que nasce até a hora que o cara morre e não tem dinheiro para comprar um caixão. Aí a galera tem que inteirar (completar) a grana para comprar um caixão, para alugar um ônibus, para fazer o enterro. Então, o fator econômico é determinante. E eu sei que a minha história não é baseada aí. Apesar de ter quem se inspire em mim, vai ter o pivete que vai ver o cara do carrão e pensar: “O Léo é massa, mas eu quero ser que nem aquele dali”. E é bom que ele tenha uma referência diferente. Eu posso ser a pessoa que é referência para ele nas ideias, coisa que o cara do carrão talvez nunca mostre para ele. Eu gosto de ser esse agente do caos. Eu não busco ser o herói do menino. Quero que ele olhe para mim e pense: “Eu quero ser esperto que nem esse maluco, eu quero o meu lugar”. Quero passar isso para os pivetes. Vai, malandragem!

O POVO - Léo, você viajou muito nos últimos anos e pôde conhecer realidades muito diferentes das que vimos aqui em Fortaleza. Existe algo próprio da periferia daqui que a diferencia de outros cantos ou existe uma linha narrativa parecida?

Léo Suricate - Não, acho que não. Tem coisa parecida. Jovem, da periferia, roupa, a estética, cada um tem seu dialeto próprio, cada periferia tem seu regionalismo, sua cultural local, mas tudo isso — principalmente no Nordeste — é meio parecido e, ao mesmo tempo, é muito diferente. Você olha e pensa: “Esse cara não é de Fortaleza, não. Mas ele é vetin, que nem esse vetin aqui”. Você olha um mandrake, um cria, como a galera chama no Rio (de Janeiro), e diz: “Ih, fulano é igual vet, hein? Mas não é vet, não”. É parecido, é um arquétipo que existe no Brasil inteiro. E a periferia tá em alta. O que diferencia é o sotaque, a cultura. Apesar de ter muita coisa semelhante, é também muito diferente. Só é parecido o corpo, é a estética Brasil. Outra coisa é que nós é plano (Fortaleza). Todo canto que eu chegava lá era morro, dava pra ver que ali tinha um emaranhado de gente. Aqui não, aqui às vezes a gente nem sabe quando é um beco. Tem vários prédios e entre eles tem um bequinho e, dentro dele, tem um universo. Fortaleza é assim.

Eu queria ter alguém buzinando no meu ouvido, me mandando estudar. Até porque estudar também é sobre participar, é ver, entender como funciona na prática. Eu fui o contrário, aprendi quebrando a cara. Se eu puder dar um recado pra galera de agora, eu diria: estude e faça, produza, arrisque.

O POVO - Léo, na jornada de produção audiovisual, você teve que aprender de tudo um pouco — da direção à atuação, do roteiro à edição —, e tudo de forma praticamente autodidata. Qual conselho você queria ter recebido quando começou e que agora você pode dar para quem deseja começar a produzir conteúdo nas redes?

Léo Suricate - Estude. Eu ouvi muito, mas queria ter escutado mais. E eu estudei, mas podia ter estudado de outra forma. Talvez se eu tivesse tido acesso a gente intelectual no período que eu comecei no meu ramo, no sentido do audiovisual. Eu queria ter conhecido uma galera que fosse da técnica, que já tivesse uns trampos. Que nem a que eu venho conhecendo hoje. Eu teria perdido menos energia em algumas coisas e teria feito mais do que eu já fiz. E não que eu não esteja satisfeito com o que já fiz. Mas talvez eu poderia ter feito com mais qualidade, sabendo mais o que eu queria. Eu queria ter alguém buzinando no meu ouvido, me mandando estudar. Até porque estudar também é sobre participar, é ver, entender como funciona na prática. Eu fui o contrário, aprendi quebrando a cara. Se eu puder dar um recado pra galera de agora, eu diria: estude e faça, produza, arrisque.

O POVO - Você esteve em Brasília, com o Lula, e acompanhou tudo o que aconteceu no dia 8 de janeiro, de ataques terroristas. Como você avalia esse momento do País?

Léo Suricate - Eu avalio na resposta. A resposta do Lula é a minha avaliação. Eles juntaram todo mundo e conseguiram fazer uma coisa que era difícil, viu? Conseguiram juntar a sociedade, mesmo tendo gente virando o nariz. E também fica claro uma coisa: o que é o mercado? Ninguém sabe quem é. (O mercado) se incomoda muito mais quando alguém diz que vai acabar com a fome do que com um pessoal tocando fogo nos Três Poderes? O que é o mercado? É isso, minha avaliação é por esse lugar.

Acho que foi caótico, que foi problemático, que o Brasil tem o problema de ser repeteco dos Estados Unidos. Como o Lula é muito brasileiro, a resposta acaba saindo muito fora do repeteco. Aconteceu e, no outro dia, os caras estavam lá, 27 governadores, um monte de gente, o Supremo (Tribunal Federal)… uma galera que até seis meses atrás não estava junta, não. Um ato público, de pressão pública, um “estamos aqui para reconstruir o Brasil” e isso vai dar uma resposta. Agora a questão prioritária é sufocar o dinheiro. Tem que descobrir quem é que financia, porque, até onde eu me conheço por gente, gasolina não se paga com like, com compartilhamento, nem ônibus, nem comida. Então, pode ter muito alcance nas redes sociais, mas tem gente por trás financiando.

O POVO - Ainda sobre o governo Lula, você já contou nas suas redes sociais sobre como programas das gestões anteriores do presidente — como o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família, o Fome Zero e o Prouni — contribuíram para que você conseguisse vencer a fome, ter acesso à moradia e ao Ensino Superior. O que você, enquanto cidadão que foi beneficiado por esses projetos, considera que sejam pontos primordiais para serem levados em conta nessa nova gestão?

Léo Suricate - A pergunta da caixa de Pandora. A esperança tem que ser sempre maior né? Mas também tem que ser diferente. É outro Brasil, outra situação. Apesar de ainda existir a fome, tem outro fator: há 20 anos, a tecnologia e a comunicação não estavam da mesma forma de hoje. Acho que a atenção precisa estar no Ensino Básico, é ali que você vai resolver o problema.

 

Você olhava para os candidatos e via aqueles caras no terno engomado e olhava pra mim e via aquele menino de camisa do Brasil do lado. Quem olha pro Léo não vê um cara com 30 anos, pensam que eu tenho 18. Aí quando eu venho com um (discurso propondo) “banda larga livre”, “cozinha solidária”, “sociedade”... E isso foi importante, pra trazer um debate pro público que não se vê, principalmente no corpo de um jovem.

O POVO - Como foi o processo da sua candidatura como deputado estadual em 2022?

Léo Suricate - Eu pensei que não ia aguentar, não vou mentir. Partido político é um negócio que eu não participei ao longo da minha vida, já que minha militância não vem de um partido, então eu não entendia muito bem como acontece. Ao mesmo tempo, eu sei que minha candidatura foi importante para levantar vários debates, é tanto que as Cozinhas Solidárias do MTST vão passar a ser política pública no governo do Elmano (Freitas). Nossa forma de comunicação chegou à juventude de um jeito diferente, quebrando aquela política ortodoxa enraizada no nosso País. Você olhava para os candidatos e via aqueles caras no terno engomado e olhava pra mim e via aquele menino de camisa do Brasil do lado. Quem olha pro Léo não vê um cara com 30 anos, pensam que eu tenho 18. Aí quando eu venho com um (discurso propondo) “banda larga livre”, “cozinha solidária”, “sociedade”... E isso foi importante, pra trazer um debate pro público que não se vê, principalmente no corpo de um jovem.

O POVO - E você pensa em se candidatar de novo?

Léo Suricate - Não sei, não é uma coisa que eu tenho vontade. Eu entendi que eu faço muito estrago fora. Posso chegar em governador e cobrar. Meu papel não é bater palma. Bati palma no discurso quando pedi voto pra ele. Agora? Eu vou pegar nas contradições. Fez errado, eu tô no pezinho do lado pra cobrar. Não tenho essa pretensão de me preparar pra me candidatar de novo, até porque pode ser que até lá eu me envolva em outros projetos. Como eu não sou um profissional da política e entendo isso, porque tem gente que estuda pra isso, que estuda gestão pública e tal, mas não vou ficar fazendo juízo de valor nem sendo moralista, não é sobre isso. Eu sei que não sou profissional da política. Eu faço política sendo militante, esse é o meu lugar.

Não faço política pra assumir cargo, não entrei pra isso. Posso assumir um cargo público? Talvez. Mas tem que ter um motivo, não vai ser só pra receber um salário. Até porque já tenho uma profissão e quero ganhar dinheiro na minha área, na comunicação. Na política, eu quero fazer política pública, quero ver as coisas acontecendo.

O POVO - No final do ano passado, você foi um dos cearenses anunciados para participar da equipe de transição do governo do presidente Lula, atuando no Grupo Técnico de Cidades. O que essa nomeação representou para você?

Léo Suricate - Primeiro, eu fui pego de surpresa. Soube da informação por uma jornalista, porque na hora eu tava ocupado e sem meu telefone. Depois fui entender o que era participar ali do processo de transição como voluntário e foi um lance de me colocar em xeque, de saber que eu tinha que fazer alguma coisa e não podia ficar parado. Muita gente pensou: “Ah, vai garantir o cargo dele agora, tá nos braços do Lula”, mas não era isso. Foi um processo em que o governo convocou a sociedade civil pra participar desse momento de transição e boa parte da galera que tava ali foi como voluntário. Uma das reuniões que eu participei foi online e durou umas três ou quatro horas. Cada pessoa que foi chegando trazia já um resumão de coisas pra debater, problemas, tava todo mundo pronto pra reconstruir o País mesmo. Foram várias pautas voltadas às questões das Cidades, que iam desde as ciclofaixas às moradias. Cada um com cinco minutos pra apresentar um resumo, com documentos e tudo mais, e eu só tinha as minhas experiências daqui, sobre conjuntos habitacionais.

O POVO - A entrevista começou com você falando sobre a sua avó, agora fechamos falando sobre a sua filha. Como é ser pai da Lua?

Léo Suricate - É muito louco porque meus amigos foram pais até mais jovens. Eu fui pai quando já não tinha mais a perspectiva da minha vida ser um festival de rock ou uma eterna turnê. Eu não sei explicar, é um negócio mágico. É inexplicável, eu não tenho uma referência de pai, porque o meu foi ausente, por várias questões externas. Mas eu sou um cara que tive acesso a uma família com afeto, que eu tive o amor da minha avó. Então, essa consciência me serviu pra fugir de alguns caminhos. Eu não sei se sou um exemplo de pai. Mas sei que quero ser um pai presente, quero estar ali pra ela. Eu já aproveitei minha vida, fiz minhas loucuras e, apesar de que ainda continuo meio louco, acho que ser pai me ajudou a ser mais adulto, a ter responsabilidade e saber que eu tenho alguém ali que vai precisar de mim.

 

 

 

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