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Setor produtivo e municípios buscam infraestruturas básicas para o Projeto, mas temem acidentes devido à radiação
Reportagem Seriada

Setor produtivo e municípios buscam infraestruturas básicas para o Projeto, mas temem acidentes devido à radiação

Preocupados com crescimento desordenado e falta de infraestrutura hídrica, de estradas, de saúde e de segurança para atender o complexo de mineração de urânio e fosfato, empresários e políticos enumeram demandas ao Governo do Estado neste terceiro episódio do especial Projeto Santa Quitéria. Assista ao documentário desta reportagem com viagem do O POVO ao local da mineração
Episódio 3

Setor produtivo e municípios buscam infraestruturas básicas para o Projeto, mas temem acidentes devido à radiação

Preocupados com crescimento desordenado e falta de infraestrutura hídrica, de estradas, de saúde e de segurança para atender o complexo de mineração de urânio e fosfato, empresários e políticos enumeram demandas ao Governo do Estado neste terceiro episódio do especial Projeto Santa Quitéria. Assista ao documentário desta reportagem com viagem do O POVO ao local da mineração
Episódio 3
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A chegada de milhares de trabalhadores para a construção e a operação do complexo de mineração de Itataia também tem assustado as gestões municipais e as lideranças empresariais locais. O temor de um crescimento desordenado que gere favelas e traga mais trabalho informal às cidades da região foi mencionado como a principal preocupação relativa à exploração de urânio e fosfato no Ceará.

Ao mesmo tempo, a maioria tem receio de acidentes envolvendo elementos radioativos no Projeto Santa Quitéria. Para evitar isso, todos apontam a necessidade de melhores infraestruturas básicas de logística, segurança e saúde, e cobram o Consórcio que irá realizar a exploração e Governo do Estado.

Fórum Regional da Indústria realizado pelo Observatório da Indústria em Santa Quitéria no dia 9 de maio de 2022(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Fórum Regional da Indústria realizado pelo Observatório da Indústria em Santa Quitéria no dia 9 de maio de 2022

Reunidos, representantes de Canindé, Itatira, Madalena e Santa Quitéria afirmaram que a estrutura do Sistema Único de Saúde existente na região não é capaz de atender a quantidade de pessoas prevista, uma vez que são estimados 5,6 mil empregos na construção e 2,3 mil na operação da mina.

O POVO acompanhou parte do Fórum Regional da Indústria realizado pelo Observatório da Indústria em Santa Quitéria no dia 9 de maio de 2022, no qual estiveram líderes empresariais e gestores municipais dos quatro municípios a convite do Consórcio Santa Quitéria.

Lino Paiva, secretário de Relações Institucionais e Desenvolvimento Econômico de Santa Quitéria(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Lino Paiva, secretário de Relações Institucionais e Desenvolvimento Econômico de Santa Quitéria

Como missão própria, as prefeituras contam de reformulações na estrutura administrativa, como fez Santa Quitéria. Lino Paiva, secretário de Relações Institucionais e Desenvolvimento Econômico, conta que um instituto de meio ambiente foi criado justamente pensando no Projeto.

Já em Canindé, Socorro Bastos, secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo, ressalta a nomeação de um secretário “formado na área.” A maioria se mostra interessada em saber mais do projeto ao mesmo tempo que admitem desconfiança em relação a alguns pontos.

Socorro Bastos, secretária do Desenvolvimento Econômico e Turismo de Canindé(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Socorro Bastos, secretária do Desenvolvimento Econômico e Turismo de Canindé

“É uma coisa que preocupa a gente? Preocupa. Sou empresário, sou comerciante, quero meu município crescendo, desenvolvendo, quero geração de emprego e renda de forma ordenada, porque quando o crescimento vem de uma vez estoura a cidade”, ressalta Marcelo Magalhães, diretor financeiro da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Santa Quitéria.

Hospital com melhor estrutura, videomonitoramento do Raio, saneamento básico, melhor atendimento hídrico e, especialmente, melhores estradas são as demandas apontadas por secretários, vereadores, presidentes de CDLs e demais empresários na conversa.

 

 

Uma estrada protagonista

 

A rodovia CE-366, inclusive, é mencionada com ênfase pelos moradores das comunidades próximas à jazida e pelos gestores e comerciantes de Santa Quitéria. Responsável por ligar a sede do município à Fazenda Itataia, a estrada possui 62 quilômetros carroçáveis que são percorridos em mais de 3 horas de viagem.

Sem sequer piçarra ou calçamento, as únicas construções feitas no percurso são três pontes molhadas "Estrutura de baixa altura que, com a cheia dos rios, tem as águas passando sobre o pavimento." . A pavimentação desse trecho, facilitando o acesso da sede de Santa Quitéria à jazida é a principal demanda do setor produtivo do município.

“Nós estamos conversando com o pessoal do Consórcio. Essa é uma demanda principal. Se não existe a estrada, não existe o acesso ao município. E o município terá outros prejuízos econômicos”, diz Lino Paiva, acrescentando que “este é um dos questionamentos que o prefeito José Braga está apresentando ao Governo do Estado.”

Estrada carroçável que leva até a jazida de urânio(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Estrada carroçável que leva até a jazida de urânio

A má condição da rodovia, de acordo com o diretor da CDL de Santa Quitéria, impede um acesso mais rápido entre a Serra da Ibiapaba e o Sertão Central: “com produção de hortifruti que não temos negócio de jeito nenhum”. “Já liguei para deputado, senador e tudo para que essa estrada fosse feita, reconhecendo a questão política. Claro que a INB e a Galvani são envolvidas. Acontecendo uma situação como essa, isso tem que ser para agora”, diz.

 

 

Competição em paralelo: Santa Quitéria x Itatira

 

Mesmo apontando problemas semelhantes, as lideranças sinalizam que, caso seja aprovada a extração de minério na região, a competitividade entre as cidades vai existir.

A disputa mais acirrada promete ser entre Santa Quitéria, onde Itataia está localizada, e Itatira, cujo distrito de Lagoa do Mato é a área urbana mais próxima da jazida. São 62 quilômetros da sede da primeira cidade ao ponto de exploração e 16 quilômetros até o distrito da segunda.

Placa da INB na estrada carroçável que leva até a jazida(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Placa da INB na estrada carroçável que leva até a jazida

Santa Quitéria reclama melhor acesso ao complexo de mineração para servir a indústria com empresas sediadas no município e acumular os impostos da operação e de serviços, como lamenta Lino Paiva. Já Itatira se coloca como a de melhor potencial para construir a cadeia produtiva, inclusive no que diz respeito ao setor hoteleiro, pela proximidade.

“A ideia é que essas empresas que vão ficar rodeando a sede da mina fiquem no território de Itatira. Assim, a gente pode atraí-las, tanto gerar empregos diretos e indiretos quanto recursos de impostos”, admite o presidente da CDL da cidade, Danilo Martins.

Vereador Leo Miguel (PP)(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Vereador Leo Miguel (PP)

O apoio político para alcançar esse objetivo já possui. O vereador de Itatira, Leo Miguel (PP), confirma o interesse e diz que seria o equilíbrio para a região, uma vez que Santa Quitéria vai ficar com os impostos de instalação, operação e os royalties da mineração.

A capacitação de jovens em possíveis postos de trabalho demandados pela mineração já é planejada entre o setor produtivo e o município, segundo ele e o presidente da CDL.

Já Canindé observa de longe e se coloca como de melhor estrutura para ofertar serviços de maior complexidade, segundo argumenta a secretária Socorro Bastos. A prefeita de Madalena, Sônia Costa, também esteve no evento, mas preferiu não opinar sobre os assuntos que envolvem a exploração de urânio e fosfato na região por ainda estar "estudando o Projeto Santa Quitéria."

 

 

Com gravador desligado, o urânio assusta

 

Sob a condição de anonimato e sem a conversa gravada, gestores municipais e empresários demonstraram preocupação com o Projeto Santa Quitéria e citaram o histórico de dois cancelamentos, pela Justiça e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), como principal motivo de desconfiança.

Marcelo Magalhães, da CDL de Santa Quitéria(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Marcelo Magalhães, da CDL de Santa Quitéria

O urânio é o minério mais temido. Todos citam notícias que viram na internet e relatam receio de acidentes que possam prejudicar os municípios de forma definitiva, seja por realmente causarem danos ao meio ambiente e impedirem o crescimento dos negócios, seja por trazer a alcunha de local contaminado e resultar nos mesmos prejuízos.

Mas este entendimento não é tido por todos. De consenso mesmo só as demandas por melhorias, como conta Marcelo Magalhães: “Existe, hoje, uma equipe totalmente contra o Projeto Santa Quitéria independente do que vá trazer de bom. Esses são muitos. Tem ainda a turma que quer mesmo. Mas são poucos. E existe um meio termo. Nós temos um pé atrás e entendemos que isso vai acontecer quer queira quer não e, mesmo se a gente ficar nessa insistência de que é ruim, vai matar todo mundo, todo mundo vai pegar câncer… Acaba vindo e a gente vai ficar sem nenhum tipo de melhorias.”

 

 

>> Ponto de vista

Potenciais e desafios da região

(*) Por Guilherme Muchale

Guilherme Muchale, economista(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Guilherme Muchale, economista

O principal objetivo é fazer uma construção coletiva com os atores desses quatro municípios da região, ou seja, discutir o futuro até 2030. Qual visão esperada por Canindé, Itatira, Madalena e Santa Quitéria? E, assim, construir com eles os caminhos para aproveitar os diferenciais competitivos que já existem na região.

São diferenciais a própria biodiversidade no semiárido; questões culturais, como o próprio turismo religioso, que é muito forte; a característica do trabalho local, que ajuda, por exemplo, a ter um dos principais polos calçadistas do Estado; e, óbvio, os ativos relacionados à riqueza mineral.

Tem as pedras superexóticas, como o mármore e o granito cearense - ativos extremamente valorizados a nível internacional -, como também o projeto minério-industrial (de Itataia), que traz esse diferencial tanto para o fortalecimento do setor mineral quanto para a agropecuária.

"A gente observa questões relacionadas a indicadores da região, especialmente sociais, que são gargalos. São déficits históricos, problemas que não são corrigidos em uma gestão municipal. Esses municípios avançaram muito na redução da mortalidade infantil, mas, ainda assim, há um espaço muito grande para melhorar esse indicador." Guilherme Muchale, gerente do Observatório da Indústria da Fiec

A educação ainda não está em uma situação igualitária entre os quatro municípios, alguns deles já permearam entre os dez municípios do Brasil com a melhor nota do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Para que os quatro estejam acima na nota do IDEB, uma troca de experiências poderia otimizar.

Além disso, é preciso observar a infraestrutura. Há alguns pontos de acesso, por exemplo, aos portos, que podem até ser facilitados a partir de uma atuação conjunta para buscar esses recursos de origem federal, principalmente.

Igreja Matriz de Santa Quitéria(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Igreja Matriz de Santa Quitéria

E é preciso olhar para o fortalecimento do ambiente de inovação. A região ainda carece de uma oferta robusta de graduação e, quem sabe, até de pós-graduação nos quatro municípios. O ensino técnico também pode ser mais fortalecido nesse atendimento laboratorial.

Daí o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) pode auxiliar nesse processo, ou o IFCE (Instituto Federal de Educação do Ceará) e a Uece (Universidade Estadual do Ceará), além das escolas técnicas municipais e estaduais.

Essas instituições podem atuar nessa formação do capital humano necessário, mas também atuar como um ativo de pesquisa, desenvolvimento e inovação para que uma melhoria em um calçado feito na região, ou mesmo no Projeto de Itataia, possa ser feito através de um conhecimento local, capital humano altamente qualificado local.

(*) Gerente do Observatório da Indústria/Fiec

 

 

Governo assegura compromissos para o empreendimento e classifica novas demandas como ‘rotina’

Outra parte da galeria onde pesquisas sobre os minérios foram realizadas(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Outra parte da galeria onde pesquisas sobre os minérios foram realizadas

Integrante do grupo do Estado presente à assinatura do memorando de entendimento entre o Governo do Ceará e o Consórcio Santa Quitéria e gestor da área de atração de investimentos do governo cearense, Maia Júnior, secretário do Desenvolvimento Econômico e Trabalho, afirma que os compromissos assumidos no documento serão cumpridos e atendem demandas logísticas da região. Pedidos ao governo estadual são classificados como “rotina” por ele.

“Nós vamos fazer o acesso entre a mina e a BR-020. Através do acesso à BR-020 se integram a toda a logística de estradas estaduais e federais. Até porque a BR-020 é uma estrada federal que tem conexão com a rodovia Anel Viário e daí pode seguir viagem não só para o Norte, através da BR-222, como também para o Sul através da BR-116”, ressalta, referindo-se à pavimentação de 16 quilômetros da rodovia CE-366.

Da mesma forma, Maia afirma que a adutora será feita, destacando a remodelação do projeto, que diminuiu a necessidade de água para a mineração se comparado à demanda de dez ou 20 anos atrás.

Arco-íris próximo à jazida de urânio(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Arco-íris próximo à jazida de urânio

A expectativa, segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pelo Consórcio Santa Quitéria, é de 12 meses para conclusão da adutora. O equipamento terá 64 quilômetros de extensão entre a jazida e o açude Edson Queiroz e uma capacidade de 1.036 metros cúbicos por hora.

Como a necessidade de água declarada do Projeto é de 855 metros cúbicos por hora, o excedente será destinado, segundo o EIA, ao distrito Riacho das Pedras e os assentamentos de Morrinhos e Queimadas.

“Esta região é uma das regiões que não têm problemas de atendimento hídrico. Mesmo com períodos tão longos de estiagem, como tivemos recentemente, essa não foi uma das regiões de maiores preocupações. E pelo que eu estou sabendo, diante do inverno desse ano, apenas duas regiões despertam preocupações no Estado. Exatamente, Quixeramobim e Quixadá”, afirma. 

E, apesar dos comprometimentos, os valores dos dois compromissos pelo Governo do Ceará ainda não foram revelados.

Área da jazida de urânio e fosfato em Santa Quitéria(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Área da jazida de urânio e fosfato em Santa Quitéria

 

 

Demandas de necessidade básica

O secretário de Desenvolvimento Econômico e Trabalho afirmou ainda que considera naturais os pedidos de maior estrutura para segurança e saúde e apontou a existência de “uma rede de atendimento de hospitais regionais” aptas a atender as demandas dos municípios. “Inclusive, Santa Quitéria se beneficia de um hospital regional que fica em Sobral (cidades 75.47 km distantes entre si). Além das redes locais”, observou.

Maia Júnior, secretário do Desenvolvimento e Trabalho do Ceará(Foto: MAURI MELO/O POVO)
Foto: MAURI MELO/O POVO Maia Júnior, secretário do Desenvolvimento e Trabalho do Ceará

“No mais, esses questionamentos são rotinas em momentos como esse. É importante as pessoas terem consciência do quão importante para o desenvolvimento econômico do Estado é um projeto de investimento dessa natureza. Até porque esse projeto é um projeto que se luta no Ceará desde a época do então governador Virgílio Távora”, arremata o secretário.

 

  • Edição OP+ Beatriz Cavalcante, Fátima Sudário e Regina Ribeiro
  • Edição de Design Cristiane Frota
  • Texto Armando de Oliveira Lima
  • Identidade Visual Isac Bernardo
  • Recursos Digitais Beatriz Cavalcante, Luciana Pimenta e Carlus Campos
  • Fotografias Aurélio Alves, Mauri Melo e Miguel Araújo do Datadoc do O POVO
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