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Como a reforma tributária vai influenciar no dia a dia dos brasileiros
Reportagem Seriada

Como a reforma tributária vai influenciar no dia a dia dos brasileiros

Como será o amanhã? Da cesta básica e remédios ao "imposto do pecado", como as discussões em Brasília prometem detalhar a partir deste mês como ficarão os impostos sobre consumo no Brasil
Episódio 4

Como a reforma tributária vai influenciar no dia a dia dos brasileiros

Como será o amanhã? Da cesta básica e remédios ao "imposto do pecado", como as discussões em Brasília prometem detalhar a partir deste mês como ficarão os impostos sobre consumo no Brasil
Episódio 4
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"Essa série de reportagens venceu o 1º lugar no 2º Prêmio Sintaf de Jornalismo (Sintafjor), em 2024, na categoria 'Jornalismo Impresso'"

 

Como a reforma tributária vai influenciar o dia a dia dos brasileiros é uma das principais questões tributárias que ficaram pendentes para 2024. A avaliação é de diferentes especialistas em tributação e contas públicas consultados pelo O POVO. A resposta para essa questão parece próxima. Ao todo, 73 dispositivos previstos no texto da reforma tributária, aprovada no fim de 2023, devem ser regulamentados.

A equipe técnica do Ministério da Fazenda junto de alguns dos principais especialistas em tributação do País estão a poucos dias de apresentar os detalhes do que será o novo esquema de impostos sobre o consumo.

Em relação a prazos, o mês de abril deve ser fundamental. Segundo o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, a perspectiva é entregar o texto da regulamentação ao Congresso até 15 de abril.

Em participação no painel "A regulamentação da Reforma Tributária", promovido pelos jornais O Globo e Valor Econômico e a rádio CBN, no último dia 26 de março, Appy destacou que há um trabalho em andamento com estados e municípios que ainda passará por revisões e análises jurídicas.

O que paira de dúvidas dentro desse contexto de regulamentação é a forma como as questões serão feitas. A área técnica queria apresentar quatro projetos separados ao Congresso, já o núcleo político prefere tudo num grande projeto só.

A ideia inicial era dividir os projetos da seguinte forma: um regulamentaria o IBS e CBS; outro trataria do imposto seletivo; outro do comitê gestor; e ainda teria mais um para tratar do contencioso administrativo.

Appy, porém, afirmou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acha melhor ter menos projetos e unificar a alíquota do IBS e CBS com o imposto seletivo e a questão administrativa em um outro projeto. "Mas a decisão final é política e é algo que vai ser resolvido posteriormente."

Estimativas do percentual de retração da carga tributária setorial do IBS/CBS repassada aos preços

 

Desde janeiro, 19 grupos técnicos (GTs) atuam em eixos temáticos para formular a minuta do que será apresentado para posteriormente ser regulamentado pelos congressistas. O POVO apurou que esses GTs tem o dia 6 de abril como prazo final para conclusão dos trabalhos para que seja formada uma minuta com as propostas.

A expectativa é que essas leis sejam aprovadas até o fim de 2024 para que possam entrar em vigor em 2025.

A discussão deve ser extensa. Dentre os pontos sensíveis estão a criação do Imposto Seletivo (IS) - muito reverberado na sociedade como "imposto do pecado" por incidir sobre o consumo de produtos que prejudiquem a saúde e o meio ambiente como cigarros - e a definição da alíquota modal para o novo imposto dual que visa simplificar a tributação geral da União, estados e municípios.

Membro de um dos GTs, o economista especialista em Finanças Públicas Avançadas e atual secretário de Finanças de Caucaia, além de colunista do O POVO, Alexandre Cialdini, detalha em estudo que oito itens podem ser considerados essenciais para o funcionamento do novo sistema e devem ser priorizados.

Um deles diz respeito às definições de como funcionarão os recém-criados Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substitui um conjunto de impostos federais sobre consumo, e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que agora será o tributo local, substituindo os impostos estaduais e municipais sobre consumo. Esses dois impostos vão formar o IVA, que incidirá sobre o produto no destino final.

Outro ponto é a forma que serão tratados os regimes diferenciados e alíquotas reduzidas. Cialdini destaca ainda a importância da definição de como será o Comitê Gestor que administrará a arrecadação que será transferida a estados e municípios, além da implementação dos fundos de compensação de benefícios fiscais e de Sustentabilidade e Diversificação do Estado do Amazonas (neste último também inclusas as Zonas de Processamento de Exportações - ZPEs).

 Alexandri Cialdini, ex-secretário da Fazenda de Fortaleza e especialista em tributos(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Alexandri Cialdini, ex-secretário da Fazenda de Fortaleza e especialista em tributos

Sob compromisso de confidencialidade imposto pelo Governo, Cialdini não entra em todos os detalhes de como virá a proposta, mas afirma ao O POVO que está tudo muito bem estruturado e sistematizado.

"Está havendo um trabalho bem consistente. Acho que a sociedade brasileira tem a possibilidade de ter pela primeira vez uma reforma com participação dos três entes federados de forma sistêmica".

Ele destaca que existem pontos sensíveis na proposta, mas que os GTs trabalham para apresentá-los da forma "menos polêmica possível", dando um bom amparo técnico baseado em experiências internacionais.

O foco principal, destaca Cialdini, é na direção da mitigação de desigualdades econômicas do Brasil. Ele ressalta ainda que espera que os parlamentares não descaracterizem a reforma.

"É muito importante que o eixo da reforma permaneça, que siga a premissa para dar solidez nas leis complementares. Os 5.570 municípios, 27 unidades da federal e a União foram representados. Então uma mudança substancial significaria contrapor a isso", pontua.

As discussões necessárias para garantir a reforma


 

Nova Cesta Básica, cashback, remédios: veja o que muda

 

Governo atualizou os itens da cesta básica que terão direito a isenção de tributos(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil Governo atualizou os itens da cesta básica que terão direito a isenção de tributos

O que também faz parte do processo de regulamentação da reforma tributária é a implementação da nova cesta básica. O Governo Federal publicou um decreto no último dia 6 de março que estabelece a composição. Veja aqui a lista completa

Alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários, como feijões, frutas, raízes, cereais, castanhas, óleos, carnes e ovos, fazem parte da composição. Os ultraprocessados ficaram de fora. E itens regionais, como a castanha-de-caju e açaí, foram garantidos.

Conforme o texto final da reforma tributária, está prevista isenção de tributos sobre os itens da cesta básica. Inicialmente, havia a ideia de implementação de um cashback no consumo de alimentos básicos para os consumidores de baixa renda, mas foi entendido que a isenção seria um modelo praticável.

Tira-dúvidas: As mudanças que a reforma tributária vai gerar ao consumidor

A ideia do cashback foi então reformulada. Em fevereiro, Bernard Appy visitou a Fundação Getulio Vargas (FGV) São Paulo e explicou como funcionaria a proposta. Segundo ele, a reforma prevê a possibilidade de devolução de imposto para famílias com finalidade social.

Foram estabelecidos três serviços com cashback: energia elétrica, gás de cozinha, além do saneamento básico, que foi um dos setores retirados da condição de tratamento especial, com alíquota diferenciada, na votação final da reforma no ano passado.

“Se a eletricidade, tal como o saneamento, está no regime geral e vai ter cashback, não faz sentido que saneamento não tenha”, afirmou. “O ideal, nesse caso, é que seja com desconto do valor diretamente na conta. É perfeitamente possível ser feito.”

Na reforma, existem quatro categorias de cobrança da alíquota a depender dos produtos e serviços consumidos. Primeiro, os itens isentos; há ainda aqueles com tributação reduzida, em que haverá cobrança de 2/5 da alíquota cheia.

Quais os produtos e serviços com tributação reduzida?

A maioria dos itens contará com a tributação padrão, do tipo cheia, que ainda deve ser definida. E existem ainda aqueles itens com tributação padrão e ainda serão taxados com o Imposto Seletivo (IS), o "imposto do pecado".

Bernard Appy apresentou proposta da Reforma Tributária para industriais cearenses em meados de 2023(Foto: José Sobrinho/ Fiec)
Foto: José Sobrinho/ Fiec Bernard Appy apresentou proposta da Reforma Tributária para industriais cearenses em meados de 2023

No texto final da reforma, outras previsões, como itens que devem receber um "desconto" na tributação, como os produtos de higiene e limpeza e aqueles voltados à saúde menstrual, o que significa que o consumo desses produtos incide no pagamento do equivalente a 40% da alíquota modal, e isenção de uma cesta de produtos essenciais para a saúde da população.

Quais os produtos e serviços que serão isentos?

Referente à lista de produtos de saúde essenciais, a definição viria a partir de lei ordinária a ser discutida no Congresso neste ano. Dentre os medicamentos que terão alíquota zerada estão os usados para o tratamento de doenças graves, como câncer.

Apesar da reforma, outras legislações oferecem garantias em relação ao preço dos medicamentos, o que não deve impactar de forma grande nos preços. Exemplos são as legislações dos medicamentos genéricos e a Lei 10.047/2000, que estabelece um regime tributário especial a medicamentos listados pelo Ministério da Saúde.

Estimativas do percentual de aumento da carga tributária setorial do IBS/CBS repassada aos preços

 
 

Ainda indefinida, qual será a alíquota modal do novo imposto único? Estimativas variam entre 25% e 35%

 

Em meio às discussões de uma reforma tão abrangente e impactante como a dos tributos sobre o consumo, que também prevê se estender sobre a renda e patrimônio, o principal questionamento do consumidor gira em torno do principal: vai ficar mais barato viver no Brasil?

Um item promete responder a boa parte desse questionamento ao definir a alíquota modal do novo imposto único, o que deve indicar o peso da carga tributária pós-reforma.

Conforme estimativas presentes em estudos, como da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, com base no texto final da reforma tributária aprovada no fim de 2023, há possibilidade de alíquota modal ficar no intervalo entre 25% e 35%.

Regulamentação de pontos importantes da reforma tributária devem tramitar no Congresso(Foto: Edilson Rodrigues)
Foto: Edilson Rodrigues Regulamentação de pontos importantes da reforma tributária devem tramitar no Congresso

Estudos anteriores reverberados pelo próprio governo apontavam que a alíquota atingindo o patamar de 27% manteria inalterada a carga tributária.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Brasil, avalia que é necessário esperar a regulamentação para efetivamente saber em que medida a reforma impactará na economia.

Mas, segundo cálculos próprios, estima que a alíquota chegue a 33% ou mais.

Salto critica que a reforma deixou em aberto muitas questões, principalmente sobre o funcionamento do Comitê Gestor do IBS e a forma como se dará a partilha, assim como a fiscalização e a dissolução de conflitos.

"Também falta regulamentar as regras para a transição federativa e a própria definição das alíquotas. Está tudo em aberto e isso é extremamente preocupante. O rei está nu", elenca.

Dito isso, ele teme que esse processo possa levar à percepção, ainda que tardia, de que a reforma foi um erro, mesmo após tanta discussão e muita confusão.

Ele aponta ainda que o setor de serviços pode ser amplamente afetado com sobrecustos. "Não tem condições de se imaginar um sistema complexo, pior que o atual, que acaba com a federação, e ainda com alíquotas gigantescas e custos enormes em termos de fundos regionais e de compensação, dar certo".

Felipe Salto(Foto: Fernando Nectoux/Divulgação)
Foto: Fernando Nectoux/Divulgação Felipe Salto

O POVO já mostrou no terceiro episódio do especial sobre reforma tributária e desigualdades que a fatia da tributação sobre consumo atualmente corresponde a 43% da arrecadação nacional.

Comparada a outros países, a parcela do Brasil é representativa. Naquelas nações que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, o peso da tributação do consumo é de 33%.

Em nações desenvolvidas como Estados Unidos e Canadá, a média dessa fatia no total da arrecadação pública é de 17,5% e 23,5%, respectivamente.

Veja os casos de regimes específicos a serem definidos pelo Congresso

Levando em consideração esse aspecto, Alexandre Cialdini ressalta que há a perspectiva de que a diferença entre Brasil e a média da OCDE possa diminuir com a reforma implementada.

"A perspectiva é realmente diminuir essa diferença, talvez chegar muito próximo", afirma.

Lula destaca “fotografia histórica” da reforma tributária(Foto: Lula Marques/Agência Brasil)
Foto: Lula Marques/Agência Brasil Lula destaca “fotografia histórica” da reforma tributária

 

 

Municípios devem planejar tributação local para participarem melhor dos repasses; consultoria do Sintaf ajuda

 

Além da forma como os consumidores devem ser impactados com a reforma sobre os tributos no consumo, outro ponto relevante é como os municípios podem lidar com tamanha mudança.

Atualmente a demanda da maioria dos municípios cearenses por recursos provenientes do Estado e da União é grande.

Conforme levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a reforma tributária beneficiará ao menos 82% dos municípios brasileiros e 60% dos estados.

No Ceará, o Ipea aponta que 174 dos 184 municípios passem a arrecadar mais e saldo positivo para o Estado de R$ 3,3 bilhões na arrecadação.

Wildys de Oliveira, diretor para Assuntos Econômico-Tributários do Sindicato dos Fazendários do Ceará (Sintaf-CE), destaca que esse cenário leva em consideração a atual dinâmica dos municípios, em que grande parte não faz arrecadação própria de impostos.

Todos os municípios podem montar estrutura para arrecadação de tributos sobre o consumo, bens e patrimônio, como é o caso do ISS, IPTU e ITBI.

O Sintaf estima que aproximadamente 95% dos municípios não exercem e simplesmente não possuem arrecadação própria, dependendo dos repasses. Alguns, mais atentos, até lançam projetos que estimulam motoristas a transferir suas placas de veículos automotores para seus domicílios para ampliar os repasses estaduais pelo IPVA (50% do que é arrecadado pelo Estado é do município de origem do veículo).

"Os municípios não têm exercido sua capacidade tributária, eles ficam na inação", afirma.

A reversão dessa inação, no entanto, pode significar o aumento da arrecadação e o incremento das políticas públicas para os municípios.

O programa "Qualificação da gestão fiscal dos municípios cearenses", da Fundação Sintaf, dá consultoria a gestões municipais buscando reverter o quadro. Fazendários fornecem consultoria para que os municípios adotem o Código Tributário local.

A primeira experiência foi feita entre 2013 e 2014, em Cedro, depois, entre 2015 e 2016, em São Gonçalo do Amarante e Caucaia. Entre 2016 e 2017, foram atendidos oito municípios, dentre os quais Juazeiro do Norte.

Mais recentemente a cidade de Itaitinga passou por essa consultoria. E existe o interesse do Sintaf em ampliar o alcance do programa a partir da conscientização dos gestores municipais.

Caso a gestão do município deseje participar do programa, basta entrar em contato pelo email fundacao@fundacaosintaf.org.br; pelo telefone (85) 3223-6644 ou WhatsApp (85) 98121-1140.

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