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Multas milionárias e sucateamento põem em risco operação do Porto de Fortaleza
Reportagem Seriada

Multas milionárias e sucateamento põem em risco operação do Porto de Fortaleza

Neste segundo episódio do especial Porto de Fortaleza em crise, O POVO mostra que a Companhia Docas do Ceará, ligada ao Governo Federal, deixou de cumprir requisitos essenciais e perdeu o selo ISPS Code, de segurança no tráfego internacional de cargas, e tem o alfandegamento sob alvo constante de penas impostas pela Receita Federal
Episódio 2

Multas milionárias e sucateamento põem em risco operação do Porto de Fortaleza

Neste segundo episódio do especial Porto de Fortaleza em crise, O POVO mostra que a Companhia Docas do Ceará, ligada ao Governo Federal, deixou de cumprir requisitos essenciais e perdeu o selo ISPS Code, de segurança no tráfego internacional de cargas, e tem o alfandegamento sob alvo constante de penas impostas pela Receita Federal
Episódio 2
Tipo Notícia Por

 
 
 

O ataque hacker que fragilizou a segurança do Porto do Mucuripe, em Fortaleza, também comprometeu a operação do terminal.

Sem sistemas de controle, o monitoramento não consegue dar conta dos registros de entrada e saída de cargas há mais de dois anos e nenhum reparo foi feito pela Companhia Docas do Ceará (CDC), empresa ligada ao Governo Federal que administra o equipamento.

Com isso, o Porto perdeu a certificação ISPS Code, de segurança para o tráfego internacional de cargas, e tem o alfandegamento em xeque, pois acumula cerca de R$ 20,8 milhões em autos de infração emitidos pela Receita Federal.

Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Por onde parte da economia do Ceará é movimentada(Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Por onde parte da economia do Ceará é movimentada

Uma das penas chega a R$ 11,3 milhões e foi aplicada após o caso do sumiço/desaparecimento dos 12 contêineres das instalações do Porto, revelado pelo O POVO na segunda-feira, 22.

Outra, de R$ 6,8 milhões, foi por "descumprimento de requerimentos técnicos e operacionais para o alfandegamento dos locais e recintos ou seu cumprimento fora do prazo.”

O levantamento ao qual O POVO teve acesso compreende o período de julho de 2019 até agora, mesmo período da gestão da diretora-presidente Mayhara Chaves na CDC.

Dados apontam punições (advertências e multas) sobre falhas no controle aduaneiro (quando a carga foi registrada, mas nem sequer desembarcou no terminal), extravio de pás eólicas, mercadorias não localizadas e ausência de pré-requisitos essenciais para a área alfandegada, como as cancelas de controle de cargas.

 

 

Autos de infração emitidos pela Receita contra o Porto 

Clique no ícone de mais para ver detalhes dos autos de infração aplicados de acordo com as datas

*O POVO optou por retirar a identificação dos contêineres e os nomes das empresas citadas nos autos emitidos pela Receita Federal


Há casos, inclusive, de contêineres que estão no Porto de Fortaleza há mais de dez anos sem qualquer controle.

Após a perda de todo o banco de dados — sequestrado pelo grupo romeno de hackers “Tirana Hacker Team” em outubro de 2019 —, a autoridade portuária nem sequer sabe de onde veio e qual o destino dessas cargas armazenadas no pátio da Companhia Docas do Ceará há uma década, denuncia uma das fontes ouvidas sob a condição de anonimato.

Na mira da Receita, a CDC aparenta não temer a perda do alfandegamento, segundo indicam os relatos apurados pelo O POVO.

Ao mesmo tempo em que funcionários apontavam as falhas e os riscos que trazem para a operação e a credibilidade do terminal, o Conselho de Administração também tratava de medidas que resolvessem as falhas.

 

 

Entenda o que é alfandegamento e o que pode ser alfandegado

Arraste para o lado para ver mais cards


As atas das reuniões indicam que, ao menos, três dos membros do Conselho cobraram explicações e resoluções para que o Porto de Fortaleza não fosse mais autuado pela Receita, mas nenhuma resposta efetiva foi dada pela gestão da autoridade portuária.

Emitido pela Receita Federal, o alfandegamento é essencial para as operações internacionais. A licença diz respeito a uma área específica do porto para estacionamento ou trânsito de veículos e/ou cargas procedentes do Exterior ou a ele destinados. 

Hoje, no Porto de Fortaleza, a área alfandegada é de 275.280,9 metros quadrados e envolve o pátio dos contêineres, indo até próximo ao desembarque do Terminal Marítimo.

Em todos os equipamentos com área igual, como aeroportos e zonas de processamento de exportação, a área alfandegada é considerada a mais restrita e segura. Mas não é o que se observa no Mucuripe.

 

 

Perda de certificação internacional compromete segurança

 

Como 12 contêineres sumiram do Porto do Mucuripe, em Fortaleza? Um inquérito na Polícia Federal busca respostas  (Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Como 12 contêineres sumiram do Porto do Mucuripe, em Fortaleza? Um inquérito na Polícia Federal busca respostas

Mas, se a Receita ainda não tomou uma medida mais dura, a Comissão Nacional de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis (Conportos), sim.

O descaso com a segurança fez com que fosse cancelada a certificação ISPS Code do Porto de Fortaleza.

O Código Internacional de Proteção de Navios e Instalações Portuárias — na tradução para o português — surgiu em 2001, no contexto de maior segurança internacional, deflagrado após o atentado terrorista de 11 de setembro, nos Estados Unidos.

O ISPS classifica todos os portos internacionais em níveis de segurança pré-definidos. O terminal administrado pela Companhia Docas do Ceará, apenas no primeiro semestre deste ano, recebeu e enviou cargas para 11 destinos internacionais.

Operações que podem ser comprometidas, agora, que o porto não conta mais com a certificação.

 

Origens e destinos das cargas no Porto do Mucuripe

Clique no infográfico para ver os dados



Como signatário, o governo brasileiro implementou as regras em julho de 2004 e é obrigado a mantê-las.

A principal preocupação da Conportos com o ISPS é “evitar o acesso de pessoas não autorizadas às Instalações Portuárias - IP e aos navios de carga e de passageiros, bem assim o trânsito de armas e artefatos que possam ser utilizados em ações terroristas e sabotagens as instalações portuárias e aos navios”, como explica a Polícia Federal em seu portal na web.

No entanto, a Comissão também é responsável pelo Plano de Segurança Pública Portuária, o qual visa o combate a mais ameaças, como “as relacionadas com o furto, o roubo e o contrabando de mercadorias, o tráfico de drogas ilícitas, de armas e outros artefatos, utilizados no crime.”

No terminal de atracagem do Porto do Mucuripe, em Fortaleza, "defensas" desgastadas foram substituídas, improvisadamente, por pneus  (Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio No terminal de atracagem do Porto do Mucuripe, em Fortaleza, "defensas" desgastadas foram substituídas, improvisadamente, por pneus

Ao que parece, diz uma das fontes ouvidas pelo O POVO, nenhuma regra de segurança é cumprida no Porto de Fortaleza dentro dessas exigências.

Por esse motivo, a Comissão efetuou, na segunda semana de agosto de 2022, ação que cancelou a certificação ISPS Code da Companhia Docas do Ceará. Atualmente, as duas placas que exibiam a certificação foram cobertas com sacos de lixo pretos e fita gomada.

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Para acontecer, a medida passou pelo crivo dos membros da Conportos, que são: Ministério da Justiça e Segurança Pública, por indicação da Polícia Federal e que preside a comissão; Ministério da Defesa, por indicação do Comando da Marinha; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Economia, por indicação da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil; Ministério da Infraestrutura; e Agência Nacional de Transportes Aquaviários.

Mas, ao consultar o site da Companhia Docas do Ceará, a certificação ainda é exibida com destaque, informando que o Porto de Fortaleza foi o primeiro do País com ISPS Code.

 

 

 

 

Descaso da gestão: terminal vulnerável há mais de 3 anos

 

Mesmo com as deficiências apontadas por funcionários e cobradas no Conselho de Administração, a gestão da Companhia Docas do Ceará não tomou medidas ao longo dos últimos três anos para resolver os problemas.

Nesse tempo, a estrutura passou por processo de sucateamento enquanto o OCR (Optical Character Recognition ou Reconhecimento Óptico de Caracteres, em português), um sistema que faz a leitura dos códigos existentes em todo contêiner, continua sem funcionar.

Inativo desde o ataque hacker, o OCR é considerado essencial para evitar sumiços em cargas como aconteceu com os 12 contêineres em setembro de 2021.

Em 22/9/2021, 12 contêineres sumiram do pátio interno do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. O caso gerou um inquérito, ainda em andamento, na Polícia Federal  (Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Em 22/9/2021, 12 contêineres sumiram do pátio interno do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. O caso gerou um inquérito, ainda em andamento, na Polícia Federal

Por isso, o sistema foi motivo de licitação vencida pela Techsan no fim de 2021 — mais de dois anos após o sequestro dos dados. Com sede em São Paulo, a empresa é especializada em sistema de inteligência para segurança e atua em portos, aeroportos e eventos de grande porte.

No entanto, após cinco meses de trabalho, o resultado apresentado pela empresa à Docas em maio de 2022 foi considerado insuficiente.

Funcionários e ex-empregados do Porto de Fortaleza contaram ao O POVO que o percentual de assertividade do sistema instalado entregou apenas 51% e não atendeu ao exigido, de 90% a 95%. A medida, então, foi recusar o trabalho da empresa e rescindir o contrato assinado.

Em represália, a empresa entrou com processo e interrompeu a realização de uma nova licitação na Justiça. A CDC conseguiu derrubar a liminar, mas a decisão impede que os equipamentos instalados pela Techsan sejam retirados do Porto de Fortaleza.

Pelo menos um terço das câmeras de monitoramento do Porto do Mucuripe, em Fortaleza, apresentaram problemas(Foto: Foto enviada ao O POVO)
Foto: Foto enviada ao O POVO Pelo menos um terço das câmeras de monitoramento do Porto do Mucuripe, em Fortaleza, apresentaram problemas

 

"Outra licitação foi realizada, com cláusula de repasse dos códigos-fontes dos sistemas do OCR, e, a nova vencedora, na hora de assinar o contrato, desistiu, alegando que, com os programas-fontes, o preço seria muito superior. E agora, a CDC vai fazer outra licitação, e vai continuar em débito com o alfandegamento do Porto. Tudo isso aconteceu entre junho e hoje”, detalha outra fonte, sob condição de anonimato.

O nome da segunda empresa vencedora é iPort Solutions. O POVO entrou em contato com as duas empresas, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

 

 

 

 

Sem defensas, atracação de navios leva até 4 horas

 

Outra deficiência do Porto de Fortaleza denunciada por funcionários e ex-funcionários diz respeito à infraestrutura necessária para a operação de carga e descarga das embarcações.

As defensas marítimas, estruturas utilizadas para amortecer o impacto dos navios na atracação ao terminal, sofreram desgastes e muitas estão inutilizadas. Isso requer que os funcionários transfiram as defensas de um ponto para outro a cada vez que há necessidade de um navio aportar.

Área de carga e descarga com defensa destruída e sem substituição no Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Foto de 2022(Foto: Foto obtida pelo O POVO)
Foto: Foto obtida pelo O POVO Área de carga e descarga com defensa destruída e sem substituição no Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Foto de 2022

Todo o processo para desparafusar e montar novamente a estrutura, feito por funcionários da Docas, demora 4 horas.

Enquanto isso, tripulação e embarcações seguem à espera, aumentando o tempo de permanência do navio e um possível aumento dos dias de contêineres no pátio.

Isso resulta em mais gastos para compradores e vendedores que utilizam o Porto de Fortaleza, uma vez que pagam pelo aluguel dos contêineres e a permanência deles no terminal.

Foto da Port of Rotterdam, que inclusive hoje administra o Porto do Pecém, do Governo do Ceará, mostra as condições das defensas do Terminal Euromax em Roterdã, na Holanda(Foto: Port of Rotterdam/Divulgação)
Foto: Port of Rotterdam/Divulgação Foto da Port of Rotterdam, que inclusive hoje administra o Porto do Pecém, do Governo do Ceará, mostra as condições das defensas do Terminal Euromax em Roterdã, na Holanda

Em mais uma reunião do Conselho de Administração, em março de 2022, a substituição das defensas foi tratado.

Um ofício informou de R$ 4.176.773 repassados pela Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários à Companhia Docas do Ceará, para "construção e pavimentação de terminal de contêineres".

Em seguida, uma nota técnica da Coordenadoria de Manutenção informa que o recurso pode ser aplicado para substituição de elastômeros e defensas.

Veja as compras listadas na nota

Uma prestação de contas foi prometida, mas não foi encontrada nas atas seguintes.

Porto do Mucuripe na parte de atracação de barcos(Foto: Foto obtida pelo O POVO)
Foto: Foto obtida pelo O POVO Porto do Mucuripe na parte de atracação de barcos

A cobrança e o reflexo sobre a movimentação — 10,6% menor no primeiro semestre de 2022 ante igual período de 2021 — fez com que uma licitação para a compra de novas defensas fosse feita.

Na reunião de julho, o Conselho de Administração recebeu “o processo SEI nº 50900.000086/2022-19, no qual a Diretoria submete para apreciação e deliberação a abertura de licitação, na modalidade Pregão Eletrônico, para a Aquisição de elastômeros e Acessórios para Defensas Portuárias.”

O documento, no entanto, revela que a autorização para licitação deste serviço já havia sido feita em setembro de 2021 e um contrato foi assinado para entrega de 24 elastômeros, “tendo o mesmo só realizado a entrega de apenas 11 dentro da vigência contratual”.

“Diante do exposto, a área técnica iniciou uma nova contratação, haja vista não ser possível prorrogar o contrato anterior devido ao descumprimento contratual pela empresa”, justifica a ata da reunião. 

Mas os nomes da empresa e os valores pagos pelo serviço não constam nas informações apresentadas pelo diretor de Infraestrutura e Gestão Portuária, Eduardo Rodriguez.

O conselheiro Murilo Pires chega a contestar o porquê de não ter sido aplicada uma penalidade à empresa por não ter entregue todo o material, mas não há resposta.

O POVO procurou o conselheiro, que disse não poder falar sobre as questões devido à política de porta-vozes da Companhia Docas do Ceará.

 

 

Com pneus no lugar de defensas, pregão eletrônico para proteções será nesta segunda, 29


Pneu usado como substituto de defensa danificada no Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Foto de 2022(Foto: Foto obtida pelo O POVO)
Foto: Foto obtida pelo O POVO Pneu usado como substituto de defensa danificada no Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Foto de 2022

Em pelo menos quatro pontos do ancoradouro do porto do Mucuripe, faltam defensas marítimas. Os equipamentos emborrachados, feitos de elastômero, protegem a atracação das grandes embarcações.

Evitam o dano nos cascos. Porém, a gambiarra adotada há vários meses tem sido usar pneus de tratores. Ao zarparem, as marcas de pneus na fuselagem dos navios são visíveis.

O outro improviso mais extremo é o de fazer o rodízio das defensas existentes, reposicionando-as nos pontos sem o equipamento.

São pelo menos quatro horas para essa operação de desparafusar e recolocar as proteções. Uma das fontes, que pede para não ser identificada, contou que, com o ancoradouro cheio, "navios já chegaram a passar de dois a três dias no mar, sem encostar, porque não tinha defensa."

Nesta segunda-feira, 29/8/2022, está prevista a abertura de propostas, às 9 horas, e o pregão eletrônico (a partir das 9h30min) para a aquisição dos elastômeros e acessórios das defensas.

Defensa prestes a desabar no Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Foto de 2022(Foto: Foto obtida pelo O POVO)
Foto: Foto obtida pelo O POVO Defensa prestes a desabar no Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Foto de 2022

As defensas custam caro. Nas licitações abertas pela Companhia Docas, há pregão específico para a aquisição de elastômeros e acessórios para as defensas portuárias e outro somente para o fornecimento de porcas e parafusos dos equipamentos.

Um dos parafusos solicitados (medida M56 x 180mm) é um dos maiores em padrões oferecidos no mercado.

A licitação das porcas e parafusos chegou a ser anulada parcialmente, em maio deste ano, por "inobservância da agente da licitação durante a fase de julgamento de habilitação".

Pelo menos duas empresas pediram informações técnicas sobre o material. A decisão tomada pela CDC foi retroceder para esta mesma fase de julgamento de habilitação.

A praticagem, que são os profissionais responsáveis pela manobra para atracar as grandes embarcações, tem cobrado a instalação imediata das defensas.

No total, o cais do Mucuripe tem cinco berços operacionais, com extensão de 1.430 metros (além de um sexto berço de apoio), e mais dois do píer petroleiro (90 metros de extensão cada).

Entenda as operações do Porto do Mucuripe

Clique nos ícones à direita para entender a infraestrutura e veja a divisão do ancoradouro por cores

 
 

 

Resultados financeiros divergem das condições para operação

Todas as questões denunciadas por funcionários e ex-funcionários da Companhia Docas do Ceará e relatadas em documentos colocam sob suspeita os resultados atingidos pelo Porto de Fortaleza nos últimos três anos, quando a movimentação de cargas bateu recordes consecutivos e os resultados financeiros cresceram acima dos dois dígitos.

Em 2020, o auge desse período, o Porto de Fortaleza atingiu a marca de 4,9 milhões de toneladas em movimentação - a melhor desde 2015, segundo dados dos balanços financeiros.

Já a taxa Ebitda, que são os lucros sem desconto de juros e impostos, chegou a R$ 11,8 milhões naquele ano.

Vista do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Ao fundo, o velho farol de guiar navios na costa cearense(Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Vista do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. Ao fundo, o velho farol de guiar navios na costa cearense

Comparado a 2019 foi um crescimento de 254,35% que renderam duas premiações recebidas pela diretora-presidente Mahyara Chaves.

O Porto de Fortaleza obteve 1º lugar na movimentação de cargas e o 2º em variação da margem Ebitda na edição de 2020 do Portos + Brasil.

Era o primeiro ano completo de gestão de Mahyara à frente da CDC e o resultado impressionou: a Companhia saiu de um caixa negativo em R$ 322 mil, em 2019, para um saldo de R$ 7,68 milhões, em 2020.

Ranking de movimentação de cargas nos portos brasileiros

Passe o mouse em cima das barras para ver o peso das cargas movimentadas e use a barra de busca para achar um porto específico

 

Entre o primeiro trimestre de 2022 e igual período de 2021, o retorno de capital do terminal cresceu 16,52% e a eficiência operacional, 8,36%. Outro indicador apontado como de grande avanço foi a eficiência administrativa, cuja variação positiva chega a 79,61% no período.

Liquidez corrente (58,71%), liquidez geral (57,39%) e composição do endividamento (apenas 3,49%) também apontam números de uma gestão digna do prêmio conquistado por Mahyara no último ano.

Os números fizeram com que o Porto de Fortaleza fosse classificado como o 51º (de 191) em movimentação de cargas e o 11º (de 31) em receita, pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

Ranking dos portos no Brasil por receita tarifária média cobrada por atracação

Use a barra de busca para achar um porto específico

 

Mas, ao mesmo tempo que os números de faturamento e fluxo de mercadorias cresciam, os de equipamentos aptos para uso foram sendo reduzidos.

Para atingir tais números, lamentam as fontes ouvidas pelo O POVO sob a condição de anonimato, a gestão sacrificou a infraestrutura do terminal e o capital humano também.

Apesar do aumento de 9,5% no número de navios, as defensas não foram reparadas ou substituídas, fazendo com que o trabalho braçal dos funcionários fosse essencial para garantir a atração das embarcações nos berços.

Imagens obtidas com exclusividade mostram piers sem defesa, rachaduras e estruturas enferrujadas, indicando que esse demonstrativo contábil foi obtido a custas de uma operação deficitária, de baixa tecnologia empregada, precarização dos equipamentos já de posse da CDC e do trabalho humano também.

O período, inclusive, é o mesmo em que o OCR continuava desativado — como até hoje está — e ex-funcionários da operação contam que toda entrada e saída de carga recorde foi feita manualmente. Erros e falhas humanas, às vezes, comprometiam até a balança comercial do Estado e do País.

Situação de área de atracação de navios é de tamanho sucateamento, que o Porto utiliza pneus no lugar das defensas(Foto: Foto obtida pelo O POVO)
Foto: Foto obtida pelo O POVO Situação de área de atracação de navios é de tamanho sucateamento, que o Porto utiliza pneus no lugar das defensas

Uma das fontes contou que a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), número de identificação das cargas exportadas e importadas, era preenchida erroneamente no período em que trabalhou no Porto.

Sem acesso às tecnologias, os funcionários também reclamaram de déficit de pessoal para dar conta do aumento de trabalho nesse período.

O diretor de Finanças e Administração Humberto Castelo Branco informa, na ata de abril de 2022 do Conselho de Administração, “que já havia levado a necessidade de pessoal em diversas áreas da Companhia para conhecimento da Diretoria Executiva, considerando que a CDC atualmente possui um custo muito alto com a OGMO (Órgão Gestor de Mão de Obra), na parte administrativa da Codgep (Coordenadoria de Gestão Portuária), alto custo de horas extras e a necessidade de oxigenação de pessoas, haja vista que o quadro de pessoal da CDC encontra-se com idade média avançada.”

A observação, apoiada por outros membros do Conselho, rendeu o pedido de levantamento de quantos funcionários estavam em atividade em cada uma das diretorias para ser tomada a medida, fosse a demanda por concurso público ou a contratação de empresa para prestação de serviço.

Enquanto isso, a operação segue sob as mesmas condições: sem OCR, com infraestrutura deficitária e pouco pessoal.

Veja dados do Porto de Fortaleza

Clique no ícone de mais e nos números para ampliar e explorar as informações

 

 

Conselho de Administração volta a se reunir 

 

Nesta segunda-feira, 29, será realizada a oitava reunião ordinária de 2022 do Conselho de Administração da Companhia Docas do Ceará (Consad-CDC). O encontro já deverá ser conduzido, virtualmente, pelo novo presidente do colegiado, o engenheiro gaúcho Eduardo Henn Bernardi.

Ele integra o Consad das Docas desde março deste ano. Já vem participando das discussões e acompanhando as demandas de planejamento e urgência do porto. Bernardi participa como representante do Ministério da Infraestrutura. Tomou posse como conselheiro em março deste ano.

O POVO tentou contato com Eduardo Bernardi. Enviou mensagens e ligou diretamente para seu celular, por dois dias. Também deixou recado com sua secretária, em Brasília, porém não houve retorno.

O ex-presidente do Consad, Fábio Lavor Teixeira, deixou o posto na reunião anterior, de julho.

A justificativa apresentada por ele foi "devido às demandas do segundo semestre do ano no âmbito do Ministério da Infraestrutura", onde atua como um dos diretores da Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários (SNPTA).

 

 

Respostas da administradora do Porto de Fortaleza ao O POVO

 

O POVO voltou a entrar em contato com Gilson Galvão, coordenador de Marketing da Companhia Docas do Ceará e que responde pela imprensa desde maio de 2022, insistindo numa entrevista presencial com a diretora-presidente Mahyara Chaves, mas obteve mais uma negativa.

Na última semana, o diretor respondeu, após mais de uma semana de contato, com a seguinte nota:

"Ante as questões, a Companhia Docas do Ceará, no exercício de suas funções institucionais, reafirma seu lídimo compromisso com a legalidade estrita, a moralidade, a isonomia, a probidade e a transparência em seus processos, razão pela qual ressalta que qualquer agente público ou ente privado, que porventura tenham contribuído para a prática de atos escusos, serão exemplarmente sancionados, de modo que nenhum ato improbo ou ilegal permaneça sem a devida punição que a lei dispõe." Resposta da CDC ao O POVO

Em seguida, O POVO contatou o Ministério da Infraestrutura, ao qual a CDC é subordinada. Dois dias depois do contato, no qual foram expostos os problemas relatados por funcionários e ex-funcionários da Companhia Docas, o Ministério respondeu, por nota, que "desde 2019, o Governo Federal, por meio do Ministério da Infraestrutura, investe na profissionalização de todo o setor portuário, em especial na administração das companhias docas e na modernização e digitalização de serviços."

Sem mencionar as multas aplicadas pela Receita Federal, o sumiço de contêineres, a perda do ISPS Code e a operação deficitária de tecnologias essenciais do Porto de Fortaleza, o Ministério da Infraestrutura concluiu:

"Isto se reflete em todos os índices positivos alcançados nos últimos três anos pelo porto de Fortaleza, por exemplo. A profissionalização da gestão permitiu que a Companhia Docas do Ceará abrisse procedimentos internos para investigar os supostos malfeitos na área do porto e colaborasse de forma ampla com a Polícia Federal em inquérito que apurar responsabilidades criminais. Todos os processos são acompanhados de perto pela Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários do MInfra."

 

 

>> Ponto de vista

Insegurança e penalidades reiteradas

(*) Por Rachel Philomeno

É estranho e curioso que a gestão portuária que hoje está à frente do porto tenha deixado isso acontecer, porque não é normal que isso aconteça. Ao contrário, há exigências para que se cumpra a legislação.

O Porto conta com verbas públicas encaminhadas pelo Governo Federal destinadas dentro de um planejamento e aprovação. Isso causa uma perplexidade gigantesca.

É sabido e notório que a gestão portuária precisa estar atenta para esses cumprimentos de normais básicas de funcionamento. É o mínimo para um porto que está funcionando que isso se cumpra.

Rachel Philomeno(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Rachel Philomeno

Qualquer profissional dessa área sabe que existem normativas para serem cumpridas. A Receita Federal faz a parte dela para que tudo isso seja assegurado. É estranho que a gestão atual do Porto tenha deixado que isso aconteça.

O Porto de Fortaleza é uma zona de área primária que tem alfandegamento, ou seja, uma norma de segurança necessária e sinequanon para o funcionamento do Porto, e sem ela compromete a gestão do Porto em si.

Se há um comprometimento da gestão portuária, isso afeta todo o funcionamento do Porto. Se há entrada ou saída de mercadoria, seja granel sólido ou líquido, vai afetar tudo.

A Receita Federal faz as ficalizações rotineiramente e eventuais justamente para que se possa garantir que essas mercadorias e navios estejam seguros.

Um porto para poder funcionar precisa ter essas medidas de segurança. O alfandegamento é o nível máximo que um porto precisa ter. É uma exigência.

É uma condição sinaquanon para o funcionamento de um porto. O Governo Federal tem por obrigação garantir essa segurança.

Já o ISPS Code é uma certificação comum aos portos brasileiros, principalmente, pelas instalações que atendem bandeiras internacionais, pois garante a proteção deles.

O principal objetivo é garantir que sejam cumpridas as medidas de segurança preventivas em relação às ameaças a que os portos estão expostos por serem portas de entrada e saída de pessoas e mercadorias.

Perder o ISPS Code tira o nosso porto do acesso internacional. Traz uma insegurança porque quem vai querer utilizar um porto que não possui a segurança necessária para que um navio possa atracar?

Acho estranho acontecer essas penalidades de forma tão reinterada. Como especialista, MBA em Gestão Portuária, isso me causa enorme perplexidade, pois é o único porto organizado do Estado do Ceará, de importância enorme.

Não quero tirar a importância do Porto do Pecém, mas a Companhia Docas tem a importância por ser um porto federalizado.

 

(*) Rachel Philomeno é advogada, conselheira estadual da OAB-CE, secretária geral da Comissão Nacional da OAB, presidente da Comissão de Gás e Petróleo da OAB-CE e com MBA em Gestão Portuária

  • Edição OP+ Beatriz Cavalcante, André Bloc, Regina Ribeiro e
  • Fátima Sudário
  • Edição de Design Cristiane Frota
  • Texto Armando de Oliveira Lima, Cláudio Ribeiro, Demitri Túlio
  • Identidade Visual Cristiane Frota
  • Recursos Digitais Beatriz Cavalcante
  • Fotografias Demitri Túlio, FCO Fontenele , Fotos enviadas ao O POVO e Port of Rotterdam/Divulgação
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