Se colocássemos apenas o nome de registro da primeira entrevistada da segunda temporada do Legados, Terezinha Leite Varela Holanda, pouquíssimas pessoas iam saber quem é. Mas se citarmos o apelido de infância recebido do irmão e o sobrenome do esposo, Mana Holanda, todos sabem.
Conhecida como alegre, otimista e cheia de vida, a fundadora e diretora administrativa do Maraponga Mart Moda nasceu em Milagres, na região do Cariri, e foi ainda bebê para Canindé. É de lá que vem a sua fé e a conectividade com São Francisco, com quem tem linha direta para conversar diariamente.
A ele atribui um milagre que sua filha, Daniele, teve por uma questão de saúde. E a sua recuperação total de um câncer descoberto há 20 anos. Mana é descrita como pura emoção, força, determinação e lição de vida.
Tirou a sorte grande de achar o tão "sonhado príncipe" aos 15 anos, com quem começou posteriormente um relacionamento, e casou-se aos 18 anos, Manoel Holanda.
A união do que ela pontua como coragem e criatividade do esposo com a sua altivez e pensamento positivo geraram três frutos – Alexandre, Daniele e Cid, além do Maraponga Mart Moda, principal shopping de atacado de moda do Ceará.
Para os filhos, que desde pequenos os acompanhavam no dia a dia dos negócios e nos grandes eventos ocorridos nos corredores do mall, transmitiu a herança que veio dos pais de ser trabalhadora, correta, humilde, caridosa e honesta.
Ensinou aos filhos a valorizarem tudo que têm, assim como repassa aos netos e ao bisneto. Critica a educação atual, em que avalia que alguns pais na pressa de dar tudo aos filhos esquecem de princípios básicos.
Confira a seguir a entrevista concedida ao O POVO em que fala sobre vida pessoal, profissional, negócios e legados.
O POVO – A senhora nasceu em Milagres, no Cariri, quais as lembranças de infância e adolescência?
Mana Holanda – Essa foi a melhor época, meus pais eram super bem-casados e ele era funcionário da Receita Federal e foi locado em Canindé. Me tornei muito devota de São Francisco, pois cheguei lá com um ano de idade e passei dez.
Foi a infância mais linda que alguém poderia ter, íamos para os sítios, subíamos em árvores, coisas que hoje as crianças não têm. Tinha mais três irmãos e eu era a segunda. O mais velho era médico e morreu com 52 anos de infarto.
Meu outro irmão trabalha aqui comigo, o Saulo, ele é mais novo que eu 11 anos. E tinha a minha irmã, que também faleceu com 52 anos com câncer de pâncreas, era mais nova que eu 12 anos.
O POVO - Como era a relação com seus pais?
Mana - Minha mãe tinha muita visão. O pai sendo da Receita Federal não tinha esses grandes salários, mas eles vieram comigo e o meu irmão, que se formou em Medicina, para Fortaleza. Minha mãe procurou nos colocar nos melhores colégios, que naquela época era o Castelo Branco e para as mulheres o Imaculada Conceição, onde estudei. Cheguei à Capital com 10 anos.
Desde que entrei no colégio fiz amizades e sou amiga das minhas amigas até hoje. Faço um almoço anualmente lá em casa e chamo todas. Algumas já faleceram, mas ainda somos um grupo de 30 a 35 e todas vão almoçar. É uma alegria muito grande.
Minha mãe tinha esse pensamento que eu deveria estudar no melhor colégio. Ela colocou em casa os filhos das amigas dela, que moravam no Interior e que desejavam estudar em Fortaleza, hospedava esse povo.
Eles pagavam por mês e com esse dinheiro dava para pagar todas as despesas da casa e ela, com o salário do meu pai, pagava os nossos colégios.
O POVO – E onde vocês moravam?
Mana - Morávamos no edifício Dona Bela, ao lado do Colégio Imaculada. Senhor Pedro (proprietário do prédio) depois de alguns anos ele resolveu vender os apartamentos e o paizinho comprou e passou a ser nosso.
O POVO - Desde pequena a senhora já tinha essa vocação administrativa ou sonhava em fazer algo específico?
Mana - Eu sempre fui uma pessoa que pensa positivamente e que tem muita alegria de viver. Então, meu irmão era muito estudioso, o que se formou em Medicina e ele dizia: 'Mana (origem do apelido), vai estudar. Se a mãezinha e o paizinho morrerem eu não posso me sustentar.'
Eu dizia para ele: "Não se preocupe que eu vou arranjar um príncipe encantado e tudo o que eu desejar". Pensamento positivo é tudo. Ele dizia: 'Meu Deus do Céu, que príncipe encantado é esse? De onde é que tu vai tirar ele?' Respondi: "Não sei, mas que ele vai aparecer vai. E um dia na minha vida eu vou lhe mostrar ele e um caminhão lotado de dinheiro".
Ele ficava tão impressionando com a minha convicção. E um dia quando a gente vendia móveis aqui chegaram quatro caminhões lotados.
Ele tinha ido ao Detran aí eu liguei para ele: "Meu irmão vem aqui que eu quero te mostrar uma coisa". Ele perguntou o que era e eu disse: "Só te mostro quando você chegar aqui. Eu não disse que ia te mostrar dois caminhões cheio de dinheiro? Estou te mostrando quatro. Tudo isso aqui são móveis pagos e nós vamos vender."
Ele ficava impressionado com as minhas coisas.
O POVO – Conte-me como encontrou seu príncipe... O que destacaria nessa relação duradoura?
Mana – O Manoel morava no Rio de Janeiro com o irmão dele que tinha uma farmácia. Depois de 10 anos lá, esse irmão resolveu voltar para Fortaleza e montaram uma farmácia aqui. Ele nem queria vir, mas a dona Ilca, esposa do irmão dele, disse: 'Tem uma moça maravilhosa para você.'
E eu só tinha quinze anos na época. Ele disse que eu ia namorar e me casar e ficou com isso na cabeça. Meu cunhado era vizinho da minha mãe, porta com porta. E eis que chegou Manoel de volta a Fortaleza.
Minhas cunhadas foram no aeroporto buscá-lo, mas como o voo antecipou, ele chegou de táxi e eu estava na rua pulando macaca (amarelinha) e ele me perguntou onde é a casa da Maria Holanda, minha futura sogra, e eu perguntei: "Você é o irmão delas que estava no Rio?"
E ele disse: 'Você é a menina que fez 15 anos?' Ele com 20 anos pensou: 'Mas ela é muito nova para mim.'
As coisas foram indo e um dia começamos a namorar, as coisas eram bem sérias naquela época, não podia conhecer e se deitar como são hoje. A mãezinha disse que eu tinha que terminar o curso normal antes de me casar e me casei com 18 anos, em 1965.
O POVO – E o príncipe chegou, então?
Mana – Um dia falei com meu irmão o que acha desse rapaz (Manoel) ele disse que esse homem não era um príncipe era um rei. (risos)
O POVO – Qual o aprendizado que teve com seus pais que replicou e replica ainda?
Mana - Eu aprendi tudo de bom com eles, eles eram as pessoas mais lindas que você possa imaginar. Minha mãe era muito delicada, o paizinho também e eu passei tudo o que aprendi com eles. A ser correta, humilde, caridosa e honesta. E trabalhadora eu aprendi e passei para turma.
O POVO – A senhora chegou a trabalhar como professora e largou...
Mana – Eu não fiz faculdade, terminei o curso normal. Eu não tinha filhos e fui ensinar para me aproximar das crianças, eu tinha muita vontade de ter filhos. Passei cinco anos sem ter.
Era um problema só de cabeça, você fica naquilo, quer ter menino. Eu fiquei ensinando no Colégio Alvorada que era de um parente meu. Passei só três anos, chegaram os meninos e eu larguei.
O POVO - E por que depois disso se tornou empresária?
Mana – O Manoel sempre foi empresário com uma coragem extraordinária, trabalhar com o irmão dele e depois o irmão resolveu vender a loja de móveis para nós.
E ele comprou essa loja com a cara e a coragem. A loja custava, nem sei te dizer hoje, mas, mais ou menos, a primeira prestação foi a venda de um apartamento meu, dado pelo meu pai, e do apartamento dele. Imagina a coragem de comprar, pois eram dez prestações dessas.
Nessa arrumação meu pai foi o fiador, e ele não podia ter nada no nome dele de errado, pois ele era da Receita Federal. Mas entramos nessa loja e começamos a trabalhar, trabalhar, pagamos todas as prestações sem receber uma ligação de ninguém.
Meu cunhado trocou logo aqueles cheques da gente com cooperativa, banco... Apurou o dinheiro. Vamos supor que fossem R$ 10 milhões ou R$ 20 milhões eu nem sei te dizer daquela época, em 1965.
Se você tiver coragem, se for trabalhar, for correto não tem erro não. Não faça nada errado para coisa dar certo.
O POVO - E como foi a chegada dos filhos à família? A senhora falou que queria tanto...
Mana - A mãezinha ela era louca para ser avó. Aí chegou primeiro o Alexandre, ele é meu filho do coração, foi um presente que Deus me deu. Logo em seguida, dois meses depois, eu fiquei grávida da Daniele e logo depois da Daniele fiquei grávida do Cid.
Foi uma coisa só pá, pá, pá... Foi bom que foi uma coisa só. Eram todos pequenininhos e eu deixei mais de sair para cuidar deles e estão aí lindos, maravilhosos, educados, obedientes e humildes do jeito que eu ensinei.
Já tínhamos tudo isso aqui e os amigos deles perguntavam de quem era tudo aquilo, quando eles faziam aniversários deles aqui no Maraponga, eles respondiam: 'Eu não sei não, minha mãe diz que isso aqui não é da gente não, é de Deus, que ela está só tomando conta.'
Para eles não se envaidecerem e ficarem ansiosos e achar que tinham alguma coisa. Acho que o grande erro, hoje em dia, é você passar a mão na cabeça dos filhos e dar tudo o que eles precisam.
O POVO – E como fazia?
Mana – Um exemplo com o meu neto Pedro, filho da Daniele, o mais novo, ele sonhava em ter uma bicicleta aos 10 anos. Isso dá trabalho, ensinar o valor das coisas, mas toda semana eu ia lá no Bom Preço.
Ele subia na bicicleta e perguntava para o vendedor quanto custava aquela bicicleta. O rapaz dizia. Eu falava: "Meu filho, a vovó ainda não tem esse dinheiro, mas um dia eu vou comprar sua bicicleta. Não se preocupe."
Aquilo dava trabalho ir lá toda semana, hoje os pais não querem, querem logo se livrar do filho e dar logo o que ele quer. Não é bem assim.
Pedro quando passava uns dez dias perguntava se eu já tinha o dinheiro e eu respondia estou trabalhando ainda. Eu vou conseguir.
O vendedor como me conhecia achava graça. Eis que chega o dia do aniversário dele. Pois pronto a vovó tem o dinheiro para lhe dar a bicicleta. Vamos lá. E ele ficou muito feliz.
Eu entreguei o dinheiro na mão dele, Pedro só tinha dez anos, ele foi no caixa e pagou a bicicleta. Então esse menino tinha um cuidado tão grande com essa bicicleta que até enrolava num lençol para não sujar.
O POVO - A educação mudou muito nessas últimas décadas...
Mana - Sim. Hoje em dia as crianças, coitadas, perderam esse sentido do esperar, do ter, porque os pais não têm mais paciência. Não é assim que se educa um filho. Aí jamais aquela pessoa vai dar valor ao que ganhou. Eu sempre digo para minha família e minhas amigas: "Minha gente, não tenham medo de filho não."
Eu fui muito severa com eles, quando merecia eu castigava mesmo. Dava umas palmadas grandes para eles saberem que eu era a mãe e eles os filhos. Mas claro que você tem que ir observar, mas, como eu digo, tem que amar os seus filhos, abraçar, beijar, dizer que são lindos.
A Daniele hoje é uma mulher bonita, mas nasceu muito feinha. Eu sempre dizia: "Daniele você é lindíssima, você é a coisa mais linda". Ela ficou. É tudo o que você fala, porque palavras têm poder em cima de qualquer pessoa. Não é só dela não.
O POVO – Priorizou os estudos deles também com foco no futuro profissional?
Mana – Eu tive muita sorte de colocar eles para estudarem fora e aprenderem um idioma. Cid passou dois anos, um ano no Canadá e o outro em Washington, nos Estados Unidos.
Já o Alexandre foram dois anos na Inglaterra. E a Daniele coloquei como interna em um colégio da Suíça. Quando ela chegou, eu procurei arranjar um casamento para ela e, com 17 para 18 anos, ela se casou também.
O Cid foi para os Correios, que dei, e o Alexandre como cursou Marketing na Inglaterra veio trabalhar com a gente.
O POVO - A senhora tem uma relação forte com a religião. Comente de como ela se manifesta na sua vida...
Mana – Quando morava em Canindé, desde pequena, eu via aquela fé das pessoas, mas não tinha entendimento. Mas depois que vi aquela fé, daquelas pessoas, aquela festa linda todo o ano em 4 de outubro, aí passei a ter aquela fé no santo.
Tudo o que eu quero eu falo direto com ele e está tudo resolvido. Uma vez a Daniele apareceu com um nódulo na perna, eu fui com meu irmão, que já era médico, em um colega dele que disse que ela tinha que operar imediatamente.
Antes que eu entrasse na consulta eu vi um rapaz na recepção com os dedos “duros”. Perguntei o que era aquilo e ele disse que tinham ido “ajeitar” e aconteceu aquilo. Pensei: "Minha filha, uma moça com a perna dura."
Aí eu disse para o médico: "Eu vou a Canindé! Se São Francisco disser que ela vai se operar, o senhor vai operar, mas se ele disser não o senhor não opera, mas se puder passar um anti-inflamatório."
O POVO - E a senhora foi?
Mana – Era mês de outubro e fomos, vesti os três filhos de São Francisco para acompanhar a promissão e quando eu voltei, passou mais ou menos um mês, eu fui no médico.
Ele a examinou, fez de tudo, radiografia e não encontrou mais nada... Até hoje... Ela já está com 52 anos. Sou muito devota de São Francisco, quando quero conversar e ele fala: 'Faça isso não, que não vai dar certo', eu não faço. Eu falo para o povo e eles não acreditam.
O POVO - Quais as principais recordações do começo o Maraponga Mart Moda? O que destaca de positivo e negativo deste período?
Mana – Nós vendíamos móveis, o Manoel trabalhava com o irmão dele e chamamos ele pois ele tinha um bom gosto extraordinário. Naquela época, em Fortaleza, as lojas de móveis eram muito simples e ele resolveu lançar uma linha de móveis muito sofisticada, era tudo de altíssimo luxo.
Então, as pessoas ou compravam na Holanda Arte Interior ou iam para São Paulo comprar. Fomos trazendo esses móveis para Fortaleza e a loja realmente era muito bonita, vendia muito. Eram três endereços: na Santos Dumont, Tristão Gonçalves e Estados Unidos (atual Virgílio Távora).
Um dia o Manoel teve a ideia de fazer aqui, onde é o Maraponga Mart Moda, mas antes o sítio que havíamos comprado, uma fábrica de móveis sob medida.
Nessa mesma época visitamos uma famosa feira em São Paulo, a UD, de utilidades domésticas, e Manoel teve a ideia de trazer todos para exporem em Fortaleza nesse nosso espaço. Manoel sempre teve uma coragem extraordinária.
O POVO – E como foi a aceitação?
Mana - Essa feira foi um verdadeiro sucesso. Aconteceu em meados da década de 1980. Na época, por exemplo, não tinha descascador de verduras, acendedor automático de fogão. Só minha mãe comprou 30 e dava para as amigas. Os expositores vendiam tudo, mandavam vir mais produtos de avião.
Eram 10 dias de feira com absoluto sucesso e fizemos várias vezes. Com isso, o Firmo de Castro, que era secretário da Indústria e Comércio na época do governador Virgílio Távora, veio abrir a feira e achou tudo tão lindo e de extrema coragem, pois éramos jovens.
Firmo teve uma ideia e levou para o então governador. Gostaria de fazer uma feira de confecção já que a qualidade dos nossos produtos era muito boa. O governador aceitou e Firmo mandou buscar, em São Paulo, um rapaz de marketing que era o melhor do Brasil na época.
Quando ele chegou aqui foi procurar um espaço para colocar a feira. Foi ao Centro de Eventos, mas achou pequeno, nos clubes Náutico e Ideal não dava também. Foi quando ele se lembrou que tinha vindo na feira de móveis.
Ele veio e disse que era mesmo o local ideal e sugeriu a compra pelo Governo do Estado para criar o Centro de Eventos do Ceará, mas Manoel disse que não queria vender não, mas emprestaria sem cobrar aluguel.
Tiramos os móveis e colocamos num depósito. O evento foi um sucesso. Durante cinco dias ele trouxe para o Ceará pessoas importantes da época que estavam relacionadas à moda, com a Cristina Franco da Globo.
Eu convidei o Lino Villaventura para colocar seu estande. Na ocasião, Cristina entrevistou ele e os outros mais.
No último dia da feira o secretário e a equipe dele ofereceram um jantar para nós. E esse rapaz quem fez o evento disse para o Manoel: 'Registre o nome desta feira – Festival da Moda de Fortaleza (FMF) - porque este governo está hoje, mas não estará amanhã. E ninguém pode fazer esse festival que não seja você.'
Fizemos durante 10 anos com muita intensidade. Houve trocas de governos e tudo. Aí Manoel resolveu transformar em uma feira de moda permanente e tornou-se o Maraponga Mart Moda.
O POVO – O que a senhora via de desafio? Achou que era uma ideia doida do senhor Manoel ou sempre apoiou?
Mana – Sempre trabalhei lado a lado com ele e a gente foi em frente. Eu era corajosíssima! Hoje não sou mais não. A gente vai ficando mais velha... Mas quando a gente é jovem a gente faz as coisas sem nem pensar.
Me recordo do Lúcio Brasileiro (colunista O POVO) ele sempre viu nossa coragem e resolveu nos ajudar.
Ele trouxe campeões olímpicos que vieram ao Ceará. Depois vieram os embaixadores da raça negra.
Cada vez ele fazia uma coisa diferente e era uma coisa extraordinária de tanta gente que vinha olhar. Depois trouxemos modelos e atores globais cada hora a gente inventava uma coisa.
Filhos: Alexandre, Daniele, Edilson Cid / Netos: José Victor, Pedro, Manoela, Lara, Mariana, Sophia e Caleb / Bisneto: Manoel
O POVO - Como foi a decisão da carreira dos filhos?
Mana – O Cid é muito danado para fazer as coisas e ele estudou dois anos fora do Brasil. Quando ele chegou eu disse: "Meu filho, pronto, está aqui o seu emprego'. Dei uma franquia dos Correios dentro do Maraponga Mart Moda.
"Você vai fazer o que você desejar. É só você visitar todos os clientes que têm aqui dentro". E realmente ele cumpriu rigorosamente e ele não tem nada a ver com os negócios do Maraponga.
Já a Daniele trabalhou um tempo com a gente, mas começaram a nascer os filhos e meu genro achava ruim que ela passava o dia todo no Maraponga. Então ela resolveu colocar uma academia, Central do Corpo, e hoje tem várias.
Às quartas-feiras ela trabalha no Maraponga fazendo posts nas redes sociais e fala das roupas que estão lançando. E quem realmente trabalha diariamente no negócio, hoje, é o Alexandre, que é responsável pelo Marketing.
Graças a Deus cada qual tem o seu trabalho e acima de tudo gosto de respeitar o Cid com os Correios não quero nem saber, só quero que ele esteja bem. A ajuda que dou é que não cobro aluguel, nem energia, nada dele.
O POVO – E a relação no dia a dia é bacana?
Mana – É. De fato, eu sou muito mandona e eles são muito obedientes. Eu digo algo e acabou. Manoel se senta aqui ao meu lado no escritório. Lembro que em uma passagem Alexandre falou meio assim com um funcionário e a filha dele estava junto.
Ela questionou como ele falava assim com a pessoa. 'Você não é o dono do Maraponga, a minha avó que é'. São todos obedientes e desde pequenos eles me acompanhavam aqui com o pai e sempre os eduquei assim.
Em um dos eventos eu coloquei uma carroça de pipoca para o Cid vender, revistas para o Alexandre e uma loja de doces para a Daniele.
Isso era para eles se entreterem, pois vinham para o Maraponga com a gente desde cedo. Trabalham desde pequenininhos, nunca foram vaidosos por ter isso ou aquilo. Eles sempre souberam dar valor ao dinheiro.
A vida é assim. Isso aqui não é nosso, a gente só toma conta para Deus, então, sempre meti isso na cabeça deles.
O POVO - Como é sua rotina e do senhor Manoel?
Mana – É maravilhosa, é a melhor coisa do mundo. Primeiro porque Manoel é um príncipe, que eu disse que ia encontrar e encontrei. Nunca me disse um não até hoje. Ele está com 83 anos, mas tem uma garra de um rapaz de 20. É muito danado. Inteligentíssimo.
E além do mais, é a pessoa mais educada que eu conheci na vida. Quando as minhas amigas chegam me contando as coisas, à vezes, e querem viajar só as mulheres eu digo: "Vou não, só vou se for com o Manoel".
São 57 anos acordando juntinhos. A gente acorda às 7h, toma café, vamos na academia. Depois vamos para casa, tomamos banho, trocamos de roupa e vamos trabalhar juntos. Vamos num só carro.
O prazer maior de estar com ele é grande. Às vezes, vou jantar na casa das minhas amigas e o motorista diz: 'Dona Mana, o senhor Manoel já ligou várias vezes está esperando a senhora para jantar.'
Brinco: "Manoel, acabe com isso, me esperando 23h para jantar". Quanto mais velho a gente vai ficar maior fica a ligação. Um precisa do outro. Se um acorda o outro acorda na mesma hora, é uma ligação incrível.
Hoje em dia isso é difícil de acontecer, pois as pessoas vivem brigando e se digladiando por qualquer coisa. Se você quer ter uma pessoa na sua mão, abra a sua mão, não dá para prender ninguém. A mulher conduz o marido para onde ela desejar.
O POVO - O Ceará já foi grande produtor de moda do País. Hoje a situação já não é a mesma. Como avalia, atualmente, o mercado no Estado?
Mana - Bom... As coisas mudam, né? Quando foi iniciado o Festival da Moda de Fortaleza realmente foi a maior novidade para o Brasil. Aqui no Ceará temos uma confecção tão maravilhosa. A gente aqui é top.
As confecções daqui são maravilhosas, principalmente o povo daqui do Maraponga. Eles procuram as melhores confecções para fazer, bons estilistas. Mas ao longo do tempo as coisas vão mudando.
A gente não tem mais o apoio, assim do governo, e um shopping desses com 280 lojas é uma coisa muito difícil. Mas graças a Deus eles são nossos parceiros, nossos amigos, nossos inquilinos. Eu amo todos eles, muito mesmo.
O POVO - Quais os planos de vida pessoal e profissional para os próximos anos?
Mana - Bom, eu sempre digo para os meninos que agora eu vou passear mais. Mas gosto muito de vir todo dia para cá. Essa parte financeira quem faz sou eu, então, eu mexo muito a minha cabeça e eu tenho muitas amigas que já estão com a cabecinha um pouco com Alzheimer.
Não sei se por conta de terem se aposentado. E eu me sinto tão bem, eu imagino, às vezes, que eu tenho 40 anos. Venho para cá diariamente, vou à academia.
Estive em fevereiro nos Estados Unidos para ver o meu bisneto. Nos divertimos muito. Meu filho mais novo, Cid, foi com a gente. Foi uma maravilha.
O POVO – Aposentadoria ainda não?
Mana – Não. Eu não quero, pois quando alguém se aposenta fica muito sozinha. Nem o Manoel e, como eu sou a secretária dele, tenho que vir (risos). O Manoel faria outro shopping e eu não deixo.
O POVO - Como o MMM fechou 2022 depois de ter passado pelo período da pandemia?
Mana - A gente foi muito parceiro com todo mundo. Eu deixei de cobrar tudo deles. O pessoal estava com as lojas fechadas e eu não podia obrigar eles a pagarem aluguel se não estavam vendendo. Acho que é por isso que eles consideraram ficar.
Eu vendi dois imóveis que eu tinha para realmente sustentar o Maraponga. Esses imóveis foram tirados daqui e voltaram para cá. Aqui nenhum inquilino a gente protestou nada. Simplesmente a gente perdoou.
Acho que é por isso que o Maraponga está um sucesso. Em 2022 ele começou a melhorar, em julho e agosto as pessoas tinham medo de sair de casa. As pessoas ficaram realmente muito apreensivas. Muita gente teve depressão, perderam tudo.
Então, a gente procurou ser parceiro mesmo. Foi um ano de recomeço. Eu sou uma pessoa muito otimista.
O POVO - E o que imagina para 2023?
Mana – Este ano vai ser maravilhoso. Você tira aí pelo Carnaval, todo mundo quis sair de casa, quis dançar o Carnaval. Hotelaria ficou movimentada no Brasil inteiro. E 2023 vai ser a melhor coisa do mundo.
O POVO – Quais os eventos que permanecem, ainda, na agenda do Maraponga ao longo desses anos?
Mana – O FMF, que deu origem ao shopping, acontece em abril e o Ceará Summer Fashion em outubro. Paramos só na época da pandemia.
Temos uma outro que é o Bazar Moda do Bem que faço há mais de dez anos para ajudar o renomado médico Luiz Porto que atende mulheres com câncer no bairro Rodolfo Teófilo. Esse homem é um guerreiro e ele procura ajudar as mulheres que não podem pagar.
No seu consultório normal ele não aceita plano é só particular. Mas ele disse que jurou a Deus que iria ajudar o povo.
O POVO - Como a senhora o conheceu?
Mana – Eu fiz uma cirurgia com ele, tive câncer no endométrio. E depois ele me convidou para ir olhar o trabalho social dele. Eu fiquei toda impressionada com aquilo e ele me pediu ajuda.
Pensei em fazer um bazar e pedi ao Alexandre para bolar algo e saiu o Bazar Moda do Bem. Esse bazar é uma verdadeira loucura de gente.
Fazemos antes do Natal e é a única ocasião no ano que o Maraponga vende peças para pessoas físicas sem ser no atacado. Hoje os próprios lojistas pedem. A primeira vez apenas 16 aceitaram participar, hoje todos participam.
Eu expliquei a todos que seria um sucesso se não enganássemos as pessoas e realmente vendêssemos com valores de bazar. Os clientes gravam tudo e gravam os preços.
O ano passado deram 30 mil pessoas sem confusão, sem quedas e sem nada. O dinheiro da entrada é revertido para o projeto do Dr. Luiz. Eu digo que Deus é brasileiro, nasceu no Ceará e mora aqui no Maraponga Mart Moda.
O POVO – Como foi descoberta do câncer?
Mana – Quem descobriu foi uma ginecologista, que me pediu para fazer uma biopsia e eu disse: "Se encarregue de tudo". Ela fez e eu fui passar 10 dias em Guaramiranga. Quando voltei ela pediu para eu ir ao consultório.
Chegando lá ela disse que já havia falado com o Dr. Luiz Porto e ele ia me atender. Eu brinquei: "Ele tem plano de saúde?" Ela disse: 'Tem não e a senhora vai ter que pagar a consulta dele, não é barata, mas a senhora tem que ir.'
Eu não sentia nada. O pior dessa doença é isso, se você não descobrir logo a pessoa morre. Eu fui à consulta sozinha, pois o Manoel teve que ir ver a obra em Guaramiranga. Falei: "Tudo bem, gosto de ir aos médicos sozinha."
Fui. Cheguei lá e aquele senhor muito alto, não sabia nem quem eu era, nunca nos vimos antes, ele me examinou. Achei muito engraçado, porque foi um exame muito demorado e eu pensava assim, deitada, se fosse de graça ou pelo plano ele já tinha me mandado para a casa.
Depois que ele me examinou, perguntou quem morreu da minha família, quem teve câncer, respondi tudo. Fui me arrumar e para outra sala ele me olhou com pena e perguntou se eu estava sozinha. Disse que sim e a conversa seria entre nós dois.
Mostrou-me os exames e informou que eu estava com câncer, um nódulo no endométrio e que tínhamos de operar. Eu muito calmamente perguntei quando e ele disse: 'Se der, amanhã'. E disse: "Como o senhor não aceita plano de saúde vamos já acertar essa operação."
O POVO – A senhora já se preocupou com isso?
Mana – Claro (risos). Tenho horror a dever, não devo a ninguém graças a Deus. Aí ele disse: 'Não se preocupe com isso não, que depois a gente acerta'. (Bateu na madeira) Falei que só sairia com tudo acertado.
Fechamos a parte hospitalar pelo plano com a participação dele e ele me cobrou R$ 5 mil. Achei tão barato que já queria era pagar logo. "Aceite logo antes que o senhor desista" (risos). Pensava depois: "Esse homem vai descobrir quem sou eu."
Ele ainda disse: 'Mmesmo que a senhora não possa pagar eu vou lhe operar de qualquer jeito. Porque a senhora está precisando muito'. Por isso ajudo até hoje ele lá com esse bazar.
Ainda fui fazer uma mamografia como precaução para ver se o câncer não tinha se espalhado. Nisso Manoel liga e pergunta: 'Minha filha, como foi a consulta?'
Disse que quando eu chegasse em casa eu contava a novidade. Terminamos os exames e eu fui dirigindo lá no médico amigo dele para fazer a requisição da Unimed e pedir a autorização. Tudo eu fiz sozinha, não contei para ninguém e falei: "São Francisco é entre nós dois."
Fui para casa e chegou a Daniele. 'Mamãe, como é que foi esse novo médico?', ”Rapaz, o homem disse que estou é com câncer." 'Mamãe esse homem é louco'. Eu digo: "Se ele é doido, eu não sei, mas vou me operar quinta-feira."
O POVO - E o senhor Manoel?
Mana - Chega o Manoel de Guaramiranga e pergunta a mesma coisa. Contei e ele disse que esse homem queria dinheiro. Falei que o homem cobrou tão barato.
Manoel ligou para o médico e disse: 'Antes do senhor operar vou mostrar os exames dela para Dra Tânia Varela, minha cunhada'. E ele respondeu que ela é a mais credenciada para ver esses exames mesmo. 'Foi minha aluna e excelente profissional.'
No dia seguinte, fomos ao encontro dela no IJF, eu nem desci do carro. Manoel que estava interessado foi. Ela disse a ele: 'Pelo amor de Deus. Esse homem é o melhor do Ceará, talvez do Brasil, um excelente oncologista, renomado'.
E disse assim: 'Se ele cobrar R$ 50 mil vocês parem de viajar e paguem, porque eu entregaria o meu corpo de olho e fechado.'
Aí Manoel veio para o carro quietinho e contou o que ela disse. Me internei, operei, a família toda lá. Fiquei calma, os outros tudo doidos. Recentemente que coloquei um marcapasso só. Falava para eles: "Entendam que a gente nasce, a gente vive e a gente morre. Tem que festejar minha morte como se fosse meu nascimento."
Continuei acompanhando e nunca mais tive nada. E estamos nessa parceria com o Bazar. Ele me homenageou e fez uma sala no Rodolfo Teófilo com a minha foto e meu nome.
Não chamei minhas amigas, só família, chego lá está governador, prefeito, secretário.... Daniele na noite anterior perguntou se eu tinha preparado discurso eu disse que não.
Não gosto muito dessas coisas e a hora que a cerimonialista me chamou contei essa mesma história que falei e o povo ria tanto. Foi o melhor discurso.
O POVO - Com toda essa bagagem, qual o legado que passou para seus filhos ao lado do seu esposo?
Mana – O exemplo vale mais do que as palavras. Não adianta você dizer que faz isso você tem que dar o exemplo. A gente se levanta cedo, vai para a academia, vem para cá. Quando eles moravam lá em casa, quando solteiros, eles estavam fazendo tudo isso.
Nunca disse vai estudar, vai trabalhar não, dei o exemplo. Outra coisa, essa união da gente é outro maior exemplo. Faça o certo.
O POVO - Qual legado que o Maraponga Mart Moda deixa para a economia cearense?
Mana - Bom, eu acho que Maraponga Mart Moda é quem criou tudo isso para as confecções do Ceará. Esse é um legado muito bom que ele deixa para todo o povo.
A gente é uma referência no Brasil. Já fomos citados no New York Times como uma empresa idônea, correta e que faz uma feira que beneficia muita, muita gente.
A confecção do Ceará que se encaixa aqui no Maraponga realmente vende demais, e isso é muito bom. Gera ICMS para o Estado, impostos e quantidade de empregos. Aqui dentro indiretamente são 2 mil funcionárias que tem suas famílias ou se sustenta só ou é mãe solo.
As lojas têm funcionárias de anos, anos e anos. A minha equipe direta são 120 pessoas contando administração, limpeza, eletricidade. Tudo isso é bom para o Estado. O Maraponga realmente dá um suporte muito grande para a economia do estado do Ceará.
A primeira ligação feita para Mana Holanda ela atendeu nos Estados Unidos, em Orlando. Tinha ido com o inseparável esposo, Manoel Holanda, visitar o neto e bisneto que mora lá. Mas sinalizou que logo que retornasse ao Ceará agendaria a data e fez.
Meu primeiro contato com o shopping e a família Holanda foi há exatos 20 anos quando trabalhei para a assessoria do jornalista Rogilton Conde (in memoriam) e a conta do empreendimento era dela. Confesso que bateu um saudosismo ao chegar lá.
O espaço, por ser extenso, 45 mil m², gera um impacto ao chegar. As estruturas físicas das marcas também. Muitas delas seguem o padrão de loja de varejo em shopping tradicional para encantar os clientes.
Essa entrevista exclusiva com a fundadora do Maraponga Mart Moda para O POVO dá continuidade à segunda temporada do projeto Legados: A tradição familiar como pilar dos negócios.
Serão nove entrevistas na segunda temporada com grandes empresários para contar a base que sustenta seus princípios, valores e tradições familiares que estão sendo passados para as novas gerações. E, ainda, o legado empresarial para o Ceará.
No próximo episódio, conheça a história do Carlos Mendonça, fundador do Grupo Carmehil e sua família que concedem entrevista ao O POVO.
Uma série de entrevistas especiais com grandes empresários que deixam legados para a sociedade e a economia do Ceará