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Alucinar mais e mais
Reportagem Seriada

Alucinar mais e mais

Episódio 4

Alucinar mais e mais

Episódio 4

O ano de 1976 foi decisivo na carreira de Antonio Carlos Belchior. Então com 29 anos e morando em São Paulo, ele já trazia na bagagem os compactos Na Hora do Almoço e Sorry, Baby, além do primeiro álbum, chamado Belchior, de 1974.

Na curta trajetória artística, o compositor tinha ainda no currículo a vitória no Festival Universitário da Canção Popular (1971), da TV Tupi, com a música Na hora do Almoço. Belchior, contudo, ainda não havia sido, de fato, projetado no País.

Na foto: Belchior(Foto: João Guimarães, em 29/08/1983)
Foto: João Guimarães, em 29/08/1983 Na foto: Belchior

Foi Elis Regina quem mudou os rumos do jovem artista, ao incluir Velha Roupa Colorida e Como Nossos Pais no repertório do LP Falso Brilhante, lançado no começo de 1976. As músicas explodiram no País e, em maio daquele ano, também estavam no segundo LP de Belchior, o antológico Alucinação. O disco reverbera até hoje, 40 anos após sua concepção.

Além de Elis, o Alucinação foi realizado graças ao então produtor da gravadora Philips, Marco Mazzola, que acreditou naquele cearense de voz anasalada e suas letras intrigantes. "Eu já produzia a Elis, tinha uma ligação muito grande com ela. Um dia, ela me mostrou algumas músicas do Belchior e eu falei que o cara era muito bom", conta Mazzola em entrevista exclusiva ao O POVO.

O produtor, então, entrou em contato com Belchior, mandou passagens para que ele fosse ao Rio de Janeiro, e o restante é história. Por acreditar no material que tinha em mãos, Mazzola enfrentou os colegas de gravadora, que, a princípio, torceram o nariz para as músicas do sobralense. "Na minha cabeça, ele era um Bob Dylan brasileiro". Em pouco tempo se veria que Mazzola havia acertado na aposta.

Apresentação do cantor e compositor Belchior(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Apresentação do cantor e compositor Belchior

O guitarrista Rick Ferreira, que gravou com o letrista e cantor no disco Alucinação, é sintético: "Belchior compõe um estilo de música que foi minha formação de folk e rock. As letras têm muita semelhança com o Bob Dylan, trazendo o humor e as letras quilométricas", disse ao O POVO.

Do contato entre os músicos, surgiu, ainda, a composição chamada Meu Nome é Cem, na década de 1980. "A obra do Belchior é imortal. Tem muita gente, hoje, descobrindo as músicas dele, porque ele é um dos maiores e vai atravessar gerações", constata.


Muito além do Alucinação

Belchior é conhecido por ser um compositor de poucas parcerias e isto fica muito claro no disco Alucinação, em que todas as 11 faixas foram feitas apenas por ele. Esse caminho quase solitário de composição se traduz em uma obra impregnada da personalidade do autor, que escreveu sobre suas memórias, seus sentimentos e suas impressões de mundo.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 25-02-2016: Fotos do cantor Belchior na galeria do artista plástico Tota. Entrevista com Tota, artista plástico e ex-produtor do cantor Belchior. (Foto: Fábio Lima/O POVO)(Foto: O POVO)
Foto: O POVO FORTALEZA, CE, BRASIL, 25-02-2016: Fotos do cantor Belchior na galeria do artista plástico Tota. Entrevista com Tota, artista plástico e ex-produtor do cantor Belchior. (Foto: Fábio Lima/O POVO)

Pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), com tese e dissertação sobre a obra de Belchior, Josy Teixeira ressalta uma vastidão de referências que o poeta imprimiu em suas composições, como conflitos geracionais e ideológicos (Como nossos pais), a relação entre o regional e o nacional no Brasil, as questões migratórias entre o campo e a cidade (Monólogo das Grandezas do Brasil) e o papel do jovem e do povo brasileiro num cenário mais amplo da América Latina.

"Para além dos temas políticos, encontramos outros mais filosóficos (Divina comédia humana) e que envolvem a relação do homem com a religião (Coração selvagem, Conheço o meu lugar) e com a ciência (Fotografia 3x4)", analisa.

Apresentação do cantor e compositor Belchior, em 21/09/1996(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Apresentação do cantor e compositor Belchior, em 21/09/1996

Arquiteto e letrista, Fausto Nilo acredita que no grupo de compositores surgido na geração deles, Belchior é o melhor letrista. "Ele é uma pessoa intelectualmente densa e, também, muito pragmática, no sentido interessante, o de entender a realidade. Eu acho que, como letrista, ele é um pouco cínico. Eu também sou".

Curiosidades
> A gravação do Alucinação foram feitas em apenas três dias. Apenas um rapaz latino-americano foi o primeiro single, antes do lançamento do disco.

> O nome do álbum seria Apenas um rapaz latino-americano, mas Belchior e Mazzola viram que tinha muito a mais a ver botar o nome Alucinação.

> O fundo azul da capa do disco é parte de uma pintura que Belchior havia feito. Aldo Luiz foi o diretor de arte, Nilo de Paula ficou com o layout e Januário Garcia fez as fotos.

Artigo: Guia musical de uma geração

Por Nelson Augusto, jornalista

Para começar, afirmo que o Alucinação, com letras tão quilométricas quanto o "nome" do cantautor do álbum, Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, é um dos meus dez discos brasileiros preferidos, ao lado também das audições mais constantes de Refazenda (Gilberto Gil), Na Quadrada das Águas Perdidas (Elomar), Todos os Olhos (Tom Zé), Acabou Chorare (Novos Baianos), Meus Caros Amigos (Chico Buarque), O Azul e o Encarnado (Ednardo), Raimundo Fagner, Transa (Caetano Veloso) e Massafeira Livre (Coletivo). Coincidentemente, todos foram lançados na década de 1970, afora o Massafeira, de 1980.

Quando o então elepê Alucinação foi lançado, no ano de 1976, eu também começava minha carreira universitária, aprovado que fui, no segundo semestre, nos vestibulares da Unifor (Ciências Contábeis) e UFC (Letras). Na Universidade de Fortaleza, na cadeira de Introdução à Sociologia, tive como amiga de turma, e então estudante de Ciências Sociais, ngela Belchior, irmã do compositor, a qual, assim que botei os olhos nela, imaginei o grau de parentesco e vi dali, uma boa oportunidade de conhecer, pessoalmente, um dos meus ídolos musicais. Com o contato mais direto, através das aulas, com o passar do tempo, e a vinda do Belchior num final de ano ao Ceará, sua mana me proporcionou esse encontro.

Foi o primeiro de uma série de outros, os quais começaram a acontecer com mais frequência, a partir de outubro de 1981, quando comecei a trabalhar na Rádio Universitária FM e lá pude realizar entrevistas com Belchior, inclusive falando sobre o LP Alucinação e sua obra até então. Desta série de conversas, editei, entre outros, um programa com a temática "A influência das músicas dos Beatles nas composições de Belchior".

Quando foi lançado, Alucinação veio alicerçado por duas músicas que já haviam sido gravadas no antológico LP Falso Brilhante (1976) de Elis Regina. Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida, já experimentadas com sucesso, ao vivo, pela Pimentinha no seu espetáculo homônimo desde 1975, e que se estendeu com sucesso em mais de mil apresentações no Brasil, até o início do ano de 1977. Outra incluída no álbum foi a balada Apenas Um Rapaz Latino Americano, título com o qual o artista cearense também passou a ser chamado em muitas ocasiões, em textos jornalísticos.

Completam o Alucinação mais sete criações com letras e músicas de Belchior: Sujeito de Sorte, Como o Diabo Gosta, Não Leve Flores, A Palo Seco, Fotografia 3 x 4, Antes do Fim e a faixa título do LP. Em todas, mensagens vão da crítica para a ditadura de plantão da época, passando por citações autobiográficas, cotidianos de personagens das cidades grandes e inquietações da juventude. Melodias com atmosferas de baladas, canções, rock e blues são recheadas de referências para obras dos cantautores Gilberto Gil , Raul Seixas e Luiz Gonzaga, do repentista Zé Limeira, do escritor Edgar Allan Poe e também celebram a suas inclinações musicais pelas composições dos Beatles.

*Especial publicado em 26 de outubro de 2017, como parte das homenagens aos 70 anos de Belchior
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