Para além de público carente de oportunidades, integrantes da comunidade LGBTQIA+ podem ser o diferencial para que as empresas consigam ampliar seus resultados na competitividade de mercado.
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Um levantamento inédito do instituto empresarial “Open For Business” revela que empresas que investem em diversidade, tanto no quadro de funcionários como em publicidade da marca na luta contra a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, têm até 20% mais chances de firmarem parcerias multinacionais bem-sucedidas do que as que não se posicionam sobre o tema.
O estudo acompanhou 96 empresas de mercado emergente ao redor do mundo durante quatro anos para medir os impactos da inclusão de profissionais LGBTQIA+ nas empresas ou ainda da existência de política inclusiva nas redes sociais e propagandas da marca.
Comparou ainda o resultado das marcas de acordo com sua política com relação à diversidade sexual e de gênero e quanto mais diversa, mais bem sucedida foi a companhia.
A pesquisa aponta que companhias que apoiam a causa da diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero são mais capazes de atrair e reter talentos e de serem reconhecidas por seu público consumidor como marcas fortes, capazes de oferecer um melhor produto e construir uma melhor relação com o cliente.
“Esta descoberta mostra empiricamente que os medos de danos à reputação e à receita de apoiar a inclusão LGBT +, que são comuns em mercados anti-LGBT +, são, provavelmente, exagerados ou inventados”, conforme descreve o relatório da pesquisa.
Os resultados somente comprovam o que para Adriane Reis, representante da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, já defendia no Brasil.
"Cada vez que nós pensamos em incluir grupos, estamos pensando em incluir pessoas que tem a possibilidade de contribuir com maior criatividade até mesmo na avaliação do produto da empresa."
Em sua fala, a procuradora regional do Ministério Público do Trabalho destaca ainda que a grande preocupação atual com a sustentabilidade e o meio ambiente se torna incoerente diante de um meio social permeado peça discriminação.
“Temos que incluir todas as pessoas, rompendo as barreiras e limitações de cada grupo. Toda vez que nós criamos uma perspectiva plural há essa possibilidade de aprimoramento do produto e quando nos temos a inclusão dos mais diversos grupos, nós temos um aquecimento da própria economia, produzindo uma sociedade muito mais sustentável”, complementa.
Foi pensando nesta perspectiva de oferta de um serviço mais aprimorado, personalizado e mais inclusivo, que dois cearenses decidiram criar, ainda em 2019, o cerimonial Rainbow, específico para atendimento do público LGBTQIA+.
Na gestão do empreendimento, Najla Freitas e Wesley Sabino sonham em expandir a ideia para todo o Brasil, seja vendendo o modelo de negócio ou ainda por meio de consultorias.
Najla comenta que após anos trabalhando com eventos chegou a presenciar muitas cenas de discriminação:
"E eu pensei, meu Deus, já é tanta coisa, ter que se assumir, enfrentar a sociedade, a questão da aceitação da família e ainda ter que passar por isso quando está se tentando realizar um sonho, então fundamos a Rainbow."
Ao reconhecer a existência deste preconceito, Wesley comenta: “quantos e quantos cerimoniais fazem a festa de um casal gay, mas colocam o evento apenas nos stories da empresa enquanto as festas de casais héteros ganham uma divulgação enorme? São muitos e muitos casos assim. Nossa preocupação é o acolhimento”, destaca.
Diante do preconceito enfrentado, os empresários destacam que sabiam da possibilidade de enfrentar dificuldades adicionais por estar prestando apoio aberto à comunidade LGBTQIA+, porém que sabiam que enfrentar essa realidade seria necessário.
“A gente sabia o que ia enfrentar, mas tivemos um retorno positivo tão grande. Temos muitos patrocinadores, até de fora do Estado, que me ligam pedindo para firmar parceria, pedindo dicas de como implementar algo parecido em outra região”, complementa Najla.
Ela acrescenta ainda que além dos serviços prestados pela empresa, por meio das redes sociais o Rainbown cerimonial propaga ainda uma série de informações com sequências de postagens educativas e de conscientização sobre a luta contra a discriminação.
"Com nosso posicionamento, tudo muda, tudo para gente fica diferente, e nossa ideia é de fato ouvir e acolher toda comunidade, não queremos representar a comunidade, queremos ouvir cada um deles e realizar seus sonhos."
A iniciativa é elogiada por Júlio Figueiredo, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE). “Vivemos uma guerra contra a desinformação, quando falamos sobre questões relacionadas ao preconceito, o cenário só se agrava. Nos últimos três anos não temos políticas pelo respeito, temos política de ódio e isso atrapalha muito nosso trabalho”, argumenta.
O advogado destaca que estamos longe de um quadro ideal, mas que a busca por direitos para comunidade LGBTQIA+ tem evoluído e que a comprovação da existência de empresas que apoiam a causa e que não registram prejuízo algum por causa disso é uma nova esperança.
"Nós temos evoluído um pouco sim, o governo estadual e municipal, muitas campanhas incentivando as denuncias de discriminação e tudo isso termina que vai influindo na esfera empresarial e gerando um avanço, mas ainda estamos bem longe de um quadro aceitável"
Júlio pontua ainda que apesar das dificuldades enfrentadas, a população não pode aceitar "ficar desamparada" e cita entidades que atuam no acolhimento de denúncias e integram a luta por respeito a diversidade de gênero e de sexualidade no Estado. Entre os órgãos que podem ser procurados para denúncias e orientações está a própria OAB e também o Ministério Público do Estado do Ceará e a Defensoria Pública do Ceará.
"São entidades que existem e atuam diariamente para resguardar o direito dessa população e de qualquer outro cidadão. É preciso que todos nós lutemos por uma sociedade mais igualitária e justa e essas entidades têm um papel fundamental nisso", complementa.
No Brasil, levantamento feito pela consultoria mundial Great Place to Work (GPTW) buscou avaliar quais empresas ofereciam um ambiente seguro e saudável para pessoas LGBTQIA+ trabalharem.
Foram ouvidos 177.449 funcionários de 93 estabelecimentos. A pesquisa comprovou a baixa participação da comunidade no mercado de trabalho no País, já que destacou que em média, apenas 2% do grupo de funcionários das empresas brasileiras são pessoas não heterossexuais.
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O estudo pontuou ainda que o salário dos trabalhadores LGBTs é cerca de 4% menor do que dos demais funcionários. Além disso, metade das empresas consultadas não possuíam nenhum dado sobre a presença de pessoas LGBTQIA+ em seu quadro de colaboradores.
Assim, considerando respeito à diversidade, políticas de inclusão, equidade de oportunidades, ações contra assédio e outras práticas, o estudo elegeu as seguintes marcas como as melhores para a comunidade:
Por Bemfica de Oliva (*)
Sou a primeira pessoa assumidamente trans a trabalhar em uma redação jornalística no Ceará. O Jornalismo no Estado existe há décadas – em breve, este veículo completa 100 anos – e pessoas trans existem há milênios. Por que essa ausência, então?
Há alguns meses, conversando com uma ex-funcionária do RH da empresa, que hoje trabalha em um centro de apoio à população LGBTQIAP+, ela me pontuou que, em mais de 20 anos no setor, nunca recebeu sequer um currículo de pessoa trans. Me pergunto: será que nenhuma pessoa trans no Ceará assistia telejornais e sonhava ser como Glória Maria?
Nenhuma lia o impresso e desejava escrever sobre os acontecimentos diários para milhares de leitores? Nenhuma desejava seguir carreira em uma das outras tantas áreas necessárias para uma empresa deste porte, como setor administrativo, diagramação, limpeza, nada?
Ou será que nossa população é marginalizada, invisibilizada, abandonada à própria sorte? A média de idade em que pessoas trans são expulsas de casa é 12 a 13 anos. Crianças, que deveriam estar estudando, brincando, fomentando sonhos para realizar na vida adulta, são jogadas na rua por simplesmente existirem fora da norma.
Não à toa, 85% de mulheres trans e travestis precisaram recorrer à prostituição pelo menos em algum momento da vida. Porque a sociedade nos impõe essa pecha de corpos indesejados, que não podem conviver com o resto dos cidadãos de bem, que não podem ter um emprego digno.
Fora nossa expectativa de vida, estimada em 35 anos. Mal dá tempo de se manter o suficiente para sair das ruas e procurar outra ocupação, antes de sermos mortas.
O peso de ser a primeira – com a quantidade absurda de direitos a que tive acesso e são negados diariamente à maioria de nós – não é apenas de ter que abrir caminhos no respeito ao meu nome, aos pronomes, a entenderem que pessoas trans não têm absolutamente nenhuma diferença na capacidade de serem excelentes profissionais.
O peso de ser a primeira é, dois anos depois de ter começado, continuar sem ver nenhuma outra pessoa trans trabalhando em Jornalismo no Ceará.
Sou a primeira, mas isso está longe de ser o suficiente. Meu desejo é que “uma pessoa trans trabalhando na empresa” – qualquer empresa – deixe de ser algo tão destoante do padrão que me renda o convite para escrever um texto sobre o tema. Seguimos lutando.
(*) Bemfica de Oliva, jornalista, analista de SEO no O POVO e primeira pessoa trans a trabalhar em redação de jornal no Ceará
Impactos econômicos do preconceito de gênero e discriminação contra LGBTs no Ceará