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"Impeachment de Dilma foi uma irracionalidade do sistema político"
Reportagem Seriada

"Impeachment de Dilma foi uma irracionalidade do sistema político"

Pesquisador examina via-crucis de Dilma Rousseff numa radiografia que recupera os lances que resultaram no desmantelamento do presidencialismo de coalizão

"Impeachment de Dilma foi uma irracionalidade do sistema político"

Pesquisador examina via-crucis de Dilma Rousseff numa radiografia que recupera os lances que resultaram no desmantelamento do presidencialismo de coalizão
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Professor de Ciência Política da USP, Fernando Limongi passa em revista o afastamento da então presidente Dilma Rousseff (PT), hoje à frente do Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado “banco dos Brics”.

Para o pesquisador, o processo de impeachment da petista foi “uma irracionalidade do próprio sistema político”, que acabaria por entrar numa autofagia na esteira da Operação da Lava Jato.

A força-tarefa em Curitiba, de acordo com ele, exerceu papel vital na erosão da sustentabilidade de Dilma, resultando na perda do mandato em 2016. Mais do que a suposta resistência a acomodações partidárias da chefe do Executivo, foram as investigações que impuseram uma reorganização de todo o ambiente político.

Em conversa com O POVO, Limongi, autor do recém-lançado “Operação impeachment” (Todavia), percorre os dias de crise daqueles anos, cujos efeitos são sentidos ainda hoje, como a cassação de Deltan Dallagnol e a briga pelo comando da 13ª Vara Federal são uma prova eloquente.

 

 

O POVO – Por que o impeachment de Dilma Rousseff é central para entender o contexto político do Brasil hoje? Quais os nexos que a gente pode estabelecer entre o afastamento da então presidente e este cenário de agora, com a Lava Jato sendo trazida de novo aos holofotes?

Fernando Limongi – O processo de impeachment da presidente Dilma envolveu, digamos assim, uma irracionalidade do próprio sistema político, uma exacerbação do conflito político tanto interno à coalizão e ao grupo no poder quanto da oposição em relação à Dilma e ao PT. A intervenção da Lava Jato levou isso ao paroxismo, elevou à enésima potência. O resultado foi que o sistema político brasileiro ruiu. As estruturas que haviam sido montadas desde a redemocratização, e que tinham se consolidado no conflito entre dois blocos razoavelmente bem constituídos – de um lado o bloco comandado pelo PT e do outro lado o bloco comandado pelo PSDB – foram para o espaço.

Houve um terremoto, e essa estrutura se perde e soçobra. Esse é o efeito imediato da Lava Jato sobre o sistema brasileiro, quando deslegitima o sistema completamente, porque todas as investigações e acusações envolvidas atacam a legitimidade do regime e da classe política, que é vítima do processo num primeiro momento. Depois vamos ter uma série de consequências, de reestruturações e reequilíbrios.

Usando a analogia do terremoto, teremos terremotos secundários, menores, e isso continua até hoje. Havia essa estrutura bastante funcional e que foi para o espaço, até hoje estão tentando rearrumar e readequar o sistema à política brasileira. Acredito que vai ser difícil e vai demorar para que ele encontre novamente o equilíbrio ou uma estrutura funcional para que a gente volte a ter uma vida política minimamente racional.

Capa do livro "Operação impeachment: Dilma Rousseff e o Brasil da Lava Jato"(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Capa do livro "Operação impeachment: Dilma Rousseff e o Brasil da Lava Jato"

OP – Nesse processo de deposição da Dilma, o que foi mais determinante: a crise política e econômica ou a Lava Jato em si? O senhor atribui mais peso a quê?

Limongi – O fator determinante ou o ator final que derruba o sistema é, sem dúvida alguma, a Lava Jato. O sistema tinha se reequilibrado no início de 2016, mas isso não quer dizer que estou tratando a Lava Jato como um ator externo ao sistema político. A Lava Jato é mobilizada pelo sistema, por esse confronto entre os dois grupos e pelos confrontos intragrupos. A própria Lava Jato tem conflito. Há pelo menos dois grupos que estão em competição para tentar realizar a sua versão do que seria passar o Brasil a limpo ou quem seria o chefe da organização criminosa da qual o país precisaria se livrar.

Esses dois grupos da Lava Jato têm conexões com a classe política, com políticos, com membros do Supremo Tribunal Federal, o que significa que esse conflito, que não é único, vai tomando diferentes configurações e recompondo-se. A intervenção final vai ser da Lava Jato, mas não quer dizer que a Lava Jato tivesse, sozinha, autonomia para derrubar a presidente Dilma. Há uma reação final do sistema, quando a ficha dos políticos cai e eles pensam: “Estamos nos matando aqui, vamos ver como ainda é possível sobreviver, como ainda dá pra gente escapar”.

Colocaram o gênio pra fora da lâmpada e agora queriam pôr de volta. Mas obviamente que o gênio não quer voltar pra lâmpada sem acabar aquela tarefa que ele achava que tinha que realizar. Então tem uma disputa entre os dois grupos da Lava Jato para ver quem vai sair por cima: se vão matar o PT ou se vão matar o PMDB.

OP – O senhor se refere ao núcleo da PGR, estruturado em Brasília, e o da força-tarefa em Curitiba, não é isso?

Limongi – Isso. A força-tarefa em Curitiba tinha uma orientação mais ligada aos grupos de direita, de uma direita à direita do PSDB e além, chegando ao bolsonarismo e com conexões com a PF muito fortes e com núcleos das igrejas pentecostais, como vemos até agora, com Dallagnol. Essa rede, mobilizada por esse grupo, está oferecendo sobretudo a cabeça do Lula a seus apoiadores. Enquanto o grupo da PGR tem uma ligação maior com certos setores do PT e da esquerda, ou com uma concepção de esquerda.

A gente não conhece bem essas ligações porque elas não vêm a público. Por exemplo, qual teria sido o diálogo entre o então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o PGR Rodrigo Janot, o Teori Zavascki (ministro do STF morto em janeiro de 2017), como esses caras estão tocando o processo e o que acreditam que vão conseguir com ele. É claro que existem coalizões e acordos que estão sendo feitos entre membros do Judiciário e do Ministérios Público e membros da classe política, cada um pensando em usar “esses caras” para se livrar dos seus inimigos. E o resultado é que vira uma luta aberta entre esses dois grupos e sai todo mundo perdendo, do médio para o longo prazo.

OP – Havia uma corrida entre esses dois grupos da Lava Jato? Enquanto o de Curitiba avançava sobre Lula, que era o único sem mandato na época, a PGR tinha na mira o Eduardo Cunha. Nessa disputa, Curitiba acabou saindo na frente?

Limongi – Mais ou menos. No momento em que Delcídio é preso (senador pelo PT preso em 2015 sob acusação de atrapalhar investigações), aparentemente a PGR dá o contragolpe, tirando a delação premiada do Cerveró (Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras preso em 2015) das mãos de Curitiba, protegendo o Lula e a Dilma e administrando a delação do Cerveró, ao mesmo tempo em que parte para o ataque contra Eduardo Cunha.

Mas é aquela velha piada do Garrincha: tem que perguntar ao inimigo se ele está concordando com o plano. O Cunha reage e pauta o impeachment, o que faz com que uma parte do STF não mais apoie a intervenção que a PGR estava fazendo. Há uma divisão no Supremo, que tinha se manifestado de forma unânime no momento da prisão do Delcídio. Esse caminhar de uma reconfiguração, a todo momento, das alianças e dos grupos em briga é que vai dando o tom da crise.

No livro, Fernando Limonji faz análise minuciosa do processo que levou à queda de Dilma Rousseff(Foto: Mauro Bellesa / USP / Divulgação)
Foto: Mauro Bellesa / USP / Divulgação No livro, Fernando Limonji faz análise minuciosa do processo que levou à queda de Dilma Rousseff

OP – No meio disso tudo, Dilma também fez movimentos para preservar o mandato de presidente. Um deles foi a reforma ministerial do final de 2015, que inicialmente teria sido bem-sucedida. Por que essa reforma não foi suficiente para aplacar os ânimos?

Limongi – Porque a Lava Jato entrou para inviabilizar o acordo que tinha sido feito e oferecer a cabeça do Lula mais até do que a da Dilma. A da Dilma vai como parte da avalanche. Me parece que já ali o mais importante para a direita, ou o que se juntou à direita, era impedir que Lula fosse candidato em 2018. Quando eles acenam com a condução coercitiva do Lula, o movimento pró-impeachment se reacende, porque vai trazer junto com ele a queda do Lula.

E é isso que a força-tarefa de Curitiba entrega, é esse o acordo que ela faz e que dá vazão naquele momento, enquanto a PGR acaba vítima da própria esperteza. Porque o Temer e o grupo do MDB, que eram o principal inimigo deles, assumem a Presidência. Era o máximo da ironia para eles, estavam entregando o poder nas mãos daqueles que eram perigosos. Por isso que depois armam todo aquele ataque contra o Temer, que vai dar na gravação do Joesley Batista etc.

"Dizer que a Dilma é burra, é incapaz, é desastrada é típico de homem falando de mulher na política"

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OP – A Dilma ganha um pouco mais de nitidez nessa leitura. Por muito tempo, a imagem dela que se consagrou foi a de uma pessoa paralisada, que não se movia e não conseguia fazer articulação. Como o senhor contrasta essas duas imagens?

Limongi – Acho que essas explicações que centram muito na figura da Dilma perdem a capacidade explicativa na medida em que ficam falando só que ela é ruim, é incapaz, é fraca. As pessoas não se dão conta, primeiro, de que a Dilma exerceu um mandato inteiro, foi reeleita e manteve sua coalizão. Se ela fosse tão ruim assim, nada disso teria acontecido. Ela pode não ser a melhor política do mundo, pode ser inferior a vários outros políticos que se possa citar, como o próprio Lula ou Fernando Henrique.

Ainda que se consiga provar que ela é ruim de jogo, isso não torna o impeachment inevitável. Isso não é suficiente para explicar o impeachment. A gente tem que entender por que ela fez o que fez e o que as pessoas estão dizendo que ela deveria ter feito. O que ela fez e o que provocou essa crise? Foi a intervenção na Petrobras. Foi ela ter tentado limpar e tornar a Petrobras mais eficiente e, com isso, levantar a bandeira do combate à corrupção.

Quando as pessoas falam que a Dilma não sabe fazer política, implicitamente elas estão dizendo que fazer política envolve deixar a Petrobras do jeito como estava, fazer aquele tipo de acordo e não mexer na corrupção. Justamente a imagem que fica é a de que o impeachment foi feito porque a corrupção era insuportável. As duas proposições não se juntam, não são logicamente consistentes.

Fernando Limonji: "Processo de impeachment da presidente Dilma envolveu, digamos assim, uma irracionalidade do próprio sistema político"(Foto: Matheus Araújo / Wikimedia Commons)
Foto: Matheus Araújo / Wikimedia Commons Fernando Limonji: "Processo de impeachment da presidente Dilma envolveu, digamos assim, uma irracionalidade do próprio sistema político"

Não que a Dilma fosse uma pessoa incapaz de conviver com a corrupção ou fosse totalmente insensível aos reclames fisiologistas ou o que quer que fosse do sistema político. Ela convive muito bem com Sergio Machado na Transpetro por um bom tempo e com Fábio Cleto na diretoria da Caixa Econômica Federal, que era um homem do Eduardo Cunha.

A reação do sistema – do Cunha e de certos setores do PT – à mexida que ela dá na Petrobras é sobrestimada, é extremada. Não é que ela estava cortando a sobrevivência desses caras ou dizendo que eles não teriam acesso a recursos ilícitos para financiar suas campanhas, como se agora fosse uma limpeza total e nada mais. Ela só estava tentando salvar um projeto específico, que era o queridinho dela, que era tentar usar a Petrobras para fazer uma plataforma de industrialização do Brasil. Esse era o projeto dela, e ele estava sendo inviabilizado, na visão dela, pela captura da Petrobras pelo sistema político. Ela isola a Petrobras, tenta botar no eixo para recuperar o projeto que ela montou quando era chefe da Casa Civil do segundo mandato do Lula.

Ela, como presidente, viu que não estava funcionando porque estavam sendo muito condescendentes com certas práticas. Resolveu dar uma arrumada e colocar pra funcionar. A reação do sistema, comandada por Cunha e membros do PT, é extremamente violenta. Tentam enquadrá-la, derrubá-la ou fazê-la voltar a não mexer ali. Ela banca o conflito e vence. O erro de parte a parte foi continuar exacerbando esse conflito depois. Nem ela põe a viola no saco, nem o Cunha põe. E não é só Cunha. É Eduardo Cunha e seus aliados dentro do PT e fora do PT, é isso que está rolando ali. Se isso é ser mau político... Dizer, pra usar um chavão, que ela é má política?

Como dizia um terapeuta: elabore, meu filho. Diga o que se quer dizer com isso, o que tem por trás disso, desenvolva. Todo mundo saiu perdendo nesse processo. Se cada um dos atores que se envolveu nesse conflito, seja de dentro ou de fora da coalizão, como o PSDB, tivesse sido um pouco mais moderado, racional e inteligente, teria sido evitado o pior. É a lição: favorável à moderação e contrário à radicalização.

OP – Mas a postura do PSDB e do Aécio Neves depois de 2014 foi de questionar o resultado da eleição. Como avalia isso?

Limongi – Primeiro, nessa visão que sempre insiste no erro da Dilma, digamos assim, e apedreja a Dilma, é como se todos os outros atores fossem imediatamente absolvidos de seus erros. E, no caso, o ator político mais irresponsável, inconsistente e propriamente estúpido, para falar português claro, é o Aécio Neves. Falar dos erros da Dilma e inocentar o Aécio de culpa no cartório pode ter várias explicações: ou ideológicas, de que a direita é melhor do que a esquerda, ou puro e simples machismo.

Dizer que a Dilma é burra, é incapaz, é desastrada é típico de homem falando de mulher na política. Não à toa que a grande culpada nisso tudo e que sempre aparece como figura negativa é a Graça Foster (ex-presidente da Petrobras na gestão Dilma), que foi lá para moralizar a Petrobras e saiu pela porta dos fundos acusada de corrupção, com o movimento “Vem pra rua” acampando na porta dela – quer dizer, o grupo que estava falando que lutava pelo fim da corrupção está atacando a pessoa que está fazendo a limpeza.

Deputado Aécio Neves (PSDB-MG)(Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO Deputado Aécio Neves (PSDB-MG)

Então, dizer que a Dilma está equivocada, e deixar o Aécio fora da equação, é simplesmente inaceitável. Aécio se comportou de forma irresponsável. Se alguém em algum momento primeiro sinalizou com um comportamento fora do padrão democrático e do estado de direito, apelando para tentar reverter o resultado eleitoral por outros meios, esse cidadão foi o Aécio Neves. Aécio, desde o início, não aceita a derrota, quer deixar aberta a disputa e acalenta várias vezes o sonho de chegar ao poder por meios obtusos ou transversais. Não só questiona a lisura das urnas, como promove uma auditoria das urnas, gasta mundos e fundos nisso.

Dura um ano e tanto para ter um resultado ridículo, que é o que todo mundo sabe: não há qualquer chance de fraude no processo eleitoral eletrônico. Depois ele abre um processo por abuso de poder contra a chapa, processo que foi arquivado por mais de uma vez e que é sempre recuperado por ação do Gilmar Mendes, que, paradoxalmente, vai ser o mesmo juiz que vai dar o voto de Minerva para absolver a chapa lá na frente. Ele é o responsável por reabrir o período de coleta de provas e vai ser o juiz que diz que essas provas são ilegais e não podem fazer parte do processo.

Esse processo surreal, que a gente assistiu durante o governo Temer, é talvez mais deslegitimador do sistema político do que até o próprio impeachment. Mas é uma consequência direta do impeachment, é uma continuidade das burradas perpetradas pelo Aécio.

OP – O senhor avalia que, de alguma forma, tanto os questionamentos das urnas em 2014 quanto os métodos da Lava Jato vão dar em 2018 no bolsonarismo?

Limongi – Tem muitos elementos em comum. Acho que ali estava se gestando o que foi aparecendo em 2018, foi se alimentando. Todos estavam brincando de aprendizes de feiticeiro. E o principal aprendiz de feiticeiro aqui é o PSDB, porque estava alimentando uma direita que vai escapar do controle dele. Até a eleição de 2014, a direita mais radical não tem expressão própria e está dentro da coalizão do PSDB. Ela não se expressa, não tem candidato e tem que apoiar o Aécio.

E o Aécio tenta, depois da eleição, usar esse grupo para se fortalecer na luta interna do PSDB. Aí ele põe de fato o gênio para fora da lâmpada. Alimenta MBL, Vem pra rua, Carla Zambelli, que é a líder do movimento naquele momento. É com esse pessoal que ele está se aliando e pedindo para ir às ruas para tentar derrubar o PT do poder. Não tem como absolver o Aécio e o PSDB dessa série de equívocos que eles cometem.

O ponto que levanto é: por irresponsável e radical que fosse essa direita, ela não teria derrubado a Dilma e feito o impeachment se o centro (PMDB, PP, PSD etc.) não tivesse fechado também uma aliança com esse mesmo grupo, rejeitando a aliança histórica que tinha com o PT. Isso só é possível de entender pensando que eles estão querendo tampar e controlar a Lava Jato, porque serão vítimas claramente da Lava Jato, já que todos estavam envolvidos no processo.

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OP – Dilma é frequentemente comparada com Lula. O senhor acredita que o hoje presidente teria se saído melhor nesse processo, ou o impeachment aconteceria de toda forma?

Limongi – Esse contrafactual é impossível de ser feito porque são duas lideranças diferentes e uma parte desses conflitos começa com uma disputa entre o grupo da Dilma e o grupo do Lula. É isso que está na origem da cisão que vai alimentar toda essa reconfiguração. O que posso garantir é que nunca ninguém considerou seriamente a possibilidade de Lula ser candidato em 2014, o “volta Lula” é apenas uma ameaça à Dilma.

O Lula nunca quis ser candidato e sabia que, se fosse candidato, seria derrotado, porque qualquer possibilidade de substituir a candidata a presidente do primeiro para o segundo mandato seria uma confissão de que algo de muito ruim aconteceu no primeiro governo e que por isso não pode ser a Dilma. Isso não estava no campo das possibilidades.

É óbvio que os lulistas vão sempre criar essa imagem de que, se tivesse sido o Lula, nada disso teria acontecido. Essa imagem de que a Dilma é a grande culpada é muito conveniente para muitas forças políticas, incluindo o próprio PT, porque exime o PT de qualquer culpa ou de qualquer erro de administração pelo impeachment da Dilma. Não foi o PT, foi a Dilma. Se tivesse sido o PT que estivesse no poder, isso não teria acontecido. Não. A Dilma era do PT, é do PT e foi “impichada” por causa dos erros do PT.

Fernando Limonji é professor de Ciência Política da USP(Foto: Cebrap / Divulgação)
Foto: Cebrap / Divulgação Fernando Limonji é professor de Ciência Política da USP

OP – A gente viu há pouco cassação do mandato de Deltan Dallagnol e a troca de comando na 13ª Vara de Curitiba quase dez anos depois de 2014 (ano de início da operação). Como avalia essa disputa pelos despojos da Lava Jato, que já foi encerrada mas continua no noticiário? Isso tem relação com o quê?

Limongi – Tem relação com o fato muito óbvio, mas que se tenta esconder, que é: Ministério Público, Judiciário, forças armadas, qualquer burocracia é altamente politizada e dividida em correntes políticas e com uma luta interna muito grande por ascender ao poder, controlar recursos e impor sua vontade sobre os demais. O MP não é diferente do que a classe política é, do ponto de vista de conflitos, picuinhas e fazer bobagem.

O que se vê agora, que é como os juízes se conectam a grupos políticos – eu sou lulista, eu sou anti-Lula, sou PT ou anti-PT –, é o mesmo caldo de cultura da vida conflituosa e da disputa por poder. Isso mostra a face oculta do MP e do Judiciário. Eu não sou jurista, mas a cassação do Dallagnol, da forma que foi, parece ser tão amalucada quanto foram as ações da Lava Jato. Esse é um dos fatores de instabilidade política do Brasil atual.

OP – A Lava Jato contaminou o Judiciário (STJ, STF, TSE, TRFs e TJs)?

Limongi – Não é que contaminou, sempre esteve contaminado. Não é uma contaminação no sentido de algo que vem de fora e que não é intrínseco à própria organização. É intrínseco a qualquer organização, quer seja internamente politizada ou não. A gente pode não dar esse nome, pode não gostar do nome, mas tem grupos, tem facções, tem partidos, tem conflitos, tem vontade de mandar um sobre o outro e impor sua visão de mundo. Quem está sentado no STF tem um poder enorme. E se deveria esperar que as pessoas sentadas no STF tivessem comedimento na hora de usar seu poder e agissem de forma colegial, pensando seu papel institucional, e não impondo sua visão política unilateralmente.

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