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Efímia Meimaridou: uma artista que borda novos rumos aos 79 anos
Reportagem Seriada

Efímia Meimaridou: uma artista que borda novos rumos aos 79 anos

Presente em importantes movimentos culturais do Estado ao longo das décadas, a artista grega radicada no Ceará, Efímia Meimaridou, "sai do baú" aos 79 anos

Efímia Meimaridou: uma artista que borda novos rumos aos 79 anos

Presente em importantes movimentos culturais do Estado ao longo das décadas, a artista grega radicada no Ceará, Efímia Meimaridou, "sai do baú" aos 79 anos
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Efímia é uma das fundadoras do Instituto Ecocult, que trabalha a formação de mulheres das comunidades do Poço da Draga e da Graviola, na Praia de Iracema(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Efímia é uma das fundadoras do Instituto Ecocult, que trabalha a formação de mulheres das comunidades do Poço da Draga e da Graviola, na Praia de Iracema

Prestes a fazer 80 anos, que serão celebrados no mês de novembro, a artista e educadora Efímia Meimaridou relata a surpresa de ver "a vida bordadeira" ganhar asas e "sair do baú". Com um caderno de estudo e o próprio livro - "Um Livro Para Rachel - De Bordar e Viver" (1999) - postos na mesa, ela conta que precisou ser um dos nomes presentes na exposição "Leonilson: Montanhas protetoras e ao longe, vulcões, rios, furacões, mares, abismos e das amizades", em cartaz na Pinacoteca do Ceará, para se reconhecer como artista plástica.

A percepção é dita durante uma conversa no fim de tarde na casa em que divide com o artista plástico Hélio Rôla, com quem partilha o cotidiano há mais de 60 anos. Com fala calma, ela remonta a história de uma vida traçada pela grandeza presente no fazer artístico manual.

Nascida em 1944 na cidade de Tessalônica, no Norte da Grécia, Efímia aprendeu a bordar na infância com a mãe, tias e avós. Chegou ao Brasil ainda adolescente, onde se dedicou a construir estudo e carreira entre os viés da educação e da arte. Após os 40 anos, já com as duas “crianças graúdas", decidiu aprofundar os conhecimentos na artesania, área na qual reúne dezenas de alunos e segue inspirando sensibilidade por meio dos seguintes fundamentos: pesquisar, criar e compartilhar.

 

 

O POVO: Como foi a vinda para Fortaleza?

Efímia Meimaridou: Eu tinha dezesseis anos completos, bem jovenzinha. Viemos para o Ceará porque o meu pai, que tinha vindo antes, recebeu uma proposta de trabalho. Nos instalamos. Quando eu completei dezessete anos, no dia do meu aniversário em 1961, eu conheci o Hélio (Hélio Rôla, artista plástico e historiador). Ele se formou em Medicina e começamos a namorar em janeiro de 1962, casamos em julho porque ele ia fazer o doutorado em São Paulo. Um dos filhos nasceu lá, nossa filha nasceu em Fortaleza.

Depois do doutorado, surgiu a oportunidade de pós-doutorado, passamos três anos nos Estados Unidos no final da década de 1960 e, no final da década de 1970, passamos dois anos na França, de novo por conta dos estudos. Dessa vez, eu também estava engajada. Em 1972, eu fiz vestibular, passei em Pedagogia. Em 1977, fiz especialização como orientadora educacional. Em 1978, passei no mestrado em Educação. Minha proposta era fazer uma monografia sobre os pequenos circos da periferia de Fortaleza.

Os professores franceses que estavam no departamento de Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) me orientaram a levar a pesquisa de campo para a França, aqui a gente não tinha muitas referências bibliográficas sobre circo. Defendi lá e, quando cheguei aqui, recebi o título de mestre. 

Efímia quando jovem. Ela mudou-se para o Ceará com a família aos 16 anos(Foto: Reprodução/Facebook)
Foto: Reprodução/Facebook Efímia quando jovem. Ela mudou-se para o Ceará com a família aos 16 anos

OP - A arte também já estava no campo de atuação profissional...

Efímia - Em 1984, fiz concurso para Estatística Aplicada em Educação e passei em primeiro lugar. Fui monitora, tudo mais, mas fiquei tão decepcionada que disse: “sabe de uma coisa? Vou juntar meus pedaços”. Então, eu comecei a trabalhar com patchwork (técnica que une tecidos em formatos variados), o Polo de Música de Messejana me convidou para dar aulas de artesanato. Como eu era técnica em Educação, juntei o conhecimento de artes manuais com a teoria e construí disciplinas que pudessem ser dadas como conteúdo programático.

O propósito era que eles aprendessem uma arte, que pudessem criar produtos para ganhar dinheiro para ir a um festival. Aquilo deu certo e quando o Instituto Dragão do Mar, no final da década de 1990, começou a se estruturar, vieram professores de teatro, de música, de várias coisas. Na época, eu era professora sob a coordenação da Dodora Guimarães.

Quando ela foi para outra instância, me indicou para coordenar o Programa de Artesanato do Governo do Estado na época em que se trouxe designers para dar uma nova vida ao artesanato cearense. Era uma colaboração da Secretaria de Cultura, com a Secretaria de Ação Social e o Sebrae. Tanto eu era coordenadora, como fazia esses cursos, porque eu era um braço do Centro de Design, que foi o primeiro centro que se formou aqui.

OP - Um momento de mais troca na área da cultura, também.

Efímia - Eu já estava pronta, porque o meu primeiro despertar (para a arte) se deu em Nova Iorque. Era o que eu tinha feito a vida toda, sempre fiz tapeçaria ao lado dos estudos, do cuidado com a família. Depois do curso eu peguei mais pesado, de ter mais dedicação. Eu me ensinei patchwork, porque lia em inglês, trouxe livros da França e fui me aprimorando. Já aqui, de 1984 para depois, trabalhei com duas amigas, na criação e no ensino.

Eu trabalhava alguns dias por semana e disse que ia montar minha oficina, fazendo coisas para mim e para pessoas que queriam. Nisso a Bete Dias disse: “Tenho um primo que também é artista plástico”. Eu e Leonilson nos apresentamos e, quando ele vinha para Fortaleza, ia ficar com a gente na Praia de Iracema, de tardezinha. Ele via o que estava fazendo e me mostrava o que ele estava fazendo. Depois ganhou o mundo, vinha cada vez menos.

Com o Hélio, eu aprendi a ousar no nível de criar. Com o pequeno convívio que tive com o Leonilson, eu me senti animada a ousar ainda mais. Eu estou nessa exposição (em cartaz na Pinacoteca) porque meu nome estava nos diários dele e me dei conta do tanto que Leonilson cresceu como artista vendo a exposição, o livro que foi feito sobre ele e colocando a memória para funcionar, lembrando do que a gente conversava.

Tínhamos uma relação de filhos de costureiras, a mãe dele costurava, a minha também. Nosso passado foi crescer numa casa onde se trabalhava com tecidos, com bordados, com costura, tudo era feito pela família. Na minha casa tinha muito tricô, por conta dos invernos, minha mãe, tias, irmãs, a família girava em torno disso por conta da escassez de material, de dinheiro.

De origem grega, Efímia aprendeu a bordar ainda criança. Lições das avós, mãe e tias(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo De origem grega, Efímia aprendeu a bordar ainda criança. Lições das avós, mãe e tias

OP: Voltando um pouco ao início da sua trajetória, como a mudança de Tessalônica para Fortaleza afetou sua relação com a arte?

Efímia: O bordar era uma coisa simbiótica e é por isso que foi se desenvolvendo também. À medida que eu crescia, o bordado entrava em outras searas. Primeiro para a criatividade, depois o incentivo do Hélio, o convívio mesmo que pequeno com Leonilson. Depois aprendi a tecer ali nos galpões da Pinacoteca. Eu sou neta de tecelã, a mãe da minha mãe tecia, a outra avó cozinhava, tem cozinha também na história.

O que a gente faz, flui com a nossa vida. Se a gente melhora, melhora a vida também. Se a vida melhora, melhora o trabalho que a gente faz. Eu sempre trabalhei com pesquisa, criação e ensino e deu muito certo. (As pessoas falavam) “Você não vai ter seu grupo de produção?”. Eu não sabia como lidar com o artesão ser explorado, e as pessoas que me perguntavam isso eram pessoas da logística, de vender.

E eu não podia estar envolvida demais com o compromisso que fizesse eu me afastar da casa. Primeiro porque eu não tava pronta emocionalmente e depois porque a minha sogra foi ficando muito velhinha, foi preciso de muito atendimento. Tínhamos ajuda de cuidadores, mas, para o dinheiro dar certo, eu administrava esse cuidado da minha sogra.

Eu também trabalhei de segunda a sexta no Instituto Dragão do Mar, das 9 às 17h, com o dinheiro que eu ganhei eu comprei meu primeiro carro, indo devagar. E eu me senti muito bem como coordenadora, deu muito certo por conta de como eu me relacionava com as pessoas. Depois que foi inaugurado o Centro Dragão do Mar, houve modificações na estrutura e foi necessário que eu ficasse mais tempo em casa. Fui ficando por aqui.

Sinto muito prazer quando me envolvo com a criação, sou muito metódica. Criei bordados para toalhas de banho de rosto e fui dando aulas pela Secretaria de Ação Social em comunidades. Quando eu trabalhava no IDM, a Secretaria de Educação solicitou a formação adequada de algumas técnicas para professores de ensino de Artes. A partir daí, eu desenvolvi e ensinava, foi um sucesso. Adoro lidar com as pessoas, tenho muita paciência porque eu fui muito cobrada pela minha mãe, mas eu não passo essa cobrança para as alunas. Mas sou perfeccionista, não vou negar.

A diferença da Grécia para cá foi o casamento, de sair da minha família, eles foram morar no Sul quando fomos para Nova York, achando que eu não ia voltar, com a mentalidade de imigrante. Mas o Hélio era filho único, comprometido com a Universidade.

OP: E com a língua, teve muita dificuldade?

Efímia: Eu aprendi lendo fotonovelas. Eu tinha estudado francês na escola, tinha começado a estudar inglês muito jovem, com onze anos. Eu também morei dois anos em Atenas, adolescente, dos doze aos quinze, antes da gente vir para cá. Algo que me ajudou muito foi o meu olhar em cima de como as diversas culturas se educam. A casa, a família, é a base.

Eu continuo dando aula, esse ano vai ser o quarto ano que eu, Flávia Muluc e mais gente, fundamos o Instituto Ecocult (projeto que viabiliza o Projeto Comunidades Criativas, iniciativa de formação de mulheres das comunidades do Poço da Draga e da Graviola, na Praia de Iracema), que trabalha com comunidades.

Efímia Meimaridou e o livro Um Livro Para Rachel - De Bordar e de Viver(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Efímia Meimaridou e o livro Um Livro Para Rachel - De Bordar e de Viver

OP: Ano passado a gente fez um material com a Rede Cria, lá da Graviola, e elas falaram que ter esse espaço deu muita autoestima e autonomia.

Efímia: O objetivo era isso, conseguir que elas pudessem ter uma oportunidade de criar uma renda para si, porque tem pouco estudo e outros impedimentos. Ali estamos perto, no hub do Dragão, conseguimos uma sala e tem dado muito certo. Já passaram por modelagem, costura à máquina, costura a mão, é muito animador ver a criatividade delas.

OP: A senhora esteve acompanhando desde o início a implementação de educação voltada para as Artes no Estado. Como é, também, estar do outro lado desses projetos? Como essas iniciativas se dão hoje em dia, está mais complicado?

Efímia: Não, porque tem os editais. Geralmente a Enel nos apoia porque está vendo que tem um florescimento. Começamos em 2019 no particular, a partir do ano seguinte nós fizemos profissionalmente. E eu não sou a única, tem outras professoras, porque são no mínimo quatro meses de trabalho. Nós temos essa clientela que é fiel, a idade vai de 34 a 80. A gente fica atenta às questões da saúde mental. Agora vamos nos organizar para ver o que vamos propor para o próximo semestre.

OP: Um ponto em comum na sua trajetória é o coletivo, a senhora menciona o quanto é prazeroso estar em grupo. O mercado do ramo já lhe interessou em algum momento?

Efímia: Não, eu não sabia como lidar, sentia muita exploração dos artesãos. Fui consultora da Central de Artesanato do Ceará (Ceart), fizemos várias visitas em Sobral para ver quais melhorias poderíamos introduzir. A observação do campo me enriqueceu do ponto de vista de observar a exploração.

Então, ganhava meu dinheiro prestando serviço para a família, era assim. Foi ótimo enquanto eu tinha meu dinheiro no Instituto, depois o Estado começou a intervir artisticamente e artesanalmente nos ABCs e solicitaram trabalho, pintura. Eu convoquei os artistas da Cidade e vários quiseram se dar a esse trabalho, e foram para as escolas.

No final fizemos uma exposição, linda, no Dragão. Foi a própria Rachel, que na época estava na comunicação, que foi atrás de produzir esse livro (“Um Livro Para Rachel - De Bordar e Viver", 1999). A configuração dele é minha e do meu filho, que é designer gráfico.

Efímia Meimaridou conta que demorou a ser reconhecida como artista plástica, o que só acontecei depois de estar na exposição Leonilson: Montanhas protetoras e ao longe, vulcões, rios, furacões, mares, abismos e das amizades, na Pinacoteca do Ceará(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Efímia Meimaridou conta que demorou a ser reconhecida como artista plástica, o que só acontecei depois de estar na exposição Leonilson: Montanhas protetoras e ao longe, vulcões, rios, furacões, mares, abismos e das amizades, na Pinacoteca do Ceará

OP: Ele também está no Minimuseu Firmeza, não é?

Efímia: Sim, tivemos muitos encontros de bordado lá, várias pessoas indo. Nice (Firmeza) foi uma das grandes bordadeiras do Ceará, tirou o bordado da máquina, botou na mão. As criações dela são maravilhosas. Eu trocava com a Nice não só histórias de bordado, como histórias de cozinha, porque ela era uma grande experimentalista.

Eu tive uma relação muito linda com ela, ia para o Mondubim e era muito legal. Era muito querida, muito danada, principalmente por ser uma desbravadora desde a juventude. São experiências, encontros. As lições estão em tudo e os encontros podem ser muitos maravilhosos. O Estrigas (companheiro de Nice) também era artista plástico, escritor… O Hélio sempre trabalhou muito na academia, a arte era feita nos fins de semana, nas férias, à noite, mas dedicação exclusiva, só pesquisa e ensino.

Fora nosso envolvimento com a militância contra o barulho na Praia de Iracema, tivemos que vender nossa casa, deixar nossas amizades, sempre foi um lugar muito afetivo. Os meninos cresceram lá, misturava o povo e high society. Hoje o pessoal está no Cantinho do Frango (ri). Sempre precisamos de espaços de convívio para satisfazer nossa necessidade de afeto.

O pathwork ("trabalho de caminho", em tradução literal para o português, é uma metodologia de autoconhecimento baseada em um conjunto de ensinamentos que unem aspectos filosóficos, espirituais e psicológicos) trabalha muito o coletivo, porque funciona como um container. Falamos de coisas lacerantes na terapia com nossos processos pessoais e etc. A partir daí vem um olhar para mim. O meu olhar com os alunos que vinham para trabalhar comigo era fundado no respeito pelo outro.

O pathwork é também um caminho espiritual e nós aprendemos que podemos co-criar, eu acredito e os ensinamentos ensinam que Deus está na gente, que nós temos tudo que precisamos, contato que a gente pare, fique na quietude, por algum tempo no dia. Eu sou praticante militante na busca da inspiração. não sei o que fazer, faço a oração, largo e pouco tempo depois a solução chega. O crescimento pessoal se manifestou como compaixão de saber onde o outro está, se eu sei onde estou, eu consigo ver, compadecer e não julgar.

Pesquisar, criar e compartilhar são os fundamentos que orientam e susentam a atuação artística e educacional de Efímia(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Pesquisar, criar e compartilhar são os fundamentos que orientam e susentam a atuação artística e educacional de Efímia

OP: E como funciona a rotina?

Efímia: Eu acordo cedo, às quatro da manhã, porque também dormimos muito cedo. Sento para estudar, tenho insights, se tenho algum problema em andamento, o texto traz uma reflexão muito apropriada e os apercebimentos que vou tendo vou anotando num caderno. O Hélio geralmente faz o café e bota tudo o que eu preciso na mesa, ou então me espera para ver o que eu preciso. Eu digo: “olha, eu preciso de pouca coisa, mas eu mesma vou pegar porque preciso me exercitar”.

Às vezes esqueço a bengala no quarto e vou pela casa, já andava de andador e agora faço exercícios sozinha, noto que quanto mais me movimento, melhor eu fico. E provavelmente a medicação também está fazendo efeito, faltam duas semanas para concluir três meses de quimioterapia. E a prótese também está sendo bem aceita pelo meu corpo (há quatro meses, Efímia colocou uma prótese na perna devido ao tratamento de câncer). Eu compreendi que eu precisava me envolver muito na minha recuperação, obediência, fisioterapia, de vez em quando eu chamo a fisioterapeuta para ver como estou.

Às vezes eu preparo comida, a minha comida eu preparo. O arroz é sempre fresco, novinho e pouquinho, porque somos só nós dois. Já comecei a ir para o supermercado, tem essa tarefa também. Às vezes vemos um pouco de tevê, embora nem goste mais do noticiário. Mas, aqui e ali, eu tenho interesse em saber o que está sendo dito e está sendo feito. No fim de semana eu leio o jornal, temos uma assinatura.

OP: A produção de vocês dois, também entra diariamente?

Efímia: Sim, diariamente. No momento, a produção está sendo rearrumar meu quarto, que é um espaço grande, quase do tamanho de um apartamento pequeno. Ele recebeu um novo piso, foi feito um novo banheiro, e estamos arrumando, já mandei pintar as estantes, já fui comprar caixas. Ainda falta pendurar meus trabalhos, aqui dentro tem dois ou três trabalhos de tapeçarias emoldurados.

O Hélio está trabalhando uma vez por semana com o Wilson Netto, eles estão fazendo uma tela à quatro mãos, já pintaram um bocado de coisas e a gente se diverte. Minha produção pessoal no momento está mais por decisão, de fazer uma síntese, uma biografia, algo assim, para, digamos, descrever o processo criativo mais aprofundado.

Quero fazer novas experiências, coisas que talvez a gente possa aplicar nas nossas aulas. Sou assim, inquieta o tempo todo. O dia termina assim, jantar, colegar um pouquinho. quando as netas estão aqui fica mais animado, elas pintam também, desenham. A vida é todo dia. A produção é aceitar com mais sabedoria minha nova condição, não precisa fazer isso, delegue o que pode ser feito para alguém.

Outro tipo de produção é me cuidar sozinha, nos cuidarmos sozinhos. A vida não precisa estar cheia de fricotes, porque a gente perde autonomia quando é muito atendida, ou pela família ou pelos profissionais. Tem essa produção de autoaceitação, aceitação do outro como é, autorresponsabilidade, aprender a pedir ajuda.

Eu sempre controlei tudo e fiz tudo, cuidando de todos e não deixando ninguém fazer nada. De repente, me vi necessitando de ajuda e tava todo mundo doidinho pra me ajudar. Todo dia tem uma coisa pra aprender, para desapegar. Tô abrindo mão aos montes de coisas que antes eram motivo de estresse, isso é uma produção também. A gente não produz só artesanato, produzimos no nível do imaterial. A vida tem sido bem aberta, eu recebi esse convite da exposição do Leonilson e saí do baú (ri).

Somente após os 40 anos, com os filhos criados, Efímia mergulhou nos conhecimentos de artesania e depois passou a ensinar(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Somente após os 40 anos, com os filhos criados, Efímia mergulhou nos conhecimentos de artesania e depois passou a ensinar

OP: A senhora teve essa sensação de sair do baú como artista com o convite?

Efímia: Eu tive, porque só tinha exposto um trabalho (antes). Os amigos mais próximos sabem que eu faço bordados, aprendo sozinha. Meu trabalho é pesquisar, aprender a técnica e depois me expressar criativamente. Essa vida bordadeira, que teve que sair do baú, eu não me movi, mas provavelmente o divino acha que o trabalho tinha que ganhar rua.

Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas, mas nem tão tortas assim, linhas muito certas. Lá estava meu nome no diário de uma pessoa, não é? E lá eu estou na companhia de pessoas com quem já convivi, algumas já faleceram, outras, como o Zé Tarcísio, estão vivas. Como eu estou achando que é mais fácil pintar, talvez eu volte a pintar. Tem diversas técnicas que eu posso usar, desenvolver, ainda não sei que futuro vou dar, ainda tem muito trabalho para ser visto.

OP: Pensa em fazer alguma exposição sua?

Efímia: Por que não? Talvez alguém proponha. Tem a questão do Chico da Silva, que é uma questão muito próxima da nossa vida, e da Escola do Pirambu. O Hélio sempre investiu, não só tempo, como materiais também, para tornar a escola visível e finalmente o mundo, as pinacotecas, tem gente comprando e vendendo Chico da Silva. Estamos felizes que a sociedade está aceitando que exista uma Escola do Pirambu e a turma está dizendo que o Hélio pintando com outros está fundando uma nova escola, talvez outras pessoas queiram passar pelo mesmo experimento, artistas já consagrados que queiram partilhar.

Eu precisei receber esse convite para me reconhecer artista plástica. Eu sei que sou criativa, que faço coisas originais, mas o mundo está se abrindo para bordado e agora eu tenho trabalhos para comparecer, em exposições coletivas, tipo tentar de novo o Salão de Abril com algum trabalho. Essas coisas todas são aberturas. Eu não fiz formalmente uma escola de artes, mas eu me comporto como uma designer, porque design é solução de problemas.

Eu agora junto o autoconhecimento a partir da análise do trabalho.
A vida sempre foi pródiga e provedora, sempre tivemos tudo que precisávamos. Eu parei de pensar na falta e comecei a pensar na abundância, aprendi que eu poderia ganhar dinheiro. Um dia, eu me dei conta do tanto de vezes na minha vida que eu falei: "eu não posso isso, eu não posso aquilo". Meu dia sempre começa com meditação, oração, escrevo preces de gratidão e agradeço o tempo todo.

 
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