Logo O POVO+
Quando a paternidade alia desafio, coragem e esperança
Reportagem Seriada

Quando a paternidade alia desafio, coragem e esperança

A chegada de uma criança reorganiza rotinas, transforma certezas e abre novas formas de enxergar o mundo. Quando a paternidade alia inquietação, coragem e esperança, homens que escolhem vivê-la de forma ativa enfrentam medos e responsabilidades sem tirar folga. Nesse contexto, pais cearenses seguem guiados pelo afeto, determinados a criar filhos conscientes, livres e certos de que sempre terão um porto seguro quando precisarem
Episódio 3

Quando a paternidade alia desafio, coragem e esperança

A chegada de uma criança reorganiza rotinas, transforma certezas e abre novas formas de enxergar o mundo. Quando a paternidade alia inquietação, coragem e esperança, homens que escolhem vivê-la de forma ativa enfrentam medos e responsabilidades sem tirar folga. Nesse contexto, pais cearenses seguem guiados pelo afeto, determinados a criar filhos conscientes, livres e certos de que sempre terão um porto seguro quando precisarem
Episódio 3
Tipo Notícia Por

 

 

Há experiências que deixam marcas profundas na vida de uma pessoa: um livro que muda a forma de ver o mundo, uma viagem que reinventa os sentidos, a conquista de um diploma tão sonhado. Para muitos, no entanto, nada se compara ao impacto transformador de um filho.

A chegada de uma criança é capaz de virar rotinas de cabeça para baixo, redefinir prioridades e interromper noites de sono. Mais do que isso, abre novas janelas de percepção. Homens que escolheram viver a paternidade de forma ativa, não como coadjuvantes, mas como protagonistas, relatam que novos sonhos passaram a dominar seus pensamentos.

Junto com esses sentimentos, porém, surgem também dúvidas, angústias e responsabilidades que antes pareciam distantes. Na rotina diária, pais cearenses compartilham os desafios enfrentados e as preocupações com o futuro dos filhos, abordando temas como machismo, racismo, violências e a necessidade de prepará-los para o mundo.

Pais de meninas, de crianças negras e neurodivergentes comentam sobre os desafios de enfrentar uma sociedade ainda marcada por desigualdades. Ao mesmo tempo, enfatizam o desejo de não criar seus filhos em bolhas ou trincheiras de medo. Com esperança no coração, eles almejam formar cidadãos conscientes, fortes e livres, que saibam, acima de tudo, que podem sempre encontrar neles um porto seguro quando precisarem.

A paternidade ativa tem emergido no Brasil como uma verdadeira "revolução silenciosa", conforme apresentado pelo O POVO+ em 2024. Trata-se de um movimento atual que busca reconfigurar o papel do pai na família e na sociedade, desafiando eventuais ciclos de abandono ou negligência que marcaram a infância de muitos desses próprios homens.

Com uma maior participação dos pais na criação e desenvolvimento de seus filhos, que vai muito além da tradicional figura do provedor severo e distante, uma nova geração de homens busca dar mais do que o "sustento familiar". Eles oferecem apoio, carinho, orientação e o amor incondicional que no passado não receberam.

Marcos Piangers é influenciador digital, palestrante e escritor sobre paternidade(Foto: Vinicius Dalla Rosa)
Foto: Vinicius Dalla Rosa Marcos Piangers é influenciador digital, palestrante e escritor sobre paternidade

Nesse contexto, o pai é convidado a compartilhar com a mãe, em pé de igualdade, tanto as responsabilidades materiais como também o compromisso com o cuidado, o afeto e o desenvolvimento dos filhos. O escritor Marcos Piangers, especialista em paternidade, destaca a importância dos homens se reconectarem com suas emoções e sensibilidade, desafiando a masculinidade tradicional, muitas vezes vinculada a comportamentos rígidos e distantes.

Para ele, a paternidade pode ser uma "oportunidade de cura" e de redescoberta das emoções mais genuínas, permitindo que o homem se liberte de uma "prisão masculina".

O objetivo dessa nova perspectiva é que a palavra "pai" por si só seja sinônimo de amor, cuidado, presença e responsabilidade, sem a necessidade de adjetivos que glorifiquem comportamentos que deveriam ser inerentes a essa figura. É uma busca por construir um ambiente familiar mais harmonioso, onde a casa não seja um campo de batalha, mas um porto seguro de paz e afeto.

 

 

Paternidade atípica: as batalhas de um pai que prepara o filho para o mundo

Assumir a paternidade é embarcar em uma jornada de descobertas e, também, renúncias, na qual, por vezes, é preciso abrir espaço para que as necessidades dos filhos se sobreponham às vontades pessoais. Quando essa relação envolve crianças com especificidades ou inseridas em contextos marcados por desigualdades, o ato de cuidar se torna ainda mais desafiador e, ao mesmo tempo, mais transformador.

Longe da visão tradicional do "pai provedor", a paternidade ativa se mostra como um chamado à presença constante e sensível, desconstruindo expectativas e reconstruindo afetos dia após dia.

A chegada de Benjamin trouxe uma imensa felicidade para Italo, sendo um novo capítulo durante a pandemia(Foto: Fco Fontenele / O POVO)
Foto: Fco Fontenele / O POVO A chegada de Benjamin trouxe uma imensa felicidade para Italo, sendo um novo capítulo durante a pandemia

Nesta reportagem, O POVO+ mergulha nas inquietações e esperanças de pais que vivem essa realidade. Eles compartilham como questões individuais moldam a criação de crianças com histórias singulares, seja por um diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), pela identidade racial ou de gênero e pelo enfrentamento cotidiano a uma sociedade ainda marcada por preconceitos.

Para pais como Italo Coelho, a paternidade atípica intensifica os desafios e transforma o futuro em um território de incertezas constantes. Segundo ele, o diagnóstico costuma chegar para nomear o que antes era dúvida, mas pode trazer consigo também medos e angústias.

Pai de Benjamim, de 4 anos e 8 meses, diagnosticado com autismo de nível 1 de suporte, Italo é advogado e relata que a identificação da condição do filho trouxe o "peso do rótulo".

Apesar de já ter bastante conhecimento sobre o autismo por conta de sua atuação profissional e até suspeitar que ele próprio seja atípico, com indícios de TDAH e possível autismo, o diagnóstico de Benjamim gerou uma reflexão profunda.

Ao lado da esposa, Alice Siebra, psicóloga que teve papel crucial ao perceber os primeiros sinais, Italo comenta que sua missão é preparar o filho para o mundo. Ele reconhece que a sociedade ainda não está completamente preparada para acolher pessoas autistas e, por isso, preocupa-se com a possibilidade de Benjamim ser olhado ou tratado de forma diferente por conta da condição.

Ítalo Coelho com o filho Benjamin (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Ítalo Coelho com o filho Benjamin

“Meu filho não precisa andar com cordão se não quiser, porque quase ninguém percebe que ele tem algum grau de autismo se não estiver com o cordão. Mas, se ele quiser usar, estará exercendo um direito pelo qual muita gente lutou. Ao mesmo tempo, esse cordão pode atrair olhares preconceituosos. Eu, particularmente, sou uma pessoa que não se importa muito com o que os outros pensam, e é essa postura que vou tentar transmitir para ele”, comenta.

Italo entende, no entanto, que comentários ou olhares carregados de preconceito podem, em algum momento, recair sobre o filho. Por isso, ele e Alice focam em promover o autoconhecimento desde cedo, como forma de fortalecer Benjamim emocionalmente. “Primeiro, o Benjamim sabe que tem autismo, ele tem essa consciência para se preparar melhor. E segundo, ele está no jiu-jitsu…”, diz, começando uma longa gargalhada.

“Mas é só por precaução, para se defender. Agora é óbvio que a arte marcial também ajuda no desenvolvimento sensorial e no autocontrole emocional, para lidar com as situações do dia a dia”, complementa.

 

Clique na foto e conheça mais sobre a história e relação de Ítalo Coelho e seu filho Benjamin

 
Italo Coelho e Benjamim i
Saiba mais

 

 

Pais de meninas negras contam sobre o compromisso na luta contra racismo e machismo

A cor da pele e o gênero também atravessam diretamente os pensamentos de quem exerce a paternidade. Pais de meninas, especialmente meninas negras, compartilham angústias diante de um mundo em que o machismo e o racismo ainda são estruturais. Lourival Pereira, Jeferson Ferreira e Cláudio Sena refletem sobre a responsabilidade de educar suas filhas em um contexto marcado pela desigualdade entre homens e mulheres.

Auxiliar de produção, Lourival Pereira é mais conhecido como Rival MC, por sua atuação artística no mundo do rap. Dono de uma pele negra e de um sorriso fácil sempre que fala da filha Ana Júlia, de 1 ano e 5 meses, ele conta que o interesse pelas discussões de gênero já existia em sua trajetória, mas se aprofundou quando descobriu que seria pai de uma menina.

Rival MC conta que Ana Júlia é muito inteligente e aprende muito rápido, reproduzindo palavras após ouvi-las apenas uma vez(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Rival MC conta que Ana Júlia é muito inteligente e aprende muito rápido, reproduzindo palavras após ouvi-las apenas uma vez

Ele explica que muitos detalhes do cotidiano, frequentemente vistos como bobagens ou “piadinhas”, carregam vestígios de preconceito ainda normalizados socialmente. Por isso, passou a redobrar os cuidados com falas e atitudes, sobretudo quando está próximo da filha.

Como primeira figura masculina na vida de Ana Júlia, Rival MC diz sentir um alerta constante para que se tornar uma referência de masculinidade positiva e saudável. Para isso, reforça a importância de manter um lar em harmonia e cultivar uma relação respeitosa com a esposa, Amanda Jéssica. Ele acredita que o modo como trata a companheira servirá como espelho e padrão para quando a filha crescer e começar a se relacionar.

“A gente tem que deixar o ambiente o mais harmonioso possível para a Ana Júlia entender que aquilo é um lar ideal”, afirma.

 

Clique na foto e conheça mais sobre a história e relação de MC Rival e sua filha Ana Júlia

 
Rival MC e Ana Julia i
Saiba mais

 

Quem também vivencia questões parecidas e mantém esse sinal de atenção sempre ligado é o produtor cultural Jeferson Ferreira, conhecido como Jeff Lobo de Wakanda. Em 2024, ele foi um dos personagens da reportagem do O POVO+ que mostrou como homens que não tiveram amor e cuidados paternos na infância precisaram se tornar a referência que nunca tiveram.

Na ocasião, ele compartilhou como precisou lidar com questões internas profundas para poder proporcionar à filha “tudo aquilo” que lhe faltou quando criança. E não se trata de bens materiais, mas de afeto, carinho e presença, elementos fundamentais no desenvolvimento emocional de qualquer criança.

Jeff e sua filha Josiane Vitória estamparam a capa do O POVO na edição de Dia dos Pais de 2024, em 11 de agosto(Foto: O POVO)
Foto: O POVO Jeff e sua filha Josiane Vitória estamparam a capa do O POVO na edição de Dia dos Pais de 2024, em 11 de agosto

Agora, Jeff retorna ao O POVO+ destacando a importância de construir, de forma contínua, uma estrutura familiar que valorize a escuta e a empatia, sobretudo em relação às dores que atravessam as mulheres negras. Para ele, não se trata apenas de cuidar da filha Josiane Vitória, a Jojô, de 1 ano e 9 meses, mas de educá-la com consciência de sua identidade e das violências simbólicas e estruturais que poderá enfrentar.

“Tem uma parada chamada solidão da mulher negra, que atinge as mulheres desde a infância. Isso faz com que elas sejam excluídas e invisibilizadas nos locais, como a escola ou grupos de amigos. A Jojô sempre vai ser ‘a negrinha’. Então é esse tipo de violência que preocupa a gente”, comenta, referindo a si e a sua esposa Geiziane Pereira.

Jeff reconhece que não sabe como será o futuro, mas tem convicção sobre o presente. “Atualmente, o mundo é bem cruel para quem tem a nossa herança ancestral. E isso é duas ou três vezes pior para quem é mulher. Então essa questão das violências, do machismo estrutural... tudo isso nos preocupa muito.”

A maior esperança de Jeff é que a filha esteja preparada para enfrentar as adversidades, coisa que ele e a esposa não tiveram na própria infância. O casal se empenha em prepará-la para lidar com o racismo, o bullying, o machismo e a gordofobia, ensinando-a a se defender e a responder com firmeza diante das violências cotidianas.

Jeff se diz um pai muito protetor e carinhoso, que chama sua filha de Jojô e seu pequeno "bibelô"(Foto: Fábio Lima / O POVO)
Foto: Fábio Lima / O POVO Jeff se diz um pai muito protetor e carinhoso, que chama sua filha de Jojô e seu pequeno "bibelô"

“A Jojô está cercada por pessoas com ‘letramento suficiente’ para ensiná-la e acolhê-la. Ela vive em um ‘grande quilombo’”, afirma, referindo-se à rede de apoio afetiva e politicamente consciente que cerca a filha.

Entre as estratégias, ele destaca a importância de incentivar o diálogo desde cedo. O objetivo é mostrar à filha que ela pode sempre recorrer aos pais quando sentir medo ou insegurança, além de desenvolver uma autoconsciência afetiva e o entendimento de que a realidade é difícil, mas que ela não está sozinha.

 

Clique na foto e conheça mais sobre a história e relação de Jeff Lobo e sua filha Josiane Vitória

 
Rival MC e Ana Julia i
Saiba mais

 

 

A jornada de um pai que se desfaz do machismo para criar uma filha forte

Os impactos de uma estrutura social machista preocupam profundamente pais de meninas negras, mas não apenas. Professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Cláudio Sena compartilha inquietações semelhantes sobre o papel da mulher em uma sociedade marcada pelo patriarcado, especialmente no Nordeste, onde a figura do “machão” ainda é socialmente valorizada.

Pai de Alice, de 3 anos e 6 meses, ele relata viver um processo constante de desconstrução, buscando vigilância no uso das palavras, no tom de voz e nas atitudes do dia a dia. Para isso, reconhece o papel fundamental da esposa, Mariana Fontenele, cuja sensibilidade e vivência o ajudam a perceber armadilhas sutis do machismo estrutural.

Cláudio busca ser o primeiro modelo masculino positivo para Alice, policiando suas próprias atitudes, tom de voz e vocabulário em casa(Foto: Camilla Albano / Arquivo pessoal)
Foto: Camilla Albano / Arquivo pessoal Cláudio busca ser o primeiro modelo masculino positivo para Alice, policiando suas próprias atitudes, tom de voz e vocabulário em casa

Um de seus maiores desafios, afirma, é evitar que a filha cresça em uma “bolha”, protegida de tudo, e ao mesmo tempo permitir que ela vivencie o mundo real, com suas complexidades.

“Eu me preocupo em não enclausurá-la nessa bolha e em apresentá-la, de certo modo, à vida real, para que ela experimente e seja afetada pelos sentidos. Confesso que, com muito temor, às vezes acabo soltando demais para que ela possa aproveitar algo, correr algum risco. Mas acho que é para isso que estamos aqui: para viver experiências, e não simulações”, reflete.

Com anos de vivência em sala de aula, Cláudio observa que muitos jovens crescem sem encontrar algo que os motive, seja no trabalho, em um hobby ou no convívio social. Muitos, segundo ele, passam a vida buscando esse sentido ou se acomodam em zonas de conforto, sem descobrir o que realmente os move. Por isso, longe dos desejos tradicionais, ele deposita em Alice o anseio de que ela encontre prazer e realização no cotidiano.

“Eu ficarei feliz se ela conseguir encontrar algo que a satisfaça. Não precisa ser medicina, nem direito, nem nada disso, só algo que lhe traga uma felicidade sincera, que permaneça e não seja momentânea. Ela vai passar por momentos bons e ruins, isso é inevitável. Mas o mais importante é que encontre algo que faça a roda girar, que lhe dê estímulo para se levantar todos os dias”, conclui.

 

Clique na foto e conheça mais sobre a história e relação de Cláudio Sena e sua filha Alice

 
Claudio Sena e Alice i
Saiba mais

 

 

>> Ponto de vista

Paternidade atípica: entre afetos, desafios e a ausência de garantias

Por Marcelo Bloc *

Ser pai é, por si só, um deslocamento de eixo. É aprender a se colocar em segundo plano, a priorizar os interesses de outrem — um filho — acima dos próprios. Quando essa paternidade é atípica, como no caso de quem cria uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA), essa entrega se intensifica, os desafios se multiplicam e o futuro se torna um campo constante de incertezas.

Em uma sociedade ainda marcada pelo machismo estrutural — que em 2025 segue vendo o pai como coadjuvante na criação dos filhos —, discutir a paternidade atípica é também questionar o que se espera da figura paterna. Trata-se muito menos de prover financeiramente e muito mais de estar presente emocionalmente, de forma ativa, constante e sensível.

O jornalista Marcelo Bloc caminha com sua filha, Luiza Bloc(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal O jornalista Marcelo Bloc caminha com sua filha, Luiza Bloc

O diagnóstico de TEA geralmente chega como um turbilhão. Mistura alívio — por finalmente nomear aquilo que antes era dúvida — com angústia, medo do futuro e um certo luto pelo “filho idealizado”. Para muitos pais, isso impacta o vínculo inicial, exigindo tempo e, muitas vezes, suporte psicológico para reconstruir esse laço afetivo.

A saúde mental dos pais atípicos é um tema urgente. A sobrecarga emocional e física é real, mas pouco debatida. O acesso a tratamentos especializados para os filhos — muitas vezes caros e excludentes — já é limitado; cuidar da própria saúde mental, então, costuma ficar em segundo plano. Como oferecer equilíbrio emocional a uma criança neuroatípica se o cuidador está à beira do esgotamento?

A ausência de uma rede de apoio amplia a sensação de solidão. Muitos pais enfrentam jornadas silenciosas, onde pequenas conquistas — quase imperceptíveis para quem vê de fora — se tornam grandes vitórias internas. São momentos de exaustão, mas também de intensa conexão.

Apesar disso, estudos mostram que pais de crianças com TEA exercem papel fundamental no desenvolvimento emocional, cognitivo e social dos filhos. Brincadeiras físicas, incentivo à perseverança, evocar memórias e oferecer segurança impactam diretamente no progresso da criança. No entanto, a divisão desigual das tarefas persiste. Muitas mães relatam assumir sozinhas a responsabilidade prática e emocional, mesmo quando o pai está presente.

Mas talvez o que mais aflige pais e mães atípicos seja o futuro. Como será a vida de uma criança neuroatípica quando crescer? Quem cuidará dela na ausência dos pais? Haverá inclusão real, trabalho, independência, vínculos afetivos? Essas perguntas, sem respostas claras, habitam os pensamentos diariamente.

É doloroso perceber que, ao contrário do que se espera da trajetória de um filho — crescer, ganhar autonomia e seguir seu caminho —, muitas vezes o sentimento é de que será preciso estar presente para sempre. E essa impossibilidade de garantir o “para sempre” corrói silenciosamente. Não se trata de falta de fé no desenvolvimento, mas do medo legítimo de uma sociedade ainda despreparada para acolher plenamente.

A paternidade atípica é, no fundo, um chamado à desconstrução. Desconstruir o papel tradicional do pai. Reconstruir afetos. Redesenhar rotinas. E, sobretudo, aprender a viver um dia de cada vez, celebrando o que pode parecer pequeno, mas que, para nós, é imenso.

Porque amar, nesse caminho cheio de incertezas, é insistir todos os dias em acreditar no possível.

* Marcelo Bloc é repórter de Política do O POVO e orgulhosamente pai de Luiza Bloc

 

 

Socióloga defende que a principal estratégia é criar filhos que não sejam preconceituosos

A paternidade ativa, explica a socióloga Tuany Abreu de Moura, mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), parte de um princípio simples, mas ainda distante da realidade de muitas famílias: o compromisso efetivo com o cuidado diário dos filhos. Mais do que “ajudar”, diz ela, trata-se de assumir a corresponsabilidade pela vida da criança.

Tuany Abreu de Moura é mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde explorou em seus estudos o conceito de paternidade ativa nas redes sociais(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Tuany Abreu de Moura é mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde explorou em seus estudos o conceito de paternidade ativa nas redes sociais

Com estudos avançados sobre paternidade ativa, Tuany comenta que esse conceito não nasce, necessariamente, vinculado a causas como antirracismo ou inclusão. No entanto, quando os pais se envolvem de forma genuína, é comum que outras preocupações atravessem esse exercício, seja com a questão racial, seja a vivência com filhos neurodivergentes. “Há uma interseccionalidade nesse lugar da paternidade”, observa.

Para Tuany, é fundamental reconhecer que a paternidade ativa é plural. Existem pais ativos liberais, conservadores ou progressistas, com diferentes engajamentos sociais. E, embora as estratégias variem, ela defende um ponto central: “A principal estratégia não é criar filhos para lidar com o preconceito, mas criar filhos que não sejam preconceituosos.”

O caminho, portanto, está em ensinar desde cedo que o mundo é plural e que o respeito deve ser estendido a todos os seres vivos, humanos ou não. “O ideal é que nossos filhos tenham esse olhar diverso e sejam aliados daqueles que sofrem, capazes de se unir em comunidade para enfrentar as dificuldades coletivamente”, afirma.

A socióloga também destaca que o exemplo dentro de casa é determinante. Em casais heterossexuais, por exemplo, a divisão igualitária de responsabilidades oferece à criança uma noção concreta de respeito e parceria. “Crescer em um ambiente harmonioso, com paz e respeito, é aprender a respeitar pelo respeito”, resume.

 

O que você achou desse conteúdo?

Paternidade ativa

Série mostra os traumas da ausência do pai e como um grupo de homens desafia ciclos de abandono que marcaram suas infâncias para montar o quebra-cabeça da paternidade na vida adulta