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Queda da imunização no Brasil: vacinação de adultos é dose de reforço na proteção coletiva
Reportagem Seriada

Queda da imunização no Brasil: vacinação de adultos é dose de reforço na proteção coletiva

Aliado à má gestão do PNI, o negacionismo científico, que teve como cúmplice o movimento antivacina, ajudou a produzir geração de pessoas com baixa imunização, o que pode causar o retorno de doenças já erradicadas no Brasil, como sarampo e poliomielite
Episódio 1

Queda da imunização no Brasil: vacinação de adultos é dose de reforço na proteção coletiva

Aliado à má gestão do PNI, o negacionismo científico, que teve como cúmplice o movimento antivacina, ajudou a produzir geração de pessoas com baixa imunização, o que pode causar o retorno de doenças já erradicadas no Brasil, como sarampo e poliomielite
Episódio 1
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País da “revolta das vacinas”, o Brasil percorreu um longo caminho e precisou vencer muitos vírus até conceber uma cultura de vacinação que permitiu a erradicação de doenças graves no território nacional e o tornou referência mundial em imunização.

Campanhas de conscientização e vacinação em massa levaram a população brasileira, aos poucos, a entender que vacinas são seguras e necessárias. Foi esse trabalho que fez com que, há décadas, a poliomielite "Até meados de 1980, a poliomielite causava paralisia em quase 100 crianças por dia no planeta, segundo a OMS. Somente no Brasil foram registrados quase 27 mil casos da doença entre 1968 e 1989, ano da última notificação no País. Em 1994, as Américas receberam o certificado de eliminação da doença, mas há alguns anos o Ministério da Saúde brasileiro alerta para um possível retorno da doença devido aos baixos índices de vacinação. Em 2021, menos de 70% do público alvo estava com as doses em dia, frente aos mais de 98% em 2015." fosse eliminada do País e, recentemente, durante a pandemia de Covid-19, houvesse uma mobilização coletiva em prol do imunizante que vetasse os efeitos do vírus.

Nos últimos anos, porém, surtos de doenças já erradicadas têm acendido um alerta para a baixa cobertura vacinal no Brasil, que vai além da imunização contra a Covid e da vacinação de crianças e idosos: passa, também, pela vacinação dos adultos.

 

 

Cobertura vacinal no Brasil (1994 - 2022)

 

Há quase 30 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tornou obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Para se ter uma ideia, um bebê de apenas 1 ano e 3 meses de vida precisa receber 20 aplicações diferentes para completar o cronograma básico de imunização na rede pública de saúde.

Ter a caderneta de vacinação em dia se tornou um critério para programas de transferência de renda como o Auxílio Brasil (Bolsa Família) e é dever de todo cidadão submeter os menores de sua responsabilidade às imunizações obrigatórias do Calendário Nacional de Vacinação.

Mas apesar do foco na imunização infantil, se engana quem pensa que vacina é apenas coisa de criança: se a população adulta não é vacinada, pode acontecer o deslocamento de faixa etária, que é quando uma doença que ocorria somente na infância passa a ocorrer na fase adulta. 

O Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado pelo Ministério da Saúde em 1973, coordena e sistematiza a distribuição das vacinas para diferentes fases da vida e com calendários específicos(Foto: Myke Sena/MS)
Foto: Myke Sena/MS O Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado pelo Ministério da Saúde em 1973, coordena e sistematiza a distribuição das vacinas para diferentes fases da vida e com calendários específicos

É o caso da febre amarela e do sarampo: preveníveis por meio da vacinação há anos, voltaram a atingir brasileiros devido à baixa cobertura vacinal, com centenas de óbitos. Outra enfermidade cuja incidência tem aumentado é a gripe, que levou à morte mais de 1.700 pessoas somente nos primeiros dois meses de 2022.

Muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas com a aplicação do imunobiológico disponível de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, mesmo com campanhas anuais, muitas pessoas não têm comparecido aos postos de saúde para receber a imunização.

Brasileiros de todas as faixas etárias têm acesso aos imunizantes preconizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS): ao todo, são mais de 20 vacinas com recomendações e orientações específicas para crianças, adolescentes, adultos e idosos. 

O Brasil é considerado modelo para outros países em vacinação e um dos poucos no mundo em que a oferta de imunobiológicos é universal e gratuita(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS O Brasil é considerado modelo para outros países em vacinação e um dos poucos no mundo em que a oferta de imunobiológicos é universal e gratuita

Quem coordena e sistematiza essa distribuição das vacinas para diferentes fases da vida e com calendários específicos é o Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado pelo Ministério da Saúde em 1973, quando o País conquistou certificação internacional pela erradicação da varíola.

Considerado modelo para outros países, o Brasil é um dos poucos no mundo em que a oferta de imunobiológicos é universal e gratuita. Uma vacina como a de febre amarela custa cerca de US$ 575 por paciente no Estados Unidos, o que equivale a mais de três salários mínimos do Brasil (R$ 3.011).

Uma família composta por quatro pessoas, por exemplo, precisaria desembolsar US$ 2.300 (R$ 12.047) para ficar protegida. O repórter Felipe Santana, correspondente da Globo em Nova York, relatou recentemente em seu perfil no Twitter que precisou da imunização antes de viajar e para isso foi necessário pagar o valor citado.

 

 

Mesmo com o privilégio de possuir um sistema público que vacina de graça, por motivos diversos muitos adultos têm abandonado essa obrigação ao longo da vida e só se vacinam durante grandes campanhas ou situações de surtos, epidemias e pandemias.

O resultado é um cenário em que as quatro principais vacinas recomendadas pelo Ministério da Saúde para esse público, que compreende quem tem entre 20 e 59 anos, estão abaixo do considerado ideal. Esse público precisa se vacinar ao menos contra sarampo, caxumba, rubéola, hepatite B, febre amarela, difteria e tétano.

A primeira dose da tríplice viral (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola) atingiu índice de 100% em 2003, patamar no qual permaneceu até 2014. Em 2021, esse número se igualou ao nível de 2000, com apenas 70% da população vacinada. Veja:

 

Cobertura vacinal de pessoas adultas no Brasil por imunobiológico (1994 - 2022)

 

 

O Ministério da Saúde aponta algumas razões para esse panorama, como a percepção enganosa dos pais de que não é preciso mais vacinar porque as doenças desapareceram.

O desconhecimento de quais são os imunizantes que integram o Calendário Nacional de Vacinação, todos de aplicação obrigatória e o medo de que as vacinas causem reações prejudiciais ao organismo também são algumas delas, segundo a pasta.

A isso, somam-se o receio de que o número elevado de imunizantes sobrecarregue o sistema imunológico e a falta de tempo das pessoas para ir aos postos de saúde, que funcionavam em horário comercial — em Fortaleza, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) tiveram seu horário de funcionamento estendido até as 19 horas. 

Adultos têm abandonado a vacinação ao longo da vida e só se lembram de retomar em grandes campanhas ou situações de surtos, epidemias e pandemias. O descuido com o calendário vacinal tem feito reaparecer doenças como a febre amarela, por exemplo(Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil Adultos têm abandonado a vacinação ao longo da vida e só se lembram de retomar em grandes campanhas ou situações de surtos, epidemias e pandemias. O descuido com o calendário vacinal tem feito reaparecer doenças como a febre amarela, por exemplo

Não bastassem os motivos citados, o modo como a saúde pública foi administrada por parte do governo Bolsonaro também ficou visível quando a gestão foi entregue ao governo Lula. No fim de novembro de 2022, o coordenador do governo de transição na área, ex-ministro Arthur Chioro, destacou a precarização em que a equipe recebeu a pasta, com sérios efeitos para a execução do PNI a partir de 2023.

Para se ter uma ideia, o governo deixou o Sistema Único de Saúde sem dados básicos como a cobertura vacinal contra Covid-19, o que inviabilizou o trabalho do grupo de transição de avaliar o cumprimento de metas de imunização.

Aliado à má gestão esteve, ainda, o negacionismo científico que teve como cúmplice o movimento antivacina fortalecido pelo discurso político de Bolsonaro e uma geração de pessoas que não vivenciou os efeitos de doenças já erradicadas no Brasil — e por isso se mantiveram distantes das consequências provocadas por elas. 

NA PARAÍBA, ex-presidente voltou a causar aglomerações e a fazer discurso antivacina(Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República)
Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República NA PARAÍBA, ex-presidente voltou a causar aglomerações e a fazer discurso antivacina

O resultado, mais uma vez, é o aumento de casos e mortes por doenças transmissíveis e fatais. Quem está com as vacinas desatualizadas coloca em risco não apenas a própria saúde como também pode se tornar um transmissor de doenças, principalmente para crianças e idosos, que são os grupos mais vulneráveis.

É o que destaca a coordenadora de Imunização da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Vanessa Soldatelli. “As pessoas precisam voltar a ter essa consciência da importância da vacinação. Alguém que adoece com sarampo não apenas sofre hospitalizada: a família também adoece, a sociedade adoece, isso impacta na vida de várias pessoas”, diz.

Vanessa Soldatelli, coordenadora de imunização da Secretaria Municipal de Saúde(Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Vanessa Soldatelli, coordenadora de imunização da Secretaria Municipal de Saúde

O primeiro passo, explica Vanessa, é verificar os comprovantes vacinais para, a depender da situação, dar continuidade ou iniciar o esquema vacinal. No caso das pessoas adultas, quem não foi imunizado na infância ou não tem certeza sobre as vacinas que tomou ao longo da vida também pode buscar a imunização por prevenção.

Vanessa orienta que esse público precisa ficar atento à atualização da caderneta em relação a quatro tipos diferentes de vacinas, pelo menos: Hepatite B, Febre Amarela, Tríplice Viral e Dupla adulto (DT).

“Se tiver alguma pendência basta ir ao posto de saúde. É feita uma avaliação, se não tiver nenhum registro no prontuário eletrônico é possível levar o documento e fazer o cadastro no posto utilizando o cartão nacional do SUS, que fica disponível tanto de maneira virtual quanto impressa”, afirma.

Além dos postos, há também vacinas que não fazem parte do PNI mas estão disponíveis em clínicas particulares de imunização, e existem ainda outras 10 vacinas especiais para grupos em condições clínicas específicas, como portadores de HIV, disponíveis nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie).

A coordenadora de Imunização de Fortaleza lembra que é possível acessar o histórico de vacinação pelo aplicativo ConecteSUS, do Governo Federal, e fortalezenses podem contar com o suporte do aplicativo Mais Saúde Fortaleza, da Prefeitura, onde constam os serviços feitos e pendentes de cada pessoa cadastrada.

 

Vacinação é proteção coletiva, não é proteção individual, desde a infância até a vida adulta. As coberturas baixaram e o que a gente quer é retomar. Esse ano de 2023 será de busca ativa e conscientização para a importância de se proteger e proteger o outro. — Vanessa Soldatelli, coordenadora de Imunização de Fortaleza

 
 
 
 

Saiba quais vacinas devem ser tomadas na fase adulta

Atualmente, o Ministério da Saúde recomenda 4 vacinas para adultos entre 20 e 59 anos:

Hepatite B – Três doses, de acordo com a situação vacinal

Febre Amarela – Uma dose se nunca tiver sido vacinado

Tríplice Viral – Se nunca vacinado, são duas doses para quem tem 20 a 29 anos e uma dose para 30 a 49

Dupla adulto (DT) – Reforço a cada 10 anos

O Ministério também estabeleceu a vacina influenza (gripe) em dose anual, e a vacina meningocócica, que protege contra doença meningocócica provocada pelo meningococo B, que pode evoluir para meningite e infecções generalizadas.

 


 
 
 

Doenças evitáveis em adultos por meio da vacina


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