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Edilson Aragão: Cidades do Ceará ficaram a reboque da Capital
Reportagem Seriada

Edilson Aragão: Cidades do Ceará ficaram a reboque da Capital

Edilson Aragão é arquiteto e professor universitário. Hoje está em uma diretoria do Metrofor. Foi vereador de Sobral e vice-prefeito nos dois mandatos de Cid Gomes. Em ano de eleições municipais, fala das alternativas para desenvolver as cidades do Interior do Ceará

Edilson Aragão: Cidades do Ceará ficaram a reboque da Capital

Edilson Aragão é arquiteto e professor universitário. Hoje está em uma diretoria do Metrofor. Foi vereador de Sobral e vice-prefeito nos dois mandatos de Cid Gomes. Em ano de eleições municipais, fala das alternativas para desenvolver as cidades do Interior do Ceará
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Edilson Aragão é arquiteto e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, ele não é apenas estudioso da questão urbana. Como poucos profissionais, ele teve experiências que o permitiram levar para a prática as teorias sobre o planejamento de cidades. Foi vice-prefeito de Sobral de 1997 a 2004, nos dois mandatos em que o hoje senador Cid Gomes (PSB) foi prefeito.

Dessa perspectiva particular, ele conversou com O POVO sobre a rede de cidades do Ceará. Conhecedor da realidade do Interior, em particular do maior município da Zona Norte, ele analisa a concentração na Capital de investimentos, infraestrutura, atividades econômicas — e também problemas. Trata também do papel das cidades interioranas.

Em ano de eleições municipais, Aragão comenta as possibilidades e os potenciais mesmo para os menores municípios.

Em Sobral, ele participou do início da experiência política que transformou o município em referência estadual e, em algumas áreas, até nacional. Ciclo político que, 27 anos depois, está no poder até hoje. Ele foi parte também de um experimento político que uniu, na época, o PSDB ao PT — este último o partido ao qual Aragão é filiado. Além de vice-prefeito, ele viveu a política municipal também como vereador de Sobral.

Atualmente diretor de Desenvolvimento e Tecnologia do Metrofor, Aragão é também observador, e agente, privilegiado também da Região Metropolitana de Fortaleza, as possibilidades e problemas do pedaço mais complexo do Ceará.

 

 

O POVO - O Ceará tem uma situação de uma capital muito grande proporcionalmente aos municípios do interior. Algo incomum entre os estados. Qual impacto isso tem tanto para Fortaleza como para o Estado todo?

Edilson Aragão - Constumamos dizer que o Ceará é um estado macrocefálico, tem uma grave doença de macrocefalia. Um estado com uma cabeçona enorme, a capital. O corpo, que são as cidades, ao longo do processo histórico foram colocadas a reboque da concentração dos investimentos públicos na capital.  Isso foi determinado por uma questão político-administrativa.

Quando foi criada a província do Ceará, em 1799, pelo rei de Portugal, o Ceará já tinha atividades econômicas, só que no interior. O Vale do Jaguaribe, com Icó, com uma grande indústria de carne e de couro, consorciado com Aracati. Produzia o gado no Vale do Jaguaribe, descia o gado e salgava no Aracati. Essa carne ia para a indústria do açúcar em Pernambuco ou para o ciclo do ouro nas Minas Gerais.

A mesma coisa aconteceu no Vale do Acaraú. Sobral era outra vila que tinha um grande desenvolvimento, baseado nas fazendas do gado, e que associada com Acaraú e com Camocim, também fornecia a carne e o couro. Essa geração, que chamamos geração do couro, criou grandes estruturas urbanas, com casarões, toda uma riqueza que se materializava na arquitetura da cidade.

OP - E Fortaleza nessa época...

Edilson - Não tinha nada. Fortaleza não produzia nada. O que é que tinha de fato em Fortaleza: a vila do Forte. Era uma posição estratégica dos interesses da coroa portuguesa para proteção dos seus investimentos. Mas onde é que tem cidade? Onde tem atividade econômica. O que Fortaleza produzia? Nada. Não tinha gado, não tinha agricultura, a não ser de subsistência. Eram 200 pessoas morando na vila. Tinha absolutamente nada.

OP - Nem para escoar a produção, o comércio.

Edilson - Isso, porque saia por Aracati e por Camocim. No entanto, havia em Fortaleza o forte. O forte é o símbolo do poder real. Expandiram Recife. Natal foi outro forte, dos Reis Magos. João Pessoa tinha o forte Filipeia de Nossa Senhora das Neves. Fortaleza, Nossa Senhora da Assunção. No Maranhão. Vão fazer outra fortaleza lá na foz do Amazonas, no Pará, no Amapá. Guarnecem a costa inteira.

Então, decidiram desmembrar (o Ceará) de Pernambuco e instalar a capital no litoral. Mas, no litoral tinha Aracati e Camocim com possibilidade de ser. No entanto é na vila do Forte que está a presença do Estado português, com a fortaleza. E aí, claro, quando é capital, o que vamos fazer? Concentrar os investimentos do Estado na infraestrutura.

Fortaleza não tinha economia e vai se viabilizar por um outro uso, que é a administração e o comércio. Se tudo passa agora pelo porto de Fortaleza, o que vai ser desenvolvido aqui? O comércio.

A partir de 1800, todos os investimentos vão ser dirigidos para Fortaleza. Primeira coisa é a criação do porto. Tudo agora tem de passar pelo porto de Fortaleza, porque Fortaleza é a capital. Fazer os aparelhos do Estado, o Palácio do Governo, a Assembleia Provincial, onde vão se reunir os deputados, o Tribunal de Justiça. As estradas que vão ligar a capital aos outros municípios, que vão contribuir com seus impostos, com a sua produção.

Baturité, Sobral, Icó, tudo isso vai contribuir para carrear os produtos agora, que têm de passar pela alfândega de Fortaleza. Fortaleza não tinha economia e vai se viabilizar por um outro uso, que é a administração e o comércio. Se tudo passa agora pelo porto de Fortaleza, o que vai ser desenvolvido aqui? O comércio. Por isso as grandes fortunas do Ceará são oriundas do comércio.

Edilson Aragão, professor, arquiteto e ex-vice-prefeito de Sobral     (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Edilson Aragão, professor, arquiteto e ex-vice-prefeito de Sobral

OP - Nessa situação, nem Fortaleza ganha?

Edilson - Por que que é ruim para todo mundo? Poderia ter uma cidade que rivalizasse com Fortaleza, rivalizasse no sentido positivo, de também abrigar alguns investimentos, que segurasse a população vivendo dignamente, corretamente nessas outras cidades. No Rio Grande do Norte, tem Mossoró, que rivaliza nesse bom sentido com Natal. João Pessoa rivaliza com Campina Grande. Pernambuco tem o Recife, tem Olinda, mas também tem Petrolina.

Outras regiões que abrigam investimentos que seguraram grande leva da população. Salvador, São Paulo rivalizam com outras cidades. Os estados, de certa forma, descentralizaram. Claro, existe uma política de concentração. O capital sempre é concentrador, porque vai em busca da infraestrutura. Mas se há infraestrutura também, por exemplo, no Camocim tem um porto natural, que é a foz do rio Coreaú. E aí começa a chegar a estrada de ferro, no fim do século XIX, chega a estrada de ferro.

A primeira estrada de ferro que vai ser feita é Fortaleza-Baturité, mas também, no mesmo tempo, vai ter uma outra estrada de ferro Sobral-Camocim, para poder carrear esses recursos. Fortaleza passa o século XIX tentando se impor como a líder da rede de cidades do Estado do Ceará. E consegue a partir exatamente da concentração dos investimentos em Fortaleza, consegue ultrapassar todas as cidades. Todos os recursos, por exemplo, uma universidade. Onde é que se vai fazer a universidade? Se fez em Fortaleza.

Todo o Estado do Ceará, com exceção do Cariri, que vai sofrer uma influência, em função da distância, bastante significativa do Recife. Os filhos do Cariri que quiseram na época, do fim do século XIX ao começo do século XX, até década de 50, que queriam ser graduados, ter uma profissão, iam para o Recife. Mas nos outros municípios, se você quisesse se formar, você ia para Fortaleza ou, no caso das famílias mais abastadas, iam para o Recife ou para o Rio de Janeiro.

Os primeiros médicos do Ceará, os primeiros engenheiros, todos tinham de ir para Fortaleza ou, dependendo, da família, iam para o Recife ou para Salvador, Rio de Janeiro etc. A concentração dos investimentos de fato conseguiu frear o desenvolvimento de outra cidade.

"Fortaleza passa o século XIX tentando se impor como a líder da rede de cidades do Estado do Ceará. E consegue a partir exatamente da concentração dos investimentos"
 

OP - Problemas que Fortaleza sofre hoje são decorrência dessa concentração?

Edilson - Sem dúvida. Há um processo de mudança do perfil da economia. Enquanto a economia era rural, baseada no setor primário, as cidades ainda seguravam grande parte da população. Qual é o produto é mais importante do Ceará até fim da década de 50?

OP - Algodão.

Edilson - E onde o algodão é produzido?

OP - Sertão.

Edilson - Então se faz um consórcio algodão com gado. A cadeia produtiva do algodão e do gado segura levas e mais levas de população. Claro, quando tem uma seca, vai ter sofrimento, vai ter um impacto muito grande. No entanto, a política de convivência com a seca estabelecida pelo Ifocs (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas) depois pelo Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) vai resolver alguns problemas, a construção de grandes barramentos mantém acesa, forte e firme a indústria do algodão com o gado. Esse consórcio é fantástico, ele consegue, por exemplo, sobreviver no semiárido.

O semiárido brasileiro, grande parte está no Ceará, é o único semiárido do globo terrestre que tem populações humanas, que tem cidades com grande população. No resto do globo terrestre, tem duas outras regiões semiáridas, não tem gente, não mora gente. Aqui, por conta exatamente da convivência do algodão com gado, conseguiu-se segurar (populações). Quando muda o perfil da economia, o que acontece? A primeira industrialização é no século início do século XX. Mas é uma é uma industrialização ainda muito tênue.

O Estado do Ceará não tinha energia, sem energia não tem indústria. No governo do Virgílio Távora, traz a energia para o Ceará. Com a energia vem a indústria de base, vem a indústria de fato. Começa a mudar o perfil da economia do Estado do Ceará. Onde é que a indústria vai se localizar no primeiro momento? Onde tem o porto. A indústria se localiza em Fortaleza por causa do porto. Porto que é construído com recursos federais. Universidade que é construída com recursos federais. Hospital que é constituído com recursos federais.

Todo esse investimento faz, de fato, Fortaleza ser ao longo do século XX a líder das cidades do Ceará. E na segunda metade do século XX, começa a ser também a cidade líder, disputando com Recife e Salvador, a cidade líder do Nordeste. E vai conseguir isso. A partir do século XXI, a partir dos anos de 2000, 2010, Fortaleza é a referência no Nordeste. Há uma queda de Recife, uma certa queda também de Salvador, tanto é que hoje nós somos a quarta cidade em população do País, superando Salvador e superando Recife.

Isso vai ser acelerado no governo do Tasso Jereissati (PSDB), com a a política de incentivo de descentralização da indústria. E se fortalece com o Ciro (Gomes), criando de fato os incentivos.

A industrialização muda por completo essa história. Uma vaga que se abre na cidade traz dezenas de pessoas em busca daquela daquela vaga. Muda um pouco esse processo a partir da política de industrialização ou de interiorização da indústria que vai acontecer ainda por conta da Sudene. na década de 60. Algumas indústrias vão se instalar no interior, principalmente Sobral, Juazeiro do Norte. Isso vai ser acelerado no governo do Tasso Jereissati (PSDB), com a a política de incentivo de descentralização da indústria. E se fortalece com o Ciro (Gomes), criando de fato os incentivos.

Se uma indústria vem se instalar a partir dos incentivos da Sudene, mas também do FDI Estadual, tem o refinanciamento do ICMS. Para a indústria foi muito bom. E aí se vê uma série de indústrias acontecendo no interior. Calçados, polipropileno, que é aquele material da Grendene. Surge o distrito industrial de Horizonte, Pacajus, com grandes indústrias. Aí muda um pouco. No entanto, Fortaleza por conta da infraestrutura que, ao longo de praticamente o século XIX inteiro vai ser o lugar do investimento público, consegue se manter ainda como a única grande cidade, a única metrópole do Estado do Ceará.

Quando chega à década de 70, as três universidades Universidade Federal, Universidade Estadual e Universidade Católica, eram na capital. A UFC é a Universidade Federal do Ceará, mas só tinha em Fortaleza. A Uece é a Universidade Estadual, mas só tinha em Fortaleza. Houve a mobilização por parte de algumas lideranças do interior para fazer com que a Universidade Federal fosse, de fato, do Ceará. Então houve a expansão do campus da Universidade Federal do Ceará para alguns outros municípios.

Aliás, antes da UFC, a própria Universidade Estadual, e aí foi no governo Gonzaga Mota, ela se expande com a criação da UVA e com a criação da Urca por parte do Governo do Estado. Depois da UFC vai também para o interior, representando o investimento na capacidade de formação de mão de obra qualificada. Porque nenhuma indústria vai para o interior se não tem não é a qualificação da mão de obra. O que aconteceu foi a concentração de recursos, a concentração de mão de obra qualificada, a concentração de infraestrutura na capital e o esvaziamento do interior.

"Fortaleza se torna ao longo do século XX a líder das cidades do Ceará. E na segunda metade do século XX, começa a ser também a cidade líder do Nordeste"

OP - E a concentração também de problemas urbanos, como moradia, trânsito, insegurança...

Edilson - É lógico. Quando concentra esses recursos, tem uma explosão demográfica. Vem todo mundo para cá, porque os investimentos estão aqui, as fábricas estão aqui, os empregos estão aqui. Como eu disse, uma vaga que se abre em Fortaleza, vêm dezenas de pessoas e a cidade não estava preparada para isso. Há três agentes que formam espaço urbano, formam estrutura urbana: capital imobiliário, que vai aparecer em Fortaleza.

Não existia mercado imobiliário na década de 20, de 40, não tinha. Vai começar a partir da década de 50 com os loteamentos que vão aparecer. Loteamento Aldeota, loteamento Praia do Futuro, tudo isso é da década de 50. A ausência de planos diretores. Não é nem a ausência, mas a ausência de cumprimento de plano diretores.

O primeiro plano diretor de Fortaleza, que é de 1875, do Adolfo Herbster, praticamente não foi seguido. Ele preservava os dois riachos que nós temos, significativos, o Pajeú, que deu origem à localização da cidade, da fortaleza, foi por conta do Pajeú. E o Jacarecanga. Esses dois rios, no projeto do Adolfo Herbster, eram dois parques. Mesmo com a estrutura urbana, mesmo com a expansão dessa estrutura prevista no plano, eles eram preservados.

Com o crescimento da importância de Fortaleza, com os investimentos em Fortaleza, com aumento da população, com o aumento da movimentação econômica, aparece o mercado imobiliário. E ele vai criar a reprodução do capital e passa por cima de tudo isso. A primeira vítima dessa expansão de Fortaleza é o riacho Pajeú. Não é à toa que hoje qualquer chuvazinha de 20mm e 30mm, o rio volta. Não é que a cidade se alaga. O rio volta para o seu leito natural. Porque no processo de expansão, nesse processo de crescimento, foi sendo destruído.

Então, o mercado resolve uma parte. O poder público resolve outra, a questão da infraestrutura. Mas habitação para esse povo, os serviços de educação para esse povo, que vem ser operário aqui em Fortaleza, que vem ser a mão de obra útil, esse povo foi para onde? Foi para as áreas mais frágeis ambientalmente e as áreas de menor valor comercialmente. Porque as de grande valor o mercado assumiu.

Então, as franjas dos rios, as áreas alagadas, as áreas que nós chamamos as faixas de domínio das BR, das estradas de ferro. A Favela do Trilho nada mais é do que ocupação de operários, de pessoas que vieram trabalhar e não encontram lugar, não encontram projeto de habitação, não encontram política habitacional e vão ocupando tudo isso aí.

Edilson Aragão, professor, arquiteto e ex-vice-prefeito de Sobral     (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Edilson Aragão, professor, arquiteto e ex-vice-prefeito de Sobral

OP - O senhor disse que o predomínio de Fortaleza foi induzido pelo Estado. É possível o Estado induzir a desconcentração?

Edilson - Hoje é mais difícil, porque o Estado não está mais só. Hoje há todo um conjunto de atores, como o mercado imobiliário. A economia se diversificou. O que o Estado, ente público, pode fazer — o Estado ente público, e aí o município tem uma importância muito grande, mas o Estado também tem, porque é quem administra os conflitos no município é o poder municipal, mas os conflitos de Fortaleza já extrapolam o seu território e passa pra região metropolitana.

O Estado tem que de fato trabalhar essa questão do planejamento da metrópole, planejamento das atividades. Onde colocar um aterro sanitário, por exemplo. Onde colocar uma nova indústria. Algum equipamento que seja estratégico para a Região Metropolitana. Tem algumas possibilidades. Isso é planejamento. Cadê o plano diretor da Região Metropolitana de Fortaleza? O plano diretor de Fortaleza está praticamente 14 anos atrasado, defasado, já era para ter sido atualizado em 2019 e até hoje não foi atualizado.

OP - Qual o papel das metrópoles regionais? Cariri e Sobral, as duas regiões metropolitanas, e outras cidades importantes, como Quixadá no Sertão Central. Qual papel esses municípios assumem na rede de cidades do Ceará?

Edilson - Eu acho fundamental dentro dessa estrutura em que nós já estamos com a capital carreando grande parte dos recursos, mas como a economia se diversifica, passa a ter de fato atividades em cada uma dessas regiões. A primeira coisa que tem de um gestor se preocupar é: qual é a vocação do seu município? O que é que o meu município é vocacionado, o que eu preciso fazer para o meu município se viabilizar, segurar a população. Claro, ter atividade econômica, ter possibilidade de geração de emprego.

A outra coisa é, nesse processo de organização do território da cidade, dos espaços, tem um instrumento básico da política urbana que é o plano diretor. Quantos municípios do Estado do Ceará têm plano diretor efetivo? O projeto Prourb, ainda no primeiro governo do Tasso, 44 municípios fizeram planos diretores. Quantos desses municípios efetivamente aplicaram o plano diretor? Eu sei que Sobral aplicou.

Sobral vem trabalhando nessa linha, renovando o plano diretor, construindo a base territorial, construindo os projetos estruturantes. Por exemplo, foram feitos eu acho que em torno de oito parques urbanos dentro da cidade. Os rios valorizados, a frente do rio trabalhada. A limitação zona urbana. É economia para o Município, aumentar a densidade, diminuir a expansão urbana.

O mercado imobiliário, tanto vale para Quixadá como para Sobral, como para Fortaleza, o mercado imobiliário quer construir um loteamento a 6 km do centro da cidade. Ele faz. E depois fica aí o buraco para a cidade botar água, botar energia, botar vigilância, botar transporte, estrada, pavimentação. Tudo isso é caro, quando poderia ter um negócio muito mais sustentável. As cidades hoje têm essa grande obrigação. Tem recursos ou não tem recursos, então é possível ter parceria com Estado, com o Governo Federal. Mas cada município tem de trabalhar sua organização.

Tem de ter seu plano diretor e a mão de obra qualificada. Pode fazer o que nós chamamos de consórcio. Se um município não pode pagar um arquiteto, que é o profissional apto para trabalhar essas questões, pode juntar três, quatro, cinco municípios ao redor e fazer uma equipe mínima. Como é o consórcio, por exemplo, de resíduos sólidos. Três ou cinco ou seis municípios estão se consorciando para fazer a Unidade Mista de Saúde. Já tem aqui no Ceará a experiência de consórcio de saúde.

Também já tem a experiência do consórcio de resíduos sólidos, de aterro sanitário. Pode fazer consórcio, por exemplo, de uma equipe multidisciplinar que passa a desenvolver os projetos necessário para elevar a qualidade das cidades cearenses.

OP - Esses municípios-polo sofrem, na escala respectiva, o tipo de pressão que Fortaleza tem sentido?

Edilson - Numa escala muito menor, mas sofrem. Esse modelo concentrador é reproduzido. Você visita o interior hoje e encontra a realidade muito crua. O campo esvaziado, com centenas de casas abandonadas e os municípios pequenos com favela. Como é que pode o município pequeno com favela? Pois é.

A ausência da economia. Não tratar corretamente a cadeia produtiva. Ver as vocações de cada um. Por exemplo, os hortifrutigranjeiro. Tem gente que vem aqui à Ceasa, em Fortaleza, buscar tomate, chuchu, verdura lá para Quixadá. Vem um caminhão buscar aqui lá para Sobral. Por que não faz lá em Sobral? Por que não faz lá em Quixadá? Mas isso não nasce de geração espontânea, isso é discutido.

Isso é uma questão de gestão. Qual é o prefeito que está trabalhando com isso? Eu acho que aquele que está trabalhando isso vai ser reeleito, porque está trabalhando as questões fundamentais, que é a questão do emprego, a questão da infraestrutura da cidade, a capacitação da mão de obra, a melhoria das condições da cidade. Toda cidade tem de ter um plano de desenvolvimento e de expansão. Se não tiver, vai se repetir o mesmo caos que aconteceu com Fortaleza.

OP - Mesmo municípios muito pequenos podem buscar alternativas?

Edilson - Dentro da sua vocação. Dá para trabalhar. O que é uma cidade? A cidade é um conjunto de pessoas que resolvem, escolhem ou nascem em determinado lugar e vão se desenvolver ali, vão morar ali, vão trabalhar ali. Se não tem trabalho, elas vão sair. Mas sempre fica aquele núcleo inicial. Está lá, a cidadezinha pequena, mas tá lá. É preciso otimizar os recursos. Um dos instrumentos é o plano diretor. O município pequeno não consegue de fato pagar, tudo bem, mas pode ser consórcio, pode ser a  universidade. A Secretaria das Cidades do Estado pode ajudar muito, o Ministério das Cidades pode ajudar. A gente tem de sair dessa letargia em que nós estamos.

OP - O senhor mencionou bastante as universidades. A interiorização tem potencial para fomentar o desenvolvimento em alguns lugares, tornando-os cidades universitárias?

Edilson - Eu acho que sim, claro. Quando começa de fato o desenvolvimento de Fortaleza? Quando chega a universidade, que formata a inteligência, forma a mão de obra qualificada para gerir os negócios. A universidade tem um papel fundamental nisso, ela é a mudança do perfil. E a universidade não pode ficar encastelada em Fortaleza. Sobral é um polo universitário, Juazeiro, Crato também é outro polo universitário. Isso vai irradiando para todas as regiões, inclusive para essa região, para as cidades que vivem ali.

Quando eu saí de Sobral para estudar em Fortaleza, estudar arquitetura, só tinha uma faculdade de arquitetura no Ceará, que era da UFC. Hoje só Fortaleza tem umas 10. Em Sobral tem duas faculdades de arquitetura. Duas faculdades de medicina em Sobral, uma particular e outra da Universidade Federal do Ceará. A universidade tem esse poder de aumentar o nível cognitivo, o nível da mão de obra, o nível, enfim, intelectual da população e com isso encontrar saída para os seus problemas.

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É importantíssimo discutir quais as estratégias para o desenvolvimento do município, o planejamento é fundamental, saber qual é a vocação, saber como irá crescer, como irá se desenvolver.

OP - O senhor teve uma experiência como vice-prefeito de Sobral nos dois mandatos de Cid Gomes. Faz 20 anos do fim do segundo mandato. O que mudou de lá para cá no olhar sobre a questão urbana e os desafios para as cidades?

Edilson - É importantíssimo discutir quais as estratégias para o desenvolvimento do município, o planejamento é fundamental, saber qual é a vocação, saber como irá crescer, como irá se desenvolver. É fundamental ter um mapa de para onde a vai. Você não fazer uma viagem, uma aventura sem ter roteiro. O roteiro de Sobral, a experiência mostra, foi o plano. Primeiro nós fizemos um planejamento estratégico.

O que é importante? Qual é a minha vocação? Depois, como é que essa cidade vai ser estruturar? Qual é a estrutura? Qual é o ponto de encontro da cidade? Toda cidade tem uma praça. A praça é o lugar do encontro. O prefeito tem de valorizar aquilo ali, que é o espaço cívico da cidade. Mas não é só isso. Toda cidade tem um ponto do ônibus ou da Topic.

Mas tem cidade em que tem várias Topics parando tudo quanto é buraco. Não é só nesse quesito da mobilidade. Mobilidade é uma questão de inclusão social. É possível criar um espaço centralizado ou não, que pode melhorar a qualidade do espaço urbano? Criar um terminal? Coisa simples, um terminal onde o morador que quer se deslocar para outra cidade tenha um equipamento a sua disposição. É preciso discutir naquela comunidade, primeiro, qual o seu papel na relação de cidades, qual a sua vocação. Segundo, quais são os elementos fundantes daquela cidade.

É o rio? Toda cidade tem um rio, ou tem uma estrada, ou tem um açude. A cidade que tem uma possibilidade de ter uma água, seja açude, lagoa, aquilo é um potencial gigantesco para estrutura e para a qualidade da cidade. Mas tem de ser trabalhado. Lazer, geração de emprego. Possibilidades muitas para desenvolver. Estudar a cidade, chamar as pessoas para participar. Em Sobral isso aconteceu. Conversar com as pessoas, reunir as pessoas, saber quais são os desejos das pessoas. E ter os instrumentos corretos, os planos diretores. Aí vai de fato colocando a cidade no caminho certo.

OP - Como foi a experiência de ser vice do Cid?

Edilson - A gente tinha um objetivo, que era dar um salto de qualidade na cidade. Sobral é uma cidade histórica. Desde o século XVIII a economia já era pujante. Sobral foi crescendo, foi crescendo, foi crescendo. De repente, na nossa geração, quando a gente chega, Sobral tá no marasmo total, numa curva descendente de importância.

Era a primeira ou segunda cidade depois da capital e de repente Sobral estava perdendo recursos, perdendo economia. A crise do algodão fechou seis, sete, oito fábricas. Nós tínhamos de dar um salto de qualidade. O objetivo da gestão era dar esse salto de qualidade. A primeira coisa foi conversar com as pessoas, reunir, discutir, planejar. Depois, estabelecer os instrumentos para fazer isso. Eu preciso ter uma rede de escolas de melhor qualidade.

Educação é fundamental. Sobral foi a primeira cidade do Ceará que criou, por exemplo, escola de línguas pública. E a escola do município, que era, com licença da palavra, um edifício bastante desprezível, a escola municipal tinha de ser a melhor escola da cidade, melhor do que as particulares. Para dar autoestima ao nosso morador, ao sobralense. Depois o hospital. Era preciso ter educação, o hospital.

Aquela coisa básica, mas ter com qualidade. Sobral foi a última cidade do Ceará a municipalizar, a entrar no SUS, digamos assim. Não tinha uma rede municipal. Não tinha nenhuma equipe de Saúde da Família. Já acontecendo no Ceará, no Brasil inteiro acontecendo, pós-Constituição Federal de 1988. Sobral não tinha. Por quê? Porque tinham estruturas que não andavam, porque talvez fosse vantajoso para alguns interesses.

Era preciso municipalizar a saúde, criar a rede hierarquizada. O posto de saúde lá no bairro que referenciava com a ação secundária, depois com ação terciária. Nós implantamos a ação primária de saúde, criamos 30 equipes de saúde da família. Isso foi galvanizando a autoestima da população. O orçamento participativo, discutir as prioridades dos recursos públicos. Isso foi implantado também na gestão. Virou um grande desafio para nós, na época eram todos jovens, todo mundo empolgado em trabalhar nesse processo e o resultado foi maravilhoso. Eu penso que foi muito positivo.

OP - Como foi conviver com o Cid na gestão?

Edilson - O que nos movia, muito mais que qualquer divergência, qualquer disputa política, o que movia a todos nós, inclusive ele como líder da equipe, era a tarefa que tinha de fazer, que era muito mais importante.

OP - Foi a primeira parceria PT-PSDB.

Edilson - É, a gente teve de ter autorização do diretório para fazer. Porque PT e PSDB, apesar de terem nascido no mesmo espaço político, a social-democracia, por conta acho de o Fernando Henrique ter assumido o governo e a gente foi para oposição, o modelo de gestão do FHC, que assumiu as políticas neoliberais, colocou o PT na oposição. Nós podíamos ter construído outra outras vertentes, outras saídas. Mas as opções nos colocaram em oposição. Foi preciso resolver essa questão para que a gente pudesse fazer a aliança em Sobral, PT e PSDB, e acho que o resultado foi muito positivo. A cidade só ganhou.

OP - Cid agora fez de tudo para manter essa parceria.

Edilson - Sim, eu acho que é importantíssimo para a implantação de políticas que representem a melhoria para a população.

OP - Estava olhando para este mapa atrás do senhor.

Edilson - Você vê, Fortaleza tem pouquíssima área rural. Este é o município de Fortaleza (aponta o traçado). O município de Fortaleza, não é a cidade. A cidade coincide com o município. Porque todo espaço de terreno vazio, praticamente, foi ocupado. Dava para a mesma população que tem aqui ocupar a metade deste território. Olha o que é a falta de planejamento. Quer dizer, planejamento houve. Não houve foi planejamento adequado, mas foi planejado pelo mercado.

Edilson Aragão, professor, arquiteto e ex-vice-prefeito de Sobral     (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Edilson Aragão, professor, arquiteto e ex-vice-prefeito de Sobral

OP - O senhor, aqui no Metrofor, tem um olhar bem próprio para a Região Metropolitana. O que o senhor considera como desafio para a Região Metropolitana de Fortaleza, a gente chegando às eleições municipais.

Edilson - Fortaleza, ainda é o lugar dos empregos. Na medida que você tem uma política de industrialização ou de geração de empregos em Caucaia, o Pecém, por exemplo, Maracanaú, Maranguape, Aquiraz, isso se acomoda um pouco melhor. Pode desenvolver em Maracanaú uma boa região, em Caucaia, em Maranguape.

Pode ter de fato política de descentralização. isso acontece. Mas ainda vai continuar Fortaleza sendo a maior geração de emprego. E aí, querido, não tem saída. A saída é o transporte de massa, transporte de alta demanda. Integrado com os transportes complementares. Qual é a lógica hoje? A lógica é concorrencial? Concorrência de modais no sistema metropolitano é levar à falência dos dois. No metrô, eu levo de Maracanaú, Pacatuba para o Centro de Fortaleza.

O ônibus corre aqui, paralelo no eixo da José Bastos. Um monte de linhas de ônibus correndo aqui no leito da José Bastos. E o trem moderno, elétrico, com 22 estações modernas leva um décimo da capacidade dele, quando podia, no lugar dos ônibus estarem fazendo isso (no eixo do metrô), o ônibus estar fazendo isso (perpendicular ao metrô). Andava muito menos, gastava muito menos, tinha muito maior lucratividade. As complementares, perpendiculares.

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Pergunta à população daqui (da região da linha Sul), ela acha o melhor transporte do mundo. De Maracanaú para cá (Centro) anda em 20 minutos o que de carro leva uma hora, uma hora e meia. Com conforto, segurança, tranquilidade.

E os grandes eixos de transporte, grandes modais de alta demanda. Que é o trem, o VLT, o metrô e o BRT (corredores exclusivos de ônibus). Existe alguns canais com BRT, da Oliveira Paiva, da Aguanambi, grandes corredores que podem trabalhar BRT, com ônibus articulados para aumentar o atendimento da demanda. No meu entender, é a população adotar o metrô. Se o metrô não está na linha Leste (do Centro até a avenida Washington Soares), então a gente deve cobrar a conclusão da linha Leste. Tem hoje a linha vermelha, a Sul (Pacatuba-Centro), a linha verde, Oeste, que vai para Caucaia, a azul, Parangaba-Mucuripe, e a amarela, que vem para o polo da Zona Leste da cidade. Isso aqui está parado, está recomeçando agora a construção, por problemas orçamentários da União no governo do passado, que foram cortados. A população diz: "Não não tem metrô em Fortaleza". E tem.

Pergunta à população daqui (da região da linha Sul), ela acha o melhor transporte do mundo. De Caucaia está precisando melhorar essa linha. Se faz a linha Oeste e a linha Leste, olha como fica Fortaleza, com com alta capacidade de demanda. De Maracanaú para cá (Centro) anda em 20 minutos o que de carro leva uma hora, uma hora e meia. Com conforto, segurança, tranquilidade. Significa economia na veia. Nós fizemos agora o balanço socioambiental. Existe o balanço financeiro, contábil.

Nós fizemos balanço socioambiental. Os benefícios da existência do metrô. Se não tiver o metrô, esses 40 mil passageiros que andam nesse trem iriam andar de ônibus ou de carro ou de moto. Tem acidentes. Sabe quantos acidentes tem no metrô por ano? Zero. Não morre ninguém no metrô. Quantos acidentes acontecem de moto, de carro, de bicicleta? Nós conseguimos, durante o ano de 2023, devolver para o Estado R$ 149 milhões de benefícios socioambientais. Essa linha é eletrificada.

Cada viagem de metrô, que leva 1.200, 1.500 pessoas, tira quantos ônibus de circulação? O ônibus tem 60 pessoas. Então divide 1.500 por 60. Vai dar mais ou menos 20, 30 ônibus. Qual a emissão de CO2 que eu vou ter de fazer se não tenho metrô? Medimos esse CO2, acidentes, tempo. Qual é o tempo economizado? Tenho 9 milhões de passageiros nessa linha por ano.

Se eles deixassem de andar de metrô, eles iam gastar tantas horas. E uma hora tem um preço. A gente calcula, através da Fundação Getúlio Vargas, quanto custa uma hora de uma pessoa normal. Esse valor está hoje em R$ 5,83. Eu tenho uma economia de tantos reais por existir a linha do metrô. Todos esses elementos foram sendo levantados. A gente tem uma economia ou devolução de benefícios para a cidade de R$ 148 milhões em 2023.

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