Filho do meio, entre cinco irmãos, Tales de Sá Cavalcante nasceu em um ambiente envolto pelos livros, tendo os pais, Hildete e Ari, professores na profissão e na vida. Ganhou, de início, o prenome de Ivo, mas o pai, exímio admirador de Matemática, mudou o seu nome.
Homenagem ao filósofo pré-socrático, astrônomo, matemático, engenheiro e comerciante da Grécia Antiga, fundador da Escola Jônica. Assim como o homônimo, Tales, que se tornou professor de Matemática e Física ainda jovem, aos 18 anos, graduou-se em engenharia.
Chegou a trabalhar na construtora da família, mas a Educação falou mais forte. Hoje, o irmão caçula, João, é quem toma conta do negócio. Sobre outras profissões, diz rindo, poderia enveredar pelo lado da Publicidade e Propaganda ou mesmo ser DJ, pelo seu vasto gosto musical.
Mas é o colégio Farias Brito, do qual seu pai tornou-se sócio antes de Tales nascer, sua grande paixão. Confessa a saudade que tem da sala de aula. Pretendia, mas não conseguiu, retomar a esse espaço quando fizesse 60 anos. Os compromissos não deixaram, mas não desistiu de um dia voltar.
Seu lado cartesiano, como diz, assumiu cedo, pois perdera o pai aos 17 anos. Diz que esse viés mais racional de encarar os problemas da vida puxou do lado materno. Do pai herdou o pragmatismo, o raciocínio lógico.
Com a partida do progenitor, saíram de uma casa e foram morar, a mãe e os cinco filhos, em um apartamento para conter as despesas. Com o passar dos anos, muito mudou. Chegaram a cogitar a troca no nome Farias Brito, mas mantiveram.
Atualmente, ao lado das irmãs, Hilda e Dayse, está à frente dos negócios educacionais que se expandem anualmente em unidades no Ceará e online pelo Brasil.
Hoje, a agenda cheia divide-se entre as funções de reitor do Farias Brito Uni, diretor-geral da Organização Educacional Farias Brito e presidente da Academia Cearense de Letras (ACL), outra grande satisfação. Sem receio de se posicionar, fala sobre questões nacionais como o Novo Ensino Médio e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
E sobre o tão aguardado Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no Ceará, inclusive, já firmou parceria do Farias Brito com o Governo do Ceará para a implementação de cursos preparatórios em escolas militares do Estado.
O próximo desafio? Lutar pela vinda do Instituto Militar de Engenharia (IME).
O POVO - O senhor nasceu em Fortaleza, em 1950. Em entrevistas anteriores citou que uma das memórias de infância mais marcantes é justamente em uma livraria, aos sábados, nos arredores da Praça do Ferreira....
Tales de Sá Cavalcante – Meu pai (Ari de Sá Cavalcante) levava todos os filhos nessa livraria. Dayse (irmã) ia com muita frequência, pois ela era muito apegada ao papai, assim como eu. O que chamava mais atenção nessa época, em casa, era que a gente podia pedir qualquer livro que ele trazia no mesmo dia, com o maior prazer.
E ele era muito seguro (econômico). Tanto ele como a mamãe nos educaram muito bem, incluindo esse aspecto da pessoa controlar as finanças. Como ele era muito seguro nas coisas para dar para a gente, ele valorizava aquilo que dava, para sabermos que as coisas não são assim tão fáceis. Mas na hora de dar livros era fácil.
O POVO - Como era sua mãe, Hildete?
Tales - Mamãe perdeu os pais pequenininha e foi criada pelos avós. Quando ela tinha 14 anos, trabalhava em uma fábrica, uma facção das redes Filomena. O dono faleceu e perguntaram: 'Quem vai tocar a fábrica?'. E disseram que era 'aquela menina', minha mãe, pois 'aquela menina é danada'. Isso tudo ela tinha só 16 anos.
Ela sempre foi muito ativa, talvez por isso ela achava que a gente podia se virar também. Ela achava que fazia isso para ensinar e para a pessoa se virar.
O POVO - Quando o seu pai faleceu, o senhor tinha 17 anos. O que marcou esse momento?
Tales - Foi muito duro. Enfrentei bem porque o meu temperamento é muito parecido com o da minha mãe. Como ela perdeu o pai e a mãe cedo, ela sempre foi muito forte. Foi ela quem ligou para o irmão dela e disse: 'Olha, a operação do Ari não teve sucesso'.
Recordo-me que ele morreu em setembro e eu ia fazer vestibular em janeiro do próximo ano, então para mim foi assim, meio pesado. Mas enfrentei bem, me saí muito bem no vestibular. Lá em casa, a gente fez uma coisa talvez até exagerada, no sentido de que a vida da gente agora seria outra.
Morreu o chefe da família, a gente morava numa casa grande, na Aldeota, e o papai tinha comprado um apartamento antes de falecer. A gente achou que deveria morar no apartamento para reduzir custos. Toda a família ficou consciente de que a vida ia ser diferente a partir dali.
Então a gente se mudou, isso todo mundo encarou bem, fomos lutando. O colégio tinha tido uma época áurea quando o papai e o sócio dele (Adualdo Batista) estavam lá dentro. Colégio é uma coisa muito artesanal. O dia que você quiser administrar colégio de forma mecânica, não dá certo.
E aí eles se dedicaram muito, o papai à universidade e o sócio dele ao Tribunal Regional do Trabalho, ele era o que é hoje conhecido como desembargador. Com isso, o colégio caiu. Quando a gente entrou, a mamãe tomou as rédeas, aí os filhos começaram a ajudar e o colégio começou a subir de novo.
Basta dizer que o colégio funcionava em um prédio alugado, e hoje em dia temos cinco núcleos, todos em prédios próprios. O que é um crescimento muito grande.
Tão grande que na época nós questionamos se conservávamos a marca Farias Brito ou se deveríamos mudar. Mas a gente achou que deveria conservar e eu não me arrependo de jeito nenhum.
O POVO - O que o senhor acha que tem na sua forma de liderança, de gestão que veio do seu pai e da sua mãe?
Tales - Eu acho que do meu pai veio o pragmatismo, o raciocínio lógico, que é um pouco da matemática também. E da mamãe veio a racionalidade. As pessoas até censuram, às vezes, mas eu sou tão racional quanto ela. As pessoas dizem que é frieza, mas eu não aceito. Então eu prefiro chamar de racional (risos).
Uma vez eu discuti em alto nível com um professor e ele disse: 'Você está sendo cartesiano'. E eu respondi: "Eu sou cartesiano!". Eu não acho ofensa nenhuma me chamar de cartesiano.
O POVO - O senhor foi lecionar Matemática e Física e se formou em Engenharia. Por que essa escolha?
Tales - Ainda hoje há esse raciocínio errado. Se você é bom em Matemática, bom em Física, deve dar certo como engenheiro. A gente procura na orientação profissional dizer: 'Conversa com engenheiro, veja o que que ele faz. Não é porque você gosta de biologia que você tem que ser médico'.
Não tem nada a ver, mas é porque as pessoas são levadas a pegar as matérias básicas... Biologia para Medicina, matemática para Engenharia. Aí as pessoas são levadas a ir nesse caminho, o que está totalmente errado.
O conselho que eu dava, quando tinha mais contato com os alunos, mesmo não dando mais aulas, eu fazia umas palestras sobre vestibular e dizia:
"Na hora que você for escolher, converse com todo mundo, com o seu pai, sua mãe, seu tio... Quando tiver aniversário na sua casa, vai perguntando de um por um, aos amigos e parentes, se formou em que? faz o que?".
Vai ver que tem um bocado de gente que se formou em uma coisa, mas faz outra.
Por exemplo, a Hildete (filha caçula), eu gostaria que ela trabalhasse na escola. Acho que ela vai algum dia trabalhar, hoje ela faz Propaganda. Curioso é que uma vez, em uma entrevista, me perguntaram o que eu seria se não fosse educador e eu disse que seria profissional de propaganda, publicitário ou DJ (risos).
O POVO - Como enxerga o Farias Brito na educação cearense?
Tales - As pessoas costumam dizer que para o Brasil vencer os desafios e se tornar um país desenvolvido, tem que resolver primeiramente o problema da educação. Já escrevi até artigos citando isso, eu diria que a educação não é uma saída.
A Educação é a saída. Um exemplo muito patente disso é a Coreia do Sul, que mostrou que pela Educação ela se desenvolveu magnificamente.
Então, o Farias Brito sente uma responsabilidade muito grande ao ver que é a maior e a mais conceituada escola do Ceará, segundo pesquisas. Isso nos dá muito prazer e, ao mesmo tempo, aumenta a responsabilidade.
Resumindo, a Educação é o setor mais importante e nós estamos liderando esse setor.É um prazer muito grande estar aqui na luta do dia a dia e, à medida que o tempo passa, a gente vai sempre procurando se aprimorar.
O POVO - O senhor nasceu e o seu pai já era sócio do FB. Como o senhor se recorda desse cenário de educação à época?
Tales - Meu pai adquiriu 50% da escola em 1939. Inclusive tem um detalhe interessante que mais ou menos de 1941 a 1944 o meu pai escrevia diariamente. Admiro muito a imprensa e a comunicação.
O meu pai escrevia diariamente uma coluna chamada “Para ler no bonde”. Porque à época o transporte era o bonde. Ele escrevia com o pseudônimo de Tales e eu ainda não era nascido.
Em 1950, quando eu nasci, ele me registrou com o nome de Ivo, saiu do cartório e foi para uma livraria. Ele era professor de Matemática, viu lá algum livro sobre Tales de Mileto e pensou: 'Eu acho que o nome deveria ter sido Tales, e não Ivo'. No dia seguinte ele foi ao cartório, mudou o nome de Ivo para Tales.
O POVO - Como foi o convívio com mãe e pai educadores?
Tales - Muito bom. Lamento que hoje em dia os jovens não tenham a oportunidade, principalmente do almoço, de almoçar com pais e mães.
O nosso almoço, aqui nesta casa que estamos, era uma aula dada parte pelo pai, parte pela mãe. E hoje, nessa correria que os jovens e os pais não param em casa, os jovens não têm essa oportunidade. Me preocupa muito como é que vai ser o futuro com esses jovens recebendo poucas lições dos pais.
Daí o porquê a escola tem um papel mais importante ainda. Na minha época era muito interessante. Papai era muito exigente nos estudos, mamãe também, mas ele mais ainda e de modo que todos os filhos tiveram sucesso, passaram bem nos vestibulares, se formaram.
Naquele tempo a gente tinha uma vida como filhos de educadores, aqui mesmo nesta região, tínhamos um campinho de futebol. Um dia o papai chegou mais cedo e descobriu que nós tínhamos faltado a aula de inglês e estávamos jogando futebol.
Ele imediatamente mandou arrancar as traves. Sem trave não dá para ter jogo, fica mais difícil. Isso é apenas para mostrar a exigência dele.
E essa exigência a gente já achava exagerada, mas hoje a gente acha que foi certa pelo sucesso que todo mundo alcançou.
O POVO - Foi natural a sua chegada também como professor ao Farias Brito e depois assumindo um cargo de direção?
Tales - Sim, foi natural. Minha mãe deu vários conselhos dizendo como é que se deve comportar um professor e um dos conselhos que ela deu, na véspera da minha primeira aula, foi uma história que ela contou do meu pai. Ela disse:
'O seu pai era solteiro, não me conhecia e nas férias ele encontrou uma moça, começou a paquera, início de namoro. E quando ele chegou no primeiro dia de aula, ele verificou que aquela moça era aluna dele. Depois da aula ele chamou a moça do canto e disse ou aluna ou namorada'.
E isso ela já estava introduzindo na minha cabeça que lugar de trabalho era um lugar de trabalho. Portanto, isso não seria admissível.
E, assim como esse, ela me deu vários conselhos, de modo que nós achamos que o nosso curso de Pedagogia, o meu especificamente, foi um curso muito melhor porque foi na prática, dentro de casa, 24 horas por dia.
O POVO - Como era o Tales dentro de sala de aula?
Tales - Era um prazer muito grande, porque eu sempre gostei de estudar e, principalmente, gosto muito de aprender. Eu acho que um dos segredos para os jovens vencerem na vida é ele ser curioso e gostar de aprender.
E aí, com a possibilidade de ensinar, a gente começa a se realizar e a passar algo que sabe para outras pessoas, na esperança que elas também repassem. Então foi muito interessante. As alunas e os alunos quase todos eram mais velhos que eu, mas eu conseguia manter a disciplina.
Eram jovens que trabalhavam durante o dia e estudavam à noite. Eles não se mostravam tão cansados, eram muito interessados em adquirir mais conhecimento. E a minha experiência como professor foi muito interessante.
Eu me realizei e lamento muito. Tinha um sonho de aos 60 anos, por aí, voltar a dar aula, tendo em vista que é muito gostoso. E porque eu achava que aos 60 eu ia ficar mais desocupado.
Eu já estou aos 73 e estou mais ocupado do que antes, então é muito trabalho. Eu costumo dar aula através dos papos, de conferências, de discursos etc. De qualquer maneira a gente se realiza um pouco.
O POVO - E como foi essa decisão de ter que deixar a sala de aula para dirigir o negócio da família?
Tales - O exemplo que eu gosto de dar é que eu era o chefe do restaurante. A minha preocupação era que a comida saísse boa, ou seja, a minha preocupação sempre foi o dia a dia, a qualidade de ensino.
Então a família achou que quando o Farias Brito passou a ter mais de uma sede, a administração iria ficar muito difícil. E realmente é muito difícil, algumas escolas não tiveram sucesso ao passar de uma para duas.
Mas se você passa de uma para duas, você deixou de ser aquela galinha com os pintinhos todos embaixo de você, então de uma para duas, eu considero o mais difícil. Passando dessa etapa, de duas para três, de três para quatro, é que fica fácil.
Quando o Farias Brito resolveu ampliar e ter mais sedes, a família disse: 'Tales, o Farias Brito vai precisar mais de você na gestão. Então você vai ter que deixar de dar aula'. Espero um dia ainda voltar. Pode ser que ainda consiga.
O POVO - Pode falar do processo para crescer e expandir?
Tales - O Farias Brito inicialmente queria entrar na Aldeota, porque as escolas mais conceituadas estavam lá. Então nós alugamos o Colégio São João, que funcionava ali na (avenida) Santos Dumont. Hoje a casa não existe mais, é um supermercado.
Então conseguimos comprar aquele terreno da avenida que todo mundo pensa que ainda é Dom Luís, mas na realidade era avenida Júlio Abreu, e hoje ela chama-se avenida Farias Brito. Lá a gente conseguiu fazer um núcleo Aldeota de tal modo que todos os prédios são próprios.
Depois a gente conseguiu fazer colégios na Seis Bocas e, em seguida, entramos em Sobral. Foi uma satisfação muito grande e eu quero parabenizar o povo de Sobral, porque as nossas provas sempre foram padronizadas e eu disse para os professores:
"Olha, vamos primeiro sentir o nível dos alunos, porque se eles tiverem um nível mais baixo, a gente vai ter que botar uma outra prova". E, para surpresa de todos, o nível de Sobral é excelente, desde o início eles praticam a mesma prova dos demais.
Depois de Sobral a gente ampliou para o Eusébio e, agora, estamos no Crato, em uma posição estratégica, de modo que esse Farias Brito atende o aluno do Crato, de Juazeiro e de Barbalha.
O POVO – Entrando na vida pessoal atual, como foi o encontro com a esposa Jaqueline?
Tales - A Jaque é do Rio Grande do Sul e veio ao Ceará, em 1995, para prestar um concurso, indicado pelo professor dela, pois o conteúdo que ela estudava lá era o mesmo daqui. Ela não conhecia o Nordeste e decidiu vir para fazer turismo e a prova.
Ela veio e passou no Tribunal Regional Eleitoral e tinha a ideia de trabalhar no órgão no Rio Grande do Sul, mas diz ela que me conheceu e mudou de ideia (risos). E como ela me conheceu?
Eu era separado e quem perguntava se eu ia me casar de novo, eu dizia: "Eu já sou casado com a madame liberdade". Eu não pensava em casar de novo de jeito nenhum, só casei porque foi ela quem passou na minha vida.
O POVO – E como foi o primeiro encontro?
Tales - Uma amiga estava organizando uma festa no dia 12 de junho, que é Dia dos Namorados, mas para quem era avulso, quem não tinha namorado nem namorada. Aí nessa festa ela (Jaqueline) também foi. Lá nos encontramos. Isso era em 1996. Por que a gente deu certo? Porque a gente não tinha compromisso.
A gente saía junto, mas a gente foi se sentindo bem um com outro, sem forçar. Inicialmente a gente pensava em ela ter a casa dela e eu a minha.
Mas a gente quis ter uma filha e, quando ela tinha um pouco mais de um ano, a gente resolveu casar. Casamos no sítio da família, em Messejana. O convite tinha um texto como se a nossa filha convidasse as pessoas.
O POVO - Como o senhor avalia a educação no Brasil e aqui no Ceará? O que mudou nas últimas décadas?
Tales - Acho que a educação brasileira ainda está sofrendo pelo seu início. Na época que a Europa tinha universidades, era proibido para um brasileiro ler um livro. O livro era só para a corte. Então isso, sem dúvida, faz com que a gente esteja atrasado.
Mas o que eu me animei foi a partir do ministro Paulo Renato, do governo Fernando Henrique, porque passou a ser Ministro da Educação não por ser um político que por acaso ia no loteamento, que pegou o tal Ministério da Educação. E, sim, um educador.
E, por sinal, um grande educador de uma grande Universidade, que é a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Ele teve a coragem de criar índices para educação brasileira e de mostrar os defeitos dela, os resultados, sugerir melhorias.
Então a partir daí foi melhorando. Nós temos hoje um exemplo muito bom, que é o exemplo de Sobral, e nós devemos muito isso ao professor Edgar Linhares, que se baseou no método de educação pela leitura. Existiam estatísticas americanas que diziam que as pessoas que venciam mais na vida eram pessoas que liam.
E aí, focando na leitura, ele teve o apoio político dos governantes de Sobral. E hoje é um exemplo nacional. A prova disso é que o Lula (presidente do Brasil) levou o Camilo (Santana) e a Izolda (Cela) para o Ministério da Educação. Ambos cearenses.
Na educação particular, temos exemplos dos concursos mais difíceis, ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e IME (Instituto Militar de Engenharia), e o Ceará se saiu tão bem que o Lula resolveu fazer o ITA Ceará.
Inclusive, tem até um depoimento que é o seguinte: estavam conversando após uma solenidade, Lula, Elmano de Freitas, Camilo e a governadora de Pernambuco (Raquel Lyra).
E ela perguntou: 'Presidente Lula, por que o ITA não é em Pernambuco, é no Ceará?' e ele respondeu:
'Porque vocês não têm os índices que o Ceará tem'. Essa é a resposta dele. Eu estava dizendo para uns amigos meus que o Ceará está com um senhor garoto propaganda, que é o presidente da república.
O POVO - Como que o senhor vê essa questão do Novo Ensino Médio, que tem gerado polêmica?
Tales - Eu acho que o Ministério da Educação agiu bem, eu diria até que a educação como um todo acordou, porque queriam diminuir muito a carga horária das fundamentais como matemática, física, química, português etc, e valorizar muito as instrumentais. E eu acho que da forma como tende a ser, será melhor.
Agora o que eu defendo mesmo é que o MEC (Ministério da Educação) dê liberdade à escola para ela proceder como ela quiser. O mercado vai agir, o nível dos alunos, de acordo com as avaliações, vai mostrar qual é a boa.
Então o importante eu acho que é não engessar muito a escola, porque nós temos grandes diretores que têm grande criatividade, mas que o MEC, às vezes, tolhe essa criatividade quando engessa a escola.
O POVO - E o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como o senhor vê?
Tales - Eu discordo do Enem como ele é. Ele não foi criado para ser um vestibular, ele foi criado para ser como o SAT (Scholastic Assessment Test é um dos principais exames utilizados para ingressar em universidades) dos EUA e Canadá.
São exames para permitir que o governo avalie os alunos. Então o aluno chega em um emprego e diz: "Olha, o governo diz que eu tenho essas competências". O Enem foi criado para isso.Como o brasileiro tem mania de ser doutor, existe um pouco de resquícios da escravidão, ele deprecia o trabalho com as mãos.
Por conta disso, o Enem se transformou em um vestibular nacional. Mas eu sou contra ele pelo seguinte, é impossível o Enem ter sigilo. Imagina essas provas chegarem lá no interior da Amazônia, que tem que chegar na casa do prefeito.
Aí imagina o filho do amigo do prefeito, que vai fazer Enem no dia seguinte. A probabilidade é muito grande dessa quebra do sigilo. Você passa a prova pela internet para São Paulo. E, em São Paulo, uma vaga de medicina custa 100 mil dólares.
Então a possibilidade de fraude é muito grande. Eu defendo que o Enem poderia ser, no máximo, uma primeira etapa. E a segunda cada universidade realizaria o seu vestibular, como era antigamente. E, com essa possibilidade, a gente teria questões regionais.
Como é que pode ter uma questão regional do Ceará se ele é nacional? Não dá. Ao passo que se tivesse uma prova regional seria diferente.
O POVO - Efetivamente, o que o ITA vai impactar para o Ceará? Daqui pra frente, pra onde vai a Educação cearense?
Tales - Daqui para frente, eu acho que nós devemos comemorar, porque o Brasil mostrou que o Ceará é bom em educação, que o Ceará é bom no ITA, portanto, o Ceará se sai muito bem e tem índices bons.
Agora, eu me preocupo um pouco quando esses meninos que saírem do ITA Ceará começarem a brilhar, com o mérito deixar de ser do Ceará e passar a ser de São José dos Campos (SP).
Eu acho que nós cearenses temos que fazer força para caracterizar que existem professores cearenses, porque nós temos gente boa aqui pra isso, para dar mérito ao Ceará. E amanhã, se um menino desses for prêmio Nobel, foi um prêmio Nobel formado no Instituto do Ceará.
O POVO - Continuar essa raiz cearense...
Tales - Eu acho muito importante a gente se preocupar com isso, porque senão vai ser uma filial São José dos Campos e o mérito vai para lá.
O POVO - Na cerimônia de lançamento da pedra fundamental do ITA, o governador Elmano de Freitas exaltou o senhor. E falou da parceria de um curso preparatório para o ITA com a rede escolar pública...
Tales - Ficamos muito felizes quando o governador disse no evento. Isso é um legado, a gente não se preocupa, egoisticamente, em trabalhar só para aquele aluno do Farias Brito.
Tem alunos de escola pública que estão lá porque não têm condições de pagar uma escola particular. Então a gente faz questão de colaborar.
Eu acho que o governador Elmano teve uma ideia muito boa e ficamos felizes quando ele anunciou que o Farias Brito, como o possuidor do maior número de aprovações do ITA, vai compartilhar esse conhecimento, esse know-how, também para alunos de escola pública.
Estamos com muita motivação, os professores estão animados, já estamos desenhando o curso e queremos ver se conseguimos o que o governador quer, colocar gente da escola pública do Ceará também no ITA.
(Após a entrevista, em 26 de março, o governador Elmano de Freitas assinou a parceria com a Organização Educacional Farias Brito para a implementação de cursos preparatórios para o ITA em escolas militares do Estado. O projeto oferecerá aulas de reforço, orientação vocacional e palestras. As turmas preparatórias serão realizadas no colégio da Polícia Militar do Ceará e no Colégio do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará, ambos em Fortaleza, a partir do 1º ano do Ensino Médio.)
O POVO - Como o senhor vê a atuação do Camilo Santana no MEC? Além do ITA, o que o senhor acha que o Nordeste e o Ceará devem atrair com a gente tendo um representante do nosso Estado?
Tales - Nas nossas publicidades, a gente colocava: 'O ITA vem aí. O Farias Brito comemora'. Agora a gente colocou 'O ITA chegou'. A nossa luta agora é que o IME venha também.
Esse é o nosso próximo objetivo, porque eu diria que eles têm um empate técnico no nível de alunos, de professorado, de eficiência. Então o grande segredo do Brasil é valorizar as suas boas cabeças.
O POVO - Sobre a Academia Cearense de Letras (ACL), o senhor ocupa desde 2019 uma cadeira, deixada pelo acadêmico Genuíno Sales, número 9, e o patrono Fausto Barreto. O que isso significa para o senhor?
Tales - Eu sempre admirei muito a academia pelos intelectuais que aqui frequentam. E aconteceram algumas sondagens, alguns quase convites e eu sempre resisti, achando que poderia haver uma reação pelo fato de que eu tinha uma graduação em ciências exatas.
Mas um dos acadêmicos chegou a dizer para mim uma vez: 'Tales, Euclides da Cunha, que celebrizou-se com Os Sertões, ele é engenheiro. E não é por ser um engenheiro que ele não poderia ter um grande valor literário, um grande valor cultural na área de humanas'. Então eu resistia.
Mas acontece que Genuíno Sales foi o nosso professor exemplo em toda a história do Farias Brito, foi o mais exemplar dos professores. Era o nosso guru. Então, quando o Genuíno faleceu e um dos acadêmicos me convidou para pleitear a eleição, eu disse: "Em se tratando da cadeira de Genuíno, eu não posso negar."
Encarei como uma missão continuar o trabalho de Genuíno e aqui estou, procurando melhorar o nível intelectual, nível cultural cearense. E é uma missão difícil pelo grande nível que Genuíno tinha.
Genuíno inclusive era formado em Direito, mas como era o maior professor de cursinho de português, ele e o Valdenaro eram os dois melhores, ele começou a fazer Letras na Uece (Universidade Estadual do Ceará).
Se desentendeu com um professor, abandonou a Uece e depois um reitor da Universidade Estadual foi lá no Farias Brito, onde ele trabalhava, e deu grau a ele lá, por notório saber.
Ele não assistiu todas as aulas, ele não fez todas as provas, ele não atingiu aquela carga horária, mas ele tinha notório saber. Então, exatamente por isso, eu encarei como mais uma homenagem a ele, eu estar aqui numa missão.
Costumo dizer que eu sou apenas o líder, como um maestro, que respeita todos os que estão na orquestra. Apenas dou alguns toques, mas faço questão de ser o mediador para que a Academia continue tão bem como sempre foi e para que melhore a cultura e o ensino cearense.
O POVO - Desde o ano passado o senhor ocupa a Presidência da ACL. No que o senhor vê que já contribuiu e o que está nos seus planos?
Tales - Eu comecei com uma arrumação e fazendo algumas coisas boas que já estavam sendo feitas, mas agora tem uma grande novidade: conseguimos sensibilizar a Prefeitura de Fortaleza, por meio do prefeito Sarto (PDT), porque estamos aqui no segundo prédio público mais antigo do Ceará.
Aqui morava o governador do Estado no passado. E ao lado nós tínhamos jardins e hoje temos uma rampa muito feia. O prefeito Já começou a obra. Quando derrubaram o jardim e criaram a rampa, um jornal de Fortaleza disse: 'As picaretas derrubaram 145 anos de história'. A academia está ressuscitando essa história.
Nós teremos um jardim, ou seja, o verde vai ficar presente aqui perto da Praça do Ferreira e no centro do jardim nós teremos uma réplica do Café Java, que era o local onde os acadêmicos da Padaria Espiritual se reuniam.
Nós vamos criar uma nova Padaria Espiritual, formada por alunos de escola pública e aprovados por um concurso. E essa nova Padaria Espiritual trará, sem dúvidas, ramificações para melhorar a cultura cearense.
O POVO - Qual é o legado que o senhor acha que a academia traz para o Ceará?
Tales - Eu acho que o legado que a Academia traz para o Ceará é o exemplo dos intelectuais que aqui participam. Nada melhor para educar do que o exemplo. E quando a academia ressuscita o Café Java, ela está ressuscitando aquelas coisas que fizeram de forma errada.
Tudo o que houve de errado na cultura e na educação cearense do passado, a gente vai tentar consertar e nós queremos participar das diretrizes educacionais, do Conselho da Educação, da Secretaria de Educação, de tudo que for educação, de forma que a Academia possa dar o seu pitaco lá com um simples objetivo: melhorar a educação e a cultura cearense.
O POVO - Como estão divididas as atribuições no Farias Brito? E os negócios?
Tales – Sou o diretor-geral, que é o equivalente ao diretor-presidente. A Dayse é diretora-administrativa financeira e controller, e a minha outra irmã é diretora-pedagógica e ouvidora. Todos os negócios giram em torno de Educação, que, aliás, é o que eu gosto. Temos a educação presencial, a tradicional, e temos a educação online, a gente dá aula para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
A gente dá aula para o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), para Medicina, para qualquer aluno, ele pode estar no interior da Amazônia, nos Estados Unidos ou na Europa. Se ele tiver uma boa internet, ele pode assistir aula. Boa parte dos alunos que passam em concursos difíceis é aluno nosso a distância.
O POVO - E como o senhor planejou esse ano e os próximos?
Tales - Em 2023 a gente teve que arrumar um pouco a casa ainda em função da pandemia. Acredito que todo empresariado, ou quase todo, sofreu na pandemia e foi sofrendo um pouco depois que ela acabou.
Vencemos o desafio, conseguimos crescer 12% e em 2024 lançamos o FB Cariri para crianças de até três anos. As crianças se formam junto com a evolução da escola. Acredito que esse ano a gente vai beirar os 17 mil alunos.
Também inauguramos uma unidade, no bairro Seis Bocas, que recebe crianças já no útero, ou seja, acolhemos a mãe gestante. Essa foi uma ideia da Jaque (esposa), que é formada em Psicologia, que me despertou para essa área.
O POVO - O senhor já disse em uma entrevista que não tinha interesse em buscar parcerias com investidores de fora...
Tales - Pode até ser que um dia a gente resolva fazer alguma parceria, mas os fundos de investimento que nos procuraram têm como objetivo, único talvez, só o dinheiro e eu costumo dizer quem quer trabalhar na Educação, não deve ser um empresário educador, e sim, um educador empresário.
O Farias Brito coloca a Educação acima do lucro. O lucro é importante para que a gente tenha condição de crescer, de atender a um funcionário que está doente etc.
Mas se o parceiro vem de fora com uma filosofia diferente, a gente vai entrar no casamento já sabendo que esse casamento vai dar divórcio. Então a gente prefere ficar com a nossa filosofia.
O POVO - A palavra legado, o que ela significa para o senhor?
Tales - É uma ótima pergunta. A palavra legado é o que existe mais de mais importante na vida. Nós nada levamos de material.
Inclusive, quando uma academia dá a um escritor o conceito de imortal, todos nós sabemos que ele um dia vai morrer, mas aquele conceito de imortal é porque os conhecimentos dele por meio dos livros e do que foi gravado por ele, aquilo vai ficar para outros, aquilo vai ficar para sempre.
Então a gente no Farias Brito tem como principal preocupação exatamente deixar um legado. A gente não gostaria de ser conceituado como a escola que ganhou mais dinheiro, como a escola que fez mais atividades, que não tinha muito a ver com a educação.
E sim com a escola que deixou o maior legado. Porque eu acho que a nossa estada no nosso planeta Terra só tem um objetivo: deixar um legado.
Tales conta que o nome do colégio que sua família comprou é inspirado em um filósofo cearense. E o fundador, o professor Adualdo Batista de Araújo, quis homenageá-lo. Raimundo Farias Brito também foi um escritor, sendo considerado um dos maiores nomes do pensamento filosófico do País e autor de uma das mais completas obras filosóficas produzidas. Nasceu em São Benedito, na Serra Grande, perto de Tianguá.
Jaqueline disse que o colégio e o Tales possuem uma relação simbiótica. "Não dá para separar ele é o Farias Brito. E eu aprendi a respeitar". E ressalta que a vida dele é o trabalho. "Ele trata as unidades novas como filhos caçulas". Diz ainda que o admira, pois além das funções que exerce, sempre está pensando em um projeto novo. Essa relação com a Educação é passada para a filha do casal, Hildete.
O empresário expressou, durante as conversas no dia de gravação, o desejo de escrever um novo livro sobre sua vida no Farias Brito. Porém, as pessoas mais próximas a ele têm receio que segredos da gestão e metodologias que chegaram aos resultados atuais dos negócios sejam revelados no conteúdo. Mesmo assim diz que dará um jeito, mas falta tempo e considera fazer do livro um ato de solidão.
Esta entrevista exclusiva com o diretor-geral da Organização Educacional Farias Brito, Tales de Sá Cavalcante, para O POVO encerra a terceira temporada do projeto Legados: A tradição familiar como pilar dos negócios.
São seis entrevistas com grandes empresários que contam a base que sustenta seus princípios, valores e tradições familiares que estão sendo passados para as novas gerações. E, ainda, o legado empresarial para o Ceará.
Uma série de entrevistas especiais com grandes empresários que deixam legados para a sociedade e a economia do Ceará