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Bolsa Família: Beneficiários são "preguiçosos" que não trabalham?
Reportagem Seriada

Bolsa Família: Beneficiários são "preguiçosos" que não trabalham?

Programa foi reformulado após ser suspenso durante o Auxílio Emergencial e substituído pelo Auxílio Brasil. Novo Bolsa Família avançou múltiplas vezes mais que o salário mínimo, que valorou 35% desde 2020
Episódio 2

Bolsa Família: Beneficiários são "preguiçosos" que não trabalham?

Programa foi reformulado após ser suspenso durante o Auxílio Emergencial e substituído pelo Auxílio Brasil. Novo Bolsa Família avançou múltiplas vezes mais que o salário mínimo, que valorou 35% desde 2020
Episódio 2
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Desde o lançamento do Bolsa Família, em outubro de 2003, o valor médio pago aos beneficiários no Ceará saiu dos R$ 72 e hoje supera os R$ 685. Esse crescimento se acentuou a partir da pandemia e a implementação de uma nova versão "turbinada" do programa social.

Na comparação entre março de 2020 (último repasse do Bolsa Família antes da pandemia, implementação de Auxílio Emergencial e o período de Auxílio Brasil) com a retomada do programa sob novos moldes em março de 2023, a valorização foi de 249,38%, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS).

Em igual período, a valorização do salário mínimo foi de 35,1%, volume quase seis vezes menor do que o do benefício social do Governo Federal.

Bolsa Família valorizou mais do que o salário mínimo dos trabalhadores

 

Apesar do aumento do valor e da demanda ao maior nível da história do programa em seus diferentes moldes, é incorreto afirmar que beneficiários do Bolsa Família estão longe do mercado de trabalho.

Jacqueline Franco Cavalcante, professora do curso de Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Cientista Chefe do Trabalho (Funcap/Secretaria do Trabalho), avalia que o discurso de que os beneficiários do Bolsa Família se “acomodam” com o recebimento desse recurso e que não buscam recolocação no mercado de trabalho, é enganoso e não se sustenta perante os dados.

Pesquisa do Banco Mundial revela que beneficiários do Bolsa Família são ativos no mercado de trabalho(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Pesquisa do Banco Mundial revela que beneficiários do Bolsa Família são ativos no mercado de trabalho

"Temos os discursos políticos e até no meio científico esse questionamento, de colocar os beneficiários como pessoas que se acostumaram com essa situação e que são preguiçosos, mas contra isso há vários estudos, como do Banco Mundial", aponta.

Esse estudo mencionado pela professora foi divulgado em 2023, após a instituição acompanhar famílias que entraram no Bolsa Família em 2012 e analisar seus comportamentos até 2019.

De acordo com o relatório, os beneficiários de programas sociais no Brasil trabalham tanto quanto ou mais do que os não beneficiários.

A maioria dos adultos que recebem o Bolsa Família trabalhava no período da pesquisa, mesmo que em empregos de baixa qualidade e de baixa remuneração.

Outro dado aponta que os adultos do programa tinham maior probabilidade de estar na força de trabalho (70%) e de estar empregados (57%) do que os demais indivíduos pobres que não recebiam.

A pesquisa, no entanto, retrata a precariedade das colocações desse grupo: Do total de beneficiários na força de trabalho, 40% eram propensos a trabalharem em empregos assalariados informais ou em empregos autônomos informais (32%), recebendo um salário muito baixo ou não remunerados.

Histórico de reajustes do salário mínimo no Brasil

 

Já no caso de beneficiários do Bolsa Família que permaneciam fora da força de trabalho, destaca-se a alta presença de mulheres (80%), sendo a maior parte mães com filhos, que, conforme a pesquisa, enfrentam barreiras como "tarefas domésticas, ausência de creches, baixa oferta de ensino em tempo integral" etc.

No que se refere à baixa participação das mulheres beneficiárias do Bolsa Família no mercado de trabalho, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que esse movimento segue uma tendência "natural" no Brasil.

Lotérica em Amontada lotada em dia de pagamento do Bolsa Família. Muitas mulheres com crianças de colo aguardavam na fila(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Lotérica em Amontada lotada em dia de pagamento do Bolsa Família. Muitas mulheres com crianças de colo aguardavam na fila

Somente metade das mulheres com filhos de até seis anos consegue trabalho. Dentre as de 25 a 54 anos com crianças, 56% estavam desempregadas em 2022.

No plano geral, elas ainda se enquadram em nível de empregabilidade menor, com as mulheres negras sofrendo ainda mais, além de rendimento médio mensal menor em torno de 20%.

A professora ainda destaca que essa população sofre com vulnerabilidades após anos de acesso a uma formação continuada em diversos contextos.

"O problema não é saber se o programa está aprisionando os beneficiários ou se eles são preguiçosos. Mas a questão é saber como aumentar a absorção dessas pessoas no mercado de trabalho formal, quais medidas estão sendo feitas, se falta educação, desenvolvimento de habilidades", aponta Jacqueline.

 

 

Quem empreende e ganha com a renda gerada pelos programas sociais

O movimento que os dias de Bolsa Família causa nos municípios é grande, assim como a expectativa no comércio local pelo aumento das vendas.

São nestas duas semanas de pagamento a cada mês que os centros comerciais recebem pessoas da cidade e da zona rural para realizarem compras.

Em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e segundo município do Ceará com o maior número de beneficiários do programa, os dias de recebimento são de grande movimentação na maior agência da Caixa Econômica Federal, no Centro.

A demanda pelo atendimento presencial é grande, mesmo havendo a possibilidade de crédito via Caixa Tem. Na fila, muitas histórias... E, para os empreendedores, oportunidades de negócios.

Nicholas Denedo, 53 anos, vendedor que pagou os estudos do filho médico com as vendas na porta da agência(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Nicholas Denedo, 53 anos, vendedor que pagou os estudos do filho médico com as vendas na porta da agência

Tem quem venda "sombrinha" (ou guarda-chuva a depender da previsão do tempo). E também aluguel de cadeiras por R$ 2.

Em meio a longas horas de espera - com pessoas chegando de madrugada para conseguir atendimento -, a “iniciativa empreendedora” acumula sucesso.

Em frente à agência, na proximidade da porta de saída, vendedores ambulantes. Entre eles o nigeriano Nicholas Denedo, 53.

Vendedor de roupas adultas e infantis, garante o sustento de sua família - parte no Brasil e parte na Nigéria - das vendas.

Os produtos, com preços variando entre R$ 25 e R$ 60, são muito procurados pelos beneficiários do Bolsa Família, principalmente nos meses próximos ao Natal e também no início do ano, “para a escola das crianças”, conta.

"Quando começa a escola, vendo muito. Na loja tem calças custando no mínimo R$ 90 e aqui o mais caro é R$ 60. As mães que recebem o Bolsa Família sempre vêm aqui", conta ele, destacando que o dinheiro adquirido permitiu a ele pagar os estudos do filho na Nigéria, que hoje é médico.

A aproximadamente 300 km dali, em Pacujá (microrregião de Sobral), o comerciante Lameu Cândido, 48, destaca que o movimento em seu mercadinho, onde trabalha com a esposa e a filha, chega a aumentar 50% nos dias em que são pagos os benefícios.

Ele também é um dos vendedores autorizados a comercializar alimentos com o Cartão Ceará Sem Fome, programa estadual de distribuição de renda focado em alimentação.

Lameu Cândido é comerciante em Pacujá(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Lameu Cândido é comerciante em Pacujá

Lameu conta que nos 30 anos de comércio no local viu o município crescer.

"Agora todos pagam com seu cartão, dinheiro e muita gente já usando Pix. Só alguns clientes mais antigos ainda pedem fiado".

Herdou o local do antigo dono, seu primeiro patrão, no que ainda era um barzinho. Agora, sob sua administração, evoluiu e, após o cadastro no Ceará Sem Fome, tem CNPJ ativo e vende com nota.

A maioria das vendas, destaca, está relacionada aos programas sociais e são de produtos básicos: "leite e fraldas para as crianças, e a mistura, que é frango e linguiça", elenca.

 

 

Banco do Nordeste: Microcrédito é oportunidade para que beneficiários do Bolsa Família se tornem empreendedores

 

No início de 2023, com a chegada do novo governo Lula, veio o anúncio do fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

E, desde outubro passado, produtores rurais inscritos no Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico) podem participar como fornecedores.

Mais recentemente, no início de julho, esse mesmo público de inscritos no CadÚnico que vivem em áreas urbanas passou a ser beneficiado pelo programa de microcrédito produtivo com taxas de 0,8% ao mês com a União como avalista, por meio de Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

Essas ações passaram a ser possíveis a partir de acordo do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS) e o Banco do Nordeste (BNB) também envolvendo o Estado.

Lançamento nacional do programa Acredita no Primeiro Passo com ministro do MDS, Wellington Dias, no Palácio da Abolição(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Lançamento nacional do programa Acredita no Primeiro Passo com ministro do MDS, Wellington Dias, no Palácio da Abolição

No caso dos produtores rurais, será possível obter financiamentos pelas diversas linhas de crédito oferecidas pelo Agroamigo, programa de microcrédito rural do BNB.

Além dos participantes do Bolsa Família, também podem ser contemplados os produtores atendidos pelo Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais e o de Cisternas.

No caso dos empreendedores urbanos, o programa Acredita no Primeiro Passo - Ceará deve beneficiar os empreendedores inscritos no CadÚnico.

O valor médio a ser aplicado deve ser em média de R$ 6 mil com a União como fiadora. Os 100 primeiros contratos já foram firmados.

Para ter acesso ao crédito, é preciso procurar os canais do BNB relacionados ao Crediamigo. Segundo o titular do MDS, Wellington Dias, os tomadores de crédito nesse programa não perdem imediatamente o direito ao benefício.

Alan Maia, gerente do Ambiente de Microfinança Urbana do BNB, explica que o diferencial da instituição é oferecer o microcrédito orientado sob medida para atender as necessidades do tomador de crédito.

Ou seja, um profissional do BNB irá até o beneficiário e dará todo suporte técnico para que o negócio dê certo.

Raimundo Soares dos Santos, 44 anos, é agricultor e vive em Amontada(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Raimundo Soares dos Santos, 44 anos, é agricultor e vive em Amontada

Esse acompanhamento se torna importante até para criar nas pessoas o conhecimento básico de gestão de negócios e também de educação financeira, que para alguns é assunto desconhecido.

Segundo Alan, a partir de documentos básicos (CPF, documento de identificação com foto e comprovante de residência) já é possível solicitar o crédito, não sendo obrigatório ter razão social aberta.

E a experiência do programa já possibilitou com que empreendedores vindos do Bolsa Família adquirissem renda, formalizassem seus negócios e deixassem de depender do programa.

"O microcrédito é uma alternativa viável, sim. Desde a condição de extrema pobreza já é possível adquirir crédito. Temos casos de clientes que através do microcrédito evoluíram e deram melhores condições de vida para sua família", pontua.

E exemplifica: "Tivemos caso de cliente que começou no microcrédito pedindo R$ 100 e que hoje já tem duas lojas".

 

 

Nova regra permite que Bolsa Família continue sendo pago por meses após beneficiários iniciarem no mercado de trabalho

O processo de reformulação do Bolsa Família em 2023 também trouxe perspectivas em relação à inserção dos beneficiários no mercado de trabalho formal.

Conforme o MDS descreve, "o caminho de saída" do programa permite que, ainda que algum membro da família consiga um emprego de carteira assinada, mantenha o benefício caso a renda per capita do grupo familiar se mantenha abaixo da linha da pobreza de R$ 218 por pessoa.

Dia de pagamento do Bolsa Família em Amontada(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Dia de pagamento do Bolsa Família em Amontada

Caso outra pessoa da família também consiga um emprego formal e a renda per capita supere a linha da pobreza, mas ainda seja abaixo de R$ 660, que é o objetivo do programa, a família passa a receber 50% do benefício.

Neste cenário, uma família de quatro pessoas poderia ter como renda familiar um salário de pelo menos R$ 2.640 para se enquadrar neste recorte.

Essa possibilidade, chamada de “Regra de Proteção”, permite aos beneficiários permanecer no programa por até dois anos mesmo depois de conseguir um emprego com carteira assinada ou aumento de renda até o limite médio de meio salário mínimo por integrante da família.

Esse benefício atinge, em março, 2,73 milhões de famílias.

Já se a soma de salários dos empregados faz com que a renda per capita da família supere os R$ 660, então essa família sai do programa, mas permanece no Cadastro Único.

Assim, se a renda cair novamente, volta a ser atendida pelo Bolsa Família até sua reinserção no mercado de trabalho.

 

 

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Amontada: Agricultor familiar perde tudo e tem benefício suspenso

 

Raimundo Soares dos Santos tem direito a aproximadamente R$ 600 de Bolsa Família(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Raimundo Soares dos Santos tem direito a aproximadamente R$ 600 de Bolsa Família

Raimundo Soares dos Santos, 44, começa contando que tem direito a aproximadamente R$ 600 de Bolsa Família. Na sua avaliação, poderia ser mais, pois o custo de vida tem aumentado, mesmo vivendo na simplicidade de uma comunidade rural de Amontada (a 168,90 km de Fortaleza).

"Não dá para comprar tudo, não. Os filhos precisam de um sapato para ir à escola porque hoje não pode mais entrar de chinelo. E tudo é caro", exemplifica.

Ainda assim, o Bolsa Família é de vital importância para o orçamento familiar. E Raimundo provou isso na pele quando o excesso de chuva no inverno levou embora a produção.

Sem isso, precisou capinar lote, serviço extenuante que rende uma diária de R$ 30. “Não compra nem o suficiente para o almoço da família”.

Justo neste momento de dificuldade ficou sem o benefício social por alguma falha no cadastro que ele não conseguiu entender.

As idas e vindas ao Cras eram recheadas de apreensão e esperança de liberação dos valores retidos. Isso só aconteceu após três meses de espera.

 


Amontada: O sonho da filha é morar em uma casa com piso de cerâmica

 

Edineuda Vieria Magalhães, 36 anos, dona de casa; Francisco Irineu, 46 anos, agricultor (marido) e os filhos Francisco Yuri, 1 ano e 9 meses e Stefane, de 7 anos(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Edineuda Vieria Magalhães, 36 anos, dona de casa; Francisco Irineu, 46 anos, agricultor (marido) e os filhos Francisco Yuri, 1 ano e 9 meses e Stefane, de 7 anos

Edineuda Vieira Magalhães, 36, conta que o sonho de todos os pais é dar a chance de uma vida melhor para os filhos.

Stefane, de 7 anos, vive na localidade de Recanto, em Amontada(Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Stefane, de 7 anos, vive na localidade de Recanto, em Amontada

Ela é mãe de três filhos, um adolescente de 16 anos (que havia saído para a escola no momento da entrevista), uma filha de sete anos e um menino de um ano e nove meses.

Naquele momento, a família passava por adversidade: a chuva havia levado boa parte do roçado e eles passaram a depender exclusivamente do Bolsa Família, que concede a eles pouco mais de R$ 800 por mês.

Em meio às dificuldades da vida dos pais adultos, a mãe conta o sonho da pequena Stephanie. A menina, tímida e estudiosa, descreve Edineuda, tem o sonho de morar numa casa grande e com piso (de cerâmica, diferente de chão batido).

"Quero as crianças estudando, o mais velho e a menina de sete também. Quero que estudem para que tenham um futuro melhor, pra não ficar esperando plantar um feijão ou um milho para terem alguma coisa", diz Edineuda.

O desejo de Stephanie pode parecer singelo, mas que para a sua realidade é grandioso, "desejo de riqueza", descreveu o pai no momento em que ouvia a conversa. Mas quem está vivo, tem esperança e sonha. 

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"Oie :) Aqui é Samuel Pimentel, repórter de Economia do O POVO e apresentador do programa de educação financeira Dei Valor. Qualquer comentário ou sugestão é só falar comigo. Quer curtir mais conteúdos? Vem navegar no OP+"

  • Texto Samuel Pimentel
  • Edição OP+ Regina Ribeiro, Fátima Sudário e Beatriz Cavalcante
  • Fotos Aurélio Alves
  • Recursos digitais e infográficos Karyne Lane
  • Identidade visual Cristiane Frota
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