Além dos casos de vulnerabilidade para o tráfico de drogas e para o controle de cargas e acesso de veículos e pessoas no Porto do Mucuripe, em Fortaleza, reveladas nesta série de reportagens, a Companhia Docas do Ceará (CDC) está no contexto de uma investigação sobre um suposto caso de corrupção.
Os valores envolvidos chegariam a quase R$ 4,7 milhões. Aditivos de repasses federais podem ter estendido essa quantia.
Os indícios, já colhidos e hoje nas mãos da Polícia Federal, têm relação direta com o naufrágio do navio cargueiro Seawind, pertencente a uma empresa da Bulgária, ocorrido em junho de 2012.
O montante investigado corresponderia a verbas repassadas do Ministério dos Transportes, entre 2014 e 2015, para que fosse feita a retirada de material que estava no navio.
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Dez anos depois, o Seawind e tudo nele segue debaixo d’água. A cerca de 10 metros de profundidade. Havia uma carga de granito/mármore, avaliada em R$ 6 milhões à época, e pelo menos 80 mil litros de óleo diesel nos tanques da embarcação.
A comprovação do serviço de resgate foi questionada e o dinheiro federal não teria ido somente para o que estava destinado. O cargueiro ancorou na área controlada pelo Porto de Fortaleza ainda em 2011. E afundou muito perto do canal de acesso usado pelos navios para atracar no cais.
Pelo menos três órgãos fiscalizadores estão lidando diretamente com o caso: Controladoria Geral da União (CGU), Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF).
E um quarto, o Tribunal de Contas da União (TCU), também deverá apurar as irregularidades. Há recomendação para abertura de uma tomada de contas especial, processo que deverá ser autuado pelo TCU.
O trabalho investigativo realizado pela Polícia Federal foi aberto no ano passado e ainda está em andamento. “Investigações em curso têm sigilo legal”, limitou-se a PF, na única resposta dada ao O POVO sobre o caso.
Em nota, a Procuradoria da República no Ceará também confirmou a existência dos indícios e do inquérito em curso.
O procedimento instaurado apura o possível pagamento de propina ou dispensa ilegal de licitação no que seria um serviço para recuperar a carga do navio e conter o dano ambiental.
A suspeita foi lançada "nas ações adotadas pela Companhia Docas do Ceará em decorrência do naufrágio do navio Seawind", destacou a confirmação do MPF. "Em relação a esse caso, também há uma apuração no âmbito cível", ampliou o órgão.
O valor exato sob suspeita é de R$ 4.696.322,98, indicado a partir de uma auditoria realizada em 2020 pela Controladoria Geral da União (CGU).
O relatório desta auditoria foi divulgado em 18 de março de 2021. O superintendente da CGU no Ceará, Giovani Pacelli, também explicou que não poderia dar mais detalhes além do que consta no documento.
“A melhor fonte de informações é o relatório. É o que posso dizer. Em função do relatório, a Companhia Docas está apurando a irregularidade. A última informação que tive é que seria aberta uma tomada de contas especial para apurar o dano ao erário”, afirmou o chefe da CGU.
Segundo ele, o relatório foi encaminhado diretamente para a Polícia Federal, “que está ciente do problema e tem a dinâmica dela. São inquéritos protegidos por sigilo”.
Em relação a esta série de reportagens, ele frisa: "Sobre o que tem saído nas matérias do O POVO, estamos acompanhando e avaliando.”
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O Ministério Público Federal também confirmou ao O POVO que hoje existem dois inquéritos em andamento que apuram o crime de tráfico de drogas registrado dentro do porto do Mucuripe.
As investigações foram abertas em outubro e dezembro de 2021. A PF reafirmou que não fala sobre apurações em curso.
O POVO tenta falar com a diretoria da Companhia Docas do Ceará desde o início desta série de reportagens e estes seriam novos pontos a serem questionados.
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O naufrágio do Seawind e suas consequências dentro da área portuária de Fortaleza foi um dos assuntos recentemente expostos na pauta do Conselho de Administração da Companhia Docas do Ceará (Consad-CDC).
As suspeições lançadas pela auditoria da Controladoria Geral da União (CGU), sobre a verba federal recebida e o que foi gasto e realizado no resgate da carga e do óleo do cargueiro, forçaram a CDC a instaurar uma Comissão de Tomada de Contas Especial para apurar administrativamente o caso e dimensionar o dano ao erário.
Na reunião ordinária do dia 27 de abril, os conselheiros foram informados de uma das recomendações da CGU expedidas à Companhia Docas do Ceará para o caso: “Instaurar tomada de contas especial, com o objetivo de quantificar o dano causado à Companhia e buscar o ressarcimento dos valores e identificar os seus responsáveis”.
O Comunicado nº 001/2022, emitido pela Comissão, foi lido aos conselheiros. “A auditoria da CGU teve como escopo a avaliação da regularidade dos gastos decorrentes das ações adotadas para minimizar os possíveis danos ambientais decorrentes do naufrágio do navio Seawind na área do porto de Fortaleza.”
Durante a reunião do Consad, foi registrado que a Companhia Docas já estaria “adotando as medidas preparatórias para a notificação dos responsáveis e, posterior instauração da Tomada de Contas Especial, processo que futuramente será autuado pelo Tribunal de Contas da União (TCU)”.
Pelo trâmite, após a comissão de tomada de contas especial concluir relatórios internos sobre o contrato em questão e o uso das verbas (R$ 4,7 milhões) para serviços de resgate do material do navio, o Tribunal de Contas da União (TCU) será o julgador do processo.
Pelos regimentos da Companhia Docas, é o Consad que determina a realização de inspeções especiais, auditorias ou tomadas de contas especiais.
A preocupação sobre os gastos com o cargueiro submerso, e agora as suspeitas de corrupção, já haviam sido apresentados em pelo menos duas reuniões do Consad em 2021, em janeiro e março. A cobrança feita foi sobre quem atestou as notas fiscais do serviço e quais os valores pagos.
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Reportagem especial investigativa sobre a má gestão do Porto de Fortaleza, sob a administração do Governo Federal