No último mês de agosto, Onélia Leite Santana recebeu a Medalha Amigo da Primeira Infância, na Câmara dos Deputados. Uma homenagem pela idealização e execução do programa Mais Infância Ceará, quando era primeira-dama do Estado, por sete anos e três meses, no mandato de Camilo Santana (2015-2022).
No mesmo dia, ela passou a integrar o grupo de trabalho formado para desenvolver a política nacional para primeira infância, instituído pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável, vinculado à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.
Em março, quando foi anunciada a volta do programa Bolsa Família, a principal novidade foi o Benefício Primeira Infância, adicional de R$ 150 para 8,9 milhões de crianças de zero a seis anos. A inspiração foi a política cearense, conforme citou na solenidade o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias (PT). No início do ano, ele havia se reunido com Onélia para conhecer as ações do Ceará.
Desde que Camilo deixou o governo, Onélia se tornou secretária da área de Proteção Social. O carro-chefe segue sendo a primeira infância. Com Elmano de Freitas (PT), ela segue secretaria. E a política de combate à fome ganha também protagonismo.
Nesta entrevista, Onélia conta sobre o trabalho realizado na área bem antes de ser primeira-dama, quando ainda nem era casada com Camilo. Fala sobre as origens no Cariri e o contato com as políticas para a primeira infância. E sobre como atravessou os momentos mais difíceis do governo ao lado do então governador.
O POVO - Seu trabalho na área de assistência social teve visibilidade estadual como primeira-dama, mas começou antes, em Juazeiro do Norte, como secretaria de Assistência Social, Trabalho e Cidadania.
Onélia Leite Santana - Foi uma base muito importante. Ali eu adquiri vivências, aprendi muito. Fui secretária do Meio Ambiente e depois fui Secretária da Assistência Social do governo do PT, do (Manoel) Santana (prefeito de 2009 a 2012). Ainda nem era casada com o Camilo. Tinha 20 e poucos anos e foi bem desafiador. Muito jovem, mas me encheu de experiência. Eu devo muito a tudo isso que eu vivi no Município de Juazeiro do Norte. Na época lançamos o Leite Fome Zero. Fizemos um trabalho com catadores, pessoas que trabalhavam com reciclagem. Uma história toda construída ali no município de Juazeiro do Norte, onde eu nasci.
OP - Sua trajetória da infância até o início da vida profissional foi no Cariri.
Onélia - Fiz faculdade na Universidade do Regional do Cariri (Urca) no Crato. Minha mãe também se formou lá no Crato. Sou filha de dois servidores públicos. Minha mãe é da área da educação e meu pai da área da Secretaria do Desenvolvimento Agrário, antiga Epace (a extinta Empresa de Pesquisa Agropecuária do Ceará). Perdi meus pais aos cinco anos de idade. Fui morar com a minha tia, que hoje é a minha mãe. Minha tia é a irmã mais velha do meu pai. Ela criou os quatro filhos com muito amor, muito zelo. E nós temos na figura dela nossa mãe. Ela foi nos orientou muito bem. Administrou toda toda parte financeira, mas especialmente muito amor, muita fé em Deus.
A religiosidade é muito presente na região do Cariri. Aquela fé em Padre Cícero, aqueles movimentos importantes que são bases muito importantes, que a gente carrega durante toda vida. Eu fazia faculdade na Urca, conheci o Camilo. O Camilo já tinha uma trajetória na política. Nos conhecemos, começamos a namorar. Depois de cinco anos, a gente casou. E foi só ascensão aí, né? (Risos). Depois que eu conheci o Camilo, a gente namorando ainda, ele passou no concurso do Ibama. Depois ele foi secretado do Cid (Gomes), do Desenvolvimento Agrário. E aí a gente casou, aí tivemos o Pedro. No mesmo ano, ele foi o deputado estadual mais votado. Depois secretário das Cidades. Aí tivemos a Luiza. Aí depois o Governo do Estado. Primeiro e segundo mandato, depois veio o José e aqui estou.
Como sou da região do Cariri, convivi com muitos desafios. A pobreza muito presente. Claro que nós tivemos grandes avanços. Se a gente vê o que a gente tem hoje, os avanços que nós tivemos na história do Brasil, na história do Ceará, ao longo desses desses anos, realmente foram grandes avanços. Claro que ainda há muitos desafios e é por isso que aqui estou, porque a luta continua. Mas aprendi muito quando secretária lá em Juazeiro do Norte. Depois eu fui técnica do Paic (Programa Alfabetização na Idade Certa), na Regional, da Crede (Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação) 18, no Crato, que acompanha 12 municípios.
Era técnica acompanhando o Paic, que que é a minha área, educação. Fiz o monitoramento dessas famílias, viajava para esses municípios, conhecendo a realidade dessas crianças. Por exemplo, tinha crianças em locais bem distantes, estradas carroçais, numa casa ali estava a escola e ali tinha uma professora com muito amor, uma sala de aula com 20 alunos lendo e escrevendo aos 6 anos de idade. E eu vi outras realidades, muitas vezes a escola extraordinária, com todas as condições e muitas vezes as crianças ainda não com aquela evolução naquele momento.
OP - Como era lidar com a área social em Juazeiro do Norte, com a realidade de um local que recebe tantas pessoas de fora em determinadas épocas do ano, e gera impactos?
Onélia - Juazeiro é diferenciado, porque tem os romeiros que vão visitar o Padre Cícero e que ali ficam. Se instalaram em Juazeiro romeiros de Alagoas, de outros estados, começaram a ser comerciantes, foram montando ali suas vidas. E também de cidades vizinhas. A família do meu pai é de Aurora. E foram estudar na região ali do Crato e em Juazeiro. E ali se instalaram, casaram, tiveram seus filhos. Juazeiro tem essa história, esse costume de acolher os romeiros, acolher as pessoas que moram na região do Cariri e passam a morar em Juazeiro do Norte, ali para começar a vida, para estudar.
Juazeiro tem muito isso, um povo muito trabalhador, de muita fé. Temos a Romaria de Finados e de Nossa Senhora das Dores. São duas romarias muito fortes, muita gente. Dia 20 de janeiro também, que é o aniversário do Padre Cícero. Também ali é o berço da nossa cultura, do nosso artesanato. Naquela região, você vê o Mestre Noza, Espedito Seleiro, o que temos de melhor na xilogravura, esculturas em madeira, em ferro, na palha. Também muito forte na música. A banda cabaçal, que é centenária.
A região do Crato é uma riqueza de cultura. Também vivi muito no Crato, porque fiz faculdade lá. Trabalhei na Crede 18, que também é no Crato, e casei e fui morar em Barbalha, que é uma cidade maravilhosa, também. Morei ali na Chapada do Araripe, ouvindo os passarinhos. Ali onde a gente casou, teve nossos filhos. Não fizemos festa de casamento. A gente preferiu, como era ano de eleições, fazer uma coisa mais intimista. Mas mesmo assim teve uma surpresa para todos nós e teve uma festa na rua, com fogos, com banda, com bolo no meio da rua. A carreata, um casamento atípico, bandinha de música. Foi bem bonito. E aí casamos, tivemos o Pedro, na região do Cariri.
O Camilo, com a eleição de deputado, enfim, acabou que eu tive de vir para Fortaleza e aí começaram outras trajetórias. Fui coordenadora do Centro Vocacional Tecnológico (CVT) Portuário. Coordenei o centro por quatro anos. Essa minha vocação da parte tecnológica, qualificação profissional, entender que o ciclo de pobreza é multidimensional, não é uma coisa específica, pelo contrário, é muito amplo. É necessário atacar com estratégias da qualificação profissional, estratégias que a gente possa dar é empoderamento econômico a essas famílias. E a gente só pode dar empoderamento econômico pela educação com qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho. Foram experiências que eu vivi antes de estar a primeira dama do Estado.
OP - O Camilo foi candidato a prefeito duas vezes, em Barbalha, em 2000 e em 2004. Vocês se conheceram entre uma eleição e outra?
Onélia - A primeira eleição (2000), eu não conhecia o Camilo. Eu conheci o Camilo no final da segunda eleição (2004), pós-derrota (risos).
OP - A senhora tinha qual envolvimento com política?
Onélia - Era do centro acadêmico na Universidade Regional do Cariri. Tinha sim uma militância, inclusive conheci o Camilo no meio de uma greve da Universidade (risos). Eu era do grupo também da Iris Tavares (que foi candidata a prefeita de Juazeiro do Norte em 2000), que era professora da universidade e à época ela era deputada estadual, aquela época com muitos feminicídios na região do Cariri, aquela luta, e a gente estava junto. Olha eu não vou nem contar muito o passado, que tu vai morrer de rir (risos).
OP - Então conte!
Onélia - Eu era simpatizante do Psol, tu acredita? Do PSTU. Eu tinha um professor que era do PSTU, que é o Fábio José, que inclusive era vereador do PSTU em Juazeiro. Eu frequentava as reuniões na casa dele. Nunca fui filiada ao PSTU, mas ele, por ter sido meu professor, acho que influenciou bastante. Eu frequentava bastante o PSTU. É tanto que as pessoas dizem que eu passei a ser mais a ir para o PT depois do Camilo, de conhecer o Camilo. E realmente foi. A universidade também instiga muito.
Eu devo muito à Universidade Regional do Cariri. Tudo que eu penso, tudo que eu sei. Faz parte de tudo que eu sonho de um mundo melhor, eu acho que eu bebi dessa dessa fonte que foi Universidade Regional do Cariri, com excelentes professores. Eu fiz Letras na Universidade Regional do Cariri, depois que eu fiz Psicopedagogia Clínica aqui na Unichristus. Depois fiz MBA na PUC, depois fiz o doutorado. Fiz também um curso na Universidade de Harvard. Mas tudo que eu vivi desde a Universidade Regional do Cariri, estar secretária tanto do Meio Ambiente quanto da Assistência Social foi muito importante para minha carreira. Foi a base. Eu saí da Assistência porque eu vim morar em Fortaleza.
OP - A gestão do Santana foi a primeira do PT lá em Juazeiro do Norte, e teve muito conflito.
Onélia - Foi bem desafiadora. O Santana eu acho que é um cara extraordinário, um cara inteligentíssimo. Médico dermatologista, muito focado nas teorias de Karl Marx. Lutou a vida inteira para ser prefeito, a gente naquela militância toda, ele foi prefeito, a gente seguiu firme. Mas, quando se deparou com o sistema, houve grandes confrontos do prefeito que ele imaginava, das ideologias que ele pregava até ser o candidato e a posse do prefeito, com a realidade, com o próprio sistema. Ele não não conseguiu se firmar ao sistema, ele tinha de se enquadrar a determinadas situações que ele não conseguia, por mais que tivesse alguém do lado dele aconselhando, dando apoio. Mas ele era aquilo que ele imaginava e pronto. E ele agia sem pensar, digamos assim. Passava na rua, o pessoal chamava de ladrão, ele não suportava. Entre outras coisas. Aí aquele acirramento político muito forte começou a bater. Enfim, faltou eu acho que aquela coisa de unir. Uma coisa é ser candidato. Outra coisa é estar à frente de uma gestão. Você tem que juntar. Essa coisa de dividir, de estar atirando pedra para todo lado, não faz uma boa gestão. Tem que ter diálogo, sem diálogo não faz gestão. É necessário diálogo e eu acho que foi isso que faltou muito nele. Mas é um cara extremamente trabalhador, honesto, inteligentíssimo, mas não foi, talvez o equilíbrio emocional não permitiu que ele desse continuidade a esse projeto que ele sonhou tanto.
OP - Como foi trabalhar naquele momento no Paic?
Onélia - No comecinho, bem no início, não tinha nem todos os municípios ainda. Era adesão. Começou os municípios aderindo, 20, 40. Foi naquele iniciozinho da formação, da parceria com os municípios. Foi lançado e os municípios iam fazendo adesão aos poucos, até chegar aos 184. O Cariri foi a região que mais aderiu ao programa e a gente fez esse acompanhamento desses municípios. O Paic tem a formação, tem todo o material didático-pedagógico e o acompanhamento através das Regionais de educação. A gente fazia esse acompanhamento para saber se a prática pedagógica estava sendo de acordo com a formação.
OP - Naquele começo já se vislumbrava o que o Paic poderia ser, hoje a vitrine das políticas públicas do Ceará?
Onélia - Eu estava iniciando minha carreira. A Izolda (Cela) estava secretária de Estado no governo Cid Gomes. Eu era apenas uma técnica, uma formiguinha lá naquele município, ali na região do Crato, engatinhando ali, conhecendo junto àqueles municípios. Eu vi a transformação. Quando a gente via os indicadores. E não só os indicadores, os resultados das provinhas, mas também a metodologia, a didática pedagógica, que era outra, completamente diferente. Todo o material pedagógico, formação de professores e o acompanhamento pelas Regionais de Educação. É uma injeção potente de estratégias. É diferente estar ali o professor, meio que solto, sem aquele direcionamento. Foi pegando, foi evoluindo. Os municípios viram que os resultados dos alunos estavam crescendo. O jeito que tinha era aderir, porque senão ia ficar para trás. Eu ainda na minha fase bem inicial da minha vida profissional, eu percebia que realmente era impactante o resultado. Talvez tenha sido por isso o meu desejo, também, de hoje gostar da pesquisa, ser pesquisadora. Eu gosto muito da pesquisa, avaliação de impacto de políticas públicas. Isso me encanta também e eu acho que talvez tenha estimulado a gostar desse lado.
OP - E como foi a experiência no CVT?
Onélia - A gente fazia um trabalho com tudo ali, Titanzinho, Santa Terezinha, toda aquela parte ali em cima. Eu grávida da Luiza, eu subia tudo ali, falava com a comunidade. Dava entrevista, tinha uma rádio lá, não sei se ainda tem hoje, mas tinha uma rádio lá, dava entrevista lá, subia com eles. Nunca aconteceu nada dentro do CVT Portuário. Mas acho que a base foi lá na região do Cariri. É meu berço.
OP - Quando se torna primeira-dama, a senhora já tinha o trabalho na assistência social, que é algo convencional para primeiras-damas, mas dedicou foco na primeira infância. Como chegou a isso?
Onélia - Vivência, como eu te falei. Vivi a campanha eleitoral e, antes disso, aquele momento em que eu trabalhei lá na Assistência Social no município de Juazeiro do Norte, eu conheci a realidade das crianças. Eu vi. Hoje, para crianças, 5 anos é a obrigatoriedade e a gente percebe que as crianças estão no centro da educação infantil. Hoje o Estado do Ceará tem 98% de crianças de 4 a 5 anos matriculados na educação infantil, mas até chegar tinha um gap aí de 0 a 4 anos. Quando a criança está na escola, está se alimentando bem, ali está o professor que está sendo orientado, tem a família que está sendo acompanhada. Mas eu vi que da gestante até a escola, até os cinco anos, tinha uma falta de acompanhamento do Estado, das políticas públicas ali. E foi onde eu vi que realmente tinha necessidade de implantar uma política pública nessa faixa etária.
Tinha o Paic, a partir do primeiro ano, aos seis anos, que antigamente se chamava Alfabetização. Depois do ensino fundamental vem o ensino médio, governos Lula e Dilma (Rousseff) com injeção, escolas profissionalizantes, o governo Cid, depois a ampliação disso no governo Camilo. Mas de 0 a 5 anos e 11 meses, que é justamente o período da primeira infância, o período mais importante do ser humano, onde o cérebro do bebê está em pleno desenvolvimento, onde nós adquirimos todas as nossas potencialidades, e alguns colocam que é o nosso chão.
A infância, a primeira infância é o chão que nós pisamos durante toda nossa vida. Estava descoberta. Por isso eu entrei nessa área. Camilo assumiu o governo em 2015. Nós criamos um grupo, fizemos uma imersão no hotel, dois dias com prefeitos, primeiras-damas, secretários de Assistência dos municípios, professores da Educação Infantil, agentes comunitários de saúde, secretários de Estado de Saúde, Educação e Assistência. E alguns prefeitos que já tinham experiência. No caso, à época era o Veveu (Arruda) que tinha experiência em Sobral de uma política na primeira infância. Lá tinha o Trevo de Quatro Folhas, que era bem interessante, focado nas gestantes. Fomos entender o que existia política pública, de 0 a 5 anos, onde é necessário mais intervenções e criar um planejamento estratégico um programa para essa faixa etária. E nós criamos o programa Mais Infância Ceará. Nós colocamos uma mesa redonda. Tinha universidade, professores da Educação Infantil.
A ideia misturar, a gente precisava ouvir. Foram 62 pessoas em dois dias. Uma metodologia bem bacana e se transformou nesse menu de intervenções que se tornou o programa Mais Infância Ceará. Eu fui convidada, com seis meses, para fazer um curso na Universidade de Harvard pela Fundação Maria Cecília Souto. Eu tive a certeza de que estava no caminho certo. Comprovou que realmente era aquilo que eu tinha que fazer.
OP - Como foi a implantação?
Onélia - Criamos o programa Mais Infância, com o eixo estratégico que é a criação de centros de educação infantil.
OP - Centros estaduais?
Onélia - O Estado faz em parceria com o município. Tem a contrapartida do município, seja o terreno... O Estado constrói o equipamento e quem mantém é o município. Como é que mantém? O município que tem esse dinheiro? Dinheiro é o do Fundeb. O Fundeb é uma cesta, que é dinheiro do governo federal, Governo do Estado e governo do município. Depois nós criamos outro eixo, que foram os espaços públicos para desenvolvimento infantil, espaços lúdicos. Tinha as praças no interior do Estado e no meio da praça tinha um bar, simplesmente, os pais bebendo e a criança não podia jogar bola, a criança não podia brincar porque ia bater nas pessoas. Eu disse: "Não, isso aqui está errado. Prefeito, vamos tirar esse barzinho e vamos botar uma brinquedopraça aqui no meio da praça". Hoje nós temos 223 brinquedopraças no Estado do Ceará.
A contrapartida do município é entregar a pracinha toda bonita, no sentido de limpa e iluminada. E a gente coloca o piso emborrachado, dez brinquedos e o gradil de proteção. No início, as mães não acreditavam. Quando elas viam as crianças brincando era assim: "Eu não tô acreditando, eu nunca tive a oportunidade de brincar". O filho brincando de graça. A gente foi construindo isso e hoje a gente implantou já 223 brinquedopraças. E aí tem as praças Mais Infância, com pista de skate, quadra de futebol, speedball, academia de ginástica. São aquelas praças maiores.
Outro ponto importante do programa Mais Infância foi a estratificação das famílias que estão na extrema vulnerabilidade no Estado do Ceará e focar nessas famílias. Dentro do sistema educativo, temos as famílias que são pobres, extremamente pobres. A gente pegou as extremamente pobres que têm criança na primeira infância. E aí a primeira ação foi a transferência de renda. Cada família recebe por mês R$ 100 reais. E visitas domiciliares. Além das visitas domiciliares, nós temos em cada município um agente Mais Infância. Uma pessoa que terminou graduação, está fazendo especialização e ganha uma bolsa do governo do Estado, com um tablet, para acompanhar todas essas crianças, monitorar e abastecer nosso sistema, que nós chamamos Big Data Social. É o único estado que faz esse monitoramento.
Já recebi seis secretários de estado para conhecer essa experiência. Eles estão lá nos municípios, alimentam esse sistema. Na plataforma Big Data Social a gente faz cruzamento de dados. A gente vê as crianças que estão em insegurança alimentar grave, percebe que as crianças não estão dentro do centro da educação infantil, entre outras situações que a gente consegue visualizar. A gente tem 184 municípios, 184, agentes sociais Mais Infância. E 150 mil famílias em todos os 184 municípios cearenses, a gente faz a transferência de renda, tem o acompanhamento domiciliar. Nós fizemos 8 milhões de visitas domiciliares nesses 8 anos. É um programa do governo federal em parceria com o governo do estado, para fortalecer os vínculos familiares. Mostra a importância do desenvolvimento infantil, a importância da presença do pai, da presença dos pais.
Onélia recebeu O POVO na Secretaria da Proteção Social, no bairro Joaquim Távora. Foi pouco mais de uma hora de conversa
Ela passou a comandar a secretaria quando Izolda Cela assumiu o Governo do Estado, em abril de 2022. Foi o momento em que o marido de Onélia, Camilo Santana (PT), desincompatibilizou-se para ser candidato a senador
As trajetórias de Onélia e Izolda se reencontraram. Antes de a hoje secretária casar-se com Camilo, ela foi, no Crato, técnica do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), quando Izolda era a secretária da Educação. Foi o programa que deu visibilidade a Izolda, e levou Camilo e ela para o Ministério da Educação
Pergunta a alguns pais: "Você já beijou seu filho hoje?" E aí ele fala na primeira visita: "Não. Macho não beija macho". Ou então dizer: "Nunca fui beijado". Aí a gente começa a amolecer o coração desse pai e dizer para ele a importância do afeto, a importância de o olhar no olho, a importância de sentar no chão e brincar com a criança. O que que vai acontecer com essa criança se ela presenciar qualquer tipo de violência. Eles acham muitas vezes que o pai, "a minha obrigação é só botar o pão de cada dia na mesa". A gente tem muitos ditados populares que estimulam essa violência. A gente até fez uma pesquisa, de ditados populares que eles tinham como diretriz na educação dos filhos em casa.
E a gente está quebrando isso. A gente tem de quebrar lá na ponta, lá na base. Essa é uma geração que não tem mais como voltar atrás. O pai teve esse comportamento porque a infância dele foi daquela forma. Então, de que forma a gente vai romper? Na infância, mostrando para esse pai que aquilo que está fazendo não está correto. A gente fez 8 milhões de visita domiciliares com essas crianças na primeira infância, essas que estão na extrema vulnerabilidade social, que tem a transferência de renda. Estive agora em Brasília, o governo Lula, dentro do Bolsa Família criou um eixo do programa Bolsa Família exclusivo para criança na primeira infância, baseado na experiência do Ceará. Eu me emocionei. Não tive como me segurar. A gente fez no Ceará, mas a gente pode contribuir com a infância do Brasil, mostrando nossa experiência.
Outro eixo foi acompanhamento de gestantes de alto risco, pela Saúde. Mas chegou a pandemia, teve aqueles atropelos. Criamos o programa Mais Nutrição. Por que o Mais Nutrição saiu no Fantástico? Por que é um case de sucesso? Ele é um programa que, além de combate ao desperdício, que hoje o grande desafio no Brasil é o desperdício, a gente garante a segurança alimentar. Garantir segurança alimentar é alimentação de qualidade, não é qualquer alimentação. Quando eu fui à Ceasa a primeira vez, a ideia era pedir a um permissionário para ajudar uma instituição. Quando eu cheguei lá, a quantidade de alimentos que eram desperdiçados. Criamos fábrica dentro da Ceasa. Permissionários doam os alimentos para a fábrica, mantida pelo Governo do Estado. O que é fruta se transforma em polpa, o que são legumes e vegetais se transformam em sopas desidratadas. Cenoura, beterraba, macaxeira, batata doce. Desidrata, coloca no pacote com carboidrato. Temos parceria com o M. Dias Branco, que doa 600 quilos de carboidratos, macarraozinhos que se quebram, e coloca na sopa. A gente garante ali toda a riqueza de nutrientes que a criança precisa para o desenvolvimento. Estou garantindo segurança alimentar, porque dá alimentação de qualidade, e estou combatendo desperdício. Hoje a gente já distribuiu três milhões de quilos de alimentos.
No governo Camilo, também foi criado o programa de transferência de rendam que é o Cartão Mais Infância Ceará, 150 mil crianças na primeira infância recebem uma transferência de renda. Esse recurso é do Fecop. São R$ 182 milhões, porque tem equipe de monitoramento também dessas famílias, os agentes sociais também pertencem a esse programa. E o Vale Gás também foi criado, se tornou política pública. São 200 mil pessoas que recebem três vezes ao ano o Vale Gás. E agora no governo Elmano, apesar dessas intervenções e também do Bolsa Família, do Governo Federal, há uma quantidade ainda de pessoas em situação de insegurança alimentar grave que é compatível com a fome. O governador Elmano criou o programa Ceará Sem Fome, um pilar aqui na Secretaria de Proteção Social, 40 mil pessoas recebem R$ 300 por mês. O outro Pilar vem na Secretária de Desenvolvendo Agrário, a distribuição de quentinhas, com as ONGs. Repassa o dinheiro às ONGs e elas distribuem as quentinhas.
OP - Qual a expectativa de impacto desse trabalho, nessa faixa de menos de 6 anos, para o desenvolvimento dessa geração?
Onélia - O que nós temos de prático: nós fizemos uma pesquisa, um estudo transversal. Nós aplicamos cinco escalas para a gente identificar o desenvolvimento da criança, a violência, a insegurança alimentar. O que esse programa interferiu no desenvolvimento dessa criança. Foi financiada essa pesquisa, pela Fundação Maria Cecília Souto e Universidade Federal do Ceará. Eu fiz parte, inclusive, desse grupo de pesquisa. A gente identificou que, realmente, o programa tem intervenção na evolução dessa criança, no desenvolvimento dessa criança. Isso foi o estudo transversal. A gente vai conseguir visualizar mais resultados se a gente fizer uma pesquisa no futuro. Daqui a quatro anos, essa criança vai estar no fundamental, como é que vai ser o resultado dessa criança? Como é que vai ser nas futuras gerações? Essas crianças que participarem do programa. A gente vai conseguir fazer isso. Essa intervenção surgiu e nós apostamos todas as fichas baseados em evidências.
A neurociência está aí mostrando que é na primeira infância que a criança de zero a cinco anos e 11 meses precisa de todas as intervenções positivas. O afeto, sobretudo o afeto. É ali quando a criança está desenvolvendo o cognitivo, o emocional e o motor. Mas no topo da pirâmide é o emocional. Se a criança estiver bem emocionalmente, ela vai ter sua evolução natural. Com intervenções negativas, ela vai comprometer essas outras habilidades. É comprovado que o afeto, o olhar no olho, contar história, a atenção, a criança não presenciar a violência, porque a violência acarreta problemas durante toda a vida. O que a gente tem de números de violência sexual, de abuso sexual contra criança e adolescente no nosso país é estarrecedor. A gente tem que mostrar para os pais dessa criança, para sociedade o que isso acarreta na vida de um ser humano.
OP - A senhora fez também doutorado enquanto era primeira-dama?
Onélia - Eu comecei nessa pesquisa, com a fundação. Acabei fazendo parte de uma equipe de pesquisadores, um grupo de pesquisa e isso foi me encantando. Acabei indo a São Paulo, fiz uma prova, passei, meu projeto foi aprovado. E aí fiquei. Passei um ano, assisti às aulas e depois foi a minha tese. E estou aqui eu, vivíssima. Não é fácil. Tinha hora que tinha vontade de desistir, de chorar. Se fosse para começar hoje, eu não sei se eu teria mais coragem não. É desesperador no final.
OP - José nasceu nessa época?
Onélia - Eu senti as contrações de José até 11 horas da noite, assistindo aula. Fui dormir. Às 5 horas da manhã, para o hospital. José nasceu às 6. Aproveitei a licença maternidade para amamentar, estudar e concluir minha tese.
OP - A senhora contou que conheceu Camilo depois da segunda candidatura a prefeito de Barbalha. Que foi um negócio atribulado, ele chegou a assumir a Prefeitura por alguns dias. A senhora chegou a acompanhar?
Onélia - É, eu estava conhecendo ainda. Foi uma coisa bem distante para mim. Assim que eu conheci. Não tive esse acompanhamento próximo, não. Dali em diante é que eu comecei a ter mais aproximação.
OP - Quando ele foi escolhido candidato a governador, foi uma surpresa para quase todo mundo. Para a senhora também?
Onélia - Para todos nós. Para ele, para todos nós. Camilo era candidato a deputado federal. Santinho já tudo organizado. E aí no outro dia foi candidato a governador.
OP - Como recebeu a notícia?
Onélia - Foi uma reunião lá na casa do Cid. Estava tendo reunião em cima de reunião para chegar a essas definições. (Camilo falou:) "E eu sou o candidato ao Governo do Estado". Eu disse: "Meu Deus do céu. Não me diga uma história dessa não". "E tu vai?" "Vou". Aí se emocionou. Então fomos juntos. Eu sempre acreditei muito no potencial do Camilo. É um cara que mergulha em tudo que faz. Mergulha. É dedicado, perfeccionista naquelas coisas dele, sabe. Eu acho que é por isso que dá certo. Ele passa muita confiança. Não é só passar confiança. A responsabilidade é muito grande. Ele assume, ele incorpora aquela responsabilidade. Às vezes eu acho até que ele se cobra muito.
OP - Vocês estavam no segundo filho.
Onélia - É, José veio depois.
OP - Como foi para a família, de repente o Camilo vira governador, a rotina viagens...
Onélia - Muito mais intenso. As responsabilidades, os trabalhos. Se dedicar ao povo. Porque é muita gratidão. Escuto direto ele dizer em casa: "Tudo que fizermos, tudo que trabalharmos para esse povo do Ceará, ainda é pouco para a gratidão que eu tenho ao nosso povo cearense". Então é trabalhar muito.
OP - E quando foi chamado para ser ministro?
Onélia - À época, o Lula tentando falar com ele e tinha ido a uma viagem a Israel. A gente foi fazer a nossa confirmação do casamento, uma bênção que o padre faz. E a gente foi para lá. E o Lula tentando conversar, marcar a reunião com ele. "Lula, eu vou chegar tal dia". Aí chegou, marcou, era para chamar para ele ser ministro. As coisas dele tudo são assim. Já estou acostumada.
OP - Quando ele sai do governo, a senhora fica como secretária.
Onélia - A ex-governadora Izolda me convidou para ser secretária quando ele saiu. E aí o governador Elmano me convidou novamente. Eu vou ficar aqui no Ceará. Ficava aquela dúvida se eu ia para Brasília ou se eu ficaria aqui com as crianças e acabou que eu resolvi ficar aqui. Estou feliz. Estou no lugar que eu amo, lugar das pessoas com quem eu convivo, com a minha família. Eu moro no sexto, a minha sogra mora no nono andar. Tenho uma relação muito forte com eles. Minha irmã mora aqui, meu irmão. Aqui tem um elo. E o Camilo não está só em Brasília. Está em Brasília e está no Brasil todo. Está em Brasília, está no Rio, está em São Paulo, está na Índia. Então também não ia ficar... E eu acho que aqui eu seria mais útil, de poder fazer com a experiência que eu adquiri, pelo conhecimento que eu tenho, que adquiri durante toda a minha vida, eu poder fazer pelo povo cearense.
OP - O Camilo, quando secretário pela primeira vez, era mais introvertido. Ele segue com um jeito meio tímido, mas tomou gosto por discursar. A senhora percebeu essa transformação?
Onélia - O Camilo era tímido, ele é tímido. Claro que ele era mais tímido ainda. O Camilo, quando a gente começou a namorar, ele mandava flores, mas não colocava nem o nome dele no cartão. Só mandava as flores e ficava de longe, só olhando eu sair do portão para pegar as flores. Isso, ó, uns três meses nesse negócio. E aí foi acho que amadurecendo. Hoje, claro, a experiência. E outra coisa, a dor também. Porque ele sofreu muito nessa gestão. Foram muitos momentos desafiadores. Eu acho que isso é que nos torna mais resilientes. Resiliência é a forma como você encara a dor, o sofrimento. Se você é uma pessoa firme nas decisões, se tem maturidade, tem controle emocional para enfrentar e tomar as melhores decisões. Ser forte, né? A resiliência física. Tomar as melhores decisões diante dos desafios.
O Camilo enfrentou vários desafios, desde o motim da Polícia, a Covid. No final, as pessoas falavam assim: Camilo, acho que você agora pode enfrentar a guerra. Porque eu acho que você está preparado. Porque várias guerras você já enfrentou aqui. A guerra contra o vírus, né? E não só contra o vírus. Uma crise política que vivíamos no nosso país. Totalmente contra o que você pensava. Quando ele dizia assim: "É para todo mundo ficar em casa usando máscara", vinha o presidente aqui. Tudo sem máscara, trazia os assessores tudo sem máscara, deixava todo mundo doente e ia embora como se nada tivesse acontecido. As obras que eram para vir recursos do governo federal, não vinha. Obras atrasadas, aí teve que fazer com recurso do Governo do Estado, muitas obras que era para fazer com recurso do governo federal.
O governo do Estado teve de fazer sozinho, porque não teve mais a contrapartida do governo federal. Foi muito desafiador sustentar tudo aquilo, e com firmeza, sem perder o encanto, sem perder a ternura, de abraçar as pessoas, de ir para a rua. De dividir também ali a dor do outro. Porque as pessoas estavam com muita dor, perdendo os familiares. E amigos nossos também. A gente estava sofrendo. O Camilo perdeu amigos, assim, de infância, do dia para noite. Mas a gente venceu. Com fé em Deus, que sem fé ninguém consegue nada. Com a ciência, com mensuração de resultados. Ali estava sendo medido através daquela equipe de cientistas que foi criada. E ele tinha mais firmeza na hora de tomar as decisões. Foi muito importante esse diálogo, essa abertura. E teve pesquisas científicas, o resultado do Ceará, como poderia ter sido muito pior se não tivesse tomado aquelas decisões. Apesar da crise econômica. Quando fecha os comércios tem a crise econômica. Mas é melhor a vida, porque o que a gente tem pode correr atrás. E foi assim que ele pensou, seguiu e deu certo.
OP - Qual foi o momento mais difícil no governo, para você?
Onélia - O motim da Polícia. Porque a nossa segurança também estava em jogo. Inclusive, na época, já passou, então eu posso contar. Ligaram para o colégio das crianças. Eu fiquei desesperada. O Camilo no outro dia disse assim: "Nós vamos para cima. Nós não vamos recuar é um milímetro". E eu: "Camilo, pelo amor de Deus, recua". Ele dizia: "Não, não tem negócio de recuar não". Era um momento bem desafiador e que a gente não podia passar essa intranquilidade. A gente tinha de passar tranquilidade. Nossos filhos precisavam continuar indo para o colégio, mesmo com ameaças de bomba próximo à escola, mesmo que ameaça disso e daquilo outro, mas a gente tinha de manter, porque era necessário. Eu acho que ali foi o momento mais desafiador. Eu acho que foi o pior momento, em meu ponto de vista, foi o pior momento que nós passamos ali naquela residência oficial.
OP - Como foi para a senhora lidar com aquele momento, no ano passado, quando tem o rompimento do grupo político, com pessoas com quem vocês conviveram?
Onélia - (Respiro profundo). Olha, tudo na vida é desafiador, né? Tudo é aprendizado. Gera dor, mas a gente aprende com a dor também. Aprendizado.
OP - Estava tendo um movimento lá em Juazeiro, o pessoal do PT querendo que você seja candidata a prefeita no ano que vem.
Onélia - Zero possibilidade.
OP - Não pensa em ser candidata, no ano que vem ou para frente?
Onélia - Bom, Juazeiro eu não tenho não... Bom, eu não tenho obsessão. Falam: "Ah, vai ser prefeita de Juazeiro". "Ah, vai ser prefeita de Fortaleza". "Ah, vai ser prefeita não sei de onde". Não tenho obsessão por poder. Eu posso contribuir com meu Estado onde eu estou, posso contribuir como secretária. Contribuí como primeira-dama do Estado. Vou dar minha contribuição e as coisas acontecem naturalmente. Eu jamais na minha vida vou ser covarde, mas isso não é a minha obsessão.
OP - E Fortaleza, que está tão indefinida?
Onélia - Não é obsessão, não tenho obsessão pelo poder, não tenho obsessão. Aquela loucura: "Tem que ser. Sou eu, sou eu, sou eu". Eu tenho certeza que aqui eu estou contribuindo com a vida das pessoas. Eu não vou ser covarde em nenhum momento da minha vida. "Onélia, você vai ser secretária disso". "Ah, eu não posso porque eu não sei". Onde eu estiver estarei me doando, porque eu tenho certeza que eu nasci com essa missão de servir.
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