Ídolo para alguns, Carrasco para outros. Sérgio Alves, maior artilheiro da história do Clássico-Rei, com 21 gols, é também um dos principais ídolos do Ceará Sporting Club. Protagonista de momentos marcantes, o pernambucano de nascença adotou Fortaleza como sua casa e criou uma identificação com o Vovô que o faz ser, independente da geração, uma referência.
Atualmente com 53 anos, Sérgio Alves, apelidado de Carrasco pela quantidade de gols que anotou em duelos contra o Fortaleza, iniciou a trajetória no mundo da bola no Recife e pegava ônibus sozinho para tentar emplacar o sonho de se tornar jogador de futebol. O início, repleto de desafios, teve como ponto de partida o Sport, clube pelo qual torcia na infância.
A carreira alavancou de vez no Ceará aos 22 anos. A personalidade forte, a raça e o faro de gol fizeram com que o camisa 11 logo ganhasse o carinho dos alvinegros. O sentimento se tornou também de admiração e idolatria.
Pelo Vovô, conquistou quatro vezes o Campeonato Cearense, chegou à final da Copa do Brasil de 1994 e participou do elenco que subiu à Série A em 2009, encerrando um tabu de 16 anos longe da elite nacional. Foram 141 gols no total atuando pelo time de Porangabuçu, figurando entre os maiores artilheiros da história do clube.
Maior goleador do Brasil em 2001, com 54 bolas nas redes — desbancando Romário, por exemplo —, o ex-atacante conversou de forma exclusiva com O POVO no apartamento onde mora. Trajado com roupas que estampam a marca própria de roupa, o Carrasco resgatou memórias, falou sobre as glórias e mágoas no futebol e revelou bastidores da carreira.
O POVO - Como o futebol surgiu na sua vida? Como era sua vida antes da carreira de jogador?
Sérgio Alves - Eu nasci com o dom para o futebol. Desde pequeno já corria atrás de bola. Aos 12 anos eu procurei um clube. Fomos eu e mais dois, três amigos. Nós fomos procurar um clube e foi o Sport Recife, clube que eu torcia quando criança. Eu levei a sério, por vários motivos. Primeiro porque eu estava tentando uma oportunidade no clube que eu era torcedor quando criança e segundo porque eu vi que o futebol era uma válvula de escape para mudança da minha vida pessoal e da minha família.
E eu dei continuidade, mas os meus amigos recuaram. Eu segui em frente. Na época, lógico, com 12 anos, eu nem sabia pegar o ônibus. O início foi muito difícil. Eu tive muita dificuldade por não saber pegar o ônibus. E a minha base foi toda consolidada dentro do Sport. Eu cheguei com 12 anos, encarei as peneiras e fui passando de etapa por etapa, até chegar o dia que eles pediram a documentação para me inscrever, na época era infantil, hoje é sub-15. Aos 15 anos eu já estava federado ao Sport e jogando no campeonato da categoria.
E foi essa minha trajetória até chegar ao profissional e assinar meu primeiro contrato. Tem muita gente que acha que o meu início foi no Central de Caruaru. Não, foi no Sport. No Central, como eu era novo, muitos acham que eu iniciei lá, mas é porque eu fui emprestado pelo Sport para lá. Não só eu, mas também outros três companheiros.
Eu assinei meu primeiro contrato. Eu cheguei a atingir o meu primeiro objetivo na vida e dei sequência. E diga-se de passagem que todos os clubes em que eu joguei, todos, até a minha ida com 12 anos para o Sport, eu não fui através de nenhum empresário, nenhum. Era o meu trabalho dentro de campo e Deus abençoando e abrindo as portas dos clubes.
OP - E você sempre foi atacante, sempre gostou de fazer gol?
Sérgio Alves - Sempre atacante. Sempre gostei de fazer gol. Até quando pivete, mesmo antes de procurar um clube. Aos 15 anos, fui muito corajoso e tive uma personalidade muito forte, porque eu cheguei para o treinador em uma semana de clássico, era utilizado como um ponta pelo lado direito... Eu não tinha velocidade e o ponta dificilmente fazia gol, e eu gostava de fazer gol, as minhas características não eram para jogar pelo lado do campo. Então eu cheguei para o treinador e fui bem ousado, eu disse: "Olha, eu não estou me sentindo bem nessa posição, me coloca no meio (de centroavante), que se eu não render, se eu não for bem, eu sei que eu não dou para o futebol e vou embora".
Como era o treinador que já tinha me acompanhado desde as peneiras, era o mesmo treinador do infantil, ele não pensou duas vezes e me colocou no meio. Eu fiz gol, joguei bem e nós ganhamos o clássico. Depois, eu passei a jogar como um ponta de lança, com as mudanças das táticas. Eu cheguei a jogar pelo lado esquerdo, sendo um falso atacante pelo lado esquerdo, mas como eu chutava forte, sempre puxava para dentro do campo. Às vezes fui utilizado como um falso atacante de área. Eu era aquele atacante que saía mais para o meio para fazer a tabela.
E foi assim a minha trajetória, mesmo jogando no meio ou mais adiantado. Eu sempre gostei de fazer gol, sempre fiz os gols, né? E uma coisa também que facilitou para mim foi na minha ida para o Bahia. Quando eu fui contratado na época, o Bahia estava vendendo o Nonato, aí me contrataram. Quando eu cheguei lá, o Nonato não foi negociado, não sei por quê, só que eu tive a felicidade de, quando eu cheguei, o Robgol estava resolvendo um problema de contrato.
De 2002 até essa última Copa do Nordeste desse ano (2023), eu sou o maior artilheiro em uma única edição. De lá para cá, ninguém ultrapassou a minha marca.
No primeiro jogo, jogamos eu e o Nonato. Na minha estreia, eu já fiz gol lá na Fonte Nova. O Nonato foi expulso e, no jogo seguinte, o Robgol já tinha renovado o contrato. O Nonato estava fora, então jogamos eu e o Robgol. Fiz gol novamente. Quando Nonato voltou, que tinham os três, não tinham como me tirar. Porque nos dois jogos eu tinha marcado o gol e já vinha de um ano anterior maravilhoso, que foi um ano que eu fui artilheiro do Brasil e artilheiro da série B.
E muita gente ficou surpresa e veio me perguntar como era que eu iria me sair (como meia). Eu falei que para mim não era novidade nenhuma, porque é uma posição que eu gosto de jogar e que eu joguei sempre, tanto é que jogando de meia eu fui o artilheiro da Copa do Nordeste, com 13 gols. De 2002 até essa última Copa do Nordeste desse ano (2023), eu sou o maior artilheiro em uma única edição. De lá para cá, ninguém ultrapassou a minha marca.
OP - E como o Ceará descobriu você? Na época você estava no Central de Caruaru-PE...
Sérgio Alves - Eu sou uma pessoa que respeito todo mundo, não piso em ninguém para subir na vida. Não faço nada de errado para subir de vida. Mas eu sempre pensei alto. Eu saí do Sport emprestado para o Central, mas sabia que estava indo só emprestado e que iria voltar para o Sport. Quando o Ceará me procurou, lógico que aí vem um clube novo, um Estado novo. A minha primeira saída de Pernambuco foi para cá (Ceará). Pensei: "É uma nova praça para eu mostrar o meu trabalho".
Eu não gosto de perder nem aposta de cuspe. Se nós dois formos aqui apostar quem cospe mais distante, se eu perder eu fico puto. E depois desse jogo eu cheguei no vestiário chutando tudo que eu via na minha frente, porque a gente tinha tudo para ganhar.
Só que antes desse convite do Ceará, nós tínhamos jogado contra o Fortaleza, e foi ali o meu primeiro gol contra o Fortaleza, na época pelo Central. Infelizmente nós perdemos de 2 a 1, por consequência de um companheiro de ataque. Nós estávamos ganhando o jogo. Eu recordo que eu driblei os dois zagueiros. Driblei o goleiro, era o Jorge Pinheiro. Um dos zagueiros era o finado Argeu. Eu tinha o gol aberto, mas como havia feito um gol, eu dei o passe para meu companheiro. O cara foi querer driblar o Jorge Pinheiro e ele catou a bola. Nós terminamos perdendo o jogo de 2 a 1. Eu aprendo com as derrotas, mas não gosto de perder.
Eu não gosto de perder nem aposta de cuspe. Se nós dois formos aqui apostar quem cospe mais distante, se eu perder eu fico puto. E depois desse jogo eu cheguei no vestiário chutando tudo que eu via na minha frente, porque a gente tinha tudo para ganhar. Depois fomos jogar contra o Ceará, lá em Caruaru, e ganhamos de 4 a 1. Eu fiz dois gols. Além dos dois gols, fiz uma boa partida. Em seguida desse jogo, o Ceará me procurou. Lógico que foi uma dificuldade imensa para que o Central me liberasse. Lógico que não queriam me liberar.
O Ceará chegou até um empresário de Recife que eles tinham contato. Esse empresário tinha jogadores e tinha um bom relacionamento com o pessoal do Sport e entrou em contato com eles. E foi ele que fez a negociação. Para o Central, entre aspas, foi boa a minha saída, porque o que eles pagaram pelos quatro meses de empréstimo, eles receberam só pela minha venda. E graças a Deus, vindo para cá, já nos primeiros cinco meses, eu mostrei para o que eu vim. Algo que eu não sabia e fiquei sabendo recentemente é que o meu primeiro gol pelo Ceará foi justamente em um Clássico-Rei, contra o Fortaleza.
E eu não lembrava disso. Então, quando eu cheguei já consegui dar continuidade ao bom trabalho que vinha fazendo no Central. Lógico que quando cheguei aqui, eu encontrei um um cara supercampeão, inteligente e humano, que se chama Cláudio Adão. Ele me ajudou bastante. Eu com 22 anos, Cláudio Adão devia ter uns 30 e pouco. Já totalmente experiente, com passagens pela seleção brasileira e vários títulos no currículo. Me recebeu bem, me abraçou e me ajudou nesses cinco meses iniciais. Ali, eu já passei a conquistar um pouco do carinho da torcida no ano de 1993. Naquela época, o Ceará comprou meu passe definitivo.
OP - E qual foi a sensação de se tornar o Carrasco do Clássico-Rei?
Sérgio Alves - Eu me sinto muito envaidecido quando eu escuto de torcedores ou de amigos, né? De torcedores que falam que não pensavam duas vezes quando tinha um clássico para ir assistir ao jogo. Com aquela confiança, aquela credibilidade de que eu iria marcar o gol. E eu, graças a Deus, por muitas vezes consegui fazer com que aquela expectativa e aquela ansiedade do torcedor em ver um gol meu no clássico acontecesse para que eles voltassem para casa felizes. Eu já escutei vários relatos de torcedores que apostavam adiantado. "Olha, um gol do Sérgio Alves é tanto e tal", então sempre que eu escuto, até hoje, isso me deixa envaidecido.
OP - A preparação para os clássicos era diferente? Você tinha algum ritual antes de enfrentar o Fortaleza?
Sérgio Alves - Me concentrava de uma forma totalmente diferente de qualquer outro jogo. Eu sabia da minha responsabilidade, sabia que lá estariam os torcedores na expectativa, na esperança em ver um gol meu, então me concentrava bastante. Quem é da época sabia que em semana de clássico eu não dava entrevista. Eu me concentrava totalmente. Não só durante a semana, mas também no dia do jogo. No dia do jogo, eu me isolava no vestiário. Deitava lá e ninguém brincava comigo, me deixavam quieto.
Então já sabendo como era o Sérgio Alves no dia de clássico, numa semana de clássico. Eu ficava na minha, mas concentrado e sabendo que no dia do jogo estariam 40, 50 mil torcedores do Ceará na expectativa e na esperança de ver um gol meu. Da minha parte, o que eu tinha que fazer? Me concentrar para tentar fazer o gol acontecer. Eu queria que os torcedores voltassem para casa felizes, então eu sempre procurava dentro de mim corresponder a essa expectativa e essa confiança.
OP - Teve um clássico em 1996 que você estava lesionado, jogou mesmo assim e fez gol no tempo regulamentar e também no último minuto da prorrogação, né?
Sérgio Alves - Realmente nesse jogo estava com uma lesão muscular no adutor da coxa e, para piorar a minha situação, choveu bastante no dia. O Castelão de antigamente não é o Castelão de hoje. A grama era maior e quando chovia, as laterais ficavam cheias de lama. Tive a felicidade de marcar o gol nos 90 minutos e tive a felicidade de marcar o gol no último lance da prorrogação. A nossa torcida já estava praticamente 80% fora do estádio, muita chuva. Para mim, a felicidade não só pelo gol, foi ver a torcida do Ceará voltando. Não sei de onde, se desceram do ônibus, se deixaram o carro aberto. Eu sei que voltaram para o estádio.
Como eu tinha essa lesão, e eu sempre na minha vida tive consciência do que eu podia e do que não poderia fazer, nas penalidades eu não fui. Eu não fui cobrar por quê? Porque eu não tinha condições de correr até a bola, a bola estava muito pesada. Corria o risco de perder o pênalti e como eu estava com a lesão, não tinha motivo para arriscar, já que eu tinha feito dois gols durante o jogo. No meu lugar, quem bateu foi o Chico, goleiro, que graças a Deus converteu.
Nós não tínhamos conquistado o Campeonato Cearense ainda, mas fomos campeões no ano. Era um jogo classificatório que nos deu a condição de chegar à final e sermos campeões.
OP - E o Dacildo Mourão, que era o árbitro, conversou com você sobre isso?
Sérgio Alves - Realmente já ia acabar o jogo e aquilo ali era o último ataque. Quando eu fiz o gol e estou voltando para o meio do campo, ele (Dacildo Mourão) passa por mim e fala: "Cara, não tem jeito, tu nasceu para fazer gol no Fortaleza, porque eu já ia acabar o jogo". Tanto que quando o Fortaleza bateu o centro, acabou o jogo e foi para os pênaltis. Era o último ataque.
A cada final de ano eu era procurado por dirigentes do Fortaleza. Nunca me fizeram proposta financeira, já que eu nunca dei oportunidade para que fizessem. Eu sabia que seria uma proposta financeira irrecusável, porque eles me queriam de todo jeito lá, até porque vários deles lá, o Ceará conseguiu levar.
OP - Já recebeu proposta do Fortaleza alguma vez?
Sérgio Alves - Em vários momentos. Todo final de ano. Até porque na época, como as condições financeiras do Ceará não eram como hoje, e o futebol não era como hoje, que se faz contrato de três, cinco anos, o Ceará fazia contrato de seis meses. Então a cada seis meses, a gente renovava contrato. Quem estivesse no bom momento no término do contrato com certeza iria se beneficiar. E a cada final de ano eu era procurado por dirigentes do Fortaleza. Nunca me fizeram proposta financeira, já que eu nunca dei oportunidade para que fizessem. Eu sabia que seria uma proposta financeira irrecusável, porque eles me queriam de todo jeito lá, até porque vários deles lá, o Ceará conseguiu levar.
E o último contato que eles tiveram comigo, a última tentativa, foi em 2003, quando eu estava na Ponte Preta. Entraram em contato comigo e me convidaram mais uma vez para vir para o Fortaleza. Depois dessa tentativa, eles viram que não tinha jeito, aí pararam e me deixaram quieto.
OP - Em 2001, quando você foi o artilheiro do Brasil, foi o auge da sua carreira?
Sérgio Alves - Ali foi o meu auge no futebol. Antes daquele ano de 2001, no ano anterior, em 2000, eu tinha voltado para o futebol pernambucano, que era o que eu mais queria. Porque eu saí muito novo, mesmo tendo jogado dois Campeonatos Pernambucano e uma Série B pelo Sport, não joguei o tempo que gostaria de ter jogado. E como eu saí muito cedo, queria voltar para lá para mostrar realmente o meu trabalho na minha terra. Por infelicidade minha, rompi o ligamento no início do ano de 2000. Passei um tempo no departamento médico e me recuperei antes do Campeonato Brasileiro.
Naquela época, eu estava no Santa Cruz. Voltei bem nos jogos, jogando bem, e renovaram meu contrato por mais um ano. Começa o Campeonato Pernambucano e a Copa do Nordeste de 2001 comigo sendo artilheiro das duas competições. Com um mês após a renovação de contrato, o Santa Cruz rescinde o meu contrato. Até hoje eu não sei o porquê. Eu estava sendo o artilheiro da Copa do Nordeste e do Campeonato Pernambucano, duas competições no início do ano em um mês.
Enfim, rescindi meu contrato de um ano com o Santa Cruz e de lá fui para o ABC, onde eu já tinha outras passagens. Foi o único ano que eu não fui campeão no ABC. Terminou o Campeonato Potiguar, aí eu voltei para o Ceará. E chegando aqui encontrei o Iarley, Mota, o França e os outros, onde encaramos aquele Campeonato Brasileiro.
Então foi um ano que se eu tivesse ficado no Santa Cruz, talvez pudesse ser que eu não fosse artilheiro do Brasil, nem artilheiro da Série B. Se eu tivesse ficado no ABC, poderia acontecer a mesma coisa, mas aconteceu no Ceará. Lógico que os 54 gols somaram com os gols que eu tinha feito pelo Santa Cruz e o ABC, mas os 21 do Brasileiro, esses aí foram somente com o Ceará. Foi muito importante porque foram 21 gols em um Campeonato Brasileiro da Série B. O Romário tinha feito também 21 gols na Série A naquele ano.
OP - Aquele trio de ataque com Sérgio Alves, Iarley e Mota era muito forte. Como era a relação de vocês dentro e fora de campo?
Sérgio Alves - A relação entre a gente era tão boa que até hoje temos a mesma amizade. Até porque os caras quando chegaram, principalmente o Mota, que é um torcedor do Ceará desde criança, se sentiu jogando ao lado do ídolo dele, né? Ele ficou maravilhado por estar jogando ao meu lado. Ele me tinha como ídolo e também estava vestindo a camisa do clube que ele torcia quando criança. O Iarley também, nós temos uma amizade boa, é um cara tranquilo. Infelizmente naquele ano, em 2001, nós não conseguimos o objetivo principal, que era o acesso. Era uma competição que não é como hoje, de pontos corridos. Se fosse ponto corrido, nós teríamos subido. E a única coisa triste daquele time foi não termos conseguido o acesso.
OP - Chegaram propostas de outros clubes brasileiros depois da sua temporada em 2001?
Sérgio Alves - Depois do de 2001, não. Eu não recebi propostas de ninguém, até porque como eu nunca tive empresário... Poderia ser que se eu tivesse empresário, tivesse voado bem mais alto, com certeza, até porque eu fui artilheiro de um Campeonato Brasileiro.
E eu acabei indo para o Bahia. Chegando lá, nós fomos campeões da Copa do Nordeste e mais uma vez comigo sendo artilheiro da competição. O Bahia também não deu muito tempo para que eu ficasse livre (quando estava no Ceará), me procurou e a proposta foi boa. Ir para o Bahia, com um contrato de um ano e para jogar uma Série A, tendo ainda uma Copa do Nordeste no meio... Então eu não pensei duas vezes e fui. Quem sabe se eu tivesse esperado mais um pouco tivessem surgido outras coisas, né? Mas mesmo assim, eu não me arrependo, porque com seis meses que passei no Bahia, deixei o meu legado e até hoje sou reconhecido. Sou lembrado pelos gols, pela conquista da Copa Nordeste, por ter sido o artilheiro.
OP - Por que a passagem pelo Bahia foi tão rápida?
Sérgio Alves - Na minha saída do Bahia, eu passei um dia inteiro dentro do escritório do presidente convencendo ele a me deixar ir embora, porque lá já não tinha mais clima para eu ficar. Ele tentou contornar e eu falei: "Não, não tente contornar porque essa situação vai ser contornada aqui dentro da sua sala, mas no dia a dia pode não ser, e eu quero sair daqui pela mesma porta que eu entrei". Quando eu falei isso, ele respondeu: "Já vi que você está decidido, então vai embora". Aí eu saí. Eu fico chateado e magoado quando eu dou o meu melhor, quando eu sou profissional, sou correto e as pessoas não reconhecem.
As pessoas acham que é obrigação. Não. É obrigação por ser a minha profissão, mas a minha obrigação é fazer o meu melhor dentro de campo e a obrigação de quem está de fora é cumprir com o que foi acertado. O que me fez sair do Bahia foi um problema que eu tive que o treinador Bobô, após o primeiro jogo da final da Copa do Nordeste.
Eu estava ajudando bastante e na final do campeonato, não sei o que passou na cabeça dele que ele queria que eu acompanhasse o lateral (marcando). Eu não tinha velocidade. Eu não era um cara de marcar muito, mas, na minha função, eu procurava fazer bem feita, com gols. E eu não gostei da cobrança dele. Nós tomamos um gol, o lateral fez uma jogada pelo lado. Ele (Bobô) veio me culpar, aí eu não gostei. Não gostei porque ele não foi correto comigo e foi o único jogo que ele me colocou nessa função, para fazer isso. E mesmo assim nós fomos campeões contra o Vitória, lá no Barradão.
Eu não gostei e ficou insustentável. E eu vi que o melhor para mim era sair, porque outra coisa também que eu tenho é que se estou num local que sei que estou atrapalhando ou que vou atrapalhar, eu sou o primeiro a sair. Eu vou com o intuito de ser positivo, não negativo. Não vou dividir nem diminuir, eu vou para somar. Então são coisas assim que me chateiam. Eu poderia ter permanecido no Bahia e ter jogado o Campeonato Brasileiro, deixado ele de lado e esquecido o episódio. Mas eu achei muita covardia por um lance de um jogo. Não é por eu estar sendo artilheiro da competição que eu não poderia ser cobrado, mas ser cobrado da forma que fui, aí eu não achei correto.
OP - As saídas do Ceará também tiveram algum desentendimento?
Sérgio Alves - As quatro vezes que eu saí do Ceará, não saí por vontade própria. Infelizmente, naquela época, as coisas não eram trabalhadas profissionalmente como é hoje. E eu não gosto muito de ficar citando porque vai magoar quem os dirigentes da época, mas se não fossem eles, eu não teria saído do Ceará. Isso é fato.
E hoje, conversando com alguns atuais dirigentes, eu falo: "Para ver como é que o futebol: eu fui artilheiro do Brasil em 2001, com 54 gols, e artilheiro da Série B, com 21 gols, será que vocês hoje iriam me deixar sair sem ganhar nada?". Fácil do jeito que eu saí, com certeza não. Eu não quero nem entrar em detalhes do porquê das minhas saídas, mas eu saí por negligência das diretorias anteriores. As vezes que eu saí não foram por propostas financeiras melhores, foi porque eles me deixaram sair.
E eu não saí porque disse: "Ah, eu vou porque lá é melhor". Eu fico magoado. Eu sou um cara muito sincero e honesto, um cara que fala olhando nos olhos, eu não falo desviando, olhando de cabeça baixa. Onde eu cheguei e de onde eu saí, e o que eu conquistei não foi pisando em ninguém, não foi com sacanagem com ninguém, não foi com maldade com ninguém. Todos os clubes em que eu trabalhei, eu deixava as portas abertas. Eu deixei aberto. Pela porta que eu entrei, foi a porta que eu saí.
OP - Em 1994, vocês chegaram até a final da Copa do Brasil, eliminado grandes clubes do futebol brasileiro. Havia preconceito contra o Ceará?
Sérgio Alves - Naquela época, o futebol nordestino só tinha dois clubes que eram respeitados: Bahia e Sport. Os outros ninguém respeitava. Os árbitros não respeitavam e, principalmente, os jogadores. Não respeitavam e nós escutamos coisas durante a Copa do Brasil que para um cara fraco, o cara se abate e se apaga dentro da partida. Para um cara que veio da trajetória que eu vim, de onde eu saí, pelo que eu passei para chegar onde eu cheguei, as coisas que eu escutei só me fortaleciam. As coisas negativas em geral que falavam sobre mim durante a minha trajetória no futebol só me fortaleciam.
Com certeza os clubes do Nordeste não eram respeitados por ninguém. Vieram ser respeitados há pouco tempo, eu acho que há dez anos, no máximo, depois que que Ceará e Fortaleza se consolidaram, passaram a ser clubes profissionais. Começaram a conquistar coisas que abriram os olhos de lá. E hoje com certeza esses dois clubes são muito bem respeitados, coisa que antigamente não eram.
OP - Aquela final contra o Grêmio foi a derrota mais doída da sua carreira no futebol?
Sérgio Alves - Foi. Principalmente do jeito que foi. Se a gente olhar para trás e ver o Ceará de 1994, não é o mesmo de hoje. Naquela época, tinham vários jogadores da terra atuando na equipe. Chegamos em uma final da Copa do Brasil e naquela época era muito difícil. A gente, no peito e na raça, realmente comprometido com o clube e procurando honrar a camisa da melhor forma possível dentro daquela competição. A cada etapa que íamos passando, a gente se fortalecia cada vez mais. Sabíamos que não tínhamos salário bons, não tinha estruturas boas e que não iríamos ganhar uma gratificação pela conquista.
E nós desbancamos o Palmeiras com um patrocinador fortíssimo ao seu lado, com os jogadores da seleção brasileira. Tinha o Velloso, César Sampaio, Roberto Carlos, Flávio Conceição... Um timaço, né?. Além do Palmeiras, também passamos por um Internacional fortíssimo. Mas o que eu falo é o seguinte: você pode ter o dinheiro que tiver dentro do futebol, mas nem sempre quem tem muito dinheiro é vencedor e chega onde quer chegar. Às vezes, quem tem menos, mas tem mais vontade e mais determinação, mais empenho e personalidade, chega. Foi o que aconteceu com aquele grupo de 1994 do Ceará.
OP - Você também teve uma rápida passagem pelo exterior, na Suíça. Como foi aquela experiência?
Sérgio Alves - Eu sempre pensei em voos altos, mas a minha intenção era jogar em clube de ponta, e a oportunidade na Europa apareceu. Caiu do céu, de uma hora para outra. Quem tinha o meu material era o pessoal do Sporting, de Portugal. E o pessoal do Sion, da Suíça, procurando um atacante, foi até o pessoal do Sporting para saber qual atacante eles tinham lá que não iriam aproveitar.
E mesmo sem eu ser jogador deles, falaram o meu nome pro pessoal do Sion, aí eles vieram até aqui conversar comigo. E nessa época eu também estava saindo do Ceará e deu certo. Para mim, profissionalmente, não foi bom pelo fato de ser o primeiro país do exterior que eu atuei. Um futebol totalmente diferente do Brasil e eu não me adaptei, tive que voltar com pouco tempo.
Eu sabia que voltando iria receber menos, mas iria ser mais feliz do que se tivesse ficado lá ganhando o que eu estava ganhando e vivendo triste. Na época, quando eu cheguei, quem tinha passado por lá era o Túlio (Maravilha). Quando eu cheguei me compararam com ele. Quando o Túlio saiu, quem chegou lá foi o Mirandinha, aquele que jogou no Corinthians.
Então, eles queriam ou esperavam que eu fosse fazer o que o Mirandinha fazia lá, que era correr, e eu nunca fui de correr. Nunca fui velocista e começaram a me comparar, então isso foi dificultando, além do frio e da língua diferente. Aí, em seis meses, eu pedi para voltar. A princípio eu fui sozinho, mas depois a família foi junto. Para onde eu ia, a família ia junto, mas mesmo assim eu acho que se tivesse ido sozinho, teria aguentado mais o tranco, porque quando você está sozinho, se preocupa só com você, e quando você está com a família é mais complicado.
Aquele clássico da quebra do tabu, em que o Fortaleza não perdia para o Cerará há 16 jogos, tinha um clima diferente para vocês?
Sérgio Alves - Na nossa época não tinha negócio de muita conversa com dirigentes. A gente sabia que era mais um clássico. Eu tinha acabado de voltar para o Ceará não fazia muito tempo, e nós sabíamos que era mais um clássico. Um clássico que o Ceará há três anos não vencia e poderia chegar ao 17º jogo. Eu encarei como mais um clássico. Entrei determinado e me preparei durante a semana para mudar a escrita.
E por felicidade minha e da nação alvinegra, eles (Fortaleza) tiveram pênalti no início do jogo e desperdiçaram. Nós tivemos um pênalti, já nos acréscimos, e confesso que eu não sabia quem era o batedor oficial do Ceará, até porque eu tinha chegado há pouco tempo. Eu sei que eu peguei a bola, ninguém me impediu.
Consegui converter e quebramos o tabu, a sequência de 16 jogos. A torcida do Fortaleza já estava contando nos dedos o 17. E eu só penso no seguinte: aquele momento estava guardado para mim, que se eu voltasse faria esse gol da vitória e acabaria com esse jejum do Ceará de três anos. Deu tudo certo.
O que eu falo é o seguinte: dos 141 gols que eu marquei pelo Ceará, vários deles foram gols que evitaram o rebaixamento do clube, que levaram à final do da Copa do Brasil. Na semifinal, no nosso jogo contra o Linhares, lá no Espírito Santo, eu fiz um gol e ganhamos de 1 a 0, então foi um gol que levou o Ceará para uma final de campeonato nacional. Fiz o gol que levou o Ceará para final de Campeonato Estadual. Então esse gol que acabou com o jejum do Ceará de três anos sem ganhar do seu maior rival também foi especial.
OP - A campanha do acesso para a Série A em 2009 também foi muito marcante para a torcida, né?
Sérgio Alves - O tempo em que o Ceará estava na Série B era o tempo que eu estava fazendo parte da história do Ceará. Aquele momento para mim foi especial. Mas também teve um outro lado. Foi o período em que eu fui mais desrespeitado dentro do clube. E pela história que eu construí dentro do Ceará, considero que foi um período em que eu fui mais desrespeitado.
Mas é o que eu falo, quando você trabalha com honestidade, é um cara sincero, que trabalha sem maldade com ninguém, é leal, é um cara que conversa com as pessoas olhando nos olhos e sendo sincero, um dia Deus lhe coloca no local para mostrar para aquelas pessoas que querem lhe destruir, lhe derrubar ou tentar apagar aquilo que você construiu, aí Deus faz aquilo, me coloca em um jogo que estava 1 a 0, não tinha necessidade da minha entrada, mas a nação toda pedindo a minha entrada e só restavam 15 minutos para acabar o jogo.
E quando eu vou entrar, nós tomamos um gol contra. (...) Mas toda essa trajetória eu vejo como providência de Deus. Eu entro com 1 a 1 e aos 47 minutos, eu faço o gol da vitória, depois de uns dois meses sem nunca ser relacionado pelo treinador daquele momento (PC Gusmão).
E diga-se de passagem que eu não ia também para aquele jogo, eu estava em casa. Eu não fui relacionado, estava em casa e aconteceram várias coisas durante o dia. Quando foi à tarde, eu recebi uma ligação para arrumar minhas coisas e ir para a concentração, que eu havia sido relacionado para o jogo da noite. Em nenhum momento da minha vida, mesmo quando eu não estava sendo relacionado, eu deixei de trabalhar. Eu nunca deixei de treinar igual a todos.
E eu treinava porque sabia que um dia iria chegar a minha oportunidade, e acabou sendo contra o Brasiliense. Depois daquele jogo, o treinador teve que me engolir, querendo ou não. Ele me colocou no jogo seguinte, contra o Bragantino, e eu fiz mais um gol. A imagem da minha marca, que é a comemoração com a mão no ouvido, foi nesse jogo contra o Bragantino.
Que foi eu e Deus, eu tinha certeza que Ele não iria me abandonar, e sim me abençoar dentro daquela competição e eu nunca parei. Eu treinava igual aos outros. Quem não era relacionado treinava dez vezes mais do que quem estava jogando. E eu treinava porque sabia que um dia iria chegar a minha oportunidade, e acabou sendo contra o Brasiliense. Depois daquele jogo, o treinador teve que me engolir, querendo ou não. Ele me colocou no jogo seguinte, contra o Bragantino, e eu fiz mais um gol. A imagem da minha marca, que é a comemoração com a mão no ouvido, foi nesse jogo contra o Bragantino.
No último jogo, eu fui relacionado, viajei para Campinas para o jogo do acesso, contra a Ponte Preta, mas quando você conhece com quem está trabalhando... Eu fui convicto que só estava indo com o grupo para aquela "final", mas que não iria participar do jogo. Não entrei no jogo e eu posso até não ter bola de cristal. Não tenho mãe e nem parente cartomante. Mas eu imagino que o que passou na cabeça do cidadão é que se me põe naquele jogo contra a Ponte Preta e eu marco um gol, como eu tinha facilidade de marcar, o nome do momento seria o de Sérgio Alves.
Você conhece as pessoas, você passa a conhecer as pessoas trabalhando. Então foi isso que aconteceu e eu agradeço muito a Deus, agradeço à torcida, que em nenhum momento me deixou de lado, sempre cobrava a minha presença nos jogos. Fui posto ali, no jogo do Brasiliense, mais para ser provado do que para provar, porque só tinha 15 minutos. Para mostrar alguma coisa, para dizer: "Está aí, vocês estão pedindo ele e está aí".
OP - Teve algum episódio específico em que a relação com o PC Gusmão se deteriorou?
Sérgio Alves - Teve um episódio específico que aí foi onde começou tudo. Estava ainda... Acho que era o Campeonato Cearense, eu estava subindo no ônibus para ir para concentração e ele mandou um recado por uma pessoa que fazia parte da comissão dele. Aí essa pessoa me chamou e falou que tinha um convite, eu perguntei qual era. "Você não quer encerrar sua carreira e fazer parte da nossa comissão? Para onde a gente for, você está junto". E eu disse: "Cara, eu agradeço de coração por esse convite de fazer parte da comissão de vocês, mas eu ainda me vejo em condições de ajudar como jogador". Tomei a decisão e agradeci. Eu disse: "Vamos deixar para outra oportunidade mais para frente". A partir dessa minha resposta, eu passei a não mais ser relacionado.
Ainda tivemos um pequeno problema depois que eu passei a ser auxiliar do clube (em 2010), porque quando eu fui auxiliar do clube, não era ele o treinador, era um outro. Quando ele chegou, tivemos um probleminha porque eu vi que ele continuava não me olhando e que eu não fazia parte da comissão dele, fazia parte somente da comissão do clube e que ele não queria contar comigo. Só que daquela época ali eu já estava engasgado, já tinha parado de jogar e não ia perder mais nada. Chamei ele para conversar e fui bem franco com ele: "Senta aqui, cara. Eu quero falar para você que você não me deu oportunidade de me conhecer direito. Se eu cheguei onde eu cheguei, estou aqui não foi pisando em ninguém, não foi com sacanagem ou com maldade".
Ele fez (gestual) como se tivesse se assustado. "Sempre que você chama alguém para conversar, você só chama sua comissão, só conversa entre vocês três e eu nunca estou do lado, você não me chama", falei. Depois disso também, aí ele amansou, né? Mas enfim. O importante é que eu mesmo sem ter sido muito utilizado naquela campanha de 2009, eu dei a minha contribuição, que até hoje está na memória dos torcedores, que foi aquele gol contra o Brasiliense.
OP - Como ídolo do Ceará, como foi lidar com aquele momento de nem ser relacionado para os jogos?
Sérgio Alves - Eu vou simplificar a sua pergunta: eu me classifico como um guerreiro vencedor na vida pessoal e profissional. Quando você é um guerreiro, você está preparado para qualquer dificuldade, qualquer obstáculo em qualquer batalha. E foi o que aconteceu. Mesmo sem ser utilizado, sem ser relacionado, eu não nunca deixei de treinar. Nunca cheguei atrasado, a gente treinava dois períodos e eu treinava os dois períodos. Treinava igual a todos, então a minha parte eu estava fazendo.
E eu sabia que a minha oportunidade iria surgir naquele momento, assim como surgiu. Se eu não tivesse me preparado, não tivesse treinado e não tivesse me dedicado, mesmo sem estar sendo relacionado e sabendo que não queriam contar comigo dentro da competição... Lógico que eu iria entrar ali e em vez de fazer o gol da vitória, eu ia passar vergonha. E aí eu iria dar motivo para quem não estava querendo contar comigo, para dizer para a torcida: "Quem vocês tanto pediram está aí, coloquei e não ajudou em nada".
OP - Ele foi uma das suas poucas inimizades no futebol?
Sérgio Alves - Poucas. Hoje eu tenho muitos amigos espalhados, treinadores e companheiros de clubes, mas se tratando do Ceará... Se tratando do Ceará, pela minha história, com 39 anos e com todo o tesão, toda a força física... Eu tinha as condições para ajudar. E ser tratado como eu fui... Porque não era para me botar para jogar, não, era só me relacionar e se quisesse me colocar em campo, ou se quisesse me colocar como titular no jogo, para sair iniciando...
Agora passar dois meses, eu treinando como eu estava, igual a qualquer outro, e não ser utilizado, sabendo que não queriam me utilizar, mesmo comigo em condições... Por onde eu passei não teve coisa pior. É como se eu estou na minha casa, aí chega um cara e manda e desmanda como se fosse dono da casa.
Não poder falar nada e aceitar, ter que concordar com tudo aquilo que está vendo. Então eu tinha uma história consolidada no Ceará, já estava como ídolo do clube, sabia que a pessoa queria que eu fosse contra ela para dar um motivo, para ela dizer: "Está fora do grupo porque não é de grupo". Então eu sou um cara muito calado, muito na minha, mas pela minha experiência de vida, eu observo muito. Tudo que está ao meu redor, tudo que está próximo a mim.
OP - O que tinha no elenco de 2009, que conquistou o acesso, que faltou no elenco de 2023, protagonista de uma campanha decepcionante na Série B?
Sérgio Alves - No próximo ano, em 2025 e também em 2026, 2027, 2028, 2029 e 2030, você pode fazer essa mesma pergunta e eu vou lhe responder a mesma coisa que vou responder nesse momento, sobre 2023. O Ceará nunca mais vai formar um grupo como aquele de 2009, porque aquele grupo realmente era uma família. Aquele grupo, qualquer treinador que chegasse iria subir o clube.
Naquele grupo, todos defendiam todos. Aquele grupo, quando tinha um ou outro que queria se desviar, a gente entrava no vestiário, mandava todo mundo sair, todo mundo mesmo, comissão técnica e dirigentes, e só ficávamos nós, atletas. Ali, nós colocávamos o companheiro na linha novamente. Se ele não quisesse, nós iríamos tirar ele do grupo e não tinha ninguém que fizesse ele voltar. Até porque ninguém iria ser contra o grupo e a favor de um. O grupo estava tão unido que se tirassem um dos que estavam ali, eu sabia que era porque ele não estava com o mesmo foco, com o mesmo objetivo e comprometimento.
Então, aquele era um grupo que não importava quem jogasse, se percebia no olhar de cada um que ninguém ficava torcendo para que o companheiro se machucasse, tomasse cartão ou fosse expulso, que de alguma forma ficasse de fora para o cara poder jogar. Ninguém. Quando tinha alguma frescurinha entre um ou outro, a gente se juntava e resolvia. "Vamos parar, vamos focar aqui, não vamos perder o foco".
OP - Por que hoje é tão difícil haver jogadores identificados com os clubes e que possam se tornar ídolos?
Sérgio Alves - Não vai conseguir por vários aspectos, né? Não vai conseguir pelas redes sociais, não vai conseguir por causa de período de contrato, não vai conseguir por causa do empresário. Porque o cara que tem um bom contrato de cinco anos não é tão comprometido com clube como se ele tivesse só seis meses de contrato.
Hoje, dificilmente um grupo tem todos focados no mesmo objetivo. Muito difícil, isso não é clube A, B ou C. No geral é muito difícil, então é cada um puxando para o seu lado. Tem clube com 30 jogadores, mas os 30 não se dão e cada um procurando o seu e se preocupando com redes sociais. Sem falar nos empresários. Essas coisas, hoje em dia, são muito difíceis, vai ser muito difícil você ter realmente um grupo consolidado, todos comprometidos com o clube, de aparecer ídolos dentro de clubes.
Vai ser muito difícil isso acontecer. Antes os jogadores se envolviam muito mais com os clubes, com relação realmente de paixão e fidelidade. Mas hoje se perdeu um pouco, né? É muito difícil você ver realmente um ídolo, um cara identificado com o clube, que fica tantos anos e que faz história realmente. Pega um time atual e bota para jogar uma competição onde você viaja de voos econômicos de madrugada, onde salários são atrasados, onde você tem que fazer vale, não é nem receber o salário, um vale para comprar para ir ao supermercado e fazer suas compras. Junta hoje para jogar dessa forma para ver se joga.
Se atrasar salário, o cara não joga. Tem muitos que não estão jogando nem com salário em dia, nem com estrutura. Quem quiser ser ídolo do Ceará, eu ainda dou a receita: não pense só em fazer gol, porque hoje eu sou ídolo do Ceará não só pelos 141 gols, não só pelos 21 gols contra o Fortaleza. Eu sou ídolo do Ceará também pela determinação, pela garra e pela entrega. Pela vontade de ganhar.
Na minha vida, a minha vontade de ganhar dentro de campo era a mesma vontade que eu via do torcedor lá em cima, da arquibancada, entendeu? Então essa vontade dentro de campo é que faz você ser um ídolo. Não é só fazer gol. Hoje não queira ser ídolo do Ceará entrando em campo cheirosinho, com gel no cabelo, preocupado com penteado, se assanhou. Sem botar a bunda no chão, sem sujar o uniforme.
OP - De que forma você enxerga a situação atual do Ceará, sem conseguir retornar para a Série A?
Sérgio Alves - Eu fico extremamente triste. Triste e chateado. E diga-se de passagem que por pouco não perderam a Copa do Nordeste. Muitos torcedores não se maravilharam com essa conquista da Copa do Nordeste. Aí nós vimos o que vimos no Campeonato Brasileiro. Inadmissível o Ceará, com 10 jogos (restantes), não ter mais chance nenhuma de acesso. E sem contar que é a maior folha salarial da competição.
OP - Quanto você acha que ganharia atualmente se fosse jogador, com o número de gols que fazia?
Sérgio Alves - O meu salário, com toda modéstia, se eu estivesse hoje ainda no Ceará seria um salário de R$ 500 mil. Se eu não estivesse, lógico, estaria ganhando muito mais por aí afora. Mas com toda sinceridade, eu hoje só queria estar com 20 anos a menos do que eu estou, não queria voltar muito atrás, não. Eu não queria ter os 22 que eu tinha na Copa do Brasil (de 1994), eu queria estar hoje com 33 e ainda estaria ganhando muito dinheiro, estaria fazendo muitos gols e ainda estaria jogando muito.
Não sei se aqui no Ceará ou não, mas se fosse aqui no Ceará, eu estaria ajudando muito dentro de campo também. Lógico que sozinho eu não iria ajudar, mas em contrapartida eu estaria brigando muito lá dentro nesse período. Pessoalmente, nesse ano do Ceará, lá dentro eu teria um ou dois amigos, porque iria brigar com muitos se tivesse hoje em condições de estar dentro de campo, combatendo e tentando ajudar o Ceará a conseguir mais um acesso.
OP - Seria benéfico para o Ceará aproximar os ídolos para dentro do ambiente do clube?
Sérgio Alves - Eu já deixei bem claro uma coisa: enquanto eu estiver vivo e com saúde, graças a Deus como eu estou hoje, eu estou pronto para ajudar o Ceará no que vier. Agora, eu só ajudo se quiserem a minha ajuda. Eu sou amigo de quem quer minha amizade. Então até agora eu não fui procurado para assumir nada. Estive recentemente com o futebol feminino, quando eu me despedi como atleta também comandei categorias de base. Estamos aqui, dispostos a ajudar.
OP - Você pensa em outro cargo, mais voltado para a parte administrativa, ou o seu negócio é no campo mesmo?
Sérgio Alves - Para ser sincero, hoje eu não estou preparado para cargo nenhum, a não ser como treinador. Confesso que não estou, até porque por tanto tempo não receber convite para trabalhar em outra área dentro do futebol, eu não me preocupei em me aperfeiçoar em nenhuma outra área. E hoje também, para comandar alguma equipe, não é que eu esteja correndo do compromisso ou do desafio, mas se eu voltar a comandar time de futebol, gostaria de trabalhar na base.
Eu não só vou ter tempo para trabalhar, como também na base eu vou ter como ensinar para a garotada. Não só dentro de campo, mas também em história de vida. Infelizmente, muitos desses garotos novos, de 15, 16 e 17 anos, já têm empresários, mas eu não sei se eles têm conselheiros, não sei se eles têm as pessoas que realmente mostrem para eles e ajude eles a ver o futebol de uma maneira diferente, não pela tela do celular e nem pela TV, porque muitas vezes muitos desses garotos são enganados. Enganados por empresários, por amigos e por redes sociais.
OP - O que é mais difícil: ser jogador ou treinador?
Sérgio Alves - Tu é doido... Treinador, um milhão de vezes. Se eu passasse três jogos sem fazer gol, o time não ia me mandar embora. Como treinador, se você perde três jogos, o clube manda você embora. Fora que quando você é jogador, se preocupa com você, se prepara para o jogo. Quando você é treinador, tem que se preocupar com o seu grupo e prepara o seu grupo para o jogo.
E você fica na expectativa se eles vão colocar em prática o que foi pedido, o que foi treinado. Além disso, quando você é treinador, também é psicólogo, pai, irmão, tio, empresário, conselheiro, tudo. Não é só treinador. É por isso que hoje também, na maioria dos clubes, a comissão é ampla.
OP - A sua escolinha de futebol é nessa ideia também de formar atletas e cidadãos?
Sérgio Alves - Com certeza o meu objetivo na minha escolinha é de garimpar e encontrar algum garoto lá que eu veja que tem qualidade e condições de entrar em um clube. Não importa qual seja o clube. Eu deixo bem claro para os garotos que se despontarem lá, que eu veja que tem condições de ir para clube, eu levo para o clube. Agora isso não quer dizer que vá ficar no clube, eu vou levar. O garoto tem que fazer o que faz lá na minha escolinha dentro do clube. Se chegar lá e não fizer, se acanhar, aí volta para escolinha ou toma outro rumo.
OP - O que o Ceará significa para você?
Sérgio Alves - Desde que cheguei ao Ceará, em 1992, eu me identifiquei tanto com o clube e com a torcida... É aquele negócio, eu sou muito grato ao Ceará. O Ceará foi o clube onde eu mais joguei como profissional, mais tempo. Sou muito grato à torcida, porque desde quando eu cheguei aqui, eu fui abraçado. Recebi muitos carinhos da torcida.
Próximo ano vai fazer 14 anos que eu encerrei a carreira como profissional, e até hoje o carinho permanece. Perguntam tanto se não dá para eu voltar para ajudar o time em campo, seja como treinador, presidente. Eles cobram a minha presença dentro do clube como um integrante ali no setor profissional. Então é esse carinho, esse respeito por parte da torcida.
Eu sou e serei sempre grato. E o Ceará é como eu falei, enquanto eu viver, enquanto estiver com saúde, estarei aqui para ajudar no que der e vier, desde que queiram minha ajuda. Mesmo assim, eu procuro ajudar fora do clube.
O ídolo alvinegro tem a Escola de Futebol Sérgio Alves, que funciona no bairro Genibaú, com aulas de segunda a quinta-feira, entre o final da tarde e o início da noite. As cores dos uniformes, óbvio, carregam semelhança com as cores do Ceará
Sérgio Alves também tem a Loja do Carrasco, uma marca própria com artigos esportivos e casuais. Na entrevista, o ex-jogador ostentava um boné e uma camisa da linha. Os produtos são vendidos nas redes sociais e em lojas parceiras
O eterno camisa 11 recebeu a reportagem na área comum do prédio onde mora, no Meireles, e concedeu entrevista por quase 90 minutos, além de ter posado para fotos. O ex-atacante ainda gravou um vídeo descontraído para as redes sociais do O POVO, com perguntas e respostas rápidas
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