A estrela que brilhou aos olhos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é uma militante politizada, peça fundamental na campanha que levou o petista a se tornar Presidente da República pela terceira vez — e que, para além disso, esteve ao lado dele desde muito antes disso.
Socióloga, feminista, devota de Iansã, flamenguista, fã do Coldplay, apaixonada por esportes e por animais: Rosângela da Silva, de 56 anos, é uma mulher repleta de facetas que quer ressignificar o conceito de primeira-dama — ou primeira-companheira, como prefere chamar.
Considerada um “amuleto” e autodeclarada “petista de carteirinha” (filiada desde 1983), Janja, como é conhecida, é uma das principais assessoras da agenda do presidente eleito, além de acompanhar reuniões, viagens e coletivas de imprensa — e estar sempre a postos com uma garrafa de água e muito carinho.
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— Janja Lula Silva (@JanjaLula) March 8, 2016
Janja nasceu em 26 de agosto de 1966 em União da Vitória, cidade que fica na divisa dos estados Santa Catarina e Paraná e de onde não tem muitas lembranças, já que a família se mudou para a capital paranaense quando ela ainda era muito pequena — tinha apenas dez dias de vida.
Mais nova de dois irmãos, é filha de José Clóvis da Silva, 82, comerciante aposentado que vive em Curitiba, e Vani Terezinha da Silva, apelidada de Têre, dona de casa falecida em 2020 e conhecida pelo amor à dança e pelos dotes culinários.
Em 1984, com 18 anos, foi aprovada no vestibular e começou o bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ao fim da graduação, a jovem socióloga prestou concurso e trabalhou na área de saúde e ação social da Prefeitura Municipal de Curitiba.
Nesse meio tempo, estudou especialização em História e Cidade também na UFPR e, após o curso, casada com um professor de História, desligou-se da prefeitura e foi para o interior do estado.
Entre 1995 e 1996, Rosângela atuou como docente colaboradora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
O fim do relacionamento, que foi o primeiro casamento de Janja, se deu alguns anos depois.
Enquanto viveu no município, também fazia parte do diretório municipal do Partido dos Trabalhadores (PT). Rosângela chegou a trabalhar como parte da liderança do partido na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP).
No dia 1º de janeiro de 2005, aos 38 anos, Janja ingressou na Itaipu Binacional, em Curitiba, onde trabalhou por quase 20 anos.
Na hidrelétrica, atuou como assistente do diretor-geral e coordenadora de programas voltados ao desenvolvimento sustentável. Foi contratada para o cargo na época em que a diretora financeira da instituição era Gleisi Hoffmann, atual presidente do PT.
Entre 2012 e 2016 esteve cedida à Eletrobras, no Rio de Janeiro, onde atuou como assessora de comunicação e relações institucionais. Em 2016, voltou à Itaipu, e deixou em 1º de janeiro de 2020, quando aderiu ao programa de demissão voluntária.
No currículo, ela também possui MBA em Gestão Social e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Positivo.
Dona Têre passou a morar com a filha em 1990, após se separar do marido. Na época em que Lula voltou à liberdade, já completava-se mais de uma década que a progenitora havia sido diagnosticada com Alzheimer, com um quadro demencial progressivo.
No começo de 2020, mãe e filha se mudaram para São Bernardo do Campo, quando dona Terê passou para os cuidados do casal. Ela faleceu em outubro do mesmo ano, contaminada por Covid-19, depois de ter sido internada com problemas urinários.
A morte aconteceu exatamente no dia de seu aniversário de 80 anos e no dia seguinte ao aniversário do genro. Durante o segundo turno das eleições deste ano, Janja comentou sobre o assunto ao sair do seu local de votação.
Amanhã será um lindo dia!!! pic.twitter.com/pwfVOfpc09
— Janja Lula Silva (@JanjaLula) October 30, 2022
Rebatizada de Janja Lula da Silva, a figura onipresente e de expressão sempre sorridente é uma pessoa bem articulada e com forte engajamento político que dá indícios de uma atuação ativa ao lado do mandatário.
Antenada nas redes e próxima da linguagem jovem, a socióloga alcançou parcerias estratégicas: para começar, após a declaração de apoio de Anitta, a convidou para um almoço e sugeriu dancinha no TikTok com a cantora; e para arrematar, tornou-se fonte próxima do criador do portal Choquei, perfil de fofocas que adotou uma postura política e desempenhou papel importante na cobertura das eleições de 2022.
Não contente em estar nos bastidores, a nova primeira-dama aproveitou seu gosto pela música, soltou a voz e foi responsável pela releitura do famoso jingle “Sem medo de ser feliz”, lançado pela primeira vez na campanha de 1989.
O namoro começou pouco antes da prisão do ex-presidente e o episódio primordial foi um jogo na inauguração de um campo de futebol em Guararema (SP). A partida reuniu ativistas e artistas de esquerda, entre eles Chico Buarque, time no qual estava Lula.
Com a prisão, quando Janja ainda não possuía autorização para visita, entrava junto com familiares às quintas-feiras e, enquanto estava impedida de realizar a visitação, trocava cartas diariamente com ele.
Em depoimento, uma amiga próxima conta que, nessa época, o dia dela parecia ter 48 horas: além de dar conta do trabalho, na unidade de Itaipu, Janja cuidava da mãe, ia à academia e participava das vigílias pelo então ex-presidente.
Foi no acampamento de militantes que pediam a liberdade do ex-presidente que a socióloga resgatou uma cachorrinha; além de mascote, a filhote se tornou parte da família e foi batizada de Resistência.
Em um dos aniversários de Lula na cadeia, puxou o “Parabéns para Você” no microfone e assoprou as velas de 74 anos do namorado. Além disso, ainda arrumava tempo para fazer comida, lavar e passar as roupas para ele.
“Ela dizia que era para assegurar, com atitudes práticas, que ele continuava tendo com quem contar aqui fora”, relata Luciana Worms. Depois de ser libertado, Lula chegou a usar a casa de Janja como cenário para entrevistas.
Hoje teve entrevista do Meu Bem, da minha cozinha direto para a Alemanha. Stukinha pilotando as câmaras e mantendo distância. pic.twitter.com/A1qOC9OeLL
— Janja Lula Silva (@JanjaLula) March 24, 2021
Luciana revela ainda que, no Dia dos Namorados de 2018, levou Janja para jantar no apartamento de uma terceira amiga, localizado relativamente perto do prédio onde Lula estava preso.
De lá era possível avistar um pequeno ponto luminoso: a janela do quarto onde ele se encontrava. Às 21 horas, em uma comunicação improvisada, a luz piscou três vezes, no que a namorada recebeu um buquê de flores e um presente enviado por Lula através de um amigo.
O romance permaneceu em segredo até maio de 2019, quando o economista e ex-ministro dos governos de José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, Luiz Carlos Bresser-Pereira, visitou Lula e revelou que o ex-presidente estava “apaixonado e seu primeiro projeto ao sair da prisão é se casar”.
No Facebook, a então namorada do ex-presidente tinha, entre seus amigos, a neta de Lula, com quem costumava trocar elogios e comentários. Durante as eleições, ela fez campanha para a chapa de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila.
Em seu perfil nas redes sociais, que era privado mas passou a ser público durante a campanha eleitoral, foram muitas as publicações de mensagens de apoio ao companheiro.
A primeira aparição pública do casal aconteceu em 8 de novembro de 2019, quando Lula voltou à liberdade. No primeiro discurso após deixar a prisão, ele fez menção à namorada e a apresentou.
Lula já beijou hoje! #LulaLivre pic.twitter.com/RK93bSkZwA
— Manuela (@ManuelaDavila) November 8, 2019
A promessa foi cumprida com certo atraso, mas o casamento aconteceu: em uma cerimônia íntima, os dois casaram no religioso e civil em 18 de maio deste ano.
Entre os 220 convidados para testemunhar a união estavam personalidades como Chico Buarque, Daniela Mercury e Gilberto Gil. Para preservar a privacidade dos noivos, o uso de celulares foi proibido durante o evento.
O vestido de Janja, produzido por artesãs do Rio Grande do Norte, foi um dos pontos altos da festa, com detalhes remetem à cultura nordestina e bordados delicados de figuras como mandacarus, estrelas, xique-xiques e luas.
Chamaram a atenção também as pedrarias, como lantejoulas e vitrilhos, aplicadas minuciosamente por todo o tecido.
Desenhada pela estilista Helô Rocha, a peça criou vida pelas mãos das bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, que levaram cerca de um mês e meio para confeccionar a peça com o tema “Luar do sertão”.
As artistas da cooperativa também foram responsáveis pelas lembrancinhas da festa: bastidores de madeira com a frase “o amor venceu” bordada entre as estrelas e a lua.
Valdineide Dantas, a Patinha, uma das pessoas que se debruçaram para aprontar a roupa, já pensa no vestido da posse da primeira-dama, em 1º de janeiro de 2023:
“Uma coisa colorida, bem Brasil, que remeta ao país e ao amor”.
Apesar de Lula dizer que o namoro começou quando ele estava preso, amigas contam que tudo começou antes.
Os dois se aproximaram em 2017, num jogo em que Lula estava no time de Chico Buarque, em Guaratema (SP).
No ano seguinte, eles oficializaram o namoro para amigos próximos e se aproximaram ainda mais em Maresias.
Na época, a possibilidade da prisão de Lula pairava no ar, e poucos dias depois veio a ordem de Sérgio Moro.
Começaram conversando por cartas, depois Janja pôde visitá-lo. Fazia comida e lavava roupas para o amado.
Com Lula livre, o casal apaixonado não demorou a anunciar a união, e pouco tempo depois veio o casório.
Ao longo de sua vida privada e, agora, pública, Janja deu fortes sinais sobre as possíveis ações como primeira-dama no próximo governo Lula. Além do compromisso com as causas ambientais e direitos dos animais, durante a campanha eleitoral a socióloga deu algumas pistas do caminho que deve seguir. Veja algumas das pautas abraçadas pela nova primeira-dama:
Uma das principais marcas dos governos Lula, o combate à fome deve receber atenção e apoio da primeira-dama Janja. Ela já falou sobre voltar seus esforços para ajudar a garantir a segurança alimentar dos brasileiros, com programas e políticas públicas específicas para esse fim, necessárias no atual cenário de miséria em que o Brasil está inserido.
Citada como responsável pela inclusão de temas ligados às mulheres no plano de governo de Lula, a próxima primeira-dama disse que tem "um carinho muito especial pela pauta das mulheres" e deve agir também pela garantia de direitos e combate à violência. Ela já adiantou, inclusive, que quer ressignificar o conceito de primeira-dama (ou primeira-companheira, como prefere chamar).
Ao se referir à Amazônia, Janja defende que todos devem ser guardiões da floresta. Coordenadora de programas de desenvolvimento sustentável durante sua carreira profissional, ela tem proximidade com o tema sustentabilidade e tem se aproximado de ativistas como Bela Gil, que se posiciona sobre a importância de cultivos mais sustentáveis.
Apaixonada por bichos, Rosângela sempre teve ligação forte com animais e adotou Resistência, uma cachorrinha resgatada no acampamento de militantes que pediam a liberdade de Lula em Curitiba. A filhote se tornou mascote das bandeiras do partido pelos direitos dos animais com o título de “embaixadora canina da adoção”.
'Deus é sinônimo de amor, não importa qual religião': é nisso que acredita a socióloga, que é umbandista e devota de Iansã. Defensora de religiões de matriz africana e da liberdade religiosa, ela foi alvo de ataques bolsonaristas que ligavam sua imagem à umbanda de forma pejorativa, na tentativa de afastar evangélicos do eleitorado de Lula.
Durante a campanha eleitoral de 2022, Janja se aproximou ainda mais da militância em combate à exploração sexual de crianças e adolescentes e defendeu a dignidade da infância junto à Rede de Proteção e à Frente Parlamentar de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
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Série vai explorar personagens - famosos e anônimos - para destacar histórias de vida