Matheus Brasileiro Aguiar, Matuê ou só Tuê é o nome do trapper mais ouvido do Brasil. Na infância, Tuê era um menino “rueiro”. Descia a calçada de skate, ouvia um som ‘daora’ e ficava ali - prensado nessa brisa. Mas acontece que ele não era “rueiro” em qualquer avenida, mas nas ruas de Fortaleza, capital do Ceará.
O artista e diretor criativo da 30PRAUM se reinventa e inventa a cena trap no Brasil. Nesse cenário, a pesquisadora de Rap, Nerie Bento, comenta que Matuê é um artista de projeção. Ele consegue popularizar o gênero musical rap/trap, mas não foca na cultura hip hop - que é preta e periférica.
Pelas ruas da capital, imagine uma batida densa, coloque por cima letras hedonistas sobre o que vê. Foi assim que Matheus conquistou o seu título. Apesar de ter 10 milhões de seguidores no Instagram, a cena ainda é
O rap/trap não pode se dissociar da cultura hip hop, que não é das massas.
O cantor se destacou nacionalmente em 2016, com a faixa “RBN”. No mesmo ano, o trapper e a empresária Clara Mendes criaram a produtora 30PRAUM, a fim de administrar a carreira do artista e abrir espaço para o trap em solo cearense.
O seu primeiro álbum, "Máquina do Tempo" (2020), quebrou o recorde semanal de execução no Spotify, o que lhe rendeu uma placa de ouro pelos mais de 20 milhões de streams em 1 mês.
Em 2023, Matuê foi indicado ao MTV EMA na categoria “Melhor Artista Brasileiro”. O artista foi o único rapper brasileiro nas indicações.
Hoje, Matuê reinventa a cena musical, mescla ritmos como reggae e trap e consegue, ainda, lançar outros sucessos como WIU e Teto. A empresa do trapper, 30PRAUM, também é responsável por criar o “Plantão Festival”, primeiro festival de rap realizado no Ceará.
Mas tudo isso demorou algumas viagens para fora — onde recebeu o apelido Matuê — e uns ‘trampo’. Ou seja, para entender, você precisa
A primeira referência de Matuê é Núbia Brasileiro, a avó e matriarca da família, a qual lhe presenteou com seu primeiro violão. “Minha mãe era muito nova e minha avó me criou”, afirmou o cantor ao programa Entrevista com Bial. Matheus nasceu em 1993, sua mãe tinha pouco mais de 20 anos.
Núbia era professora de arte, poeta, escritora e ensinou as ‘paradas’ para Matheus. Em apresentação no
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A arte de Matuê foi acendida por sua avó, que mais do que ensinar música, ensinou como o garoto do 085 deveria ter orgulho de ser quem é — Fortalezense.
Matuê nasceu em Fortaleza e com 8 anos foi para San Leandro alguns minutos de Oakland na Califórnia, Estados Unidos. “Quando aprendi ‘fuck you”, era ‘fuck you" para todo mundo”, afirmou o trapper para o podcast Podpah. Quando começou a ‘majar’ da língua, ele ‘desenrolava’ o resto, relata. Na adolescência, Matheus começou a se interessar pelo mundo do rap.
Nessa época surgiu o trap nos Estados Unidos, em Atlanta, estado da Geórgia. Trap — que significa armadilha em inglês — é fruto de uma cena violenta, de quando o tráfico explodia pela região.
A principal característica sonora é a atmosfera densa do beat eletrônico, a bateria 808, as linhas melódicas psicodélicas possíveis com o
Em entrevista no Conversa com Bial, da TV Globo, o traper afirma que “com o autotune conseguimos desenhar algumas melodias, que dão a sensação de elevação”.
Antes de começar a produzir, Matheus viu a oportunidade de investir na carreira com o dinheiro que ganhava como professor de inglês, “me abriu muitas portas e me possibilitou a dar iniciativa na minha caminhada musical”, contou ele ao jornal Correio Braziliense.
Apesar de ter conhecido o trap na América do Norte, ele afirma que o ritmo que faz é abrasileirado. “Fortal City é uma mistura; Da Oeste pra Zona Sul; É o terror do Pirambu”, letra de "É sal", faixa 6 do álbum "Máquina do Tempo" (2020). Essa é uma das músicas que o artista cita a cidade natal.
Você percebeu que ele ainda não é Matuê, mas Matheus? Pois é, esse nome surgiu na França.
Com 21 anos, Mateus vendeu o próprio carro e comprou passagens para França, sem dinheiro, mas - ainda assim - na França.
Em uma garagem, dormindo em um sofá, ele viu a oportunidade de criar. Não tinha dinheiro, nem as possibilidades apareciam. Ou seja, para se manter, ele precisou recorrer aos amigos que havia feito.
Acontece que “os moleques faziam o
Esses novos amigos descobriram que Matuê tocava, deram-lhe um violão e o incentivaram a tocar novamente. De maneira caseira, com um microfone qualquer e o violão, fez um som que chamou de ‘Tropical Island Honey’:
Produzir música não dava dinheiro e os bicos com a correria foram minguando. Sem ter o que fazer na França, decidiu ir a Berlim, onde sua namorada Clara (futura mãe do seu filho) morava.
A viagem entre Paris e Berlim durou 24 horas. Nesse dia que viveu confinado em um ônibus, decidiu que se dedicaria à arte e queria fazer arte no Brasil.
Em Berlim uma parte da história se repete quanto à grana e aos subempregos. Sem dinheiro para voltar, foi encerar chão, montar móvel, até que conseguiu um emprego como professor de inglês, que lhe permitiu, entre aula e outra, conseguir dinheiro para voltar ao Brasil.
Quando estava na França, ele recebeu o nome de Matuê e outro nome surgiu lá — 30PRAUM.
Em Conversa com Bial, Matuê falou sobre “chegar em um baseado que desse para os 30 uma onda boa”. A empresa 30PRAUM surge a partir do envolvimento amoroso entre Clara Mendes e Matuê, que se tornaram sócios.
Ele e Clara se conheceram na Universidade de Fortaleza - Unifor. Clara é filha de portuguesa com alemão, conheceu o trapper durante intercâmbio no Brasil. Na época, Matuê fazia comércio internacional, mas nunca chegou a concluir o curso. Para a revista Marie Clare, Clara fala que viu, ainda naquela época, muito talento em Matuê.
A marca surgiu em 2016 para dar apoio a carreira do trapper. A CEO Clara Mendes ficou responsável por assessorar Matuê. “Na história do hip hop, as mulheres estão sempre no backstage”, diz a pesquisadora de Rap, Nerie Bento.
Matuê, como diretor criativo, englobou os cantores WIU e Teto — referência no estilo musical, porém, em seu histórico, ainda não dividiu palco e gravações com uma mulher trapper. “Nunca é de igual para igual, de Mc para Mc, sempre tem a diferença”, explica a estudiosa Bento.
Para Clara Mendes, por trás do 30PRAUM, o objetivo é mesclar a cultura nordestina e o hip hop. Em entrevista ao Meio&Mensagem, o trapper afirma que “O festival (
Em sua primeira edição, o Plantão Festival reuniu 60 mil pessoas em Fortaleza.
Matuê ainda mora em Fortaleza, na Beira-mar. Com 30 anos, o trapper vive sua paternidade e algumas adversidades, como a
Mas nada disso interfere em sua potência de criar. Ele agora anda por outras ruas, mas continua ‘rueiro’. Continua misturando ritmos musicais e criando algo novo. O "pivete" do 085 trouxe algo para sua terra.
Matuê fala da realidade dele e do lugar de onde ele realmente fala - Fortaleza. As culturas que ele se insere, como quaisquer outras, são cíclicas. A periferia é um universo, como comenta a estudiosa Nerie Bento, ou seja, o espaço de onde se vem, a raça que se é só invocam uma pergunta.
O que Matuê devolve para a cultura?
Na infância, sua avó segurava o acordeon, ele ficava no teclado, eles iam tocando e cantando. Com o primeiro violão, as cordas que sua avó o ensinou a tocar reverberam para além do gênero musical, seja forró, rap, trap, reggae - é sobre arte.
Série vai explorar personagens - famosos e anônimos - para destacar histórias de vida