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Terminal de Passageiros: má conservação pode comprometer operação de cruzeiros
Reportagem Seriada

Terminal de Passageiros: má conservação pode comprometer operação de cruzeiros

O maior elefante branco da Copa do Mundo construído no Ceará tem o piso do pátio afundado e teto do forro do prédio desabando há cerca de dez meses, sem reparo
Episódio 5

Terminal de Passageiros: má conservação pode comprometer operação de cruzeiros

O maior elefante branco da Copa do Mundo construído no Ceará tem o piso do pátio afundado e teto do forro do prédio desabando há cerca de dez meses, sem reparo
Episódio 5
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Projetado para uma demanda pensada a partir da Copa do Mundo de Futebol de 2014, na qual Fortaleza foi uma das cidades-sede, o terminal de passageiros do Porto de Fortaleza tem a infraestrutura comprometida, atualmente.

Com isso, a operação de um momento promissor de movimentação de cruzeiros pode demorar mais ainda a acontecer devido a essa falta de manutenção.

O POVO teve acesso a imagens que mostram o afundamento do piso do pátio do terminal devido a um processo de fuga de areia.

O reparo foi feito na parte de baixo pela empresa responsável pela construção do equipamento, segundo informou uma fonte sob a condição de anonimato.

No entanto, o piso não foi reparado na parte de cima, o que seria de responsabilidade da Companhia Docas do Ceará, que administra o terminal, e está assim há cerca de dez meses.

Afundamento do piso do pátio do terminal devido a um processo de fuga de areia(Foto: Foto obtida pelo O POVO)
Foto: Foto obtida pelo O POVO Afundamento do piso do pátio do terminal devido a um processo de fuga de areia

“Esses buracos ficam de frente ao terminal de passageiros e esse reparo ficou por conta da Companhia Docas. Não sei o porquê disso, pois se a empresa foi contratada para fazer a manutenção, deveria fazer por completo”, diz a mesma fonte.

Além do afundamento que reduz a mobilidade dos turistas que chegam ao Porto por cruzeiros, outras imagens mostram o forro do teto do prédio do terminal de passageiros desabando.

Em janeiro de 2021, a conselheira Simone Bissoto pediu informações sobre uma ação judicial de R$ 6,03 milhões movida pelo consórcio que construiu o terminal em reunião do conselho de administração da CDC.

Mas a ata fala apenas que "o diretor (comercial) Mário Jorge (Cavalcanti) prestou os esclarecimentos necessários", e não dá informações a mais.

Com o prédio concluído em 2015 e a dragagem quase cinco anos depois, o equipamento é o maior elefante branco da Copa do Mundo no Ceará.

Desde o início da operação, a capacidade máxima nunca foi alcançada e o maior número de cruzeiros recebidos pelo terminal foram dez, entre 2019 e 2020.

 

 

Operação, hoje, não vale a pena

Sem manutenção, alcançar a meta de tornar Fortaleza um ponto de parada atrativo aos cruzeiros se torna ainda mais difícil, segundo comentam aqueles que compõem o mercado turístico local.

“Na verdade, o terminal está subutilizado. Realmente não sei o que pode estar acontecendo, mas, desde a última vez que estive lá, notei que estava sem conservação”, afirma Murilo Santa Cruz, presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens no Ceará (Abav-CE).

Ele afirma que, para os armadores, “a operação no terminal de passageiros do Mucuripe é oneroso, não vale a pena” e que são necessários ajustes na operação para que Fortaleza se torne competitiva no mercado de cruzeiros.

Situação do Terminal de Passageiros do Porto do Mucuripe(Foto: Foto obtida pelo O POVO)
Foto: Foto obtida pelo O POVO Situação do Terminal de Passageiros do Porto do Mucuripe

José Vitorino Neto, da Nettour, conta que não soube da atual situação do terminal, mas crava que problemas de operação sempre foram observados: “Até a última temporada que nós tivemos, que foi 2019/2020, tudo estava acontecendo e funcionando da melhor maneira possível. Mas o terminal, quando foi inaugurado em 2014, já faltava um monte de coisa.”

Os 30 anos de empresa chancelam a experiência dele desde antes da construção do terminal. Nesse tempo, segundo destaca, a vontade política nunca deixou de interferir nas condições de desenvolvimento do turismo no Estado.

Ambos os empresários concordam que a entrada de um operador privado para administrar o terminal de passageiros é a melhor alternativa.

“Companhia marítima não vem para um porto que não ofereça condições para ganhar dinheiro. (O Porto de Fortaleza) Está abandonado, está sucateado e ali só a iniciativa privada pode melhorar”, diz Santa Cruz.

O Aeroporto Internacional Pinto Martins tem infraestrutura bem avaliada(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE O Aeroporto Internacional Pinto Martins tem infraestrutura bem avaliada

O exemplo do Aeroporto Internacional de Fortaleza é mencionado como sucesso para o turismo e modelo a ser seguido pelo Mucuripe.

“É a tendência e logo logo não tem outra saída senão privatizar todos os portos. Tornam-se mais eficientes, especialmente para o Ceará, que é esquina do Atlântico e com muita vocação de exportação e turismo. E acho que não vai faltar interessados. Falta mesmo vontade política”, diz Santa Cruz.
Eventos

Enquanto a movimentação de cruzeiros não virou uma fonte constante e que gerasse interesse pelo espaço comercial do terminal de passageiros e a estrutura não aparentava estar depredada, a CDC aproveitou o equipamento para a realização de eventos, mediante locação.

De 2014 até 2019, antes da pandemia de Covid-19, a receita proveniente de eventos realizados no local somou em torno de R$ 1,2 milhão, segundo a diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará, Mayhara Chaves, afirmou ao O POVO no fim de 2019. Neste ano, 126 eventos foram realizados.

A receita gerada pelo terminal, em outra projeção feita pela CDC ao O POVO em 2020, somava R$ 2,7 milhões para o Porto de Fortaleza desde a inauguração do prédio, em 2015. Somente com os 128 eventos nesse período, a receita recuava para R$ 456 mil.

 

 

A história da construção do Terminal de passageiros

Levantamento feito pelo DataDoc do O POVO mostra que, em março de 2012, o cearense Leônidas Cristino, então ministro da Secretaria Especial de Portos, assinou a ordem de serviço para a construção do terminal, que tinha em 2013 o ano de entrega.

Com orçamento de R$ 149 milhões e prazo de conclusão de 21 meses, o equipamento foi construído do zero, na área da Praia Mansa. A obra consistiu na construção de um novo cais de atracação, uma novo terminal de passageiros e um pátio de 40 mil metros quadrados.

À época, segundo Leônidas Cristino, a capacidade de movimentação do terminal era de 300 mil turistas por ano. “Esse montante poderá ser dobrado, dependendo da necessidade.”

Juntamente com Fortaleza, a Secretaria dos Portos lançou a construção e reforma dos portos de Natal, Recife, Manaus, Salvador, Rio de Janeiro e Santos, envolvendo investimentos do Governo Federal da ordem de R$ 809,5 milhões.

Paulo André Holanda, que presidia a Companhia Docas do Ceará em 2012, apontou um outro problema ainda sem solução para aquela região: a mobilidade urbana, a partir da necessária melhoria do tráfego do Porto entre as rodovias BR-116 e BR-222, além do acesso à Capital.

Mas a obra só foi entregue em 2014, no ano da Copa do Mundo de Futebol.

Em maio daquele ano, o Tribunal de Contas da União ainda exigiu um plano B da Companhia Docas para o recebimento de turistas (o cruzeiro MSC Divina era esperado para 17 de junho, quando a seleção brasileira enfrentou a mexicana na Arena Castelão).

A justificativa da CDC foi de um assoreamento atípico ocorrido em 2013. A solução para o problema foi remanejar as embarcações para o Berço 106, distante 350 metros do terminal de passageiros. Os turistas desceram na área de cargas e foram transportados em 50 ônibus até o prédio.

 

 

Orçamento maior e entrega atrasada

 

O afundamento que no piso do pátio do Terminal de Passageiros do Porto do Mucuripe reduz a mobilidade dos turistas que chegam ao Porto por cruzeiros(Foto: Foto obtida pelo O POVO)
Foto: Foto obtida pelo O POVO O afundamento que no piso do pátio do Terminal de Passageiros do Porto do Mucuripe reduz a mobilidade dos turistas que chegam ao Porto por cruzeiros

Ainda em maio, Antônio Henrique Silveira, que assumiu a Secretaria Especial de Portos, projetou a conclusão das obras do terminal para setembro - após o mundial de futebol. A projeção de investimento saltou para R$ 205 milhões e uma nova licitação foi necessária.

O alvo era a obra de dragagem, que já amargava uma licitação fracassada porque os valores das empresas estavam acima do esperado pela Secretaria. 

No entanto, o processo continuou atrasando a entrega de todo o terminal, que teve prazos ampliados para dezembro de 2014, janeiro de 2015 e só foi concluído definitivamente entre 2019 e 2020.

Enquanto isso, os navios ou atracavam na área de cargas e iam de ônibus até o prédio do terminal ou desciam em botes do cruzeiro até o terminal.

 

 

Privatização: mais uma promessa fracassada

O repasse do equipamento para a iniciativa privada teve a última tentativa em dezembro de 2019, com metas para 2020, mas não logrou sucesso. O então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, chegou a falar do edital em entrevista exclusiva ao O POVO.

"Não faz sentido um dos litorais mais belos do mundo só receber sete cruzeiros por ano. Queremos autorizar novos terminais de passageiros com investimento privado", afirmou, referindo-se a Fortaleza.

O documento foi lançado em dezembro e exigia uma garantia mínima de R$ 500 mil da empresa interessada, com compromisso de investir R$ 1,6 milhão na estrutura.

A operação de cruzeiros está em risco no Porto do Mucuripe devido à infraestrutura(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita A operação de cruzeiros está em risco no Porto do Mucuripe devido à infraestrutura

À época, as projeções estimavam que a movimentação de passageiros saltasse de 10 mil a 15 mil passageiros para até 46 mil anualmente.

Pelas regras previstas, o vencedor do leilão iria administrar 27.640 metros quadrados por um período de 25 anos, prorrogáveis até o limite de 70 anos.

Até o lançamento do edital, pelo menos seis empresas, nacionais e internacionais, interessadas em participar do leilão, já havia visitado a atual estrutura do Terminal de Passageiros do Porto de Fortaleza, segundo a própria diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará (CDC), Mayhara Chaves, à época.

 

 

Cruzeiros previstos para Fortaleza na nova temporada

Hoje, a previsão da Companhia Docas do Ceará é de que apenas cinco cruzeiros atraquem no Porto de Fortaleza na temporada 2022/2023. O número é metade da última temporada, de 2019/2020, e ainda sofre ameaça pelas más condições de operação do terminal.

A primeira embarcação somente deve chegar ao Ceará em dezembro, apesar de a temporada começar em outubro. As outras quatro vêm no próximo ano, a depender dos contratos fechados entre os armadores turísticos e a CDC.

Para O POVO, a Secretaria do Turismo de Fortaleza, que acompanha o levantamento e revelou a lista, explicou que a quantidade deve ser confirmada apenas 15 dias antes do início da temporada.

O levantamento a que O POVO teve acesso prevê 11 embarcações, ao todo. Mas parte dela já projeta a vinda de cruzeiros na temporada 2023/2024.

Veja a lista de cruzeiros

 


Desembarque de cruzeiros em meio às obras

O POVO procurou a Companhia Docas do Ceará (CDC) em 11 de agosto, quando pediu uma entrevista presencial com a diretora-presidente Mayhara Chaves.

O contato foi feito com o coordenador de Marketing da CDC, Gilson Galvão, pois a Companhia está sem alguém à frente da Coordenadoria de Comunicação, que é responsável pela assessoria de imprensa.

Nos dias seguintes, O POVO voltou a entrar em contato insistindo em uma entrevista presencial, afinal, a diretora-presidente é citada como responsável pela maioria das falhas apontadas pelas fontes e é direito dela responder às questões.

Por e-mail, foi informado ao coordenador a respeito das denúncias envolvendo a gestão do Porto do Mucuripe sobre os assuntos abordados neste especial. Mas o retorno só foi dado em 17 de agosto, com o seguinte texto:

"Ante as questões, a Companhia Docas do Ceará, no exercício de suas funções institucionais, reafirma seu lídimo compromisso com a legalidade estrita, a moralidade, a isonomia, a probidade e a transparência em seus processos, razão pela qual ressalta que qualquer agente público ou ente privado, que porventura tenham contribuído para a prática de atos escusos, serão exemplarmente sancionados, de modo que nenhum ato improbo ou ilegal permaneça sem a devida punição que a lei dispõe."

O Porto do Mucuripe fica em Fortaleza, onde é gerido pela Companhia Docas do Ceará
O Porto do Mucuripe fica em Fortaleza, onde é gerido pela Companhia Docas do Ceará (Foto: Demitri Túlio)

Após a publicação da primeira matéria desta série, em 22 de agosto de 2022, O POVO contatou o Ministério da Infraestrutura, ao qual a CDC é subordinada.

Dois dias depois do contato, no qual foram expostos os problemas relatados por funcionários e ex-funcionários da Companhia Docas, o Ministério respondeu, por nota, que "desde 2019, o Governo Federal, por meio do Ministério da Infraestrutura, investe na profissionalização de todo o setor portuário, em especial na administração das companhias docas e na modernização e digitalização de serviços."

Sem mencionar as multas aplicadas pela Receita Federal, o sumiço de contêineres, a perda do ISPS Code e a operação deficitária de tecnologias essenciais do Porto de Fortaleza, o Ministério da Infraestrutura concluiu:

"Isto se reflete em todos os índices positivos alcançados nos últimos três anos pelo porto de Fortaleza, por exemplo. A profissionalização da gestão permitiu que a Companhia Docas do Ceará abrisse procedimentos internos para investigar os supostos malfeitos na área do porto e colaborasse de forma ampla com a Polícia Federal em inquérito que apurar responsabilidades criminais. Todos os processos são acompanhados de perto pela Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários do MInfra."

De acordo com Minfra, denúncias sobre o porto são apuradas internamente(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE De acordo com Minfra, denúncias sobre o porto são apuradas internamente

Após o terceiro episódio da série, O POVO voltou a insistir numa resposta e teve a promessa de uma entrevista com representante da Secretaria Especial de Portos dia 9 de setembro. No entanto, o representante não cumpriu a agenda e a assessoria do Ministério da Infraestrutura não respondeu aos contatos, mantendo a falta de respostas sobre todas as denúncias constatadas nas reportagens.

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