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Artista realiza investigações poéticas sobre incidentes com aeronaves
Reportagem Seriada

Artista realiza investigações poéticas sobre incidentes com aeronaves

Cristina Vasconcelos deseja apresentar visualmente, a partir da mistura de realidade e ficção, como esses episódios afetaram - e continuam afetando - pessoas direta e indiretamente ligadas aos casos
Episódio 4

Artista realiza investigações poéticas sobre incidentes com aeronaves

Cristina Vasconcelos deseja apresentar visualmente, a partir da mistura de realidade e ficção, como esses episódios afetaram - e continuam afetando - pessoas direta e indiretamente ligadas aos casos
Episódio 4
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Em 2017, o avião Boeing 737-200, da companhia aérea alemã Lufthansa, retornou ao seu país de origem após passar nove anos estacionado no Aeroporto Internacional de Fortaleza. A aeronave foi sequestrada por terroristas em 1977 e, depois de ser resgatada, pertenceu à empresa alemã até 1985. Posteriormente, foi comprada pela TAF Linhas Aéreas e permaneceu, assim, no aeroporto cearense em um espaço no qual se encontram aeronaves sucateadas até cinco anos atrás.

O acidente envolvendo o Boeing 727-200, da Vasp, completa 40 anos neste 8 de junho. O avião colidiu com a Serra da Aratanha, na cidade de Pacatuba, e todos os 137 ocupantes do voo faleceram, incluindo empresários de destaque como Edson Queiroz. A aeronave, evidentemente, ficou destruída, e diversas peças se espalharam pela região do acidente. O episódio marcou a história da aviação brasileira e afetou pessoas direta e indiretamente envolvidas com o evento.

Mas, afinal, o que esses dois casos têm em comum? Para além de estarem relacionados a momentos de aflição em aeronaves, eles carregam consigo narrativas que se destacam no imaginário popular e que ultrapassam fronteiras geográficas. Além disso, evocam sentimentos de “iminências de risco” e apontam para a atualização de protocolos de segurança.

Esses são alguns dos traços que percorrem o trabalho da artista visual Cristina Vasconcelos. Por meio de desenhos, pinturas, instalações e esquemas, ela desenvolve em seu ateliê “uma poética investigativa sobre incidentes envolvendo territórios e episódios com aeronaves”. Assim, ela deseja apresentar visualmente, a partir da mistura de realidade e ficção, como esses episódios afetaram - e continuam afetando - pessoas direta e indiretamente ligadas a esses casos. Em sua concepção, uma maneira de atualizar esses eventos.

Artista visual Cristina Vasconcelos realiza investigações poéticas sobre incidentes com aeronaves; Voo 168 é um dos casos abordados em seu trabalho(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Artista visual Cristina Vasconcelos realiza investigações poéticas sobre incidentes com aeronaves; Voo 168 é um dos casos abordados em seu trabalho

Para realizar seus processos investigativos, Cristina tem contato com diversos “fragmentos de eventos diferentes” que a ela são levados. Com isso, ela desenvolve sua “arqueologia da superfície” de “escavar” os incidentes. “Eu lido com vários tipos de fragmentos e eles vão chegando a mim durante os meus processos de investigação. Cada vez que adentro em um tipo de pesquisa esses elementos chegam até mim de alguma forma, como se eles me achassem, assim como são as histórias”, revelou em entrevista ao Vida&Arte.

As narrativas imaginadas e elaboradas por Cristina têm início em sua pesquisa sobre os acontecimentos que baseiam suas histórias visuais. Para isso, a artista recorre a depoimentos “colhidos de moradores das comunidades adjacentes aos incidentes”, dados e “narrativas oficiais”, como encontradas em matérias de jornais. Assim, há um contraponto entre o “imaginário coletivo” - reunindo elementos “que beiram a ficção” - e a realidade oficializada.

Quanto ao trabalho desenvolvido sobre o Voo 168, Cristina explica as origens desse interesse: “Eu estudei na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, e participei durante dois anos de um grupo de pesquisa em que todos meses eu pegava um voo de Fortaleza para ir ao Rio. Em um desses retornos, houve turbulência, e então lembrei do episódio da Serra da Aratanha. Isso me levou a várias reflexões em questões de segundos: de onde vem essa minha memória? Ela vem do imaginário popular, não de mim. Eu não vivi aquilo. A partir disso, veio esse interesse de pesquisa. A história está em algo maior do que reverbera. O que me afeta vem de uma memória que não é minha, vem de uma memória de algo maior que é o imaginário popular”.

 

 

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Vale dizer que a construção das “investigações poéticas” de Cristina não se finda a cada incidente analisado - na verdade, esse é um processo que acumula elementos nos quais irão se entrelaçar e se misturar a outros fragmentos já coletados. À medida que se envolve cada vez mais com as histórias, ela aumenta seu acervo “a nível material”, com objetos físicos ligados aos acontecimentos.

Dessa forma, registros fotográficos de aviões, “suas carcaças ou ruínas” - descartadas no lixo ou guardadas por pessoas das comunidades - passam a compor um grande “inventário” ao longo de seu processo criativo, se juntando “a outras de partes de outros incidentes investigados”.

Intitulado de “Atlas”, o campo visual de Cristina se aproxima, segundo a artista, do historiador de arte alemão Aby Warburg, que “construiu um imenso arquivo de imagens de obras de arte e documentos” com o objetivo de arquivar histórias e pensamentos, como descreve Vasconcelos. Em relação ao avião da Lufthansa, ela chegou a registrar fotografias antes da aeronave ser desmontada para retornar à Alemanha. Para ela, é uma importante forma de resgatar a memória.

 

Cristina constrói suas narrativas visuais, então, a partir dos materiais que reúne, e destaca que esses fragmentos, bem como os relatos, “passam a incorporar uma dimensão simbólica que costura a dimensão estética no trabalho de arte”. “São objetos apartados de um todo, ruínas que, ao adentrarem no contexto da arte, vão elaborar minha ficção”, pontua.

A artista busca “dar novo uso” a esses fragmentos que podem ser vistos como ruínas, mas que também carregam valores simbólicos inesgotáveis. Instalações, esculturas, pinturas ou desenhos: as formas elaboradas pela artista apontam para perspectivas que destacam “as bordas” dos incidentes e se refletem em um conteúdo “em rede”, podendo ser reconfigurado a qualquer tempo e constituindo o “enigma” que guia suas produções.

“Esse é o momento em que jogo luz para as bordas das histórias dos incidentes, reconfigurando-as e elaborando modos de apresentar essas narrativas em forma de desenhos, pinturas, esculturas e instalações. Nesse processo de lidar com o inventário e materializar o trabalho componho um campo visual que se apresenta como um enigma que nunca se revela, e sim o processo de desvendá-lo”, afirma.

Durante a entrevista, Cristina esteve ao lado de Luciana Eloy, pesquisadora em Artes, curadoria e processos de criação. Para ela, a poética de Vasconcelos ganha ainda mais potência com a reunião dos arquivos que irão compor seu inventário: "O trabalho da Cristina é mais vivo e mais forte nessa perspectiva de coletar e documentar. Essa é a força do trabalho dela. Claro que em algum momento ele vai se materializar, mas quando ele se materializa nesse campo visual que ela chama de ‘Atlas’ já é algo como rede tecida junto com esse processo".

“Diluição de fronteiras geopolíticas, protocolos de segurança, contaminações e questões que evidenciam relações de poder entre nações hegemônicas e periférica” são algumas das possibilidades. No “Atlas”, os eventos se desprendem do tempo e renovam seus significados com o trabalho de Cristina.

“Ao construir um ‘Atlas’, ao mesmo tempo em que atualizo os eventos que investigo, produzo modos de reinterpretá-los, ficcioná-los. pois não respondem mais nem ao tempo nem às suas narrativas originais. Eles se tornam narrativas do mundo, capazes de remover questões ocultas dos próprios eventos, ou trazer à tona questões fora do escopo dos episódios que de alguma forma se relacionam com eles, ou com questões-chave e iminentes do mundo contemporâneo”.

Nesse processo, não há narrativa separada, e os eventos atuam juntos na transmissão de mensagens passadas por Cristina, sendo algumas delas a “sensação de insegurança” e novos protocolos que são criados a partir de episódios anteriores, podendo ser uma falha mecânica ou humana, por exemplo. Tudo isso por meio da “aura” e da “memória” envolvidas nos fragmentos coletados pela artista.

 

 

Assista ao documentário Voo 168 - A Tragédia da Aratanha
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