Qual o limite entre a vida e a morte? E entre a frustração da derrota e a alegria de um pódio? Para Thiago Pereira, os centésimos de segundos sempre foram relevantes. Nascido em Volta Redonda (RJ), ele, que quase morreu afogado em uma piscina aos 2 anos de idade, transformou a água em seu templo e tornou-se o nadador mais vencedor do Brasil: recordista do Pan-Americano e medalhista olímpico nos Jogos de Londres, em 2012.
Para alcançar o sonho de fazer da natação a sua profissão, Thiago precisou amadurecer cedo e abdicar de muitas coisas. Aos 12 anos, começou a ganhar destaque nas piscinas do Clube dos Funcionários, no Rio de Janeiro, e aos 16 tomou a decisão de sair de casa para ir morar em Belo Horizonte, na república do Minas, equipe onde foi formado como atleta e conquistou as primeiras medalhas. A rápida ascensão trouxe a certeza de que havia feito a escolha certa.
Durante a carreira, rivalizou com outros três gênios que fizeram parte da sua geração: Michael Phelps, Ryan Lochte e László Cseh. Fora da água, a relação entre o quarteto era de amizade e troca de conselhos. Ao todo, Thiago Pereira soma, em provas internacionais, 23 medalhas de Pan-Americano — o maior medalhista da história do torneio —, uma prata em Olimpíada e três medalhas em Mundiais.
Aposentado desde os 31 anos e atualmente com 37, Thiago Pereira fez uma visita especial ao Ceará e reservou um tempo para conversar com O POVO. O encontro aconteceu no Beach Park, local em que estava hospedado e participaria, dias depois, da 14ª edição da “Maior Aula de Natação do Mundo”, evento que tem como objetivo alertar sobre a importância da natação para crianças a fim de evitar afogamentos.
O papo com o simpático e sorridente ex-nadador aconteceu em uma tenda dentro do parque aquático, sob um plano de fundo familiar para ele: repleto de piscinas. No encontro, Thiago contou, entusiasmado, das lembranças que resgatou na noite anterior sobre a capital cearense. “Ontem eu estava pensando e você não sabe. Se eu não me engano, a minha primeira medalha em Brasileiro foi aqui, em Fortaleza. Acho que foi em 1999”.
O POVO - Antes de conhecer o Thiago campeão, quero conhecer o Thiago de Volta Redonda. Como foi seu início na água? Você chegou a se afogar quando criança... Ali acabou sendo o pontapé para seus pais te colocarem na natação?
Thiago Pereira - É até legal falarmos disso. Muita gente acha que eu comecei a nadar por bronquite ou asma, que é o motivo pelo qual a maioria começa. Mas quando eu tinha 1 ano e meio, quase 2, estava em um sítio de um tio, era festa de família, e eu acabei pulando na piscina. Um primo me salvou, que era mais velho. No dia seguinte minha mãe me colocou na escolinha de natação. Minha mãe é educadora física, a dona Rosy, que ficava lá gritando o "vai, Thiago". Todo mundo brincava com a dona Rosy gritando. Então, ela me colocou na escolinha muito mais com o intuito de aprender a nadar e acabou dando no que deu como nadador.
Hoje eu tenho um projeto em Volta Redonda de prevenção de afogamento. Afogamento é uma das principais causas de morte de crianças, principalmente entre 2, 5 e 6 anos. E o intuito do nosso projeto é dar um pouco do retorno que a natação me deu. Muitos pais falam: "Pô, foi um minuto (o afogamento)". É um minuto, é muito rápido. Então, poxa, com escolinhas de natação, conseguimos evitar entre 80 e 88%, que é uma margem muito grande.
Teve o Thiago medalhista olímpico como atleta e hoje essa talvez seja minha medalha olímpica do outro lado, dar uma oportunidade para a criançada. Gosto de falar porque sei que não vou mudar isso sozinho, então que outros atletas possam fazer e empresas possam apoiar. Realmente é uma causa muito importante. Com aulas de natação, a gente defende três pilares: um é a prevenção contra o afogamento, estímulo do esporte e que a vida não tem preço.
Mas eu também comecei a ver que o esporte tem um outro lado, que é todo o aprendizado que gira em torno. Esporte não é só autoperformance, é uma ferramenta para educação e saúde. O esporte te ensina a ganhar, perder e a viver alguns momentos que dentro da escola não se aprende.
OP - Você começou a se destacar muito cedo, já com 12 anos. Você sente que precisou amadurecer mais rápido que as outras crianças que estavam ao seu redor?
Thiago - Tive bastante. Com 12 anos, eu falo que foi, talvez, a primeira grande escolha da minha vida. Pode parecer bobeira para muita gente hoje, mas eu fazia basquete e natação, então ali eu já tive que fazer uma escolha. Eu não podia fazer os dois ao mesmo tempo, então já era uma escolha. Ali você já começa, por mais que pequena, uma tarefa de saber que a partir do momento que se pega um caminho, é preciso abrir mão do outro. Eu falo bastante que não dá para ficar com um pé em cada canoa. Ou fica em uma canoa ou em outra.
Então ali já foi o momento de tomar escolhas diferentes dentro da minha vida. Óbvio, não é fácil. Acho que o momento mais difícil de cada atleta seja entre o período de 12 e 16, 17 anos, por vários motivos. Um é que você não tem o controle da sua vida, então depende de mãe e pai para tudo. É muito complicado. E outra é que você está vivendo uma fase que a maioria está curtindo, brincando e viajando, e às vezes você tem um compromisso. Eu até brinco com a minha mãe dizendo: "Cara, você foi muito doida". Porque eu saí de casa com 15, 16 anos para ir morar na república do Minas. A chance de aquilo dar certo era muito pequena. Hoje eu tenho noção, mas na época a gente acreditava, né? "É difícil, mas vamos". Realmente a chance de dar certo é de 0,001%, para talvez chegar em nível olímpico.
Mas eu também comecei a ver que o esporte tem um outro lado, que é todo o aprendizado que gira em torno. Esporte não é só autoperformance, é uma ferramenta para educação e saúde. O esporte te ensina a ganhar, perder e a viver alguns momentos que dentro da escola não se aprende. Mas acho que não é um ou o outro, é ter os dois em conjunto e eu acredito muito nesse tipo de trabalho. E aí, perante aquela adaptação mais rápida, imagina você estar lá sozinho com 16 anos, já se virando, recebia um pouco de salário do Minas, tinha treino de madrugada, caía na água às 5 horas da manhã, depois tinha colégio, uma rotina mais acelerada, almoçava no clube. Tinha uma rotina mais acelerada e isso, de uma forma ou de outra, faz com que você amadureça mais rápido.
OP - Quando você recebeu a proposta do Minas para sair de casa e virar atleta do clube, como foi a decisão e a conversa com sua mãe?
Thiago - Foi rápido, na verdade. Eu tinha uma proposta do Flamengo e uma do Minas na época. Uma coisa é que eu sempre tomava decisões rápidas. Minha família inteira era de Minas, eu tinha um tio no Rio de Janeiro também. Eu resolvi ir para Belo Horizonte, foi muito mais um feeling. Eu sempre fui muito de feeling e alguma coisa me dizia que eu tinha que ir para Belo Horizonte.
E isso (do feeling) foi até eu parar de nadar. Então eu sempre acreditei em confiar naquela coisa de dentro que estava me dizendo. Minha mãe brincava muito comigo dizendo que tinha o jeito certo, o jeito errado e o jeito Thiago. O jeito Thiago era que eu acreditava até o final e a parada dava certo, mesmo quando tinha tudo para não dar. Eu sempre acreditei que daria certo e isso faz também com que a coisa se torne mais possível.
OP - Quando se fala em Vanessa Lemos, Camarão e Clube dos Funcionários, o que vem de lembrança para você?
Thiago - Vanessa e Camarão foram meus dois professores de infância. Eles foram fundamentais na minha parte de aprendizado. Toda parte da escolinha foi feita com eles. Depois entrou mais o Camarão, já era mais a parte da equipe do clube. Nunca foi fácil ali nos Funcionários. A gente tinha uma dificuldade na época em relação a falta de verba para viajar.
Então o clube tinha uma parte onde as mães montavam barraquinhas quando a gente tinha competição lá. Cada uma trazia uma parada, vendia os produtos e esses valores eram juntados com o do clube para a gente conseguir ir para o Brasileiro das categorias. Tinha uma força-tarefa de todo mundo para aquilo acontecer. Tinha do clube, de nós, atletas, e dos pais, cada um cedendo um pouco para que as viagens acontecessem.
Posso dizer que esse talvez tenha sido onde deu aquele estalo. Esse campeonato de Belém me abriu a visão de poder chegar a um Pan-Americano, um Mundial. Então ali talvez tenha sido um divisor de águas na minha carreira, onde eu vi que as coisas estavam caminhando.
OP - Aos 16 anos, você disputou o Sul-Americano, em Belém, e ganhou um ouro nos 200 metros peito. Esse foi o campeonato que deu “fome” para querer mais medalhas?
Thiago - Posso dizer que esse talvez tenha sido onde deu aquele estalo. Esse campeonato de Belém me abriu a visão de poder chegar a um Pan-Americano, um Mundial. Então ali talvez tenha sido um divisor de águas na minha carreira, onde eu vi que as coisas estavam caminhando. Foi no mesmo ano em que eu me mudei para Belo Horizonte, então foi tudo no mesmo ano. Eu tive uma melhora muito grande com essa mudança. Teve muita mudança de treinamento, na parte física, coisas que eu não fazia em Volta Redonda e adicionei lá. Acabou dando esse grande resultado entre um clube e outro.
OP - O ano seguinte, 2003, foi bem especial para você, né? Seu primeiro Mundial e Pan-Americano...
Thiago - O Mundial foi a minha primeira vez nadando com o Michael Phelps, Ryan Lochte e todos esses caras. Acabou que eu fiquei perto de entrar em uma semifinal, mas bati o recorde sul-americano, então foi bom para caramba. Após o Mundial, eu cheguei no Pan-Americano muito mais confiante e veio minha medalha de prata, de bronze e quase que veio mais uma de bronze, fiquei em quarto por um centésimo em outra prova. Como experiência, poxa, com 17 anos e olhando para trás, eu saí de Volta Redonda no início de 2002 e um ano e meio depois estava em um Pan-Americano ganhando medalha. Eu saí também com índice olímpico.
OP - Neste período, entre 2003 e 2004, você quebrou dois recordes importantes. Um dos 200 metros peito e outro que perdurava desde a Olimpíada de 1984. Como ficou a projeção da sua carreira naquele momento?
Thiago - A coisa ali já tinha conhecido. Então muda um pouco do sonhar para o estar. "Pô, beleza, sonhei, mas agora estou aqui". Então agora vamos buscar o quê? Quero estar nas finais, quero brigar por medalhas (citando a Olimpíada de 2004, em Atenas). Mas óbvio, muito nervosismo. Primeira Olimpíada. Dois anos antes eu estava em Volta Redonda. A mídia fez um "boom" muito grande, então eu acabei dando uma sentida. Lembro até hoje o nervosismo que senti antes de entrar para a prova final dos 200 metros.
OP - Li alguns relatos que você deixou a piscina após a final dos 200 metros da Olimpíada de 2004 com falta de ar e que sofreu com fortes náuseas no vestiário. A pressão causou algum tipo de crise de ansiedade?
Thiago - Vomitar eu já vomitei umas 200 mil vezes (risos), é por causa do esforço. Isso é fichinha. Bate um pouco, né (de ansiedade)? Minha primeira Olimpíada, ainda moleque, é uma responsabilidade muito grande ali, até maior que a do Gustavo e do Xuxa, já que eu era cotado para ser medalhista. Patrocínio, imprensa... Então assim, realmente teve um pouco mais de dificuldade, mas isso faz parte, todas as pessoas sentem. Hoje as pessoas buscam muito mais a preparação mental. Muita coisa mudou de lá para cá. Tanto alimentação, como saúde mental são coisas que em 2004 ainda eram muito distantes. O esporte teve uma evolução muito grande de lá para cá. Foi legal que eu consegui ver a cada Olimpíada o que se evoluiu a cada quatro anos de uma para outra.
Eu falo que poucos têm a oportunidade de começar onde tudo começou e encerrar em casa. Atenas marcou muita coisa. Você tem um mundo dentro do refeitório. Jogadores de basquete, tinha o Guga lá. Atenas é uma cidade maravilhosa. Depois que eu parei de nadar, fiz um curso em Olímpia, que foi realmente onde tudo começou. Conheci onde até hoje o fogo é aceso. Foi legal entender.
OP - Atenas é a casa dos Jogos Olímpicos e você estreou lá. Deve ter sido muito simbólico. Lembra de algo que marcou você nesta edição de 2004?
Thiago - Eu falo que poucos têm a oportunidade de começar onde tudo começou e encerrar em casa. Atenas marcou muita coisa. Você tem um mundo dentro do refeitório. Jogadores de basquete, tinha o Guga lá. Atenas é uma cidade maravilhosa. Depois que eu parei de nadar, fiz um curso em Olímpia, que foi realmente onde tudo começou. Conheci onde até hoje o fogo é aceso. Foi legal entender. A gente vive os Jogos muito pela competição, então foi legal entender como começou toda a história, o museu, ter essa visão de entender a história. Quando estamos competindo, ficamos muito focados ali. Conseguimos ver uma coisa ou outra, mas 90% é com foco totalmente naquele quadrado da competição.
OP - Depois de Atenas veio um novo ciclo olímpico e um novo Pan-Americano, desta vez no Rio de Janeiro, onde você ganhou oito medalhas, sendo seis de ouro, duas de prata e uma de bronze. Como foi nadar em casa, com sua mãe gritando seu nome na arquibancada?
Thiago - Foi difícil, eu tive uma agenda bem pesada de rotina de uma prova para outra. Tive que ter muito psicológico para pensar em cada prova aos poucos. Eu não podia abraçar a semana, senão entrava em desespero. Tinha que pensar com calma, com foco na prova do dia e depois as seguintes. Foi muito mais uma parte mental e estratégica. Nas eliminatórias e semifinais, eu sempre dosava um pouco para forçar nas finais. Foi legal porque foi uma competição não só de muita prova, mas também pela questão de estratégia.
OP - A natação requer uma entrega física muito grande. Você citou a quantidade de vezes que vomitou, por exemplo. Como se preparar para um torneio deste grau de competitividade para chegar a um nível físico que resulte em oito medalhas?
Thiago - Ah, esquece. Vem de muitos anos atrás. Você nunca vai ver um atleta que chegou em um Pan-Americano ou Olimpíada que teve um ano de treino. Desde os 12 anos treinando todo dia, vai evoluindo. Então não é assim. Você vai melhorando conforme sua performance aumenta. Aumenta treino, musculação e adiciona muitas outras coisas. Quando muito jovem, tem que tomar cuidado para não ultrapassar a quantidade de treino que a criança aguenta. Senão entra naquele outro lado que muitos param no meio do caminho por tomar muita pancada desde cedo.
E esse é o difícil do esporte, mas também um ensinamento. Principalmente pensando no mundo de hoje em dia, como a molecada está muito imediatista para tudo. Pessoal quer terminar a faculdade e no dia seguinte ser CEO de uma empresa, ser milionário. Então acho que tem faltado muito o esporte nas escolas. Nos Estados Unidos e outros países lá fora fazem, porque o esporte te dá essa noção de um pouco a cada dia. Você nunca vai chegar, treinar um ano e ganhar a Olimpíada. Esse é um dos ensinamentos que o esporte traz pra vida. Hoje em dia, com a internet, esse volume de informação, as pessoas querem tudo muito rápido. Esse é um outro lado que o esporte me ensinou bastante, que é o tempo a tempo.
Se eu tivesse ganhado a medalha de 2004, eu talvez não daria o mesmo valor quanto a que eu ganhei em 2012. Eu teria chegado em dois anos que saí de Volta Redonda e ganhei uma medalha olímpica? Teria sido muito rápido.
OP - Na Olimpíada de Pequim, você chegou mais maduro e melhorou sua colocação nos 200 metros, alcançando o quarto lugar. Mas junto da sua geração tinham outros três atletas geniais: Michael Phelps, Ryan Lochte e László Cseh. O quão difícil era competir contra eles e como isso serviu de incentivo para você?
Thiago - Eles foram únicos. Nós quatro fomos os únicos atletas que nadaram em quatro Olimpíadas e fizeram finais nas quatro. Os únicos quatro, talvez, que seguraram quatro Jogos Olímpicos seguidos. Óbvio, um ou outro já fez, mas os quatro na mesma prova e mesma geração é bem raro.
Eles também me ensinaram os desafios. Se não fosse eles, eu não teria evoluído e crescido da maneira que foi. Se eu tivesse ganhado a medalha de 2004, eu talvez não daria o mesmo valor quanto a que eu ganhei em 2012. Eu teria chegado em dois anos que saí de Volta Redonda e ganhei uma medalha olímpica? Teria sido muito rápido. Eu tive que passar por dois ciclos olímpicos inteiros treinando para chegar nela, e aí você começa a ver o percurso que foi para chegar e começa a ver o valor daquilo.
OP - A Olimpíada de Londres, em 2012 , foi seu ápice como atleta do ponto de vista técnico, físico e mental?
Thiago - Acho que foi um mix de várias coisas que aconteceram. Aquela é uma Olimpíada que eu poderia ter saído com duas medalhas, foi muito perto. Teve a prata nos 400 metros, mas no 200 acabou sendo 14 ou 15 centésimos para o terceiro lugar. Foi um segundo e quarto lugar em Londres, um divisor de águas na minha carreira. O sonho da medalha olímpica e a partir dali muita coisa começou a acontecer.
Veio medalha olímpica, duas medalhas em Mundial, maior medalhista dos Jogos Pan-Americano, ganhei um prêmio da comissão de todos os comitês do mundo como o maior atleta das Américas. Então vieram muitos prêmios após essa medalha olímpica. O fato de eu ter conquistado o sonho de criança de estar naquele pódio realmente fez muita diferença. Acabou me deixando muito mais tranquilo para as outras coisas, tirou um peso das minhas costas.
OP - Para vencer a prata em Londres, você precisou desbancar o Phelps, que na época parecia ser imbatível. Quando você olhou no telão e viu o pódio, qual foi a sensação? Você sentiu na água que estava muito bem colocado na prova?
Thiago - Ali eu já tinha noção. Estávamos muito separados um do outro. No primeiro momento eu nem liguei para o Phelps, meu objetivo era a medalha e não ganhar dele. Meu grande sonho era a medalha. Depois eu fui ver e vi que ele ficou em quarto. Eu brinco que faltou ele em terceiro para a foto (risos), foi só isso que faltou. Foi bem legal fazer parte dessa geração, aprendi demais com todos eles. Tive que me virar, evoluir e crescer em cada detalhe para chegar nesse pódio olímpico. Eu tinha um desafio muito maior que talvez outros atletas. Eu falo que Olimpíada é muito da geração que você está. Então você pode estar em uma geração mais fácil ou como a que eu estive.
OP - Fazer parte dessa geração foi sorte ou azar?
Thiago - A galera pergunta se eu dei azar e eu digo que não, que foi o contrário, dei sorte. Eles me ensinaram bastante como atleta e pessoa para evoluir e me tornar o nadador que eu fui e talvez a pessoa que sou hoje.
OP - Como foi a recepção no Brasil após seu desempenho em Londres? Muito grande?
Thiago - Não foi muito. Dei uma sorte do caramba (em tom de ironia). Sabe qual foi a única Olimpíada não televisionada pela Globo? A de Londres. Os medalhistas não foram para os programas, já que eles não queriam passar a imagem da Record. Teve o SporTV, mas não foi aquela comoção do atleta que ganha ir em 20 mil programas. O grande lance é esse, o pós. Isso foi bem diferente em relação aos outros Jogos e atrapalhou um pouco na questão de patrocínio e visibilidade. Mas independente de qualquer coisa, o grande sonho meu ali era a medalha. Reconhecimento eu tenho das pessoas que tenho que ter. Realmente na época, para patrocínio e outras coisas, deu uma atrapalhada.
Minha última lembrança de cair na água foi com 15 mil pessoas gritando meu nome no Rio, antes de nadar em uma prova que eu estava do lado do Phelps. Foi uma super prova emocionante. Lembro do Michael falando depois: "Cara, foi a prova mais alta da minha vida".
OP - Você foi para a Olimpíada do Rio de Janeiro 2016 decidido a se aposentar?
Thiago - Não, decidi depois muito mais pela sensação. Meus adversários estavam parando, o Phelps iria sair, o Lochte estava indeciso e o László também. Então foi a hora que virei e falei: "Talvez seja a hora de sair". Eu sempre pensei que você precisa saber a hora de cair fora. Atleta é um pouco disso, você está em uma linha aqui em cima, mas qualquer erro pode te derrubar muito rápido. Foi uma decisão muito acertada. Óbvio que só vi o quão acertada foi dois anos depois, ali por 2018, que eu pensei: "Cara, eu saí na hora certinha".
Minha última lembrança de cair na água foi com 15 mil pessoas gritando meu nome no Rio, antes de nadar em uma prova que eu estava do lado do Phelps. Foi uma super prova emocionante. Lembro do Michael falando depois: "Cara, foi a prova mais alta da minha vida". Então acho que foi o momento exato. Não estava decidido, mas foi o momento exato.
OP - Sua mãe ficou muito conhecida pelo apoio na arquibancada, sempre gritando “vai, Thiago”. Você escutava lá da piscina?
Thiago - Eu não escutava. A gente não escuta nada, na verdade. Escutava um pouco antes da prova. Quando a gente está na água, é muito foco. A natação tem muito detalhe, uma virada te coloca ou te tira, um centésimo define um pódio. Minha mãe fala que gritava para não infartar (risos).
OP - Você chegou ao auge do esporte e se tornou referência. Do que precisou abdicar para alcançar esse nível?
Thiago Pereira: O que a galera toda fazia, de curtir, brincar, viajar, tudo isso fez parte da abdicação. Eu até comentei que a idade mais difícil foi entre 12 e 16 anos, porque você não tem muito controle. Se seu pai falar que você não vai nadar e sim estudar, não tem o que fazer. É uma linha que depende do apoio dos pais, principalmente no início da carreira. Depois, com 17 ou 18 anos, disputando Olimpíada, a coisa engatou. Não é que fica fácil, a gente entra em um novo nível de dificuldade, mas facilita por esse outro lado, de poder tomar suas próprias decisões. Lógico, sempre vamos falar com pai e mãe, porém é diferente. No início é muito importante o apoio dos pais, se não é quase impossível.
Sendo bem honesto, ninguém tem um mental tão forte. Tem o documentário do Michael Phelps onde ele fala sobre o problema de saúde mental que ele teve. A americana ginasta Simone Biles, o Giba também teve problema. Eu tive que fazer um pouco de tratamento. É uma coisa que as pessoas precisam parar um pouco com esse paradigma.
OP - Você falou que, na sua época, a questão da saúde mental não era tão debatida. Como você lidava com essa questão?
Thiago - Sendo bem honesto, ninguém tem um mental tão forte. Tem o documentário do Michael Phelps onde ele fala sobre o problema de saúde mental que ele teve. A americana ginasta Simone Biles, o Giba também teve problema. Eu tive que fazer um pouco de tratamento. É uma coisa que as pessoas precisam parar um pouco com esse paradigma.
Acho que aumentou muito mais essa coisa da saúde mental por causa da velocidade das coisas. As redes sociais são boas por um lado, mas por outro têm causado muito sobre isso. É muita comparação com a vida do outro. Está ali o tempo inteiro, na sua mão, você vendo a pessoa fazendo isso ou aquilo, e muita gente não sabe separar aquilo que às vezes não é tão verdade quanto parece.
Tem também o outro lado, das pessoas que meio que ridicularizam. "Ah, estou com um negócio assim", "isso é bobeira", não, não é. Cada um, independente do que esteja sentindo, sente de uma maneira. Nós não somos todos iguais. É um cuidado que precisamos ter cada vez mais. O suicídio tem aumentado também muito por essa questão da saúde mental. Buscar ajuda é mais coragem do que vergonha.
OP - Quando você olha pra trás e relembra tudo que passou para construir a sua carreira, valeu a pena?
Thiago - Valeu demais. Eu, honestamente, não mudaria nada na minha carreira. Muitas pessoas perguntam o que eu mudaria ou faria diferente na carreira. Eu não mudaria nada. É muito fácil o Thiago com 37 anos virar e falar: "Ah, eu teria feito isso com 16, com 17 (anos)". Não era a mesma cabeça. Então é muito difícil, depois de mais velho, querer pensar no que você mudaria naquela época. As atitudes naquelas épocas e de outras me transformaram no que sou hoje.
Eu não mudaria nada, pois eu acho que deu muito certo. Um moleque que saiu de Volta Redonda, que quase morreu afogado, foi morar fora, ganhou medalha olímpica, venceu o Phelps e foi eleito o melhor atleta das Américas. Tive muitas conquistas. Tiveram detalhes que poderiam ser melhores? Podiam, mas estou muito satisfeito porque podia ser o contrário. Então acho que na parte de atleta não mudaria nada, assim como da vida.
Estou com um filho de 4 anos, ele já está nadando. Muita gente pergunta se ele vai nadar, e eu entendo essa pergunta, não é nadar para aprender, é se ele vai nadar na Olimpíada. E eu falo abertamente que, lá em casa, aprender a nadar vai ser obrigatório, mas o que ele vai fazer depois é escolha dele.
OP - Você se aposentou com 31 anos, idade que, para uma pessoa que não é esportista, pode representar o início da vida profissional. Como foi o dia seguinte, os meses seguintes e esses anos após essa decisão?
Thiago - Tem sido um crescimento, de muitas mudanças. Na época tiveram algumas coisas, eu fui moldando. Nadei por 20 anos e o mundo mudou em relação ao que era antigamente. Teve uma pandemia no meio do caminho. Acabei fazendo meio que um pool de negócios. Eu gosto de ver coisas novas. Saí com 31 anos, novo. Poderia ter ficado mais quatro anos? Poderia, mas acho que foi a idade certa.
Tive um aprendizado ali na parte dos negócios, em que é muito difícil de entrar. Acabei investindo em um restaurante e vi que não foi tão bom, perdi um pouco, mas aprendi. E assim fui moldando até conseguir achar algo ideal. Acho que a grande dificuldade dos atletas hoje em dia é não poder ter essa janela. Ter que parar e aceitar uma coisa que talvez você não quer. "Parei, estou perdido, vou dar aula de natação?".
Teve até um grande amigo que parou recentemente, e eu dei essa dica pra ele. "Dá uma chance para o mundo fora, porque a natação sempre vamos poder voltar para esse mercado, temos uma história dentro. Mas dá uma chance para conhecer esse mundo aqui fora, é diferente do que estávamos acostumados". Eu gosto de ter as opções antes de tomar a decisão. Aquela coisa de sair sempre vomitando, é porque eu dava meu limite. Eu nunca saí de uma prova pensando que podia ter forçado um pouco mais. Eu não tinha mais nada. O "se" é uma parada que fica para o resto da vida, não volta nunca mais.
OP - Você serve de inspiração para muitas pessoas, mas quem inspirou o Thiago Pereira?
Thiago - Me espelhei muito no Gustavo e no Xuxa em 1996. Teve a medalha de revezamento deles em Sidney, no ano de 2000. Tiveram esses momentos que foram grandes inspiradores.
OP - Como era a relação do quarteto Thiago Pereira, Phelps, Lochte e o László fora da piscina? Vocês eram amigos?
Thiago - Tinha amizade. Já joguei um pôquer com o Michael (Phelps) em competição, estivemos juntos em Vegas. O Ryan (Lochte) eu tive muito mais contato, porque treinei na Flórida um tempo com ele. Então tive muito mais relacionamento com ele, tenho até hoje, a gente se fala. O László era o que menos falava, era bem quietinho. O Michael falava, mas era bem na dele. Então acabei tendo mais intimidade com o Ryan mesmo.
OP - Para encerrar, se pudesse voltar no tempo e reviver um momento da carreira, qual seria?
Thiago - É Londres, não tem como. Londres, com certeza.
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