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Guga Kuerten: o fenômeno do tênis do topo ao streaming
Reportagem Seriada

Guga Kuerten: o fenômeno do tênis do topo ao streaming

O tenista que conquistou o mundo com suas habilidades em quadra e construiu um legado para o esporte no Brasil ganhou série documental Guga por Kuerten, no Disney+
Episódio 34

Guga Kuerten: o fenômeno do tênis do topo ao streaming

O tenista que conquistou o mundo com suas habilidades em quadra e construiu um legado para o esporte no Brasil ganhou série documental Guga por Kuerten, no Disney+
Episódio 34
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8 de junho de 1997. Era fim de tarde quando o conhecido toque do Plantão da Globo interrompeu a programação. “Esta é a melhor notícia da história do tênis brasileiro. Uma das melhores do esporte no Brasil dos últimos tempos”, começou o jornalista Fernando Vannucci.

Gustavo Kuerten, o Guga, tinha derrotado o espanhol Sergi Bruguera na final do grande torneio Roland-Garros, o Aberto da França. Foi o primeiro brasileiro a conquistar um título Grand Slam.

Naquele momento, o País parou para ouvir o jovem catarinense de 20 anos, ao lado da mãe e do treinador, após a inesperada conquista. No mesmo dia, brasileiros saíram às ruas erguendo bandeiras e raquetes em comemoração. “Como um feitiço, o país do futebol se rende à nobreza do tênis”, dizia a imprensa.

 

Catarinense, Guga nasceu dia 10 de setembro de 1976 em Florianópolis. Foi o segundo filho, dos três que o casal Alice e Aldo Kuerten tiveram. Aldinho, como era carinhosamente apelidado, foi um pai amante dos esportes, o primeiro e eterno ídolo dos filhos.

Foi um jogador amador de basquete, tênis, bocha e árbitro em torneios juniores de tênis. Grande aspirante à educação esportiva, transmitiu aos filhos o espírito contagiante da competitividade. Faleceu quando Guga tinha 8 anos, em decorrência de um ataque cardíaco, durante um torneio juvenil.

Graças ao pai, o menino deu o primeiro passo no tênis aos seis anos. Mais tarde, treinou com Paulo Allebrandt, e, depois, com Larri Passos, responsável por seus quase 20 anos de carreira.

Gustavo começou em torneios juniores no Brasil e no exterior. Com apoio do treinador e da família, em dois anos, tornou-se jogador profissional. Em 1996 participou da Copa Davis e foi fundamental para colocar a equipe brasileira na primeira divisão da competição.

Guga Kuerten no torneio Roland Garros em 1997(Foto: ATP/divulgação)
Foto: ATP/divulgação Guga Kuerten no torneio Roland Garros em 1997

Mas foi em 1997 que veio a reviravolta. À época Guga ocupava a 66⁠ª posição no ranking mundial, totalmente fora dos radares dos grandes líderes. Uma série de inesperadas vitórias, de repente, colocou os olhos do mundo no jovem brasileiro dos cachos dourados.

A primeira surpresa veio na partida contra o austríaco Thomas Muster, vencedor do Roland-Garros de 1995 e líder do ranking mundial em 1996. Guga o apelidou de “Comedor de figado”. Era famoso por sua resistência e aguentava partidas longas sem perder o rendimento.

Chegou a liderar em momentos do jogo, mas perdeu de virada em uma partida que durou mais de três horas. A Revista Tênis publicou, em 2008, que seus gritos de frustração eram tão altos que podiam ser ouvidos de longe.

Depois veio Yevgeny Kafelnilov, terceiro melhor do mundo, favorito contra o, até então, desconhecido Guga. O russo fez jus ao favoritismo, botou pressão no jogo ganhando dois sets seguidos. Mas a vitória veio aos “quarenta e cinco do segundo tempo”.

O tenista brasileiro mostrou seu estilo único e arriscado em quadra e virou. “O terceiro do mundo parece não acreditar”, comentou o narrador.

Guga beijando seu primeiro troféu Roland Garros(Foto: Jean Loup Gautreau)
Foto: Jean Loup Gautreau Guga beijando seu primeiro troféu Roland Garros

A partida contra Filip Dewulf foi a única em que Guga entrou como favorito naquela competição. O belga ocupava a 122ª posição no ranking mundial, abaixo do brasileiro. Após a vitória na semifinal, os jornais estampavam “Brugueira é o próximo”, “Guga luta por sua maior vitória”.

Então a partida dos sonhos chegou, Guga estava na final de um dos quatro maiores torneios de tênis do mundo. O espanhol bicampeão (1993 e 1994) extraiu do brasileiro o melhor resultado da campanha. Não precisa entender o que é uma “curtinha de voleio” ou uma “quebra de saque” para sentir os ombros relaxando e a respiração tensa se normalizando. Gustavo Kuerten ganhou o Roland-Garros.

“Parecia que aqueles passos que eu tava dando em direção à quadra, ele (o pai) tava caminhando junto e me abraçando”, comentou em seu documentário. 8 de junho de 1997 entrou para a história. O dia em que Guga se tornou o primeiro brasileiro a ter um Grand Slam.


 

O que é um Grand Slam?

Se você não é um assíduo acompanhante do mundo do tênis, já deve ter se perguntado: “Grande o quê?”. Os torneios de Grand Slam são os quatro eventos anuais mais importantes do tênis.

Oferecem aos jogadores o maior número de pontos no ranking mundial, prêmios em dinheiro, atenção do público e da mídia. Os títulos nestes torneios são chamados de Títulos de Grand Slam.

E qual a dimensão de uma vitória? Além da felicidade da conquista, o título representa o apogeu de um atleta brasileiro, principalmente em esportes menos populares. É também jogar os holofotes sobre sua modalidade.

“Brinco que o Brasil tem dois esportes: o futebol e o que está ganhando…”, disse Caio Bonfim, após conquistar a prata na marcha atlética durante as olimpíadas de Paris 2024.

Guga atingiu a glória máxima no circuito de tênis como esportista, com o Roland-Garros. E atingiu o apogeu de um esportista brasileiro ao atrair todos os holofotes para o tênis.

 Conheça os quatro torneios Grand Slam

 

A cobertura esportiva de olho em Guga

De 1997 em diante o país do futebol virou também o país do tênis. A cobertura esportiva, antes anêmica, tomou fôlego para acompanhar o fenômeno emergente. No ano do grande prêmio, apenas a falecida TV Manchete e o braço catarinense da Rádio CBN transmitiram a final histórica.

Otávio Maia, jornalista esportivo, era colegial em 1997 e lembra como era antes do primeiro Roland-Garros. “Uma cobertura escassa e muito especializada. Poucos jornais dedicavam um pequeno espaço para uma sessão de resultados”, detalhou. “Eu batalhava há quatro anos para colocar um programa sobre bastidores do tênis no SporTV… Com o primeiro título de Guga, o “Bastidores do tênis” virou realidade”, escreveu o jornalista Fernando Sampaio na Revista Tênis, em 2007.

O jogador revolucionou a história do esporte e o olhar do público. Em 2001, quando Otávio Maia estava na universidade, “o bandejão da PUC era uma multidão comemorando um jogo de tênis como se fosse Copa do Mundo”.

 

Confira a linha do tempo da carreira de Guga

 

 

Série documental Guga por Kuerten

Em setembro, o serviço de streaming Disney+ lançou uma série documental, com cinco episódios, sobre a trajetória de Guga. Em ordem cronológica, os capítulos narram conquistas do esportista e acontecimentos importantes da vida pessoal. A produção de Eddie Vogtland estreou em 10 de setembro, dia do aniversário de 48 anos do tenista.

Assista ao trailer


 

Mas antes do streaming...

Depois de 1997, o jovem virou um símbolo nacional. Jornais estampavam frases como “O novo herói brasileiro”, em edições que rodavam por centenas e milhares de mãos e olhares vidrados no mais novo vício coletivo: torcer por Guga.

Guga Kuerten no torneio Roland Garros em 1997(Foto: Jean Loup Gautreau)
Foto: Jean Loup Gautreau Guga Kuerten no torneio Roland Garros em 1997

A imagem do ídolo foi sendo construída, em harmonia com a vibração dos torcedores brasileiros. As pessoas estavam descobrindo um sentimento novo. Torcer para o tênis era tão emocionando como torcer para qualquer outro esporte.

Guga não entregou bons resultados nos dois anos seguintes de Roland-Garros. E ler essa informação não transmite a angústia que o atleta sentiu. Principalmente no momento mais exposto da carreira, com os olhos do mundo voltados para si.

Durante o período foi campeão em eventos menores (ATP Tour de Palma de Mallorca e do ATP Tour de Stuttgart) em 1998. Em 1999 conquistou dois títulos importantes da Masters 1000, a maior categoria depois dos Grand Slam, mas foi desclassificado nas semifinais do Aberto da França. “Precisa ser doido para melhorar, não tem outro caminho”, comentou na série documental.

Nos dois anos seguintes teve uma série de vitórias. Guga já começava a trilhar o que poderia ser sua melhor temporada. 2000 foi campeão do ATP Tour de Acapulco, do Master Series de Monte Carlo, do Master Series de Roma, do ATP Tour de Stuttgart, do Master Series de Cincinnati, do ATP Tour de Indianápolis e conquistou o tão sonhado segundo título Grand Slam, novamente em Roland-Garros.

No mesmo ano, pela primeira vez na história do tênis masculino brasileiro, alcançou o primeiro lugar do ranking mundial. O terceiro título de Roland-Garros, em 2001, cravou Guga no hall da fama do tênis.

 

 

O jeitinho Guga

Existem cinco principais tipos de quadra no tênis profissional: saibro, grama, piso duro, carpete e asfalto. Durante os quase 20 anos de carreira profissional, a quadra saibro foi um espaço de reinado para Guga, consagrado, pela Revista Tênis, como um dos “Reis do Saibro”. Comumente usada na América do Sul e na Europa, é feita de tijolo ou pedra de xisto triturada. Faz a bola quica devagar, dando mais tempo para os tenistas defenderem as rebatidas.

Essa característica favorece um estilo de jogo mais defensivo. Logo nos primeiros jogos de destaque, Gustavo chamou atenção com suas jogadas marcantes que o acompanharam por toda a carreira. Otavio Maia, jornalista e relações-públicas, por dois anos cobriu o circuito profissional de tênis na América do Sul, onde Kuerten encerrou a carreia.

Ele descreve como Guga mudou o estilo do jogo do saibro com seu “apetite pelo risco”. “Mesmo sendo um ponto importante, ele não se incomodava em ariscar… Tinha um golpe assinatura lindo, sua esquerda paralela com uma mão só, era uma das mais bonitas da história do tênis”, contempla.


 

Ídolo dentro e fora das quadras

Apesar do futuro promissor, Guga teve a carreira abreviada por causa das lesões. Ainda em 2001 foi diagnosticado com um problema no lado direito do quadril. Após seguidos fracassos, decidiu passar por sua primeira cirurgia em 2002. “Era sempre um clima de apreensão. Não existia clareza por parte da assessoria do jogador, a gente sabia que ele estava em cirurgia, mas não sabia mais nada”, comentou Otávio.

Passou dois meses em recuperação. Voltou em 2003 com bons resultados, mas distantes da “era de ouro”. Suportando as dores, o brasileiro ainda enfrentou circuitos profissionais até 2008. Diante do panorama de não aguentar mais longas partidas, decidiu não competir novamente.

O clima era de imensa emoção durante seu discurso de despedida das quadras. “Isso aqui pra mim é mais difícil que ganhar um Roland-Garros… Hoje saio feliz e satisfeito. Muito orgulhoso por todo esse carinho que conquistei de vocês… Peço desculpas, mas é que realmente eu não consigo mais”.

 

Confira o discurso completo

O astro do tênis pode ter se despedido das quadras, mas sua imagem nunca abandonou o esporte. Quatro anos após a aposentadoria precoce, tornou-se o primeiro brasileiro a entrar no hall da fama do tênis.

Em 2018 tornou-se o primeiro embaixador mundial de Roland Garros. Em outubro do mesmo ano recebeu uma homenagem da Federação Francesa de Tênis (FFT) para oficializar a posição consagrada pelo Grand Slam francês.

Gustavo Kuerten sorrindo(Foto: Rafael Gallotti)
Foto: Rafael Gallotti Gustavo Kuerten sorrindo

O jeitão “coração-mole” de Guga o colocou nas graças dos brasileiros. Mesmo hoje, 16 anos após o fim da carreira profissional, todos o conhecem como melhor jogador de tênis da história do Brasil e o “golden retriever humano”, com seu jeito calmo e brincalhão.

“Ele não é muito diferente do que parece na tevê, simples, afável”, explicou Otavio.

Guga é tão simbólico para o Brasil e para o tênis nacional que a cidade de Florianópolis celebra a “Semana Guga” desde 2009. O evento é pensado para desenvolver atletas e construir valores que o esporte proporciona.

Atualmente vive nos Estados Unidos com sua esposa e seus dois filhos. Possui uma Holding, uma sociedade que gerencia a Guga Kuerten Company, responsável por administrar a imagem do atleta; a Guga Kuerten Franquinhas, a maior rede de escolas de tênis do Brasil; e a RKG Investimentos, empresa de investimentos imobiliários.

Mantém também o Instituto Guga Kuerten, organização sem fins lucrativos “cujo objetivo é garantir oportunidades de inclusão social para crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. Desenvolvendo iniciativas esportivas, educacionais e sociais para que esse público conquiste a cidadania”, descreve o site da instituição.

 

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