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Da lenda à ciência, como descobrimos que transplantar órgãos é possível
Reportagem Seriada

Da lenda à ciência, como descobrimos que transplantar órgãos é possível

A substituição de órgãos como o coração, o fígado e os rins são tão conhecidos atualmente que é quase difícil imaginar um período em que essa possibilidade sequer existia. O que muita gente não sabe é que o transplante de órgãos é um daqueles acontecimentos da humanidade sonhados, pensados e idealizados por muitas mãos e mentes ao longo de várias décadas
Episódio 1

Da lenda à ciência, como descobrimos que transplantar órgãos é possível

A substituição de órgãos como o coração, o fígado e os rins são tão conhecidos atualmente que é quase difícil imaginar um período em que essa possibilidade sequer existia. O que muita gente não sabe é que o transplante de órgãos é um daqueles acontecimentos da humanidade sonhados, pensados e idealizados por muitas mãos e mentes ao longo de várias décadas
Episódio 1
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A ideia de transplantar partes do corpo não é exclusiva da contemporaneidade. Desde tempos remotos, a humanidade demonstra interesse em substituir órgãos ou tecidos defeituosos por outros sadios, e até mesmo em imaginar criaturas formadas por partes corporais de diferentes seres.

Essa preocupação pode ser observada, sobretudo, nas artes e nas lendas. No livro An Illustrated History of Organ Transplantation: The Great Adventure of the Century — dos autores René Küss e Pierre Bourget, disponível para compra apenas em inglês — um dos primeiros relatos de transplante entre seres humanos data do ano 348 d.C., na Idade Média, sendo atribuído aos santos Cosme e Damião.

Segundo a lenda, eles teriam substituído a perna gangrenada de um fiel cristão pela perna de um escravo etíope recém-falecido. No dia seguinte, o homem apareceu com duas pernas saudáveis: uma branca e outra negra.

ParaTodosVerem: fiéis fazem uma romaria em devoção a Cosme e Damião(Foto: Reprodução/ Instagram @paroquia_depereiro)
Foto: Reprodução/ Instagram @paroquia_depereiro ParaTodosVerem: fiéis fazem uma romaria em devoção a Cosme e Damião

Claire Terezinha Lazzaretti explica em seu estudo Dádiva da contemporaneidade: doação de órgãos em transplante intervivos que, na antiguidade, também se cogitava a transformação da estrutura e da forma do corpo humano.

As mitologias egípcia e greco-romana estão repletas de figuras híbridas das mais variadas combinações entre características humanas e animais, como o minotauro, o centauro, a sereia e tantos outros.

A literatura e o cinema de ficção científica também exploram tais ideias. Um exemplo clássico é a criatura do Dr. Frankenstein, da escritora britânica Mary Shelley, cuja aparência é formada por partes de cadáveres. A vida da criatura é restaurada não por meios espirituais, mas pela intervenção científica.

Os avanços da medicina moderna tornaram parte da ficção possível, e atualmente o transplante de órgãos e tecidos faz parte da rotina cirúrgica das sociedades. Hoje, aspectos legais, sociais, culturais e logísticos movem estruturas complexas de saúde na busca por um processo eficiente, ético e seguro.

 

 

Assim como os realizados no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, também conhecido pelos fortalezenses como Hospital do Coração. Nos corredores abertos e iluminados da unidade, a movimentação é intensa.

Na agitada sala de reabilitação cardíaca, Silvana Ferreira, 55, é auxiliada por uma fisioterapeuta para realizar movimentos que podem parecer simples, mas para a mulher representam uma grande conquista.

Silvana é uma recém-transplantada do coração. Mãe de dois filhos e comerciante fora de atividade, ela relata que, antes do procedimento cirúrgico, atividades tão básicas como tomar banho, lavar o cabelo e ficar deitada sobrecarregavam o antigo coração.

ParaTodosVerem: Silvana Ferreira é uma mulher de pele clara e cabelos castanhos presos em um coque. Realiza exercícios com ajuda de uma fisioterapeuta de pele parda e cabelos castanhos soltos(Foto: Daniel Galber - Especial para O Povo)
Foto: Daniel Galber - Especial para O Povo ParaTodosVerem: Silvana Ferreira é uma mulher de pele clara e cabelos castanhos presos em um coque. Realiza exercícios com ajuda de uma fisioterapeuta de pele parda e cabelos castanhos soltos

Após uma piora no quadro de cardiomegalia, o coração crescido, ela entrou na lista de espera para transplantes e, há seis meses, esbanja vitalidade com o novo órgão.

O procedimento pelo qual Silvana passou é o mais indicado em casos de insuficiência cardíaca. Transplantes de órgãos como o coração, o fígado e os rins são tão conhecidos atualmente que é quase difícil imaginar um período em que essa possibilidade sequer existia.

O que muita gente pode até imaginar, mas não deve saber, é que o transplante de órgãos é um daqueles acontecimentos sonhados, pensados e idealizados por muitas mãos e mentes.

 

 

Como tudo começou: uma corrida para avançar a medicina

A origem do transplante de órgãos é daqueles momentos da história cheios de nomes e datas que se sobrepõem; cada um tentando trazer para si ou para sua época o título de precursor.

O POVO+ não tenta aqui, nem de longe, definir quem de fato deu o pontapé inicial. Para esta matéria, ouvimos especialistas, lemos estudos e pesquisamos técnicas e teorias registradas em diferentes canais comprovadamente científicos a fim de levar você, caro leitor, para dar um rolê no rico e complexo universo da medicina. Portanto, sigamos o fio.

O transplante de órgãos passou por um caminho desafiador, começando com trabalhos experimentais dos séculos XIX e XX. Os primeiros registros de transplante entre animais são atribuídos aos cirurgiões franceses Mathieu Jaboulay e Alexis Carrel; ao austro-alemão Erwin Payr; e ao austro-húngaro Emerich Ullmann.

 

É importante considerar que a escassez de registros, por vezes, acaba minimizando o conhecimento de povos historicamente subalternizados. Dois exemplos são o Sushruta Samhita, texto sânscrito da medicina tradicional indiana datado do século III ou IV, que trazia relatos do uso de enxertos de pele no tratamento de feridas e queimaduras no ano 800 a.C.; e os procedimentos realizados em Alexandria, preservados por autores posteriores como Aulus Cornelius, enciclopedista romano do século I d.C., que compilou técnicas cirúrgicas em sua obra De Medicina, que refletem práticas possivelmente originadas na Escola de Alexandria.

 

Jaboulay, Carrel, Payr e Ullmann teriam, por meio de transplantes de rim, coração e membros em cães e gatos, demonstrado que, com sutura adequada, era possível religar vasos sanguíneos de órgãos transplantados, mantendo-os vivos por certo tempo.

Emerich Ullmann apresentou seu trabalho à Sociedade Médica de Viena em 7 de março de 1902. O trabalho foi publicado 7 dias depois no Wiener Klinische Woxhenschrift e hoje pode ser encontrado no livro Kidney Transplantation: A Guide to the Care of Kidney Transplant Recipients.

Também em 1902, Alexis Carrel publicou um artigo na revista Lyon Médecine intitulado The Operating Technique for Vascular Anastomosis and Organ Transplantation.

Se você pesquisar sobre o Prêmio Nobel de Medicina, verá que em 1912 ele foi concedido a Carrel por seu trabalho The Transplantation of Organs: A Preliminary Communication, que incluiu a declaração profética:

"Do ponto de vista clínico, o transplante de órgãos pode se tornar importante... e pode abrir novos campos na terapia e na biologia"

Eles foram figuras centrais nos primórdios da cirurgia de transplantes. Ullmann e Mathieu Jaboulay foram mais intrépidos em suas práticas experimentais ao tentarem transplantar rins de animais (porcos e cabras) em humanos.

O cirurgião francês implantava os enxertos nas virilhas, conectando artérias e veias femorais. Os transplantes falhavam rapidamente, mas foram os primeiros xenotransplantes "Procedimento médico que consiste em transplantar órgãos, tecidos ou células de um animal para um humano." renais documentados.

No entanto, a falta de conhecimento sobre como o corpo reagia a um órgão transplantado e a ausência de medicamentos para evitar a rejeição eram grandes barreiras iniciais.

 

Experimentos de transplante ao longo das décadas

 

Outro transplante sem sucesso com humanos foi realizado pelo cirurgião ucraniano Yurii Veronoy em 1933. Feito décadas antes do surgimento de imunossupressores, ele transplantou um rim de um doador falecido há seis horas em uma mulher com insuficiência renal aguda após a ingestão de cloreto de mercúrio.

O rim foi implantado na coxa da paciente, com os vasos sanguíneos conectados à artéria e veia femorais, e o ureter conduzido à superfície da pele. Embora tenha sido observada alguma produção inicial de urina, a função renal cessou, e a paciente faleceu 48 horas após a cirurgia.

ParaTodosVerem: primeira públicação de Voronoy no jornal espanhol El Siglio Medico(Foto: Reprodução / ResearchGate)
Foto: Reprodução / ResearchGate ParaTodosVerem: primeira públicação de Voronoy no jornal espanhol El Siglio Medico

Veronoy publicou o feito somente três anos depois em um jornal espanhol. Além deste, o cirurgião afirmou ter realizado outros cinco aloenxertos "Transplante entre indivíduos geneticamente diferentes da mesma espécie." renais humanos entre 1933 e 1949.

“Nos primeiros transplantes entre humanos, o enxerto era perdido em poucos dias. Um dia, dois, não durava mais que isso. À época, já se tinha uma ideia sobre o risco da rejeição imunológica, mas não existiam medicamentos para evitá-la. Então, tiveram uma ideia muito inteligente: usaram gêmeos univitelinos”, explica Ronaldo Esmeraldo, cirurgião-chefe do serviço de transplantes do Hospital Geral de Fortaleza (HGF).

Por serem praticamente clones, geneticamente idênticos, com o mesmo DNA, após cinco horas e meia de cirurgia, o transplante foi um sucesso. O feito rendeu um Prêmio Nobel de Medicina para o cirurgião Joseph Murray e é considerado o marco inicial da era moderna dos transplantes de órgãos.

 

 

E o Brasil?

O Brasil não ficou parado; teve papel importante nessa trajetória. A história dos transplantes em território nacional é marcada por avanços e desafios tão significativos quanto os observados na Europa e nos Estados Unidos.

Com destaque especial para o Sistema Único de Saúde (SUS), peça fundamental na estruturação e ampliação desses procedimentos no País ao longo dos anos.

A primeira tentativa brasileira de transplante aconteceu em 1964 no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). O procedimento foi realizado em um paciente com insuficiência renal terminal e o doador foi seu irmão.

João David de Sousa Neto é um homem branco de cabelo e barba grisalhos. Ele usa um jaleco e, em volta de seu pescoço, um estetoscópio.(Foto: Daniel Galber - Especial para O Povo)
Foto: Daniel Galber - Especial para O Povo João David de Sousa Neto é um homem branco de cabelo e barba grisalhos. Ele usa um jaleco e, em volta de seu pescoço, um estetoscópio.

A cirurgia foi considerada um sucesso para a época. Ainda não havia imunossupressores eficazes, então a sobrevida a longo prazo era limitada. Mesmo assim, esse transplante marcou o início da era dos transplantes no Brasil.

Antes do avanço na medicação imunossupressora, o Brasil realizou seu primeiro transplante de coração, também no Hospital das Clínicas (SP). Em 1968, o cirurgião Euryclides de Jesus Zerbini liderou a equipe do primeiro coração brasileiro transplantado.

“Ele foi o pioneiro dos transplantes de coração neste país”, comenta João David de Souza Neto, especialista em Cardiologia e Terapia Intensiva pela Associação Médica Brasileira (AMB) e coordenador da Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca do Hospital de Messejana.

Assim como no restante do mundo, antes da era dos imunossupressores, o Brasil enfrentou altas taxas de rejeição. O desconhecimento sobre o corpo e a escassez de remédios eficientes foram os principais desafios do tratamento até a década de 1980.

 

 

A era da imunossupressão

Quando somos expostos a infecções, sejam elas ocasionadas por vírus, bactérias ou outros agentes estranhos, nosso organismo aciona um conjunto de células, tecidos e moléculas que compõem o sistema imunológico.

Cada pessoa tem uma impressão digital biológica chamada de antígenos, especialmente os do sistema HLA (antígenos leucocitários humanos), presentes na superfície das células.

Quando um órgão transplantado vem de outra pessoa (ainda que da mesma família), o sistema imunológico pode identificar os antígenos do doador como estranhos e reagir contra eles.

ParaTodosVerem: imagem ilustrativa de apoio. Vários remédios em pílulas(Foto: Roberto Sorin/Unsplash)
Foto: Roberto Sorin/Unsplash ParaTodosVerem: imagem ilustrativa de apoio. Vários remédios em pílulas

E não é que o corpo tente apenas expulsar o agente estranho, nosso sistema imune não brinca em serviço. Após a ativação do sistema imunológico, células de ataque e substâncias inflamatórias passam a ser produzidas, gerando lesão nos vasos sanguíneos e dano progressivo ao órgão transplantado.

“Para combater essa resposta e permitir que o corpo aceite o órgão transplantado, são utilizados medicamentos imunossupressores. Foi a descoberta da ciclosporina, um imunossupressor, que fez os transplantes deslancharem”, retoma o cirurgião João David de Souza Neto.

A ciclosporina foi um divisor de águas na história dos transplantes no mundo, e o desenvolvimento contínuo de novos imunossupressores foi crucial para o sucesso dos transplantes, explica o especialista.

 

 

“Com a melhoria dos resultados devido aos imunossupressores e à melhora da técnica operatória, o transplante hepático deixou de ser experimental e foi considerado um tratamento padrão a partir de 1983 para pacientes com doença hepática crônica avançada (cirrose) e hepatite fulminante”, explica Huygens Garcia, professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFC e chefe do Serviço de Cirurgia Digestiva e Transplante de Fígado do Hospital Universitário Walter Cantídio.

O primeiro transplante hepático da América Latina com sucesso total ocorreu em 1985, em São Paulo. Sob a liderança do cirurgião Silvano Raia, o procedimento contou com a participação de 20 profissionais e durou cerca de 23 horas.

 

 

Questões éticas

Como definir o fim de uma vida? Dr. Ronaldo Esmeraldo, cirurgião-chefe do serviço de transplantes do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), conta que antes de Aristóteles, a morte era frequentemente associada à parada da respiração. A alma, na literatura hebraica antiga, significava "ar", relacionando a vida com a capacidade de respirar.

O reconhecimento da morte era feito de maneiras simples, como colocar um espelho na frente da boca para ver se embaçava com o hálito. Se o espelho não embaçasse, a pessoa era considerada realmente morta.

Cerca de 2000 anos atrás, na Grécia, Aristóteles ligou o pensamento e a ação ao coração, mudando o foco da respiração para o batimento cardíaco. A partir daí, a parada do coração tornou-se o principal critério para determinar a morte.

ParaTodosVerem: Ronaldo de Matos Esmeraldo é um homem de pele clara e cabelo castanho claro. Ele usa óculos e uma camisa azul de botões. Está sentado com as mãos cruzadas em frente ao tronco(Foto: Daniel Galber - Especial para O Povo)
Foto: Daniel Galber - Especial para O Povo ParaTodosVerem: Ronaldo de Matos Esmeraldo é um homem de pele clara e cabelo castanho claro. Ele usa óculos e uma camisa azul de botões. Está sentado com as mãos cruzadas em frente ao tronco

Essa definição baseada na parada cardíaca prevaleceu até o desenvolvimento da tecnologia médica moderna, como a ressuscitação e os respiradores. Esses avanços permitiram que o coração continuasse batendo mesmo quando o cérebro já não funcionava.

Durante o desenvolvimento do transplante de órgãos, o principal impasse ético esteve relacionado com a incerteza em definir o momento da morte do doador, especialmente em casos onde o coração ainda batia com o auxílio de aparelhos.

Ronaldo Esmeraldo (HGF) explica que a necessidade de definir claramente a morte impulsionou globalmente o debate e a consolidação do diagnóstico de óbito por morte encefálica.

 

Conforme o Sistema Nacional de Transplantes, vinculado ao Ministério da Saúde: A morte encefálica é a morte de fato, compreendida pela perda completa e irreversível das funções encefálicas cerebrais, definida pela cessação das funções corticais e do tronco cerebral. Quando isso ocorre, a parada cardíaca será inevitável e, embora ainda haja batimentos cardíacos, a respiração não acontecerá sem ajuda de aparelhos. Quando constatada a morte encefálica, que é irreversível, o óbito da pessoa é declarado.

 

Apesar de amplamente aceita na sociedade, alguns grupos religiosos e culturais ainda rejeitam a morte encefálica como critério de morte, mesmo após declarações favoráveis de instituições notáveis, como a Igreja Católica.

Durante o Congresso Internacional de Transplantes, promovido pela Academia Pontifícia para a Vida em 2000, o Papa João Paulo II fez uma importante declaração sobre a morte encefálica.

"A morte é a separação definitiva da alma e do corpo. A verificação da morte por critérios rigorosos e científicos não parece violar a certeza ética e doutrinal da morte real do indivíduo."

Apesar de imensuravelmente importante para o avanço das doações, o apoio de importantes instituições não foi o suficiente para desmistificar a doação e o transplante no imaginário de alguns.

 

 

O SUS é transparente

Mesmo nos dias de hoje, desinformação e notícias mentirosas circulam entre as populações. Para combater essa desinformação e garantir a confiança no processo, o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) implementou medidas rigorosas e transparentes.

O diagnóstico de morte encefálica no Brasil tem um protocolo rígido de segurança. Ele exige duas avaliações clínicas por médicos habilitados e treinados que não podem pertencer a equipes de transplantes, para evitar conflito de interesse e garantir transparência.

Imagem ilustrativa de apoio: médicos em uma sala de cirurgia (Foto: Divulgação/HRN)
Foto: Divulgação/HRN Imagem ilustrativa de apoio: médicos em uma sala de cirurgia

Caso o paciente seja confirmado como potencial doador, após uma série de exames, a família é comunicada. A decisão final sobre a doação é da família, por esse motivo é importante manifestar em vida o desejo de doar.

Se houver autorização, a Central de Transplante é comunicada e equipes de captação se deslocam até o hospital do doador para a retirada dos órgãos, que são embalados e transportados por ambulâncias, helicópteros ou aviões, respeitando janelas de tempo muito curtas.

 

Tempo de isquemia

 

A alocação de órgãos para transplante é feita de maneira justa e transparente, baseada em critérios médicos e de compatibilidade. Por exemplo, crianças têm prioridade para órgãos de doadores pediátricos, assim como pacientes com problemas renais que não têm mais condições de realizar hemodiálise.

A posição na lista de espera não é cronológica. Não importa se a pessoa é rica ou pobre; a lista é uma só. O paciente pode até realizar o procedimento cirúrgico em um hospital particular, mas ele espera na mesma fila de pacientes do SUS.

O processo de doação de doador vivo é cuidadosamente avaliado por uma equipe multidisciplinar (médicos, psicólogos, assistente social) e, no caso de não aparentados, requer autorização judicial, para garantir que a doação seja altruística e livre de ganhos financeiros.

Juan Mejia, cirurgião cardíaco e coordenador cirúrgico do Serviço de Transplante Cardíaco do Hospital de Messejana, detalha os principais desafios no transplante de órgãos no Brasil.


 

Ele aponta a alta taxa de negativa familiar para a doação, de cerca de 40% no Brasil. “Apesar de todos os esforços, a negativa familiar para a doação ainda se mantém em um patamar muito alto. Pensávamos, quando começamos a fazer os transplantes, que estaríamos numa situação melhor. E, no caso do coração, muitas vezes, mesmo doando, a gente não consegue utilizar todos os ofertados por uma série de problemas”.

Para evitar complicações e perda de órgãos para transplantes, Mejia destaca a importância do investimento em treinamento periódico dos intensivistas responsáveis pelo cuidado com os potenciais doadores.

“Precisamos ter um treinamento periódico, de pelo menos quatro vezes ao ano, porque há muitas mudanças, muitas trocas de plantonistas. Deveríamos manter uma comunicação constante para absolver dúvidas e resolver questionamentos que possam surgir. Isso ajudaria a superar percalços e impasses enfrentados pelos colegas que estão à frente do cuidado com os doadores”, completa.

"O Brasil possui o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo, que é garantido a toda a população por meio do SUS, que financia cerca de 86% dos transplantes de órgãos no país."

Foi graças ao processo seguro e transparente do Sistema Único de Saúde (SUS) que Silvana Ferreira e outros 22 mil brasileiros puderam receber transplantes de órgãos de forma eficiente, ética e segura — conforme dados SNT de 2023 a maio de 2025.

A presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), Luciana Bertocco de Paiva Haddad, reforça sobre a importância de manifestar o desejo de doar ainda em vida e buscar se informar sobre o procedimento.

“É muito importante que a população se eduque em relação aos transplantes, acho que essa também é a nossa missão. A gente oferece informações para as escolas, e é importante que tenha essa educação de transplantes desde criança e de forma continuada. A gente precisa trabalhar não só durante as campanhas, a campanha acontece em setembro, mas ao longo do ano”, comenta.

 

 

Sobre as fontes 

Clique nas imagens para ouvir uma áudio descrição das fontes

 

 

 

Referencias bibliográficas

KÜSS, René; BOURGET, Pierre. An illustrated history of organ transplantation: the great adventure of the century. 1. ed. Paris: Mémoires d’hommes, 1992.

LAZZARETTI, Claire Terezinha. Dádiva da contemporaneidade: doação de órgãos em transplante intervivos. Santa Maria: UFSM, 2007.

McKAY, Dianne B.; STEINBERG, Steven M. Kidney transplantation: a guide to the care of kidney transplant recipients. New York: Springer, 2010.

CARREL, Alexis. The operating technique for vascular anastomosis and organ transplantation. [S.l.]: [s.n.], 1902.

CARREL, Alexis. The transplantation of organs: a preliminary communication. [S.l.]: [s.n.], 1912.

CHRONIC KIDNEY DISEASE EXPLAINED. History of renal transplantation. Disponível em: https://ckdexplained.co.uk/history-of-renal-transplantation/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 29 maio 2025.

 

 

No próximo episódio 

Conheça Antônio Pereira de Moura, o primeiro transplantado de coração na rede pública no Ceará, e faça uma viagem pelos números de transplantes no Brasil nos últimos anos, por meio dos dados do Sistema Único de Saúde.

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