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Joaquim Garcia concretiza sonho de ser médico do Ceará e vai de início inusitado a mais de 450 jogos
Reportagem Seriada

Joaquim Garcia concretiza sonho de ser médico do Ceará e vai de início inusitado a mais de 450 jogos

Apaixonado pelo Vovô, médico acompanhava o clube pelo rádio enquanto estudava em São Paulo, já atuava nas partidas como acadêmico e se tornou profissional do Alvinegro em 2009, ano de acesso à Série A

Joaquim Garcia concretiza sonho de ser médico do Ceará e vai de início inusitado a mais de 450 jogos

Apaixonado pelo Vovô, médico acompanhava o clube pelo rádio enquanto estudava em São Paulo, já atuava nas partidas como acadêmico e se tornou profissional do Alvinegro em 2009, ano de acesso à Série A
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Do time que encantou o futebol cearense em 1994 — aquele histórico Ceará vice-campeão da Copa do Brasil — surgiu uma paixão que se entrelaçou com a vida de Joaquim Sampaio Garcia Filho. Ainda jovem, passou a admirar a beleza da Medicina, fomentada pela essência de ajudar as pessoas, e aliou isso ao amor pelo Alvinegro de Porangabuçu.

Já na época da escola, falava para seus amigos que tinha um sonho: tornar-se médico para trabalhar no Ceará. São 15 anos ininterruptos como profissional do clube e mais de 450 jogos atuando em campo neste período. O início dessa jornada, porém, não foi nada convencional. Tudo começou na cidade de Taubaté (SP), onde fez faculdade e se formou.

Médico Joaquim Garcia Filho entra em campo no jogo Juventude x Ceará, no Alfredo Jaconi, pelo Campeonato Brasileiro Série A(Foto: Israel Simonton/Ceará SC)
Foto: Israel Simonton/Ceará SC Médico Joaquim Garcia Filho entra em campo no jogo Juventude x Ceará, no Alfredo Jaconi, pelo Campeonato Brasileiro Série A

Sem poder assistir aos jogos em Fortaleza pela distância, Joaquim se desdobrava para prestigiar o Vovô quando a equipe ia para São Paulo. Neste processo, contou com a ajuda dos jornalistas Alan Neto e Sérgio Ponte, dupla da qual era fã e criou forte amizade, e passou a ser convidado especial nas transmissões da rádio. Por um evento do acaso, tornou-se o “médico” do clube em jogos na capital paulista, mesmo ainda sendo um acadêmico.

Ganhou a confiança dos dirigentes e, assim que se formou, foi convidado por Evandro Leitão, então presidente, para ser o médico do Ceará. A realização de um sonho. O ano? Logo em 2009, temporada em que o Vovô encerrou um jejum de 16 anos sem conquistar o acesso à elite nacional. A partir dali, conviveu com ídolos da infância, vivenciou glórias e fracassos, histórias marcantes e situações extremas, como a altitude de La Paz.

 

 

O POVO - Onde você cresceu e como surgiu a paixão pelo Ceará?

Joaquim Garcia Filho - Eu cresci no bairro Monte Castelo, em Fortaleza. E a paixão pelo Ceará começou naquela final da Copa do Brasil de 1994. Ali eu já tinha nove anos e vendo o Ceará naquele momento, sendo a sensação do campeonato e conseguindo derrubar grandes times do Brasil. Aquela campanha me motivou. O meu pai me levou para a final contra o Grêmio, jogo que aconteceu no Castelão. A primeira final foi no domingo à tarde, eu lembro bem da gente sentado nas cadeiras cativas assistindo ao jogo. Aquilo despertou a minha paixão pelo Ceará e, desde então, me tornei um torcedor mais aflorado do clube.

OP - Então seu pai teve uma grande influência nessa sua formação como torcedor do Ceará?

Joaquim - Meu pai não é muito fã de futebol. Mas, assim, um pedido do filho também não dá para negar. Eu queria ir para o estádio. Queria viver aquele momento. Na cidade só se falava nisso, da campanha do Ceará e da final da Copa do Brasil. Ele me levou e me deu de presente esse momento no estádio justamente nessa final.

A Medicina e o Ceará são duas paixões que eu carrego comigo desde a infância.

OP - O desejo de ser médico surgiu na época da escola e foi motivado por você querer trabalhar no Ceará?

Joaquim - Na verdade, eu tenho duas paixões. A Medicina e o Ceará são duas paixões que eu carrego comigo desde a infância. O sonho de ser médico surgiu da beleza da profissão de ajudar as pessoas, de tentar preservar a saúde e salvar vidas. Isso, para mim, é uma coisa que mexia desde pequeno. Sempre que ficava doente, minha mãe me levava ao hospital e eu achava linda a profissão médica como um todo. De sair recuperado e restabelecer a saúde. Então, a questão de querer fazer o bem para os outros e de se identificar com a Medicina surgiu a partir disso. E com a paixão pelo Ceará, eu via dentro da Medicina, na especialidade, poder utilizar a Medicina para entrar no futebol. Esse também foi um dos motivos. Na época da escola, já perto do vestibular, eu falava para os colegas que iria fazer Medicina e depois me tornar médico do Ceará. Graças a Deus estou aqui hoje.

OP - E como foi esse processo entre se tornar médico e se inserir no Ceará?

Joaquim - Eu fui formado em Medicina pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Fui para lá em 2003. Eu sempre gostei muito da rádio AM, e eu sempre acompanhava o Alan Neto quando ainda era o Superlativo, programa do Alan na Avenida Aguanambi. E aí chegou a época do vestibular. Passei no vestibular e fui embora, só que antes de ir de vez para Taubaté, eu decidi conhecer a equipe do programa. Fui lá, me apresentei para o Alan e falei que era fã dele, que o acompanhava desde criança. Falei para ele que estava indo morar fora.

Naquela época, a internet ainda tinha o portal que dava para a gente escutar (a rádio). O (jornalista Fernando) Graziani era até o responsável por esse portal. E lá em Taubaté, durante a faculdade, sempre que podia eu ficava escutando o programa e também os jogos. Em 2004, o Ceará foi jogar contra o Mogi Mirim. Naquela época não existiam as transmissões como tem hoje, no Premiere e outros meios de TV. A rádio mandava um narrador e nesse dia foi o Renilson Sousa. A gente ganhou de 2 a 0. E aí, chegando lá, eu me apresentei ao Renilson. "Sou o Joaquim, amigo do Alan e ouvinte de vocês. Sempre acompanho o trabalho, vou assistir o jogo aqui contigo".

Fisioterapeutas Wellington Alencar e Adolfo Bernardo e médico Joaquim Garcia Filho em treino do Ceará na Arena da Baixada, em Curitiba(Foto: Fausto Filho/CearaSC.com)
Foto: Fausto Filho/CearaSC.com Fisioterapeutas Wellington Alencar e Adolfo Bernardo e médico Joaquim Garcia Filho em treino do Ceará na Arena da Baixada, em Curitiba

Nesse dia, eu fui convidado para fazer uma participação especial da transmissão. Participei como comentarista nesse dia. Sei que foi um sucesso. No final da transmissão, o Sérgio Ponte me ligou dando os parabéns. Na época, o Gleison Serafim também me parabenizou. E aí eu fui acompanhando o Ceará nos jogos da Série B desse jeito. Eu morava em Taubaté e ia para São Paulo. De São Paulo, eu pegava um ônibus para o interior onde fosse acontecer o jogo.

Em 2006, houve um jogo entre Ceará e Marília, mas o Marília estava com perda do mando de campo. Os portões estariam fechados e eu não poderia entrar como torcedor. Eu entrava pagando o ingresso e me dirigia até a (área da) imprensa. Na semana desse jogo, o Sérgio Ponte me ligou e disse: "Olha, a gente quer que você vá para esse jogo para fazer uma participação especial. Eu vou falar com o pessoal do Ceará para você ir para o hotel e ir no ônibus com a delegação para poder ter acesso ao estádio".

O Sérgio Ponte conversou com o Jurandi Junior (então gerente de futebol do clube) na época, isso em 2006. Eu fui até o hotel, cheguei lá meio-dia. Almocei com os atletas e o Jurandi me recebeu super bem. Fui para o jogo junto com a delegação, integrado na comissão, dentro do ônibus oficial. Aquilo foi o meu primeiro contato direto com os jogadores, com aquele ambiente de jogo, o ambiente do futebol mais próximo.

Na época, o Ceará viajava sem médico ainda, não estava nessa fase que está hoje. Naquele jogo contra o Marília, teve um problema com um atleta que se machucou e precisou fazer um procedimento de sutura. E aí eu me disponibilizei para fazer isso após o jogo. Peguei o material com a ambulância do estádio e, como acadêmico de Medicina, já estava no quarto ano da faculdade, eu tinha essa prática. Fiz a sutura e, desde então, passei a ser bem visto pelos dirigentes e pelo Jurandi, que era o gerente de futebol.

Tive a minha porta de entrada no clube através de uma participação na rádio de um jogo de portões fechados.

OP - Foi ali que sua relação com o Ceará se fortaleceu do ponto de vista profissional, então?

Joaquim - Não era mais nem o Alan Neto ou o Sérgio Ponto que me ligavam, era o pessoal do Ceará. Eu sempre perguntava também qual hotel eles ficariam. No dia do jogo, eu ia para o hotel e ia e voltava com eles para o estádio. Então foi assim que eu comecei a me integrar no Ceará. Tive a minha porta de entrada no clube através de uma participação na rádio de um jogo de portões fechados. A rádio fez a ponte para eu poder conseguir e hoje estou aqui há 15 anos.

OP - Após você se formar, em que momento o Ceará te convidou para se tornar funcionário do clube?

Joaquim - Entre 2006 a 2008, período em que participei diretamente dos jogos e vivendo aquele dia a dia, eu me despertei. "Eu vou e quero realizar meu sonho de ser médico do Ceará". Me formei em novembro de 2008 e na primeira semana que eu retornei para Fortaleza, avisei ao Evandro (Leitão), que já estava como presidente, e ele me convidou. "Joaquim, eu sei que você já ajudou muito a gente. Agora está na hora de ajudar de forma oficial como médico, eu quero você fazendo parte do departamento médico do clube". O Evandro, então, me apresentou ao chefe do departamento da época e, desde janeiro de 2009, eu faço parte do departamento médico do clube.

Minha passagem aqui pelo clube eu fiz a pós-graduação em Medicina do Esporte, me capacitando e trabalhando ao mesmo tempo. Estamos aqui até hoje, com uma marca de 458 jogos oficiais.

Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará

OP - Em 2018, você completou a marca de 300 jogos no clube. Como foi aquele momento e o que ele representou para você?

Joaquim - Foi no dia 2 de setembro de 2018, um jogo no Maracanã, contra o Flamengo. O Ceará venceu por 1 a 0, a partida aconteceu pela manhã. Gol do Leandro Carvalho, na Série A. Foi um gol no finalzinho do jogo.

Eu vou até pontuar como foi essa história. Eu estava aqui trabalhando e veio o seu Eugênio (Fernandes), que trabalhava na parte da biblioteca do clube, como historiador. Teve um dia que ele me procurou no final do treino e disse: "Doutor, eu quero falar com você". Quando acabou o treino, eu o recebi no departamento médico. Achava que era uma consulta, algum problema de saúde ou para pedir alguma receita. E lá ele disse: "Doutor, estou fazendo um almanaque do Ceará, a gente está fazendo um levantamento de todas as súmulas, você está com 291 jogos e está bem próximo dos 300. Então vou passar isso aqui para a diretoria".

Depois de uns dois meses, chegou o grande dia do jogo 300. Foi uma emoção muito grande, porque aconteceu com vitória no Maracanã sobre o Flamengo, pela Série. A. Após esse dia, aconteceu uma homenagem feita pelo Conselho Deliberativo com a camisa em alusão aos 300 jogos.

OP - Quando criança, você era fã do Mota e Sérgio Alves? Como foi viver a experiência de estar ao lado deles em 2009, que foi um ano marcado pelo acesso à Série A?

Joaquim - É uma sensação diferente, né? Eu assisti vários jogos como torcedor lá no Presidente Vargas. Naquele Clássico-Rei, o 3 a 3, com gol do Mota, eu estava ali torcendo por ele. Isso foi em 2001 ou 2002. Quando chegou em 2009, nós estávamos trabalhando juntos. Então é uma sensação diferente. No início da minha trajetória aqui no clube, a gente não consegue separar tanto o lado torcedor do lado profissional. Com o passar dos anos, a gente vai aprendendo a separar, tendo uma certa distância com os atletas na relação médico-paciente. Mas, no início, a gente tem aquela questão de ser fã e pedir foto. Comigo não foi diferente em 2009.

Eu reconheço que eu estava como médico, mas também tinha o lado do torcedor. Estava muito aflorado ainda por ser tudo novo e estar participando do dia a dia deles. Hoje a relação já é mais profissional com todos os atletas. Mota, Sérgio Alves e o próprio Arlindo Maracanã, que foi um atleta que em 2006, eu ainda era acadêmico de Medicina, assistindo aos jogos lá, e ele já era ídolo do Ceará. Quando foi em 2009, ano do acesso, ele também já estava aqui, então é um atleta que tenho que citar. Eu sempre os admirei. Eles eram tranquilos no dia a dia, excelentes.

"Poxa, eu vi esses caras sendo campeões do mundo em 1994 e hoje eu estou aqui sendo o médico deles"

OP - Você lembra de alguma história com algum dos três que te marcou?

Joaquim - Olha, eu brinco com Sérgio Alves. Sempre que a gente se vê, digo pra ele: "Eu tirei foto contigo entrando como mascote, quando tinha 10 anos, e hoje estou aqui te atendendo. Você está velho, Sérgio". Coisas da vida. É uma trajetória que consegui realizar. Tive o sonho de chegar no Ceará e, depois que cheguei ao Ceará, sonhei em chegar na seleção brasileira. Fui duas vezes convocado, em 2020.

Teve um jogo aqui das Lendas, revivendo o tetracampeonato do Brasil sobre a Itália, eu fui convocado para compor o departamento médico da seleção brasileira. Ali também foi um outro momento que eu nunca tinha pensado. "Poxa, eu vi esses caras sendo campeões do mundo em 1994 e hoje eu estou aqui sendo o médico deles, passando o remédio e acompanhando o jogo deles nessa reedição da final". Então foi um sonho realizado. Só tenho a agradecer a Deus por me proporcionar momentos como esse.

OP - O ano de 2009 foi mágico para o Ceará. Foi seu primeiro ano como profissional do clube. O que aconteceu para o time ter uma virada de chave na Série B?

Joaquim - Meu primeiro ano servindo o clube. Eu lembro bem que a gente perdeu o Estadual. E aí o Zé Teodoro (técnico) fez a estreia da Série B lá em Caxias do Sul. Empatamos em 2 a 2. Quando retornamos para a capital cearense, já projetando a segunda rodada, ele recebeu uma proposta de um outro clube e foi embora. Foi então que trouxeram o PC Gusmão. A partir dali foi uma virada de chave, porque o PC conseguiu montar um elenco com alguns líderes, caso do Geraldo, Michel, Heleno e João Marcos. Parecia que todos já se conheciam. Então era a sintonia entre eles, era a questão da cobrança. A questão de na hora que é para jogar, vamos jogar, e em momentos de descontração, quando a gente começou a vencer alguns jogos, tiveram alguns churrascos que a comissão técnica fazia junto com jogadores. E eu via que a união daquele grupo, mesmo não sendo favorito, iria levar o Ceará a um lugar de destaque, como levou, que foi o acesso de 2009.

OP - De 2009 para cá, o Ceará disputou a Série A e a Sul-Americana, foi tricampeão da Copa do Nordeste e chegou à semifinal da Copa do Brasil. Quais foram as principais mudanças de estrutura do clube?

Joaquim - Eu tive o prazer de ver o crescimento de todo o trabalho realizado pelo Evandro Leitão, presidente na época, de reestruturar o clube. Um presidente que tinha visão estrutural. O tanto de investimento que ele fez, principalmente lá na nossa área, que é o departamento médico. Mas o clube como um todo, a gente fica feliz porque hoje viaja pelos demais centros de treinamento de outros clubes, e o nosso departamento médico, que é a área que eu atuo, eu posso dizer que não deixa a desejar para nenhum grande clube do país. A aparelhagem e os profissionais que temos aqui. Essa melhora estrutural e esse legado que o Evandro deixou, com a continuidade que o Robinson de Castro deu ao longo da sua gestão a partir de 2016, deixa o Ceará como um grande local para se trabalhar.

Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará, relembra a infância como torcedor do time (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará, relembra a infância como torcedor do time

OP - Como foi conviver com o Dimas Filgueiras, figura histórica do clube?

Joaquim - O Dimas é um ídolo eterno. Em alguns jogos desses que eu acompanhei durante o período da faculdade, o Dimas era o treinador. Ele era sempre aquele bombeiro, que assumia nas crises. E eu vi no Dimas uma pessoa multifuncional, não era só o treinador. Ele era o cara que fazia o check-out lá do hotel, se preocupava com o ônibus. Realmente era um Soldado Alvinegro.

E quando eu vim para cá, pegamos ele como treinador várias vezes. Nos momentos em que ele assumiu o comando técnico do clube, sempre foi um cara sensacional, que sempre respeitou o departamento médico e as posições médicas. Eu nunca presenciei nenhuma situação de veto, nenhum questionamento em relação ao diagnóstico. Tenho muito respeito por toda a história que ele viveu aqui no Ceará.

OP - Você citou um momento na seleção brasileira, em um jogo festivo, mas teve uma outra ocasião, pela categoria sub-15. Você vê a seleção principal como maior objetivo profissional atualmente?

Joaquim - Servir a nossa nação é sempre um motivo de orgulho. A que abriu as portas foi essa de 2020, esse jogo das Lendas que teve aqui em Fortaleza. E, em 2021, fui convocado para passar dez dias lá na Granja Comary, acompanhando a preparação da seleção sub-15. Foi algo novo para mim. Nunca tinha trabalhado com a base. Eu já entrei trabalhando no futebol profissional e acabou sendo uma experiência única, de conviver dez dias ali na Granja Comary, local que é o QG da seleção brasileira, onde os atletas da sempre estão se preparando para para as Copas do Mundo.

Eu diria que a Granja Comary é a Disneylândia do futebol, porque ali você tem tudo de primeiro mundo em estrutura. Viver aquilo, aqueles dez dias, foi muito intenso. Claro que a gente tem o desejo de retornar e estamos aguardando ser lembrado mais uma vez em futuras convocações para poder servir a seleção brasileira.

OP - Em 2017, você ganhou o prêmio de Personalidade Esportiva, do evento organizado pelo jornalista Sérgio Ponte. O que teve de diferente naquele ano?

Joaquim - Eu fui representando o departamento médico do Ceará. Foi um trabalho integrado dos médicos e dos fisioterapeutas. Em 2017, o Ceará conseguiu o acesso à Primeira Divisão e tivemos um baixo índice de lesões, isso foi reconhecido pela imprensa. Recebi esse título com muita honra na festa das Personalidades Esportivas, algo que a gente escutava na rádio ainda lá atrás, na época de adolescente, sempre na segunda segunda-feira do mês de dezembro. O trabalho foi homenageado, mas não foi particular para mim, mas a todos os nossos membros do departamento médico e fisioterapeutas naquele ano brilhante que nós tivemos o acesso com um baixo índice de lesões e rápida recuperação dos atletas.

Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará, acompanha o time durante os jogos e viagens (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará, acompanha o time durante os jogos e viagens

OP - Esta questão de reduzir o índice de lesões: como vocês previnem isso em atletas que possuem maior tendência para se lesionar? Como funciona esse processo?

Joaquim - O grande desafio hoje da Medicina Esportiva é prevenir a lesão. Fazer com que a lesão não ocorra. Para que a gente consiga isso, precisamos de um trabalho integrado, não só de médicos e fisioterapeutas, mas também da parte da preparação física, da nutrição e da fisiologia, porque a partir das avaliações da pré-temporada que a gente faz nos atletas, de forma individual, conseguimos identificar algum ponto falho que precisa ser trabalhado. Algum déficit muscular de força que o atleta tenha e que a gente precisa realizar uma intervenção específica ao longo da temporada.

Então a gente busca, a partir da pré-temporada, fazer uma avaliação conjunta para ver o atleta como um todo de uma forma individual e, assim, detectar possíveis pontos vulneráveis de lesão. E, a partir disso, ao longo da temporada, trabalhar em cima disso para repor e conseguir equilibrar esse distúrbio de força muscular, por exemplo, que o atleta apresente. O futebol é um esporte de contato, então lesões traumáticas são difíceis de se evitar, mas lesões musculares, por exemplo, é um grande foco que a gente tem como departamento médico.

Além disso, o que temos feito neste trabalho integrado com multiprofissionais é fazer de uma forma que o atleta se sinta bem. Ele precisa se sentir acolhido para que ele tenha uma boa adesão ao tratamento e uma boa adesão àqueles exercícios preventivos. O atleta precisa ter a conscientização que precisa realizar aqueles exercícios preventivos de forma específica para poder evitar lesões.

Outro desafio da medicina esportiva hoje é recuperar o atleta no menor tempo possível. A gente sabe que às vezes a torcida fica impaciente. "Poxa, o atleta está há um mês no DM (departamento médico), está demorando para voltar". A gente tem que lembrar ao torcedor que a recuperação vai ser proporcional à gravidade da lesão. Se você tem uma lesão grave, uma lesão grau 2 ou grau 3, você não vai conseguir recuperar o atleta em uma semana. Não é mágica.

O tempo de retorno vai ser de acordo com a gravidade da lesão. E aí a gente tem que trabalhar do início para poder, com os equipamentos e os profissionais que nós temos, antecipar ao máximo esse tempo de retorno para deixar o atleta apto, porque a gente sabe que o atleta no departamento médico está recebendo o salário, mas não está rendendo. E aí entra também a importância financeira do departamento médico para o clube. Ter o atleta machucado significa que ele não vai estar rendendo.

OP - Um jogo recente marcante na história do Ceará foi o duelo na altitude de La Paz, na Bolívia, pela Copa Sul-Americana. Nunca um clube cearense havia jogado naquelas condições. Quão desafiador foi?

Joaquim - Foi um planejamento bem elaborado. Na viagem, ficamos primeiro em Santa Cruz de La Sierra e só subimos para La Paz no dia do jogo. A partida era à noite. Então a gente tomou café da manhã em Santa Cruz e, no dia do jogo, pegamos um avião até La Paz. Nossa ideia era tentar ficar o menor tempo possível para não ter os efeitos da altitude. Mesmo assim, vários atletas passaram mal. O Vina foi substituído no intervalo. Neste jogo, conseguimos a vitória. Uma coisa diferente lá é que o avião, quando vai subir, já começa a descer, porque como no local a altitude é muito alta, 3.600 metros, então tem aquela questão dele subir, mas já desce rapidamente.

Foi uma experiência que eu vou levar para minha vida. Ter condições adversas e conseguir colocar os atletas para jogar é uma coisa que sempre nos satisfaz, de um certo modo. Com o resultado positivo que tivemos, foi uma experiência única e espero voltar mais vezes com o Ceará participando das competições internacionais.

Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará

OP - A substituição do Vina e as imagens dele no vestiário chamaram a atenção na época. Vocês chegaram a temer que algo mais grave acontecesse?

Joaquim - O Vina sentiu os efeitos da atitude. Ele teve uma queda da pressão, dores fortes de cabeça e não conseguiu retornar para o jogo. Isso foi no intervalo, a substituição dele. Ele não conseguiu nem retornar para assistir o jogo no banco de reservas. Nessa viagem, nós fomos com dois médicos, eu e o doutor Pedro Guilme. O doutor Pedro ficou no campo, enquanto eu fiquei nesse suporte.

O grande segredo da altitude é saber que você está numa altura muito, muito alta, e você precisa sair dela para poder os efeitos passarem. Então toda a logística que foi feita do clube era de ficar o menor tempo possível lá. Do próprio estádio, após o jogo, já fomos direto para o aeroporto para poder retornar para Fortaleza. Com o passar do tempo, os efeitos foram passando nos atletas.

OP - No momento em que a Medicina Esportiva está hoje, é possível que algum jogador invente uma lesão para não atuar?

Joaquim - Posso dizer que lá atrás, há 10, 15 anos, era mais fácil fazer isso. Hoje, não, porque a medicina avançou muito e nós temos exames de imagem. Então se o atleta refere uma dor, a gente já pede uma ressonância ou um ultrassom para avaliar e ver se existe realmente aquela lesão. E então isso daí lá atrás já existiu, mas hoje já não tem mais espaço para isso. O futebol chegou num nível tão profissional e tão exigente que não tem mais espaço para esse tipo de jogador.

Joaquim Garcia conta casos médicos envolvendo jogadores do Ceará que foram importantes para sua carreira (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Joaquim Garcia conta casos médicos envolvendo jogadores do Ceará que foram importantes para sua carreira

OP - Você deve ter vivido muitos casos marcantes como médico do Ceará. Como foi o caso do Saulo Mineiro, que chegou ao clube com um problema cardíaco?

Joaquim - Nós, aqui no Ceará, temos um protocolo, que é fazer avaliação clínica dos atletas e a avaliação cardiológica. Na época do Saulo, que ele chegou, nós já tínhamos uma informação prévia de que era um bom jogador, que tinha potencial, porém que não se firmava em outros clubes por essa alteração dos exames cardiológicos. Fizemos os exames aqui, detectamos essa alteração e passamos a situação para o presidente do clube na época, Robinson de Castro.

O presidente Robinson comprou a ideia e perguntou: "Dá para a gente tratar ele?", respondi que dava. "Então vamos ver a equipe de cardiologistas para poder colocar ele para jogar". Ele passou por dois procedimentos, graças a Deus foram feitos com sucesso, e hoje está aí o Saulo Mineiro, grato eternamente ao Ceará. Um grande profissional. Aqui, no Ceará, a gente conseguiu solucionar esse problema com ajuda da equipe médica e da equipe de cardiologistas que nos dão esse apoio. E hoje ele está aí brilhando. Já jogou no Japão, já fez o gol do título do (Campeonato) Cearense e só tem a ajudar o clube.

OP - O futebol envolve também a questão emocional dos jogadores. Quando um atleta sofre uma lesão grave, que o obriga a ficar muito tempo fora, como vocês lidam?

Joaquim - A gente dá todo o suporte desde o primeiro momento da lesão. No caso do Fernando Miguel, especificamente, aconteceu em um treino aqui. Ele teve uma entorse no joelho e acabou fechando esse diagnóstico de ruptura do ligamento. O suporte é inicialmente feito por nós, médicos, mas temos um um centro de psicologia, com um psicólogo do esporte no clube, que também dá esse suporte para os atletas.

Ele acompanha o dia a dia do clube, acompanha a comissão técnica, acompanha o vestiário no dia dos jogos e observa muito. Quando detecta alguma mudança de comportamento, ele chama o atleta para poder conversar sobre isso. Se for algum problema familiar que o atleta esteja passando, nós também damos esse suporte, principalmente aos jogadores mais jovens.

O Ceará é um time muito grande, um time de massa, que tem muita cobrança. Às vezes o jogador tem potencial, mas, por questões físicas ou mentais, não consegue ter a confiança para desempenhar o seu melhor futebol. Então esse trabalho da psicologia esportiva que temos aqui no CESP (Centro de Saúde e Performance), juntamente da equipe multidisciplinar, a gente já realiza visando evitar um problema mental que possa complicar a performance do atleta dentro de campo.

Joaquim Garcia,  médico, cuida dos jogadores do time do coração desde a infância (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Joaquim Garcia, médico, cuida dos jogadores do time do coração desde a infância

OP - Já aconteceu de você precisar fazer algum “milagre” para um jogador lesionado ir para a partida? Ou por pressão de algum treinador que queria ter o atleta à disposição?

Joaquim - Olha, uma experiência bem recente, foi até citada pelo (técnico Vagner) Mancini em entrevista coletiva, foi a viagem que a gente fez para Campina Grande, na Paraíba, para enfrentar o Treze, pela Copa do Nordeste. Eu viajo com a delegação do Ceará desde 2009, e eu nunca tinha trabalhado tanto como eu trabalhei nessa viagem.

Tivemos um surto de virose. Chegamos lá na sexta à noite e, no sábado, véspera do jogo, tivemos vários atletas com questão de febre, sintomas de febre, dores no corpo, dor de garganta e dor de cabeça. Ao todo nove atletas nessa viagem tiveram com acometimento dessa virose, um verdadeiro surto.

A gente trabalhou bastante para medicar esses atletas e tentar colocá-los em condição e com segurança. Isso é o mais importante. Então passamos a madrugada dando suporte, verificando se estavam bem e esperando eles descansarem. Fizemos uma reavaliação antes do almoço, no dia do jogo, porque eu tenho que colocar o atleta para jogar, mas também preciso zelar pela saúde dele. Não adianta o atleta ir sem estar bem.

A gente teve uma boa recuperação, tiveram uma boa resposta aos medicamentos, por isso que eles jogaram, porque se não estivessem com saúde, se não tivessem condições, a gente não iria ser negligente e deixar eles jogarem. Conseguimos o resultado vitorioso e depois, na coletiva, o Mancini fez esse reconhecimento de todo o trabalho que a gente executou nessa viagem.

Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Joaquim Garcia Filho, médico do Ceará

OP - Por essa convivência próxima com os jogadores, você criou uma forte amizade com algum atleta?

Joaquim - A gente tem uma relação mais próxima com o treinador. O Mancini, por exemplo, eu já havia trabalhado com ele em 2011. E a gente sempre manteve contato. Quando ele veio aqui treinando outros clubes, eu sempre o visitava e hoje o considero como um amigo que eu fiz no futebol. Tenho uma relação também com o próprio PC Gusmão, que foi o meu segundo treinador, o primeiro foi o Zé Teodoro. Eu considero o PC Gusmão como um paizão dentro do futebol. Aprendi muita coisa com ele. Ele cobrava muito em algumas coisas naquela época. Eu ainda estava muito "verde". Então assim, tinha uma certa pressão em algumas condutas, mas é um cara que, no final, a gente até hoje tem uma amizade e se fala. Então esses dois homens, o Mancini e o PC Gusmão, são grandes amigos que eu fiz futebol.

OP - Qual sua opinião sobre gramado artificial no futebol, do ponto de vista médico?

Joaquim - Já ganhamos e já perdemos no gramado artificial. Eu vejo que é uma tendência. Porém, existem números relacionados a até um risco maior de lesão. Tem estudos que falam que, por conta do piso e do impacto, pode desencadear processos inflamatórios em alguns atletas, principalmente naqueles atletas que têm uma predisposição maior, e assim isso pode ser prejudicial.

Se você me perguntar o que é que eu prefiro... Eu prefiro o gramado natural. O futebol, desde lá atrás, foi feito na grama natural, então não vejo necessidade de mudar não, mas respeito e entendo. A gente se prepara para esses jogos orientando os atletas em relação a ter um maior cuidado, porque o risco de entorses é maior em um gramado artificial.

OP - Qual foi o seu momento mais marcante no Ceará?

Joaquim - Eu posso dizer que foi o desembarque em 2017, após o acesso (à Série A) que nós tivemos. Conseguimos a vitória lá em Criciúma. Descemos do avião e fomos direto para o carro de Corpo de Bombeiros. Aquele mar de gente que tinha ali pelo aeroporto é uma coisa que está gravado na minha memória, e eu nunca vou esquecer isso.

Outro momento também muito importante foi o título da Copa do Nordeste de 2015. Eu trabalhei nesse jogo, foi o meu primeiro título sem ser estadual, já tinha ganho o Estadual, mas não tinha vencido nenhum título regional, no caso, a Copa do Nordeste. Então ele também foi uma emoção diferente. A gente conseguiu vencer aquele jogo contra o Bahia e foi o meu primeiro título de uma competição de maior projeção.

OP - Qual seu maior ídolo no Ceará?

Joaquim - Sérgio Alves.

OP - Um sonho que você deseja viver como médico e torcedor do Ceará?

Joaquim - Ver o Ceará disputando uma Libertadores e fazendo uma boa campanha. 

 

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