Logo O POVO+
É hora do almoço
Reportagem Seriada

É hora do almoço

Entre os 22 irmãos de Belchior, a amizade entre ele e Nilson sempre se fez forte. O irmão recebeu O POVO em casa e conversou sobre lembranças e saudade
Episódio 10

É hora do almoço

Entre os 22 irmãos de Belchior, a amizade entre ele e Nilson sempre se fez forte. O irmão recebeu O POVO em casa e conversou sobre lembranças e saudade
Episódio 10
Por

Quando Antônio Carlos Belchior se afastou do convívio com público, família e amigos, o irmão dois anos mais velho já pressentia: não voltariam a se encontrar. A última vez em que o engenheiro Nilson Belchior, 72, esteve com o irmão foi há cerca de 10 anos. Depois disto, poucas foram as notícias que recebeu do lado de lá, enquanto o artista experimentava seu autoexílio com a companheira Edna Assunção de Araújo.

Na tarde de ontem, horas após receber a informação da morte do irmão, Nilson recebeu a reportagem do O POVO na casa de uma das quatro filhas. Com serenidade, lembrou causos de infância, da amizade fraterna, do cachimbo do irmão. Lembrou da saudade, presente há uma década. Saudade do Antônio Carlos, como ele chama. “Até me desculpe, mas é assim que eu chamo meu irmão”, se explica, mesmo sem precisar.

 

SOBRAL, CE, BRASIL, 01-05-2017: Fãs lotam o Theatro São José, no Centro de Sobral para se despedir do cantor e compositor, Belchior. Velório do cantor e compositor Belchior. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)(Foto: O POVO)
Foto: O POVO SOBRAL, CE, BRASIL, 01-05-2017: Fãs lotam o Theatro São José, no Centro de Sobral para se despedir do cantor e compositor, Belchior. Velório do cantor e compositor Belchior. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

Ora falando no presente, ora no passado, Nilson é firme: “é o melhor dos irmãos. Entre mim e ele, há uma simetria muito grande, que faz com que seja a mesma pessoa. É claro que estou excluindo daí a capacidade mental. Incluo as afinidades, a amizade”, conta sorrindo.

A capacidade mental à qual o irmão mais velho se refere é o viés intelectual de Belchior. “Meu irmão tem 71 anos, ia fazer neste ano, na verdade. Em 365 dias num ano, desde os 10 anos, ele nunca deixou de ler um livro por dia”. Além disto, lembra, o artista sabia sete línguas, entre inglês, francês,alemão, espanhol, mandarim, italiano e latim.

 

SOBRAL, CE, BRASIL, 01-05-2017: Ângela Belchior, se despede do corpo do cantor e compositor Belchior no Theatro São João, no Centro de Sobral. Velório do cantor e compositor Belchior. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)(Foto: O POVO)
Foto: O POVO SOBRAL, CE, BRASIL, 01-05-2017: Ângela Belchior, se despede do corpo do cantor e compositor Belchior no Theatro São João, no Centro de Sobral. Velório do cantor e compositor Belchior. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

Do italiano, inclusive, Belchior estava traduzindo o clássico A Divina Comédia, de Dante Aligheri, publicada originalmente em 1472. Ainda não é sabido, contudo, se ele chegou a concluir o trabalho de mais de dez anos.

O irmão acredita ainda que, nesta década em que o compositor se afastou da família e do mercado, nunca deixou de produzir. “Lá (em Santa Cruz do Sul), ele deve ter muitas composições novas. Ele é de uma capacidade mental...”, aposta. Para ele, Belchior deixou bastante material produzido no tempo em que se manteve afastado dos holofotes.

Entre as músicas compostas por Belchior e gravadas nos 17 discos lançados pelo artista, contudo, Nilson é rápido ao dizer que tem uma preferida: Na hora do almoço, gravada no primeiro disco do compositor, chamado Belchior. A canção venceu o IV Festival Universitário de Música Brasileira, promovido pela TV Tupi, em agosto de 1971.

 

SOBRAL, CE, BRASIL, 01-05-2017: Fã e Ivo Gomes, prefeito de Sobral, junto com soldados do Corpo de Bombeiros, carregam caixão de Belchior, no Theatro São João, no Centro de Sobral. Velório do cantor e compositor Belchior. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)(Foto: O POVO)
Foto: O POVO SOBRAL, CE, BRASIL, 01-05-2017: Fã e Ivo Gomes, prefeito de Sobral, junto com soldados do Corpo de Bombeiros, carregam caixão de Belchior, no Theatro São João, no Centro de Sobral. Velório do cantor e compositor Belchior. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

“Na hora do almoço é a tradução perfeita. Na época, acho que ele sentiu a falta da família (quando morava no Rio de Janeiro). É uma música absolutamente do nosso convívio familiar. Fala sobre a gente, sobre a nossa irmã mais nova, de negra cabeleira, a Lília”.

Façamos, portanto, como Belchior ensina na música: “deixemos de coisas, cuidemos da vida. Senão, chega a morte ou coisa parecida, e nos arrasta moço sem ter visto a vida”.

Os amigos: Entre a Saudade e a Alegria de ter convivido com Belchior

Em sete décadas de vida, muitos foram os amigos, as obras e os fãs que Antônio Carlos Belchior cultivou. Nascido em Sobral, ele viu o sucesso chegar na década de 1970, quando teve músicas gravadas por Elis Regina. Para os amigos de trabalho e de vida, trata-se de uma “perda irreparável” para o cenário cultural do Brasil.

“É uma honra imensurável a gente ter as obras desse grande gênio”, acredita Mimi Rocha, guitarrista que esteve ao lado do compositor em diversos shows. O instrumentista fala sobre a convivência durante os
anos de amizade e trabalho. ”Ele sempre foi muito cordial, bacana. Eu estou sem palavras para mensurar o tamanho dessa perda para a gente”, diz.

Para o jornalista e produtor musical Nelson Augusto a carreira de Belchior nunca teve recaída. “Eu lamento profundamente a partida de um grande compositor. A cultura cearense perdeu um grande nome, mas sua obra continua”.

 

FORTALEZA, CE, BRASIL, 01-05-2017: Militares carregam caixão do cantor Belchior, no Centro Dragão do Mar. Funeral do cantor Belchior, reúne fãs no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, na Praia de Iracema. (Foto: Mauri Melo/O POVO)(Foto: O POVO)
Foto: O POVO FORTALEZA, CE, BRASIL, 01-05-2017: Militares carregam caixão do cantor Belchior, no Centro Dragão do Mar. Funeral do cantor Belchior, reúne fãs no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, na Praia de Iracema. (Foto: Mauri Melo/O POVO)

“Não tenho muito que dizer da pessoa do Belchior, mas conheci o grande poeta que ele era. Um grande representante da nossa geração do Ceará. As poucas músicas que fizemos juntos valeram muito à pena”,
enfatizou Fagner, parceiro em sucessos como Mucuripe.

Via Twitter, o presidente Michel Temer também prestou sua homenagem. “Ele foi o intérprete de uma geração e de uma época rica do País”, diz a mensagem. O Governo do Ceará e a prefeitura de Fortaleza
também enviaram notas de pesar pela morte do cantor.

Em nota, o prefeito de Sobral, Ivo Gomes, declarou: “Foi com profundo pesar que recebi a notícia da morte do cantor e compositor sobralense Belchior. O povo sobralense se orgulha do seu filho ilustre”.

De acordo com Fausto Nilo, a saudade que fica é a do amigo. “Estou sentindo um peso muito grande”, diz. O compositor e arquiteto relembra que Belchior, assim como ele, era “vindo do interior”. A amizade entre os dois se deu no antigo ginásio colegial.

“Ele sabia latim, conhecia a bíblia e sabia romances franceses. Aquilo me desorientou no bom sentido”. Fausto relembra que antes do desaparecimento do músico, os laços entre os dois sempre foram muito estreitos. “Eu sempre tive muito respeito pelo trabalho dele. É uma pessoa brilhante”.

Funeral

De acordo com informações da família, o corpo de Belchior foi velado primeiro, em Sobral, no Teatro São João, das 7h às 10 horas desta segunda-feira. Em seguida, o corpo foi trazido a Fortaleza, onde foi velado no Centro Cultural Dragão do Mar, onde também ocorreu a missa de corpo presente, em cerimônia aberta ao público. O sepultamento aconteceu às 9 horas, no Cemitério Parque da Paz, restrito à família.

*Especial publicado em 1ª de maio de 2017, como parte das homenagens aos 70 anos de Belchior
O que você achou desse conteúdo?