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Emerson Ferretti: "Quero ajudar o futebol a evoluir no respeito às minorias"
Reportagem Seriada

Emerson Ferretti: "Quero ajudar o futebol a evoluir no respeito às minorias"

Ex-goleiro e hoje mandatário do Bahia, gaúcho de 52 anos se assumiu gay em 2022, quer combater preconceito no futebol brasileiro, relembra doloroso silêncio durante a carreira de atleta e fala sobre novo desafio no Esquadrão

Emerson Ferretti: "Quero ajudar o futebol a evoluir no respeito às minorias"

Ex-goleiro e hoje mandatário do Bahia, gaúcho de 52 anos se assumiu gay em 2022, quer combater preconceito no futebol brasileiro, relembra doloroso silêncio durante a carreira de atleta e fala sobre novo desafio no Esquadrão
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Goleiro de grandes clubes do Brasil, Emerson de Souza Ferretti também marcou o nome fora dos gramados. Hoje presidente do Bahia, função em que une a formação acadêmica — é graduado em Administração — e a paixão pelo futebol, o gaúcho de 52 anos resolveu quebrar um tabu em um ambiente notoriamente machista e rompeu um silêncio que ecoa nos vestiários mundo afora.

Em 19 de agosto de 2022, Emerson Ferretti declarou publicamente que é homossexual. Mesmo 15 anos depois de encerrar a carreira como jogador profissional, mais de uma década como comentarista de futebol em Salvador e longa experiência como dirigente do Ypiranga-BA, ele não pretendia se expor. Mas admitiu que se comoveu e se identificou com outros relatos. E decidiu entrar para a história.

Revelado pelo Grêmio, Emerson jogou no Flamengo — inclusive em 1995, ano do centenário rubro-negro, com o famoso "ataque dos sonhos" formado por Romário, Sávio e Edmundo — e virou ídolo no Bahia, apesar de também ter jogado no arquirrival Vitória.

Ex-goleiro Emerson Ferretti visita a sala de troféus do Grêmio(Foto: LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA)
Foto: LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA Ex-goleiro Emerson Ferretti visita a sala de troféus do Grêmio

Pelo Tricolor da Boa Terra, conquistou duas Copas do Nordeste e foi eleito melhor goleiro do País em 2001. Também vestiu a camisa do Juventude, pelo qual foi campeão da Copa do Brasil em 1999, em pleno Maracanã, diante do Botafogo.

A trajetória vitoriosa em campo foi uma motivação para se assumir gay. O ex-arqueiro quis transmitir a mensagem de que é possível ser bem-sucedido no futebol independentemente da orientação sexual.

Ao O POVO, Emerson Ferretti recordou os prazeres e as dores do período debaixo das traves, falou sobre o trabalho com o bilionário City Football Group na Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Bahia, elogiou Rogério Ceni e desabafou sobre o ambiente de preconceito no esporte mais popular do país.

 

 

O POVO - É mais fácil ser goleiro ou presidente?

Emerson Ferretti - Por conta dessa configuração diferente, talvez ser presidente não seja tão complicado agora. Porque quando a gente é o presidente do clube responsável pelo futebol, a gente não tem paz, é 24 horas de trabalho, sete dias na semana e tudo precisa ser resolvido pelo presidente, em última instância. Se os resultados não chegam, o clube sofre uma pressão muito grande, o trabalho sofre uma pressão, por mais que você esteja fazendo um trabalho bom. Mas se os resultados não aparecem, você sabe como é a avaliação. Então você não tem paz.

Dessa vez, nessa configuração nova, a gente tem um sócio poderoso (City Football Group) cuidando do futebol junto com a gente, responsável pelas tomadas de decisão. Então isso alivia um bocado o nosso trabalho, mas, ao mesmo tempo, tira da gente o protagonismo dentro do futebol. E pode ser para o bem ou para o mal: se os resultados não vêm, é ruim, é uma pressão muito grande; mas se os resultados vêm, você é o responsável por aquele fenômeno que é quando os times ganham e a torcida entra em estado de euforia.

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Meu sonho de criança não foi ser presidente de um clube, foi ser goleiro de futebol. Quando a gente faz com esse amor é muito mais fácil.

Ser goleiro era uma responsabilidade muito grande também, porque tem toda uma imprensa e uma torcida que te avaliam o tempo todo e você precisa ser perfeito quando está dentro de campo, porque o erro não é tolerado, apesar de o futebol ser um jogo de erros. Como eu amava ser goleiro, eu fazia com prazer, com gosto. Não é que eu não ame estar na posição que eu estou hoje, mas o estar lá dentro de campo é que foi sempre o sonho de criança. Meu sonho de criança não foi ser presidente de um clube, foi ser goleiro de futebol. Quando a gente faz com esse amor é muito mais fácil.

OP - Você jogou em clubes importantes do Brasil, teve destaque individual, ganhou títulos... Qual o saldo da carreira como atleta?

Emerson - Eu sou cria do Grêmio, entrei no Grêmio com 8 anos de idade. Sou de Porto Alegre, de uma família gremista. Fiquei 15 anos no Grêmio, passei toda a minha divisão de base no Grêmio, fui para a seleção brasileira sub-15, seleção brasileira sub-20 algumas vezes, me profissionalizei no Grêmio, com 20 anos já era o goleiro titular do Grêmio. Então eu tenho uma história no Grêmio, tenho uma gratidão muito grande, foram 15 anos. E era o clube que eu torcia. Depois, quando se torna profissional, a gente começa a ver o futebol de uma outra forma. É claro que tem alguns clubes que você joga que cria uma identificação, outros, nem tanto.

Foram mais de 600 jogos como goleiro profissional, joguei em nove clubes, isso me deu uma experiência grande, por ter jogado em clubes grandes, notadamente o Flamengo, no ano do centenário,

E o Bahia foi um desses casos, foi amor à primeira vista, uma relação muito profunda comigo, com o clube e com o torcedor, tanto é que fiquei seis anos. Eu sou o terceiro goleiro que mais vestiu a camisa na história do clube. E a relação se aprofundou muito, tanto é que eu me tornei o presidente do clube, o primeiro ex-atleta do Bahia a se tornar presidente.

Foram mais de 600 jogos como goleiro profissional, joguei em nove clubes, isso me deu uma experiência grande, por ter jogado em clubes grandes, notadamente o Flamengo, no ano do centenário, quanto tinham trazido o Romário, ataque dos sonhos, todo aquele auê. Eu vivenciei isso. Joguei em clubes menores. Tive a oportunidade, por exemplo, de ser campeão de uma Copa do Brasil com o Juventude dentro do Maracanã com 105 mil pessoas; tive a oportunidade de ser o melhor goleiro do Brasil em 2001, ganhando a Bola de Prata pelo Bahia.

Então acho que foi uma carreira que teve muito êxito. E até se ampliar a visão e trazer essa questão da sexualidade, sobreviver nesse mundo e ter um certo sucesso sendo LGBT valoriza ainda mais essa carreira.

OP - Como foi jogar naquele Flamengo de 1995, com Romário, Edmundo, Sávio e outros craques?

Emerson - Foi uma experiência incrível. Primeiro jogar no Flamengo realmente é... O Flamengo é o maior clube do Brasil, em termos de visibilidade, de história, do que mobiliza. É o clube mais popular. Foi um ano especial, o ano do centenário, que foi montado um elenco estrelado, trazendo o Romário, que tinha sido o melhor jogador do mundo (em 1994) e principal responsável pelo tetracampeonato. Os holofotes estavam todos no Flamengo. Foi muito interessante jogar com todos esses craques, mas o dia a dia não era tranquilo por conta dessa vaidade. O vestiário não era tranquilo.

Tinha muito craque, muita qualidade técnica, mas pouca união. Porque alguns tinham algumas regalias e outros não. E isso dentro de um grupo de futebol é muito ruim. Na verdade, você tem a obrigação de fazer a mesma coisa que o outro, que é chegar no horário, treinar. Mas você faz, o outro não faz e o outro é mais valorizado do que você. Isso cria um certo ciúme. Acho que foi isso que aconteceu para que a gente não tivesse resultados satisfatórios naquele ano. Foi um erro de planejamento. A ideia de fazer um time daquele jeito era maravilhosa, mas o dia a dia não foi bem conduzido.

A partir do momento que eu vi a possibilidade e me qualifiquei para estar como presidente, isso passou a se tornar uma realidade, uma possibilidade real de concorrer à presidência do Bahia e fazer um trabalho.

OP - Você já pensava em ser dirigente enquanto ainda era jogador?

Emerson - Eu sempre gostei de gestão. Com 17 anos já estava na faculdade de Administração, não consegui concluir porque aos 20 anos já era goleiro do Grêmio. Precisei optar. Mas sempre gostei de gestão, sempre ficava ligado nisso, com a ideia de um dia poder gerir um clube. Tinha uma ideia, mas não era uma meta. As coisas foram acontecendo. Antes de encerrar a carreira, eu voltei para a faculdade de Administração e quando eu me formei, apareceu o Ypiranga-BA, um clube da Segunda Divisão (do Campeonato Baiano), uma situação bastante complicada, fechando as portas. E aí eu vi a oportunidade de fazer um trabalho para ajudar, em um primeiro momento, que tem uma história linda aqui (na Bahia).

E a coisa foi se aprofundando, eu fui me envolvendo, até que eu fiquei oito anos no Ypiranga. Eu estava com a teoria na cabeça, porque tinha me formado, e o Ypiranga me deu a prática da gestão de um clube de futebol, o resgate de uma marca de um clube que não estava nem jogando mais. A gente salvou o clube de fechar. Isso me deu uma experiência grande, a ponto de dar o embasamento para querer pleitear um desafio maior, que é ser presidente do Bahia. Me ajudou muito. A partir do momento que eu vi a possibilidade e me qualifiquei para estar como presidente, isso passou a se tornar uma realidade, uma possibilidade real de concorrer à presidência do Bahia e fazer um trabalho.

Ex-goleiro Emerson Ferretti toma posse como presidente do Bahia(Foto: Maurícia da Matta/EC Bahia)
Foto: Maurícia da Matta/EC Bahia Ex-goleiro Emerson Ferretti toma posse como presidente do Bahia

OP - Como tem sido a experiência de lidar com o Grupo City na gestão da SAF do Bahia?

Emerson - O Bahia, — os especialistas dizem, e eu concordo com eles —, além de ter feito a melhor SAF no sentido de modelo de negócio, trouxe o melhor parceiro possível. Um grupo mundial, que já tem uma expertise muito grande e não tem problemas financeiros (risos). Isso nos dá uma garantia, uma confiança de que o trabalho vai ser muito bem feito, a exemplo do que eles já fizeram em outros clubes, notadamente o Manchester City, que se tornou, em 15 anos de gestão, o maior campeão inglês desses últimos anos. A gente acredita muito no trabalho deles. A relação, até agora, muito amistosa, de proximidade, alguns projetos em conjunto.

Eles têm a condução do futebol, isso foi estabelecido contratualmente, e a gente precisa respeitar. Eles são sócios majoritários, mas nós também somos donos. A gente acompanha de perto, dentro do possível também participa dessa gestão, mas as definições são feitas lá por Manchester. O pessoal daqui se reporta a Manchester para tomar as macro decisões. É um trabalho que eles conduzem e a gente acompanha, até porque temos obrigações contratuais de acompanhamento e temos por obrigação também defender nossos símbolos, do Bahia, para que não sejam utilizados de uma forma indevida.

E a gente aprende também, passa um pouco do que é ser Bahia. A gente fala que a gente tem o dendê no sangue, eles não têm. A gente tem como agregar valor, porque conhece bem o clube, a torcida, o futebol brasileiro, e eles trazem uma expertise de gestão, poder financeiro, e a gente junta tudo isso para fazer um Bahia forte.

OP - E você acabou reencontrando o Rogério Ceni, que também era goleiro e foi seu adversário algumas vezes...

Emerson - Primeiro eu estou muito feliz de ter o Rogério à frente do nosso comando técnico, um cara que sempre respeitei. Como goleiro, eu o tinha como uma referência de goleiro e profissional e também de um atleta vencedor. A gente tem que respeitar muito o que o Rogério fez dentro de campo. Ele ganhou tudo que era possível (risos). E agora como treinador também já tem uma carreira vitoriosa. Eu não tinha amizade com ele, apesar de ter jogado algumas vezes contra, e o encontro foi muito bom, de respeito, porque há um respeito mútuo pelo que os dois fizeram dentro de campo e agora construindo carreira fora de campo. A gente está aí para ajudar no que o Rogério precisar e ele tem ajudado bastante o nosso clube também. Eu estou bem feliz realmente, acho que ele pode agregar muita coisa ao Bahia, principalmente esse sentimento de campeão, de atleta vencedor que ele tem, de profissional que gosta de vencer. Isso é muito bom.

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Quando um clube como o Bahia se posiciona sobre algum assunto, a sociedade para para prestar atenção, porque o Bahia, assim como o Fortaleza e o Ceará, é objeto de amor da maioria das pessoas.

OP - Nos últimos anos, o Bahia se notabilizou pela postura ativa em questões sociais no futebol. Você pretende manter isso na sua gestão?

Emerson - O Bahia, primeiro, está de parabéns porque é pioneiro no futebol brasileiro nessa preocupação social. E tanto se tornou importante isso que hoje o estatuto do clube obriga, é uma obrigatoriedade estatutária a gente manter essa responsabilidade social. Se eu não continuar atuando, eu vou estar descumprindo uma determinação do estatuto. É uma obrigação minha, mas eu não encaro nem como obrigação. "Tenho que fazer porque está no estatuto", não, se não tivesse também a gente daria seguimento.

Acho tão importante os clubes de futebol se apropriarem dessa importância social que eles têm, porque o que eles fazem e falam têm um canhão de luz. A sociedade para para ouvir e ver, a sociedade reage. Quando um clube como o Bahia se posiciona sobre algum assunto, a sociedade para para prestar atenção, porque o Bahia, assim como o Fortaleza e o Ceará, é objeto de amor da maioria das pessoas. Os clubes precisam entender a importância que tem se posicionar, eles têm o poder de fazer algo para melhorar nossa sociedade. O Bahia entendeu isso, talvez antes de todos os outros, criou o Núcleo de Ações Afirmativas, e a gente pretende dar seguimento.

OP - Você acredita que esse trabalho já surtiu efeito na torcida do Bahia? Talvez em outro clube e em outra época um candidato gay não seria eleito presidente?

Emerson - Acho que sim. Acho que ajudou muito, a partir do momento que chamou atenção para essas causas sociais, porque o Bahia começou a olhar para as minorias, se tornou um clube inclusivo, que respeita a diversidade e ganhou a simpatia de muita gente. Inclusive pessoas que não torciam para o Bahia começaram a torcer por conta desses posicionamentos. É lógico que ainda há os radicais, que acham que tudo isso é "mimimi", mas, na verdade, são eles que precisam se tratar, porque a doença está na cabeça deles. Eles não respeitam as outras pessoas do jeito que são. Acho que ajudou muito, sim.

Ajudou também o fato da minha relação com o torcedor do Bahia, desde quando eu era goleiro, ser muito boa, o torcedor realmente tem um carinho e um respeito muito grande por mim. Ajudou também a minha história aqui na Bahia, já são 24 anos. Eu fui atleta aqui durante sete anos e meio, depois trabalhei na imprensa, 15 anos como comentarista, presidente do Ypiranga. Enfim, eu tenho uma história aqui na Bahia que é conhecida de todo mundo e é muito positiva. A figura do Emerson também ajudou ao torcedor tricolor não se importar com isso, não levar isso como se fosse... Não é que seja irrelevante... Levar a questão da sexualidade como um impedimento ou transformar isso em algo maior do que a capacidade do Emerson de gerir o clube.

A partir do momento que eu falo, hoje se tem uma referência de um atleta que jogou em clubes grandes e é gay e esse mesmo atleta se tornou presidente de um dos maiores clubes do Brasil.

Quando eu falei sobre a sexualidade, em agosto de 2022, eu recebi um carinho muito grande. Na verdade, a mim não chegou nada negativo, nenhuma crítica, nada. Só apoio, carinho, acolhimento, manifestações de entendimento, que era uma atitude de coragem e necessária para que ajudasse o futebol a evoluir. A sociedade já está mais evoluída, a gente já tem governador LGBT, pessoas LGBTs em todos os cargos e funções. Aliás, a gente sempre teve, só que todo mundo precisava se esconder, assim como no futebol. Hoje a sociedade evoluiu, as pessoas não se escondem mais, mas dentro do futebol ainda precisam se esconder, senão a carreira acaba, as portas se fecham.

A partir do momento que eu dou esse passo, que eu viro uma referência e mostro que é possível, sim, ser gay e jogar, ser campeão, jogar em clubes grandes, se tornar ídolo, conquistas pessoais... Eu passo uma imagem para o mundo do futebol que o gay pode estar junto, sim, e desmistifico muitas ideias em relação ao gay no futebol. A gente começa a furar a bolha. Ainda há um longo caminho para avançar, mas a gente começa a dar os primeiros passos. A partir do momento que eu falo, hoje se tem uma referência de um atleta que jogou em clubes grandes e é gay e esse mesmo atleta se tornou presidente de um dos maiores clubes do Brasil.

Quer dizer, é um avanço maior ainda, e a torcida do Bahia está de parabéns porque não colocou isso como um empecilho, não achou que isso foi relevante, e sim a qualificação e a capacidade de botar o Emerson lá (na presidência). Se ele é gay ou não, fica em segundo plano. Isso já é uma evolução muito grande, porque, antigamente, o fato de ser gay já me barraria de uma disputa. A torcida abraçou. O Bahia passa uma imagem para a sociedade de evolução, de respeito, e eu estou muito orgulhoso de estar fazendo parte de tudo isso.

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Foi um processo muito solitário, de não poder conversar com ninguém. Não só na vida pessoal, mas também na vida profissional. Várias vezes eu tive depressão por conta disso

OP - Como foi lidar com a questão da sexualidade ao longo da carreira de jogador?

Emerson - Foi bastante complicado isso, porque ao mesmo tempo que eu amava ser goleiro, eu me realizava dentro de campo, o dia a dia do futebol para mim era difícil. Eu destoava do meio (risos). Eu não ia para os mesmos lugares ou não gostava das mesmas coisas que a maioria dos jogadores, ou não participava das saídas, das noitadas deles, que sempre eram regadas de muita mulherada. Eu acabava não tendo uma relação muito aprofundada de amizade com os outros jogadores, ficava sempre um pouco mais afastado.

Foi um processo muito solitário o tempo todo, a descoberta da minha sexualidade, porque também era uma outra época, não tinha internet, não tinha rede social. Os gays precisam realmente se esconder, porque eram marginalizados. Foi um processo muito solitário, de não poder conversar com ninguém. Não só na vida pessoal, mas também na vida profissional. Várias vezes eu tive depressão por conta disso, pensei até em abandonar o futebol algumas vezes, quando eram situações mais aprofundadas nas depressões, mas eu segui.

Ex-goleiro Emerson Ferretti toma posse como presidente do Bahia(Foto: Maurícia da Matta/EC Bahia)
Foto: Maurícia da Matta/EC Bahia Ex-goleiro Emerson Ferretti toma posse como presidente do Bahia

OP - E como foi a decisão de assumir publicamente?

Emerson - E eu nunca imaginei abrir isso publicamente, falar publicamente. Nunca foi uma ideia se tornar essa referência (risos), porque eu sempre precisei esconder e isso estava tão arraigado dentro de mim, "se eu abrir eu vou me prejudicar". Teve muito mérito a Joanna de Assis, jornalista do ge, quando me procurou porque queria fazer uma matéria sobre o assunto. Desde o início, eu abri a minha situação para ela, mas não queria fazer parte da reportagem. Abri para ajudá-la porque achava que a reportagem seria importante, mas não queria me colocar dentro.

Só que foram dois anos e meio de conversa, veio pandemia e tudo, ela falando muito sobre as pesquisas dela e todas as histórias que ela trazia eram de dor, de muito sofrimento. Atletas, pessoas da comissão técnica que eram LGBTs e sempre com muito sofrimento dentro do futebol. Isso começou a me comover, porque a minha (história) também teve muito sofrimento, foi um processo solitário. Quando eu tinha depressão, não podia falar isso com ninguém. Aí eu comecei a amadurecer isso, de poder falar, até que eu tomei a decisão.

E para mim foi maravilhoso, porque eu acabei colocando para fora uma coisa que eu escondia, que eu achava que era uma fraqueza minha, e que hoje eu entendo que é a minha maior força. Hoje eu represento muita gente, como se eu fosse um batedor chegando dentro do futebol nessas questões, indo na frente, com uma importância muito grande, fazendo história. Aí não é só o ego falando: "Ah, estou fazendo história dentro do futebol". Não, eu estou podendo ajudar muita gente que está vindo atrás, confiando que "se o Emerson já pôde, eu também posso". É nesse sentido que eu vejo isso. Acho que estou deixando um legado fora de campo, talvez muito maior do que meu legado dentro de campo (risos).

OP - Depois da entrevista, você chegou a ser procurado por outros atletas ou ex-atletas em situação semelhante?

Emerson - Não, outros jogadores não. Muitos jogadores que jogaram comigo me parabenizaram, muitas pessoas LGBT me procuraram, via rede social, principalmente, para parabenizar, falar comigo, contar suas histórias, mas outros jogadores na mesma condição, não. Ainda existe um medo muito grande. Dentro do futebol existem as pessoas LGBT, mas ainda são uma minoria, porque o futebol é tão hostil que afasta essas pessoas. Acho que a quantidade é pequena dentro do futebol e eles ainda sentem a necessidade de se esconder. O futebol não tem interesse que esse assunto avance, essa discussão, porque existe muito conservadorismo no futebol. Ainda temos muitos passos a serem dados nessa evolução. O que eu fiz foram só os primeiros.

Carlinhos Brown, Bruno Reis, prefeito de Salvador, e Emerson Ferretti, presidente do Bahia, no lançamento do programa Bora Bahêa Meu Bairro(Foto: Betto Jr./ Secom PMS)
Foto: Betto Jr./ Secom PMS Carlinhos Brown, Bruno Reis, prefeito de Salvador, e Emerson Ferretti, presidente do Bahia, no lançamento do programa Bora Bahêa Meu Bairro

OP - Como ex-atleta e hoje dirigente, como você avalia a importância que os clubes dão ao suporte psicológico aos jogadores?

Emerson - Eu continuo achando os clubes ainda muito negligentes em relação à saúde mental dos atletas. Avançou, hoje a legislação, inclusive, já exige que os clubes tenham assistente social, psicólogo na base, alguns clubes têm já na sua equipe profissional um acompanhamento de um profissional dessa área, mas acho que o trabalho feito ainda é muito aquém do necessário, ainda não entenderam que a saúde mental é tão importante quanto a técnica, a tática, a condição física do atleta. Ainda há alguns tabus a serem desmistificados.

Primeiro por parte, por exemplo, dos treinadores, que acham que o trabalho do psicólogo pode atrapalhar muito mais do que ajudar, existe uma resistência por parte dos treinadores, que falam uma coisa e acham que o psicólogo pode vir e falar uma outra coisa completamente diferente para o seu atleta e isso dar uma confusão. Segundo que há também uma resistência muito grande dos atletas em se abrir para o psicólogo do clube por conta da confiança. Acha que se abrir, falar coisas para o psicólogo, o psicólogo vai correndo contar para o treinador ou para a diretoria, para o presidente, então eles não sentem confiança total em se abrir. Isso precisa ser melhorado, os clubes precisam ficar mais atentos ao comportamento dos atletas, à saúde mental deles.

O futebol é um negócio. Se você não estiver bem de cabeça, não desempenha; se você não desempenha, atrapalha seu time; se você atrapalhar seu time, a probabilidade de resultados negativos aumenta; e se tiver resultados negativos, você perde dinheiro. É um ciclo que precisa ser entendido de outra forma. Vamos cuidar da saúde mental de todo mundo, porque todo mundo vai poder estar em condições de produzir melhor. Se produzir melhor, os resultados positivos virão com mais facilidade; se vierem resultados positivos, entra dinheiro, todo mundo valoriza, muda o ciclo.

A gente já perdeu jogadores, né? Eu mesmo tive depressão e pensei em abandonar minha carreira. O futebol perderia um bom goleiro, bom profissional, mas o futebol iria repor. Mas quantas pessoas não tiveram a resiliência que eu tive de seguir? Quantas desistiram por não estar bem, a saúde mental não estar legal? Esse cuidado precisa ser melhorado.

OP - De que forma você pretende agregar ao futebol brasileiro como presidente do Bahia, tanto como produto quanto em questões sociais?

Emerson - O que eu trago para o meu dia a dia, para o futebol, é respeito. Eu carrego essa bandeira, muito mais até do que a bandeira LGBT. Hoje não se dissocia do Emerson o fato dele ser LGBT, o primeiro atleta, o primeiro presidente, mas eu não carrego essa bandeira. Eu carrego a bandeira do respeito. A partir do momento que eu me imponho, que eu furo a bolha, que eu faço parte e mostro, as pessoas precisam respeitar. Eu valorizo a diversidade, mostro que a gente pode ocupar espaços e que as pessoas precisam respeitar. Essa bandeira eu carrego.

Eu entendo que o futebol, o estádio, é um momento de catarse positivo e negativo: quando o time ganha, você ganha uma euforia coletiva linda, uma festa linda; só que quando perde parece que o lixo que todo mundo tem dentro — e todos têm — é jogado ali, viram animais e são capazes de coisas irracionais, de xingamentos, desrespeito, briga. Eu sei que é difícil manter o equilíbrio dentro do estádio, mas a gente precisa conscientizar que mesmo naquele espaço precisa ter respeito com as pessoas. Ninguém tem o direito de ofender ninguém só porque perdeu o jogo ou errou ou torce para outro clube que não é igual ao seu. Não te dá o direito de fazer o que você quiser.

Essa consciência eu pretendo levar para dentro do futebol, ajudar o futebol a evoluir no respeito às pessoas e às minorias. Essa é a minha bandeira dentro do futebol. Por isso que eu sigo e cada vez mais espero poder avançar.

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