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Herói do acesso do Ferroviário, Douglas Dias recorda dificuldades e conquistas da carreira
Reportagem Seriada

Herói do acesso do Ferroviário, Douglas Dias recorda dificuldades e conquistas da carreira

Goleiro de 35 anos, cria do Fortaleza e hoje ídolo do Ferrão, tem longa trajetória no futebol cearense e abre o jogo sobre a realidade de um jogador profissional no Brasil longe dos holofotes

Herói do acesso do Ferroviário, Douglas Dias recorda dificuldades e conquistas da carreira

Goleiro de 35 anos, cria do Fortaleza e hoje ídolo do Ferrão, tem longa trajetória no futebol cearense e abre o jogo sobre a realidade de um jogador profissional no Brasil longe dos holofotes
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Paulista com raízes cearenses, Douglas Dias de Sousa tem o nome marcado na história do futebol do Estado. Cria do Fortaleza, o goleiro passou também pelo Ceará, defendeu Guarany de Sobral, Floresta e Maracanã até chegar este ano ao Ferroviário, onde rapidamente se projetou com status de ídolo. Aos 35 anos, o camisa 1 foi peça-chave na temporada de sucesso do Tubarão, coroada com o bicampeonato nacional.

O experiente arqueiro, que rodou o Brasil para atuar em equipes do Norte, Centro-Oeste e Sudeste, vivenciou diversas realidades salariais e estruturais. Em quase 50 minutos de entrevista ao O POVO, Douglas revelou que nada se compara ao que viveu em 2023 no time da Barra do Ceará: problemas com voos, viagem na véspera de jogo em razão do calendário apertado e até trajeto de barco em Tocantins. Os empecilhos fortaleceram o grupo coral, garantiu o jogador, um dos líderes do elenco.

Com 1,89m, Douglas Dias ganhou notoriedade pelo bom aproveitamento debaixo das traves em cobranças de pênaltis. O ano especial reservou um duelo com o astro uruguaio Luis Suárez, do Grêmio, em que o goleiro levou a melhor e defendeu a penalidade. Também foi a 11 metros dos adversários que o camisa 1 do Ferrão parou dois jogadores do Maranhão e garantiu o acesso à Série C do Campeonato Brasileiro. Um lesão muscular o tirou de combate das finais, mas não abalou o arqueiro: "Com o título brasileiro, coroou como o melhor ano da minha carreira", reforçou.

Douglas jogou também pelo Floresta, Guarany de Sobral e Maracanã (Maracanaú)(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Douglas jogou também pelo Floresta, Guarany de Sobral e Maracanã (Maracanaú)

O POVO - Como o futebol entrou na sua vida? Quais as lembranças que você tem da infância?

Douglas Dias - Sou um cara que veio de São Paulo com 6 anos de idade para cá, só que minha família é toda cearense. E o futebol entrou para mim aos 8 anos de idade. Uma escolinha que tinha lá em Maracanaú, no Acaracuzinho, onde meus pais moram e também os pais da minha esposa. Comecei com 8 anos de idade, depois tive a passagem pelo Floresta e do Floresta que eu fui para a base do Fortaleza, onde eu passei 10 anos. Aí foi o começo do futebol na minha vida.

OP - Aquela sua geração no Fortaleza acabou revelando muitos jogadores, né?

Douglas - Naquela época do Fortaleza, vários jogadores vingaram: Rogério, Leandro, Cleiton, Osvaldo, que foi uma geração depois, mas nós jogamos juntos na base... Quase o time todo. Guto, lateral-esquerdo... Acho que 98% da nossa base virou profissional. Foi uma geração mesmo que... Como diz aqui, uma "carrada" de jogador virou profissional.

OP - E como foi a transição das categorias de base para o profissional?

Douglas - Tive bons treinadores de goleiros, como o Dudu, que foi meu primeiro treinador de goleiro. A gente até brincava com ele, chamando de Dudu "bate fácil". Depois passou para o Guto (Albuquerque), que até hoje ainda está no Fortaleza; e tive o Salvino, que foi um dos caras que me ensinou praticamente tudo que eu sei, um cara a quem sou muito grato. E ele me adotou de um jeito de dar confiança de botar para jogar. Naquela época era muito difícil jogador da base jogar, principalmente goleiro, né? Era difícil, e ele me adotou mesmo, deu essa confiança e, se eu não me engano, na época era o goleiro da base que tinha mais jogos com o Fortaleza. Então, essa minha transição foi bastante legal, porque o Salvino conseguiu me segurar ali no Fortaleza e tinha essa confiança em mim. Foi um excelente começo que eu tive no Fortaleza.

Dois momentos marcantes para Douglas Dias no Fortaleza: quando se tornou profissional, em 2006, e no primeiro campeonato jogando, quando se tornou tricampeão estadual, em 2009(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Dois momentos marcantes para Douglas Dias no Fortaleza: quando se tornou profissional, em 2006, e no primeiro campeonato jogando, quando se tornou tricampeão estadual, em 2009

OP - Você lembra do primeiro jogo no time profissional? Já sabia antes que ia ser titular?

Douglas - Eu sou meio ruim de memória, mas o primeiro jogo foi em 2007. Se eu não me engano, foi Fortaleza x Marília, no PV lotado. Ali foi meu primeiro jogo. Já sabia que ia jogar. Estava treinando, (sabia) que eu ia estrear ali. E nervoso como sempre, né? Menino da base quando vai jogar a primeira partida profissional, PV lotado... Graças a Deus, ali a gente conseguiu uma vitória em cima do Marília. E esse jogo ficou bem marcado pra mim.

OP - Ficou com o sentimento de sonho realizado neste dia?

Douglas - É um sonho de toda criança, chegar no (time) profissional e jogar. Eu era o cara da base que ficava ali fora olhando e falando assim: "Um dia eu vou estar ali treinando no profissional". Aí, quando realiza esse sonho, você chega lá para jogar... Você se arrepia todo para entrar em campo. E um dia feliz, o dia mais alegre, uma alegria que você não sabe nem explicar. Você estar entrando em campo pelo time que te revelou, em casa ainda, seus pais podendo ver. Você ver a alegria no rosto do seu pai, da sua mãe... Os dois me apoiaram bastante. Então foi um dia inesquecível pra mim, uma alegria imensa naquele dia da estreia.

OP - Qual foi o seu melhor momento pelo Fortaleza? Foi o tricampeonato estadual em 2009?

Douglas - Vou te dizer dois principais momentos: foi quando eu subi para o profissional, que comecei a ir para jogo em 2006, que eu tinha ido já no banco na Série A; e 2009, quando foi meu primeiro campeonato mesmo jogando, que aí nós conseguimos chegar ao tricampeonato estadual. Então essas duas lembranças sempre ficam marcadas para mim.

Ao começar a disputa da Série D, conta Douglas, o objetivo era o acesso, só depois de conseguir, foi que veio a busca do título(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Ao começar a disputa da Série D, conta Douglas, o objetivo era o acesso, só depois de conseguir, foi que veio a busca do título

OP - Você foi revelado pelo Fortaleza, passou pelo Ceará, hoje é ídolo do Ferroviário e também passou por outros clubes do Estado. Como explicar essa identificação com os times daqui?

Douglas - Por eu ser paulista, mas com sangue cearense, porque fui criado aqui... É uma satisfação grande você poder jogar, primeiramente, nos três grandes da Capital; passar por um Floresta, fazer história, conseguir colocar o Floresta na Série C, cravar a primeira participação do Floresta na Copa do Nordeste e ser o goleiro também; ser campeão do Interior pelo Guarany de Sobral; fazer uma campanha excelente pelo Maracanã, que é onde eu moro, em Maracanaú... Então é uma realização que o atleta de futebol daqui sente, conseguir ir bem nas equipes. Isso é um sonho se realizando, você fazer história dentro do Estado, não só dentro de um clube.

OP - Como é a realidade de um jogador de futebol em clubes mais modestos, com dificuldades financeiras e estruturais?

Douglas - A realidade de Série D e Série C é totalmente diferente da (Série) B e da (Série) A. Agora a C está dando uma melhorada, agora, em relação à D, é totalmente ao contrário das outras divisões. Ninguém vê. A gente pega balsa para atravessar para ir a uma cidade jogar, pega, sei lá, duas horas de estrada de chão para poder chegar na cidade para poder jogar uma Série D, pega voos que têm duas, três paradas. Voos de madrugada direto. Essas divisões são bastante difíceis. Eu até digo que de todas as divisões, a mais difícil é a D, porque é uma competição em que você não pode, em nenhum momento, oscilar. Se você chegou no mata-mata e oscilou, está fora. E aí você tem que estar bem sempre. Então tem que brigar com logística, distância de cidades... Então tem muita dificuldade.

OP - Você já tinha vivido alguma temporada com tantas dificuldades na logística de viagens como em 2023?

Douglas - Foram as (experiências) mais difíceis que eu tive em relação à logística. Culpa do Ferroviário? Não. Infelizmente é a CBF que manda o calendário. Aí você pega outro jogo lá no Sul, para voltar para cá para jogar em cima... Essas logísticas atrapalham bastante. Talvez a lesão que eu tive esse ano foi por causa de logística, de passar quatro noites sem dormir para poder voltar para casa, e isso ocasiona o cansaço. Isso atrapalha bastante. O Ferroviário sempre estava tentando fazer o melhor para a gente.

Não vou te dizer em relação a sair daqui para jogar contra o Grêmio (em Porto Alegre), porque aí a logística já é diferente na Copa do Brasil, mas sair daqui para o interior do Maranhão, interior de Teresina... Isso atrapalha demais. E para você não perder o foco em relação a isso aqui, tem que ter o foco ligado nos jogos, tem que esquecer isso. E isso a gente tinha muito, sabia que Deus estava estava nos proporcionando essas... Coisas boas, então a gente não podia esquecer de Deus.

Essas coisas ruins vinham, mas a gente já estava respaldado ali, sabe? Que Deus estava preparando coisa boa para nós. Cada vez que vinham essas dificuldades de logística, essas coisas, a gente dizia: "Isso aí é coisa que vai dar certo lá no final, vai valer a pena". E automaticamente valeu a pena.

Douglas Dia nasceu em São Paulo, mas é de família cearense. Voltou ao Estado aos 6 anos(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Douglas Dia nasceu em São Paulo, mas é de família cearense. Voltou ao Estado aos 6 anos

OP - Esses momentos serviram também para reforçar a união do elenco?

Douglas - Cara, vou te falar: um dos melhores grupos de você trabalhar era esse. Às vezes a gente estava... O ônibus atrasado e todo mundo conversando, de boa, sem ninguém chateado. O voo cancelava, você estava lá de boa no aeroporto, todo mundo brincando. Quando o grupo está focado, isso ajuda bastante, esses obstáculos não chegavam a atrapalhar.

OP - O ano de 2023 foi o melhor da sua carreira?

Douglas - Esse ano foi um dos melhores da minha carreira, e isso foi coroado com um título. Na minha idade, 35 anos... Muitos achavam, no ano passado, que eu ia parar (de jogar), tive momentos, talvez, de parar, e Deus me deu a oportunidade de dar a volta por cima esse ano. Essa sequência de jogos ajuda bastante. Você ficar mais confiante dentro dos jogos, dentro da equipe também, conseguir passar segurança para os seus companheiros. Essa sequência de jogos grande ajuda bastante nisso.

OP - O Ferroviário já entrou na Série D pensando em conquistar o bicampeonato ou o objetivo inicial era o acesso?

Douglas - Quando a gente começou a Série D, nosso principal objetivo era o acesso. A gente não podia já pensar em título sem antes ter acesso, porque sabíamos que era muito difícil. E quando conseguiu o acesso foi que a gente falou: "Agora vamos em busca do título". E do acesso até o título, é campeão quem se concentra mais. No outro dia (após o acesso à Série C), a gente já estava viajando para poder jogar a semifinal. Não deu tempo nem de comemorar o acesso, a gente já estava viajando para poder jogar a semifinal. E isso ajudou a gente a se manter mais focado: "Vamos buscar agora a cereja do bolo para coroar mesmo o ano do Ferroviário".

Douglas expressa sua satisfação com a volta da torcida do Ferroviário aos jogos. Diz que deu uma alegria imensa, conseguir restaurar essa alegria do torcedor (Foto: Mateus Lotif/Fortaleza EC)
Foto: Mateus Lotif/Fortaleza EC Douglas expressa sua satisfação com a volta da torcida do Ferroviário aos jogos. Diz que deu uma alegria imensa, conseguir restaurar essa alegria do torcedor

OP - Qual foi a importância do trabalho do Paulinho Kobayashi para o sucesso do Ferroviário em 2023?

Douglas - Foi um dos caras que formou o elenco também, então o trabalho dele foi muito importante. É um cara que escutava os atletas, entendia as situações que tinham, os obstáculos que apareciam, as dificuldades. Foi um cara que jogou também em alto nível, então quando apareciam essas coisas, ele já tinha uma solução. E o trabalho do dia a dia deixava o jogador querendo mais. Você não vinha com aquela coisa: "Vixe, vou ter que ir novo". Era sempre: "Amanhã a gente tem que estar aqui de novo treinando". Era um cara que sempre incentivava, ajudava, companheiro, e isso foi a diferença dele também aqui no elenco do Ferroviário. Todo mundo conseguia jogar para ele.

OP - No jogo do acesso, contra o Maranhão, vocês sofreram um gol nos minutos finais, mas conseguiram empatar e levar para os pênaltis. Em algum momento você temeu pelo pior?

Douglas - Assim, não vou te dizer (que senti) medo porque nós tínhamos a confiança. Nós sabíamos que tínhamos que lutar até o fim e já tínhamos provado em alguns jogos que nós lutávamos até o fim. A gente tomou o gol aos 46 (minutos do segundo tempo), mas não deixou sentir. Então acho que a balsa foi que deu mais medo (risos), porque a gente tomou o gol aos 46, mas tinha tempo ainda e sabia que a gente ia lutar até o final do jogo. Agora quando acabasse, aí não, se não conseguisse o empate, ia dar aquele impacto na gente.

Se a gente tivesse sentido o baque naquela hora que tomou o gol, não teria conseguido empatar, mas a gente sabia que ia lutar. Já tinha acontecido em vários jogos que a gente lutou e empatou no final do jogo. Então a gente tinha tempo para poder lutar ainda e Deus abençoou com aquele gol, conseguimos levar para os pênaltis e conseguir o acesso.

OP - Além dos gols decisivos, qual é a importância do Ciel fora de campo?

Douglas - O Ciel é um líder. Líder dentro de campo e fora também. O Ciel é uma referência para a gente, é um cara que gosta de resolver as coisas para o atleta, de estar ali junto, dando conselho. Fora de campo ele é desse jeito e dentro de campo é um cara que está sempre pedindo, cobrando para o cara poder dar o seu melhor. Ele foi muito importante mesmo no grupo para a gente conseguir o acesso e o título.

O goleiro do Ferroviário que 2023, aos 35 anos, viveu um dos melhores anos da carreira, coroada com o título da Série D(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES O goleiro do Ferroviário que 2023, aos 35 anos, viveu um dos melhores anos da carreira, coroada com o título da Série D

OP - E a tônica do Ferroviário de emoção até o final dos jogos no mata-mata da Série D?

Douglas - Principalmente no mata-mata. Contra o Princesa foi do mesmo jeito... A única explicação que a gente tem para isso é que foi a mão de Deus ali, nos ajudando. Naquele jogo contra o Princesa, faltava um minuto, já dava para acabar o jogo, a gente estava perdendo de 1 a 0, e aconteceu a situação de o gândula segurar a bola demais, e o juiz deu mais um minuto. Foi a mão de Deus no elenco. Quando não dava no olho humano, Deus ia lá, e acontecia alguma coisa para a gente conseguir fazer o gol no final.

OP - Você brilhou no jogo decisivo do acesso, mas acabou se lesionando na semifinal e não jogou as finais. Qual foi seu sentimento e como foram as conversas com o Igor Rayan, que terminou como titular?

Douglas - Um negócio impressionante, você jogar o campeonato todinho e quando chega na final, você não jogar, né? Mas é o cansaço que eu falei, quatro noites sem dormir por causa de logística. As semifinais e finais estavam para ser em fins de semana, e a CBF encurtou, e a gente precisava atravessar o país para poder jogar uma semifinal. Isso pesou bastante. Tentei voltar ainda no último jogo, não consegui de nenhum jeito. Tentei forçar, mas não consegui.

Mas eu sei que foi coisa de Deus, foi uma oportunidade para o Igor também jogar. Foi um cara que chegou para nos ajudar. Eu senti que era oportunidade que Deus estava dando para ele também mostrar o futebol dele. Tudo tem seu propósito, não foi à toa eu ter ficado de fora, mas também fiquei feliz por poder ter ajudado a conseguir o acesso, ajudado o Ferroviário a chegar em uma final. Estava ali no banco torcendo, agoniado. Prefiro estar jogando e até ir para os pênaltis do que ficar ali no banco, porque você não consegue fazer nada ali no banco, mas graças a Deus deu tudo certo. Terminei feliz do mesmo jeito.

OP - Depois do título, você entrou no gramado, foi aplaudido pela torcida, teve o nome gritado, acenou de volta... O que passou pela sua cabeça naquele momento?

Douglas - Passou a minha história do ano passado, que eu estava no Floresta e não consegui jogar nenhum jogo na Série C e só consegui jogar no final do ano. Passou a história todinha, de não poder jogar, ter tido contusão, pegando chikungunya, cortado o pé... E esse ano Deus estar me coroando com essa história aqui no Ferroviário. Ali foi a história todinha, e o pessoal gritando meu nome... Só gratidão. Gratidão por Deus por ter me colocarado aqui e pela torcida, por ter me acolhido muito bem.

OP - Nos jogos decisivos da Série D, a torcida do Ferroviário compareceu em bom número no PV. Isso serviu de incentivo para vocês também?

Douglas - Dava para ver nítido que, no começo do ano, iam poucos torcedores para o estádio e com fruto do nosso trabalho, a gente conseguiu trazer o torcedor de novo. Eu lembro de quando jogava contra o Ferroviário na base, ia ser uma preliminar, eu olhava o estádio e a torcida do Ferroviário lotava o PV. Na final (da Série D) eu vi aquela mesma cena. E dessa vez por causa da gente.

Deu uma alegria imensa, conseguir restaurar essa alegria do torcedor do Ferroviário. Você vê muita criança torcendo pelo Ferroviário por causa dos nossos feitos. Isso deu uma alegria e espero que no ano que vem seja daí para mais, para a torcida do Ferroviário estar apoiando a gente sempre. Eu quero sempre ver aquele PV lotado, Castelo lotado com a torcida do Ferroviário.

OP - Você já tinha renovado contrato com o Ferroviário até o final de 2024. O objetivo é permanecer mesmo?

Douglas - Quando acabou a Copa do Nordeste, me chamaram para renovar. Eu renovei com o Ferroviário até o final do ano que vem, então já tenho contrato, estou começando os preparativos para me apresentar no final do ano. Eu permaneço no Ferroviário e, se Deus permitir, vai ser um ano melhor ainda.

OP - O que o Ferroviário deve fazer para ter sucesso na Série C do próximo ano?

Douglas - Por experiência, de ter jogado Série D, Série C, também Série B... Tem que formar um time forte, competitivo, que seja parecido com esse nosso, brigador, de não desistir até o final do jogo. Esse é o segredo para poder formar um elenco para fazer um excelente ano.

Douglas no jogo Ferroviario x Caxias do Sul, pela semifinal da Serie D do Campeonato Brasileiro, no Estadio Presidentes Vargas(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Douglas no jogo Ferroviario x Caxias do Sul, pela semifinal da Serie D do Campeonato Brasileiro, no Estadio Presidentes Vargas

OP - Você faz algum trabalho especial para ser um goleiro pegador de pênaltis? Além de ser decisivo contra o Maranhão, você também defendeu uma cobrança do Luis Suárez, do Grêmio...

Douglas - Eu nunca pensei em ser um pegador de pênalti. Quando eu surgi no futebol, quem estava no auge era o Dida, goleiro do Milan, do Corinthians, e era um cara pegador de pênalti. Só que nunca passou na minha cabeça: "Ah, vou ser pegador de pênalti". Isso aí é fruto do trabalho que eu sempre fiz, desde a minha base até agora, talvez muito trabalho de explosão, de força, saber ler o atleta na hora de bater o pênalti, em cobrança, na hora do jogo... Eu acho que isso foi criando, não foi específico. "Vou trabalhar para ser pegador de pênalti". Não, isso fluiu naturalmente.

E sobre o pênalti do Suárez, talvez seja o sonho de muito goleiro, principalmente os mais novos... Um cara que jogou no Barcelona junto com Messi e Neymar, pegar um pênalti do cara. É uma história que eu vou contar para o resto da vida, né? No momento ali, consegui ler o que ele estava talvez pensando, de mudar o pênalti, que eu vi muito pênalti dele (com chute) cruzado. Eu achei: "0 a 0 o jogo, ele vai querer bater diferente". Consegui pegar o pênalti dele e foi um dos dias inesquecíveis para mim também.

OP - O Kobayashi conseguiu passar a temporada inteira no Ferroviário, o que rendeu frutos positivos. Este também foi um dos fatores do sucesso?

Douglas - Eu sou a favor de dar oportunidade para o treinador no ano todo. Você vai contratar pelo que ele sabe fazer. Se ele chegou, começou a não dar certo, você já vai largar? Não, tem que continuar, porque você sabe o potencial do cara. Então acho que isso foi um diferencial do Ferroviário, ter deixado o Kobayashi do começo até o fim, porque todo mundo já conhecia ele, o trabalho dele, e isso ajudou a chegar até o final e ser campeão.

OP - Você consegue apontar o pior e o melhor momento da sua carreira?

Douglas - Um dos momentos mais difíceis que eu tive foi em 2008, quando eu estava jogando minha primeira partida (do ano) pelo Fortaleza, rompi o ligamento do joelho e me deixou o resto do ano todinho sem jogar. Naquele momento eu achava até que não ia andar mais, era novinho, mas tive um cuidado especial dos fisioterapeuta do Fortaleza. E acho que esse foi um dos momentos que tive de difícil na minha carreira. E também no ano passado, que quase chegou ao fim dela, né? Eu não tive tanta lesão, só uma, mas de tanta coisas que aconteceram durante o ano: peguei Covid, cortei o pé no banheiro do hotel, na concentração, passou muito tempo para poder cicatrizar, peguei chikungunya, passei duas semanas de cama, nem me levantava... Acho que esses foram os dois momentos mais difíceis que eu tive na carreira.

(O ano de 2023) estava andando para ser o melhor e agora, com o título brasileiro, coroou como o melhor ano da minha carreira. Um título nacional, que poucos atletas têm... Coroou o melhor ano.

O goleiro Douglas Dias jogou nos três grandes clubes da Capital cearense. A do Ferroviário, passou por Fortaleza e Ceará(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES O goleiro Douglas Dias jogou nos três grandes clubes da Capital cearense. A do Ferroviário, passou por Fortaleza e Ceará

OP - Por outro lado, com tantos jogos e viagens, vocês acabam ficando longe da família em muitos momentos. Esse é o lado ruim da carreira?

Douglas - Eu já tenho vários anos de profissional do futebol, e isso é uma das coisas que geralmente o jogador sente bastante, por ter que viajar direto, às vezes você passa a semana sem ver a família. A pessoa sente muito. "Ah, mas acostuma, muitos anos". Não tem como acostumar. Mas você tem que deixar de fazer algumas coisas para poder usufruir depois. Isso que acontece com o jogador do futebol. Você deixa de estar com a sua família no final de semana, uma noite, para dormir na concentração, para poder usufruir.

Quando dá certo durante o ano, que você consegue todos os objetivos, quando chega nas férias, você chega com ar de dever cumprido. E aí vai curtir sua família, por isso que você vê muitos jogadores que vão viajar com a família, sempre estão com a família. Tem que abrir mão de alguma coisa para poder conquistar outra. E essa é a vida do jogador: abrir mão de estar com a família para poder estar aqui. Quando você pega um grupo que nem esse do Ferroviário, que aqui virou uma família, começa a sentir um pouco menos, entendeu? Todo mundo gostava de estar junto também, isso ajudou bastante.

Douglas Dias começou a jogar aos 8 anos de idade, em uma escolinha em Maracanaú, no Acaracuzinho, onde os pais moram (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Douglas Dias começou a jogar aos 8 anos de idade, em uma escolinha em Maracanaú, no Acaracuzinho, onde os pais moram

OP - Qual o seu principal sonho com o Ferroviário agora? Já pensou em novas metas?

Douglas - Colocar o Ferroviário na Série B. Tenho outras: ser campeão estadual, ir bem numa Copa do Nordeste, quem sabe chegar nas finais, a gente sabe que tem condições. Mas o sonho maior é conseguir deixar o Ferroviário numa Série B, porque é um canto que era para o Ferroviário estar. Não era nem para estar numa D. Um sonho é colocar o Ferroviário na Série B.

OP - Aos 35 anos, você já pensa em aposentadoria ou está igual ao Ciel? Pretende continuar no futebol depois que parar de jogar?

Douglas - Eu estou que nem o Ciel. Converso muito com ele e falo assim: "Rapaz, eu não boto data, vou jogar mais dois, três anos, não". Eu vou até onde Deus falar: "Vai, pode ir". Quando Deus falar assim: "Não, está bom, chega", quando eu ver que já estou atrapalhando nos treinos, não estou aguentando mais treinar, aí sim, talvez seja a hora de parar. Mas eu só vou pensar nisso daqui a uns 10 anos, aí eu penso em parar.

Antigamente eu não queria (continuar no futebol), mas hoje em dia eu já começo a pensar. Na área mais de supervisão, coordenação, talvez nessa área de organizar as coisas, eu gosto muito das coisas organizadas. Talvez nessa área pode ser que eu me interesse pra continuar. No campo, não. Não tenho perfil de treinador, treinador de goleiro também não tenho perfil. Talvez seja mais na parte de diretoria que eu tenha vocação para isso.

Douglas Dias narra a dificuldade logística de jogar na Série D: voos com muitas escalas, viagens de barco, percurso de ônibus por estradas de terra batida e longas distâncias(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Douglas Dias narra a dificuldade logística de jogar na Série D: voos com muitas escalas, viagens de barco, percurso de ônibus por estradas de terra batida e longas distâncias

OP - Você lembra de algum momento marcante no decorrer da temporada, que talvez tenha sido uma virada de chave para os bons resultados?

Douglas - Tiveram vários. Momentos de logística mesmo, de voo cancelado, atravessar um rio, o ônibus não enganchar a balsa e tem que atravessar todo mundo num barquinho pequenininho, todo mundo unido, brincando. E isso eu falava assim: "Cara, isso é coisa de time campeão". As dificuldades vindo e a gente lá tranquilo, de boa, ninguém reclamando. Eu acho que essa foi a diferença também do elenco, são atitudes de um time que vai chegar. E automaticamente, no final do campeonato, a gente mostrou que era isso mesmo.

A gente teve tantos (momentos) durante o ano todo, para lembrar de um é complicado... Mas eu lembro de um dia que a gente estava aqui, depois do treino da tarde, e o ônibus atrasou para ir para a concentração. A gente ficou aqui mais de uma hora, duas horas esperando o ônibus, e todo mundo começou a sentar nos banquinhos, começando a tocar violão, batucar, louvar e agradecer a Deus.

Esse ficou marcante na minha memória. Um momento que, em qualquer outro canto, o povo ia estar reclamando porque estava atrasado, que ia chegar tarde no hotel. E esse momento ali foi marcante porque todo mundo nem estava ligando, estava era torcendo para o ônibus atrasar mais e poder continuar ali. E isso ficou marcado. Ali que a gente viu que esse ano ia ser totalmente diferente. 

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