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Risco de contaminação por urânio põe em xeque qualidade de vida e produção
Reportagem Seriada

Risco de contaminação por urânio põe em xeque qualidade de vida e produção

Neste segundo episódio do Projeto Santa Quitéria, O POVO conta a história das comunidades do entorno. Com tradição sustentada na agropecuária familiar, moradores de áreas próximas à jazida apontam falhas de outros projetos de mineração como exemplo do que pode dar errado no Ceará. Não deixe de assistir também ao documentário deste especial
Episódio 2

Risco de contaminação por urânio põe em xeque qualidade de vida e produção

Neste segundo episódio do Projeto Santa Quitéria, O POVO conta a história das comunidades do entorno. Com tradição sustentada na agropecuária familiar, moradores de áreas próximas à jazida apontam falhas de outros projetos de mineração como exemplo do que pode dar errado no Ceará. Não deixe de assistir também ao documentário deste especial
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O medo de perder a saúde do corpo e da mente, as plantações cultivadas no quintal e os animais criados nos terrenos e nos arredores é o principal motivo de as comunidades localizadas próximas à maior jazida de urânio do País serem contra o Projeto Santa Quitéria.

A exploração promete levar milhares de pessoas para uma região formada por assentamentos de produtores familiares. Mas eles rechaçam o tipo de desenvolvimento prometido evocando falhas de outras experiências de mineração no País como exemplos daquilo que não querem na vizinhança.

Tatu na CE-176, próximo à jazida de urânio e fosfato(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Tatu na CE-176, próximo à jazida de urânio e fosfato

Queimadas e Morinhos, as duas comunidades mais próximas de onde se pretende montar o complexo de extração dos minérios, existem há pouco mais de 20 anos e são formadas por pessoas que investem em produtos cuja valorização foi uma das maiores já vista no comércio brasileiro: os alimentos orgânicos. Para eles, a qualidade e o custo de vida que possuem hoje, no modelo de subsistência, são imensuráveis.

“A nossa comunidade tem uma sustentabilidade muito grande economicamente falando. Se a gente for calcular, por cima, em um ano de inverno, cada família produz mais de duas toneladas de alimento. Ovino, caprino, mel de abelha, feijão, milho, jerimum. Agora, imagina essas pessoas não podendo consumir ou negociar essa produção que temos aqui? O primeiro desespero é esse”, afirma Luís Paulo dos Santos, 30 anos.

Escola Municipal das comunidades de Santa Quitéria(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Escola Municipal das comunidades de Santa Quitéria

Professor há dez anos na Escola Municipal Luiz Menezes Pimentel – a única que atende as crianças da região desde o Infantil –, ele passou quatro anos fora das comunidades. Tempo no qual dividiu trabalhando metade no Rio de Janeiro e metade em Fortaleza. A experiência, segundo destaca, serviu para que ele valorizasse o ambiente no qual foi criado e a profissão escolhida pelos pais e avós.

De volta a Morrinhos, ele se casou, teve um filho, construiu a casa no terreno conquistado pelo pai no assentamento e, hoje, além das aulas, tem um roçado e uma “criação” (como é chamado o rebanho cabras, bodes e ovelhas) para dar conta. Essa transformação, de acordo com Luís Paulo, resultou no entendimento de que a exploração de urânio e fosfato naquela área é um risco iminente a esta qualidade de vida.

Aula do professor Luís Paulo dos Santos(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Aula do professor Luís Paulo dos Santos

"Eu falo sem medo de errar. Eu trabalhei dois anos em Fortaleza com um salário bem superior ao que eu ganho hoje. Mas em relação à melhoria financeira, eu vim melhorar quando eu vim para cá. Aqui, nós temos o custo de vida bem menor, porque grande parte da nossa alimentação depende do que nós produzimos. Tenho muito orgulho de falar isso. Agora, imagina um senhor que nasceu e se criou na roça, agora, ele pode ser obrigado a sair do seu lugar. Isso é um crime." Luís Paulo dos Santos, professor de Escola Municipal na região

 

 

Produção ameaçada pela área de radioatividade

 

A preocupação é compartilhada com os vizinhos, como Antônio Eraldo de Paula Gomes, 39 anos. Vigilante do colégio em meio período, deu continuidade ao trabalho do pai e cria bois e ovelhas, além de produzir queijo. Ele é mais um que teme os riscos dos quais ouviu falar quando moradores dos arredores da mina de Caetité, na Bahia, estiveram em Santa Quitéria para dar o testemunho do que aconteceu com eles.

As histórias de colheitas e carnes sem valor, renegados em feiras e por compradores apenas por estarem nos arredores de uma mina de urânio assustam Eraldo, que concluiu não apoiar a exploração próxima das terras onde cresceu, cria seus filhos e vê a mãe, os irmãos e os sobrinhos tirarem o sustento.

Antônio Eraldo de Paula Gomes tem receio de ter a produção renegada(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Antônio Eraldo de Paula Gomes tem receio de ter a produção renegada

Sem esse risco, os produtores familiares conseguem levar as safras para Santa Quitéria, Itatira, Quixadá, Sobral e até Fortaleza. Eraldo vende, por dois anos seguidos, cabeças de boi para um atravessador de Monsenhor Tabosa que leva os animais para o Maranhão. Muitos dos produtores, inclusive, fornecem alimento para os programas estaduais de merenda escolar.

Josy Sena, diretora administrativa da Cooperativa Agropecuária dos Produtores do Ceará de Santa Quitéria diz observar com bastante temor o avanço do Projeto. Ela conta que a maioria das famílias daquelas comunidades possuem selo de produtor orgânico e o risco de acidentes pode pôr fim a toda a conquista dos cooperados.

 Josy Sena, diretora administrativa da Cooperativa Agropecuária dos Produtores do Ceará(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Josy Sena, diretora administrativa da Cooperativa Agropecuária dos Produtores do Ceará

As críticas deles ainda recaem sobre o uso do fosfato, um argumento que vem agregando mais apoio à exploração. Com proporção maior do que a de urânio, o minério é considerado estratégico para diminuir a dependência do Brasil de fertilizantes estrangeiros (80% da demanda nacional vem de fora).

“Eu, que cheguei aqui com seis anos de idade, não sei nem o que é fertilizante. Eles falam mais de fertilizante do que não sei o quê. Mas isso aí vai servir para as agroindústrias, com maquinário, veneno… Enquanto, aqui, nós temos nosso roçadim, tudo natural, que passamos a nossa vida todinha sobrevivendo. Nossos pais deram para a gente, a gente criou nossos filhos e fizemos tudo sem precisar nem de urânio nem de fosfato. Não queremos isso para nossa região”, critica Chico Frásio, de 63 anos.

Galinhas das terras do senhor Chico Frásio no assentamento de Morrinhos(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Galinhas das terras do senhor Chico Frásio no assentamento de Morrinhos

 

 

Caetité: um exemplo a não ser seguido

 

Francisco Tomé da Silva, o Chico Frásio, chegou a Morrinhos quando o pai conquistou um dos terrenos no assentamento. Adulto, passou uma seca em São Paulo, voltou, chegou a ser a favor do Projeto Santa Quitéria e trabalhou na abertura das galerias da jazida. Mas mudou de ideia quando conheceu outras experiências de exploração mineral.

Os moradores das comunidades convivem com os boatos de início da exploração do minério desde a década de 1980, incialmente, submissos aos interesses de governos e empresas.

Funcionário da INB mostra aparelho de mediação da radiação(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Funcionário da INB mostra aparelho de mediação da radiação

Mas, principalmente, desde o início dos anos 2000, a troca de informações com outros habitantes de áreas vizinhas a minerações e o apoio científico dado por organizações não-governamentais e cientistas fez com que um movimento contrário, a Articulação Antinuclear do Ceará, fosse organizado.

Já nos anos 2000, Chico foi convidado por um dos grupos que formam a Articulação a ir visitar Parauapebas, no Pará, onde está instalado o Complexo Mineral Carajás/Serra do Norte. É a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo e tem operação da Vale.

Senhor Chico Frásio mostra suas plantações(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Senhor Chico Frásio mostra suas plantações

“Meus amigos, só vocês vendo. Depois que foi explorada a mina lá, o pobre ficou mais pobre ainda, sem ninguém a olhar para eles. É o mesmo medo que eu tenho. Se eu não tivesse visto aquilo lá, eu não tinha medo, não. Mas aqui ainda tem que é radioativo, é urânio. Nossas águas já são poucas e ainda pode contaminar”, conta ainda assustado.

No entanto, o principal exemplo negativo que os habitantes de Morrinhos e Queimadas têm de exploração de urânio é o de Caetité, na Bahia.

Funcionário da INB retirando pedaço de rocha onde tem os minério(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Funcionário da INB retirando pedaço de rocha onde tem os minério

A usina de beneficiamento nuclear que tomou a frente de Itataia, na década de 1990, acumula histórias de falhas na operação, denúncias na Justiça, estudos feitos por instituições locais (como a FioCruz) e estrangeiras (como a francesa Comissão de Pesquisa Independente e Informação sobre Radioatividade) com um único alvo: contaminação do meio ambiente por material radioativo gerado a partir da exploração.

Com operação da INB, estatal que detém o monopólio da extração de urânio no País e forma o Consórcio Santa Quitéria juntamente com a Galvani Fertilizantes, Caetité é considerada um mau exemplo de operação pelos cientistas que prestam apoio às comunidades.

Medição da radiação das rochas(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Medição da radiação das rochas

O impacto sobre as comunidades, que tiveram interrupção de fornecimento de água em alguns períodos e a produção rejeitada pelos compradores, foi alvo de documentário e alguns intercâmbios foram feitos entre eles e as comunidades cearenses.

“Em 2010, chegou um pessoal de Caetité mostrando como tinha acontecido lá. No começo, tanto vereador quanto prefeito eram a favor da exploração do urânio, mas, do meio pro fim, ninguém gostava mais. Quando descobriram que não era certo, uma brincadeira com a saúde da pessoa, da criação… Desistiram”, recorda o produtor rural Evaristo Mateus, 75 anos.

Evaristo Pereira Mateus no assentamento de Queimadas(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Evaristo Pereira Mateus no assentamento de Queimadas

De acadêmicos a religiosos, de assentados a indígenas e quilombolas. A Articulação Antinuclear intensificou as ações nos últimos meses, desde o aceite do Estudo de Impacto Ambiental do projeto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), e reuniu em Queimadas representantes de várias comunidades que se veem ameaçadas pela exploração mineral de urânio e fosfato de Itataia.

Antonio Edi Umbelino, 45 anos, conheceu o movimento via Cáritas Diocesana de Sobral, e participou da reunião semanas antes de O POVO visitar as comunidades. Membro da pastoral e líder da comunidade católica de Morrinhos, ele conta que os medos que assustam os moradores dos assentamentos também afligem estes grupos, que prometem união durante os dias de audiência pública, na expectativa de fazer diferente, no Ceará, do que foi na Bahia.

Outro temor que se espalha é a incidência de câncer devido à exploração. Em Caetité, a alta de casos foi apontada pelo governo baiano, que chegou a assinar um acordo com a Prefeitura da cidade para a construção de um hospital especializado em oncologia no município, mas só em 2019, após quase duas décadas de exploração.

Já Santa Quitéria não conta com hospitais de alta complexidade e não tem a previsão de um na lista de benefícios trazidos pelo projeto.

A preocupação de Rejane Mateus com o que pode acontecer com a população após a mineração de material radioativo(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves A preocupação de Rejane Mateus com o que pode acontecer com a população após a mineração de material radioativo

Rejane Mateus, filha de Evaristo e agente de saúde em Queimadas, conta que as pessoas das comunidades comentam que naturalmente os casos de câncer na região são altos e associam ao urânio, mas ainda não foi feito nenhum estudo.

Um deles está na família de Eraldo. O vigilante da escola perdeu o pai para um câncer de intestino e tem a mãe em tratamento de um câncer de estômago. A irmã dele, Patrícia, 30 anos, relaciona a doença ao tempo que o pai dela trabalhou na escavação das galerias da jazida e tinha as roupas lavadas pela mãe, Maria do Socorro, que já dera entrevista em reportagem do O POVO uma vez.

Deslize para o lado para ver Maria do Socorro imitando mesma pose que já fizera uma vez para O POVO

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Conhecimento para decisão, mas baixa capacitação específica

 

Fora dos boatos, os acontecimentos comprovados de falhas no município baiano ajudaram os cearenses na formação de opinião e tomada de decisão sobre o Projeto Santa Quitéria. O acesso maior a informações é apontado pelo professor Luís Paulo como principal motivo e, segundo acredita, isso deve aumentar.

Distantes dos centros urbanos por estradas carroçáveis de trânsito difícil, que levam um trajeto de 62 km levar mais de 3 horas, todos estão conectados à internet. O POVO esteve nas comunidades entre 9 e 12 de maio de 2022 e observou que todas as casas têm internet fibra ótica. Na escola, por exemplo, o interesse despertado sobre o assunto da jazida já é alvo de pesquisa.

“Eu acredito que meu papel de educador não é colocar na cabeça dos alunos, mas instigar eles a pensarem, pesquisarem e conhecerem a realidade. Como eu busquei. Estudei os dois lados e vi que realmente os impactos socioambientais são muito negativos para a gente. Falo não só das comunidades vizinhas, mas também para o município. E até mesmo para o Estado, porque esse material radioativo vai ter um percurso e corremos risco de acidentes”, afirma.

Estrada carroçável até a mina de Itataia(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Estrada carroçável até a mina de Itataia

No entanto, apesar do fácil acesso à informação, ele acredita que os moradores das comunidades não têm o perfil dos profissionais que devem trabalhar na exploração dos minérios em Itataia. Ele aponta o tempo até a operação – dois anos se todas as aprovações ambientais forem dadas sem atraso – como principal razão da opinião, pois neste período é impossível formar mão de obra especializada na região.

“As oportunidades oferecidas, hoje, amanhã, vão vir e aproveitar as pessoas daqui para o pesado. Quando for para valer mesmo, lá dentro, vão ser descartados. E mais, como vão aproveitar uma pessoa nua e crua, que não tem experiência e a capacitação?”, complementa Rejane.

 

 

Infraestrutura para usina é demanda antiga da população

 

A facilidade em adquirir conhecimento, no entanto, é inversamente proporcional ao acesso físico às comunidades. Distantes 62 quilômetros do centro de Santa Quitéria e 16 quilômetros de Lago do Mato (distrito urbano mais próximo e pertencente à Itatira), as comunidades de Morrinhos e Queimadas ficam a cerca de 5 quilômetros da jazida de Santa Quitéria.

Estas distâncias, porém, são percorridas em estradas carroçáveis quase intransitáveis em tempo de chuva e que, sem precipitações, levam de 3h a 1h30min do maior ao menor trajeto.

 Galeria que usaram para fazer as pesquisas dos minérios(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Galeria que usaram para fazer as pesquisas dos minérios

Mais do que a necessidade de estradas para o trânsito dos moradores, dos alunos e da produção de quase duas toneladas por família anualmente, um plano de fornecimento de água nunca foi projetado para os assentamentos.

A promessa pelo governo estadual de uma adutora com capacidade de 1.036 m³/h para atender a mina e também as comunidades trouxe mais revolta aos moradores, que já reclamavam por isso há mais tempo. Inclusive, na ida do O POVO aos assentamentos, em 9 de maio de 2022, chegou a faltar água.

"Eu fico até encabulado, porque o projeto diz que vai consumir não sei quantos carros-pipa aqui e, para nós, eram três carros-pipa durante um mês para nossa região todinha. Quer dizer que a nossa vida não vale nada? O que vale são as grandes empresas que vêm lá de fora sugar as riquezas e depois deixa só os rejeitos?" Chico Frásio, agricultor

O açude no qual a adutora deve buscar a água é o Edson Queiroz, que abastece Santa Quitéria e Itatira. No entanto, relatos de moradores informam que o reservatório não foi suficiente para atender a demanda das cidades nos anos de estiagem. Atualmente, já quase no fim da quadra chuvosa no Estado, dados do Portal Hidrológico do Ceará indicam que o Edson Queiroz apresenta 48,34% da capacidade de 254 milhões de metros cúbicos.

Adutora e estradas são infraestruturas necessárias que não foram planejadas mesmo as comunidades tendo origem em assentamentos legalizados pelos governos estadual e federal.

 

 

Formação das comunidades é mais uma contradição do projeto

 

Morrinhos e Queimadas foram formadas mais de 20 anos depois da descoberta de urânio na região, no fim da década de 1990. Esta liberação, feita pelos governos federal e estadual, é outra inquietação dos moradores, segundo aponta Rejane Mateus.

A agente de saúde diz não compreender o porquê de os dois assentamentos terem sido oficializados pelos poderes públicos se a exploração de um minério, cujos efeitos podem ser tão agressivos ao ser humano e ao meio ambiente, sempre foi cogitada para aquela área.

Rejane Mateus é técnica de Enfermagem e Agente de Saúde(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Rejane Mateus é técnica de Enfermagem e Agente de Saúde

“Hoje, essa terra é nossa. Foi uma conquista dos nossos pais. Você imagina 20 anos de luta dentro da própria terra para pagar as parcelas e hoje a gente viver na incerteza de saber se vai continuar morando aqui?”, inquieta-se com o que diz ser mais uma contradição do projeto de exploração.

Queimadas e Morrinhos são comunidades originadas de assentamentos reconhecidos e formalizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão federal, e pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), órgão estadual.

Cada agricultor que habitava a região no fim da década de 1990 recebeu um lote ou parcela de terra, como classifica a Lei, quando comprovada a impossibilidade da compra da terra a preço de mercado. Mas todos recebem crédito e quitam o valor da área com subsídio dos governos, que ainda são responsáveis por abrir estradas, construir casas e levar energia aos locais.

Para isso, os assentados se comprometem a explorar a área para sustento próprio usando mão de obra familiar. Quitada a dívida, a emissão do título de domínio é feita e o lote passa definitivamente aos assentados.

Vista aérea do assentamento de Morrinhos de Santa Quitéria(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Vista aérea do assentamento de Morrinhos de Santa Quitéria

Nas comunidades de Santa Quitéria, a terceira geração já assume o protagonismo da lida no campo. Pais e avós conquistaram o título das terras e filhos e netos, hoje, formam a maioria dos que lidam com bois, cabras, ovelhas e plantações de milho, feijão, jerimum e hortaliças, dentre outros.

Chico Frásio e Luís Paulo lembram que, até o início da pandemia de Covid-19, os moradores se reuniam na rua principal que corta a comunidade todo mês de junho para a festa da colheita.

População compra no Mercado de Santa Quitéria(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves População compra no Mercado de Santa Quitéria

A comemoração é contada por eles como o maior exemplo da qualidade de vida no local, quando cada morador doa parte da plantação ou animais para o festejo. Nesta época, filhos e netos que vivem em outros municípios ou estados retornam e comungam com pais e avós.

 

 

Impedimento do Projeto representa manutenção da qualidade de vida

A esperança de que festejos como este, ancorados na tradição familiar de produtores rurais, continuem nas próximas gerações é diretamente relacionada pelos moradores das comunidades ao impedimento do Projeto Santa Quitéria. Os riscos de contaminação, o crescimento desordenado e um projeto de desenvolvimento sem identidade com o local são apontados por eles como o fim do modo de vida.

O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) é o alvo das esperanças de manutenção deste estilo de vida. O órgão já deu o aceite ao Estudo de Impacto Ambiental e promove nesta semana as audiências públicas que vão definir os próximos passos do Projeto Santa Quitéria.

Variedade de frutas e legumes no Mercado de Santa Quitéria(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Variedade de frutas e legumes no Mercado de Santa Quitéria

Ainda na semana passada, a Comissão Nacional de Direitos Humanos recomendou ao Ibama a suspensão das audiências públicas. Mas não foi aceita.

Mesmo assim, Evaristo Mateus diz ver apenas uma possibilidade: “Eu acredito que Deus seja por nós. Primeiro, Deus e, segundo, o Ibama, que faz de um modo para não nos matar. O Ibama vem protegendo a vida de todo bichim. Se tem uma onça devorando o nosso rebanho, nós não pode matar. Se matar é criminoso. Se vem um monte de avoante não pode matar, que também é proibido. E nós? Não vale mais do que uma avoante dessa também, não? Assim como protege os bichos, tem que arrumar uma proteção para nós. A vida mais necessária que tem que proteger é a nossa, né? Agora, chegou o tempo deles e eu acredito mesmo que eles não vão abrir a mão fácil, não.”

  • Edição OP+ Beatriz Cavalcante, Fátima Sudário e Regina Ribeiro
  • Edição de Design Cristiane Frota
  • Texto Armando de Oliveira Lima
  • Identidade Visual Isac Bernardo
  • Recursos Digitais Beatriz Cavalcante, Luciana Pimenta e Carlus Campos
  • Fotografias Aurélio Alves e Miguel Araújo do Datadoc do O POVO
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