Quando os ponteiros do relógio deste 26 de outubro marcarem dezoito horas, Antonio Carlos Belchior completará 70 anos. Compositor cearense entre os mais notórios do cancioneiro popular brasileiro, Belchior conheceu a fama na década de 1970, quando morava no Rio de Janeiro e teve canções gravadas por Elis Regina, incluindo Como Nossos Pais. A carreira decolou como um foguete. Ele gravou discos, emplacou sucessos, colecionou namoradas e compôs hinos que atravessaram gerações.
Para comemorar as sete décadas do artista, nascido em Sobral, O POVO lançou um projeto transmídia. A ideia é mostrar que o coração selvagem de Belchior ainda bate forte entre novos admiradores e fãs saudosos. Nas próximas páginas estão histórias e curiosidades sobre a vida desse artista ímpar.
São relatos do homem por trás do mito, de saudades do irmão, do amigo, do ídolo, nessa ausência autoimposta e, ainda, sobre seu trabalho mais marcante: Alucinação, lançado há exatos 40 anos. O álbum, de 1976, além de marco para a música brasileira, projetou ainda mais o compositor no cenário nacional.
Antonio Carlos Belchior é o nome legítimo do rapaz latino-americano, conforme O POVO apurou em visita a Nilson Belchior, irmão caçula do artista e guardião de fotografias, lembranças e documentos da família.
Entre eles, a certidão de nascimento de Belchior - com preciosos detalhes sobre a origem do sobralense, que certa vez se rebatizou como Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, uma espécie de personagem criado por ele mesmo, para se identificar como “o maior nome da MPB”. Apenas uma entre as muitas histórias que serão contadas a seguir.
Cinco anos antes de Alucinação ganhar as emissoras de radio, Belchior era um estudante de Medicina da UFC. Circulava em importantes corredores da cultura de Fortaleza - como o Bar do Anísio, na Beira Mar - e trabalhava no programa da TV Ceará Porque Hoje é Sábado, que apresentou a nova geração da música local. Mas foi em 1971, em uma viagem cheia de percalços, que Belchior conseguiu projetar suas composições nacionalmente. Deixou para trás a faculdade e a vida em Fortaleza. Juntou os pertences e foi para o Rio de Janeiro.
"Eu decidi de repente e de um dia para o outro fui embora, sem documentos da escola e sem dinheiro. As coisas foram bastante complicadas e difíceis porque além de não conhecer ninguém, eu tava com o orgulho do pobre: 'Se é pra vencer, vou vencer de qualquer jeito'", contou o compositor em entrevista ao O POVO, em janeiro de 2004.
À época da viagem, além da faculdade e do programa de televisão, ele era professor em escolas de Fortaleza. Belchior foi um dos cearenses a embarcar para o circuito "Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo". Junto dele estavam Fausto Nilo, Teti, Rodger Rogério. Todos amigos e parceiros de música.
"Ele fez quatro anos de Medicina e disse para mim que não era aquilo que queria. O papai pediu muito para ele terminar, pois faltava só um ano. Ele disse que não, que iria viver de música", conta Nilson Belchior, irmão do cantor. Por poucos dias, o compositor ficou hospedado com um tio. Depois, fez morada na casas de amigos, apartamentos em Copacabana, circuitos culturais. Da capital carioca, seguiu para São Paulo. Lá, firmou residência e sucesso. Casou e teve filhos.
Alimentou segredos guardados em família. Os discos borbulharam, ano após ano, até 1999, data do lançamento do álbum Auto-Retrato. Agora, Belchior encara o autoexílio. Distante do público e da mídia, transformou-se em ícone pop e figura cult. Para os mais próximos, continua sendo apenas um rapaz latino-americano.
Frases ditas pelo cantor e compositor ao Jornal O Povo, que foi ouvido diversas vezes.
"Eu passei minha infância em Sobral e posso dizer que minha vida lá foi a base pra tudo. Foi lá que eu vi a arte das igrejas, os mestres, as bandas de músicas. Todas essas coisas que foram significativas na minha infância, durante o período dos meus estudos, que foi a coisa mais importante que aconteceu"
"Nesse tempo do colégio de padres, a música era uma disciplina normal no currículo. Essas coisas me encaminharam para o fazer artístico".
"Olha, minha família sempre foi muito musical no sentido do gosto. Nunca teve ninguém profissional na minha família. Meu avô tocava flauta e sax, minha mãe cantava no coro da igreja, tinha aqueles tios boêmios, que cantavam e tocavam violão. Seresteiros, né? Nesse período, ouvia muito rádio. Tinha muito alto-falante no Ceará".
"Olha, essas fugas de casa foram constaaaantes (risos). Sempre fui um menino muito levado, inquieto e isso me levou a fugir várias vezes de casa, mas eu sempre voltei".
"Essas fugas mais longas foram mesmo pra estudar no mosteiro, por exemplo, ou pra me ausentar de casa para ser estudante na cidade. Coisas da rebeldia estudantil necessária, né?"
"Num momento da vida, você tem que afirmar sua própria vontade e seu próprio modo de existência. Só existe liberdade, onde você pode dizer não. Então, eu sempre disse o não que era necessário”.