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Missão Solar Orbiter, uma jornada às origens das turbulências solares
Reportagem Seriada

Missão Solar Orbiter, uma jornada às origens das turbulências solares

Missão Solar Orbiter, uma jornada às origens das turbulências solares

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A missão Solar Orbiter iniciou em fevereiro uma viagem espacial para explorar os ventos solares, um fenômeno carregado de partículas potencialmente nocivas para as telecomunicações e capturar imagens inéditas da nossa estrela.

A sonda da Agência Espacial Europeia (ESA) foi lançada de Cabo Cañaveral, na Flórida, em cooperação com a Nasa. A bordo: dez equipamentos científicos, que somam 209 quilos de carga útil.

Após passar pelas órbitas de Vênus e Mercúrio, o satélite, cuja velocidade máxima será de 245.000 km/h, poderá se aproximar a até 42 milhões de km do sol, ou seja, menos de um terço da distância entre a estrela da Terra.

Com essa trajetória, a Solar Orbiter "terá a capacidade de se voltar diretamente para o sol", explica à AFP Matthieu Berthomier, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) francês. Os novos dados completarão os compilados pela sonda Parker da Nasa, lançada em 2018, que se aproximou ainda mais da superfície do astro (entre 7 e 8 milhões de km), mas sem a tecnologia de observação direta.

Com seis instrumentos de tomografia, a sonda europeia revelará as imagens mais próximas do sol já capturadas. Mostrará, ainda, pela primeira vez os polos da nossa estrela, da qual só se conhecem atualmente as regiões equatoriais.


Projeção de erupção do Sol que pode ser vista pelo Solar Dynamics Observatory da Nasa (Crédito: Goddard Space Flight Center da NASA / SDO)

Outros quatro instrumentos de medição "in situ" permitirão vasculhar o entorno do sol.

O objetivo principal da missão é "compreender como o Sol cria e controla a heliosfera", a bolha magnética que rodeia todo o sistema solar, resumiu Anne Pacros, encarregado da missão e carga útil da ESA.

Meteorologia espacial

Esta bolha está impregnada de um fluxo ininterrupto de partículas chamado ventos solares. "Os ventos solares podem ser lentos ou rápidos e ignoramos de que depende esta variabilidade. É o mesmo vento que varia ou são diferentes? Esse é um dos mistérios que esperamos resolver", explica Miho Janvier, do Instituto de Astrofísica Espacial, a cargo de dois instrumentos da missão.

Às vezes os ventos solares são perturbados por erupções que ejetam partículas carregadas que se propagam no espaço.

Essas tempestades, difíceis de prever, têm um impacto direto na Terra: quando atingem a magnetosfera, provocam no mínimo as belas e inofensivas auroras polares. Mas o impacto também pode ser mais perigoso. "Os ventos solares alteram o nosso entorno eletromagnético. É o que chamamos de meteorologia do espaço, que pode afetar nossa vida cotidiana", afirma Berthomier.


A maior tempestade solar conhecida é o "evento de Carrington", de 1859: destruiu a rede de telégrafos nos Estados Unidos, gerou descargas elétricas em vários agentes, queimou papel nas estações e a aurora boreal tornou-se visível em latitudes inéditas, até a América Central.

Em 1989, em Quebec, a modificação do campo magnético da Terra criou uma corrente elétrica em larga escala que, por efeito dominó, fez saltarem os circuitos elétricos, provocando um enorme apagão.
As erupções podem ainda perturbar os radares no espaço aéreo - como em 2015 na Escandinávia -, as frequências de rádio e destruir satélites.

Cortar a eletricidade no espaço

Embora se tratem de acontecimentos incomuns, "como a nossa sociedade repousa cada vez mais no âmbito espacial, também é mais dependente da atividade solar, visto que quanto mais nos distanciamos da Terra, a magnetosfera nos protege menos", segundo Etienne Pariat, pesquisador do CNRS no Observatório de Paris.

"Imagine que metade dos satélites em órbita serão destruídos, seria uma catástrofe para a humanidade!", segundo Berthomier. Daí a necessidade crescente de contar com uma previsão meteorológica espacial.
Ao observar as regiões solares onde surgem estes ventos, a Solar Orbiter "permitirá elaborar modelos para melhorar as previsões", diz Pacros.

Ao longo de sua missão de sete anos, a espaçonave chegará a 26 milhões de milhas do Sol (Crédito: ESA / ATG Medialab)


"Se sabemos que uma tempestade solar vai incidir sobre nós em um ou dois dias, teremos tempo de nos proteger, interrompendo os sistemas elétricos dos satélites", antecipa Berthomier.

A missão dirigida pela ESA, com um custo total de 1,5 bilhão de euros, decolou a bordo de um foguete Atlas V 411 do Kennedy Space Center. A viagem vai durar dois anos e a missão científica, entre 5 e 9 anos.

A experiência anterior

Até então, a principal fonte de informação sobre o Sol foram os dados compilados pela sonda Parker Solar Probe, sonda espacial da Nasa, que sobreviveu ao seu encontro mais próximo até agora com o Sol e enviou de volta, no início deste ano, uma "coleção valiosa" de dados sobre sua coroa, a borda externa super quente de sua atmosfera.

A sonda, lançada em agosto do ano passado, fica a cerca de seis milhões de quilômetros da superfície do Sol durante uma série de sobrevoos em outras distâncias e trajetórias ao longo de sete anos.

Um quebra-cabeça diz respeito à própria coroa, que a um milhão de graus é muitas vezes mais quente que a superfície do sol, a 6.000°C, quando seria de se esperar que fosse mais fria uma vez que fica a uma maior distância da fonte de calor.

"Então a coroa encontra uma maneira de esquentar. Estamos analisando os processos físicos que permitem que isso aconteça", disse Alexis Rouillard, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França (CNRS) e coautor de um dos quatro relatórios sobre as descobertas iniciais sobre a sonda, publicados na revista Nature.

(Crédito: Centro de Vôo Espacial Goddard da NASA / Laboratório de Imagem Conceitual / Adriana Manrique Gutierrez)


"Mesmo com apenas essas primeiras órbitas, ficamos chocados com o quão diferente a coroa é quando observada de perto", disse Justin Kasper, professor de ciências climáticas e espaciais e engenharia da Universidade de Michigan.

Um resumo da Universidade de Michigan observou que se pensava que as oscilações no campo magnético do Sol poderiam ter causado o aquecimento da coroa e que estavam esperando obter dados para confirmar isso. Em vez disso, eles relataram ondas magnéticas muito mais poderosas, fortes o suficiente para mudar completamente a direção do campo magnético, que pode ser a fonte de energia da coroa.

Os cientistas também ficaram surpresos com o que descobriram sobre a aceleração do vento solar, o fluxo externo de prótons, elétrons e outras partículas que emanam do Sol.

Sabia-se que mais perto, o campo magnético do Sol puxa esse vento na mesma direção que sua rotação, então a equipe esperava que esse efeito enfraquecesse ainda mais. "Para nossa grande surpresa, conforme nos aproximávamos do Sol, já havíamos detectado grandes fluxos rotacionais - 10 a 20 vezes maiores do que os modelos padrão do Sol previstos", disse Kasper.

Dez equipamentos compõem o Solar Orbiter (Crédito: ESA / ATG Medialab)


"Então, estamos perdendo algo fundamental sobre o Sol e como o vento solar escapa. Isso tem implicações enormes. A previsão do tempo no espaço precisará levar em conta esses fluxos se quisermos ser capazes de prever se uma ejeção de massa coronal atingirá a Terra ou se os astronautas indo para a Lua ou Marte", acrescentou.

Nicky Fox, cientista do projeto da sonda da NASA, disse a repórteres que o fato de a humanidade ter lançado uma espaçonave na atmosfera de uma estrela era em si uma realização impressionante. "O fato de que é nossa estrela mais próxima e tem um efeito profundo sobre nós aqui na Terra é ainda melhor, mas esperamos décadas e décadas para entender esses mistérios".

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