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Um gigante do microcrédito no semiárido
Reportagem Seriada

Um gigante do microcrédito no semiárido

Em entrevista ao O POVO, o presidente do BNB, Romildo Rolim, diz que o Crediamigo é apontado como o maior programa de microcrédito da América do Sul. Um estudo revela que o programa melhora condições de vida e contribui para sustentabilidade da atividade de microempreendedores
Episódio 6

Um gigante do microcrédito no semiárido

Em entrevista ao O POVO, o presidente do BNB, Romildo Rolim, diz que o Crediamigo é apontado como o maior programa de microcrédito da América do Sul. Um estudo revela que o programa melhora condições de vida e contribui para sustentabilidade da atividade de microempreendedores
Episódio 6
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O presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Romildo Rolim, está à frente da instituição desde 2017, quando foi indicado pelo então presidente Michel Temer. Funcionário de carreira da instituição há 30 anos, ele falou dos avanços na sua gestão e sobre as mudanças com o Governo Federal

O POVO - O BNB lidera o microcrédito no Brasil. Como tem sido esse trabalho? Vocês percebem o efeito disso nas comunidades?

Romildo Rolim - O Crediamigo é o maior programa de microcrédito da América do Sul. Fomos pioneiros como banco de primeiro piso a atuar com microcrédito, em um mercado em que bancos não atuavam e quando não havia indicadores para esse segmento. As experiências em microcrédito eram restritas a instituições não governamentais, de cunho assistencial, o que comprometia a sustentabilidade financeira dessas iniciativas.

Ao estruturar um modelo sustentável para um programa de microcrédito, o BNB veio atender uma necessidade pública, de forma contínua. Ampliamos a escala e rede de atendimento para microempreendedores que, até então, não dispunham de crédito para ampliar e dinamizar suas atividades.

É um trabalho construído ao longo de 21 anos, baseado no atendimento personalizado. Os clientes são atendidos nas comunidades onde vivem ou trabalham. É realizado um levantamento de informações sobre a atividade e é feita orientação empresarial a esse cliente. Percebemos claramente o quanto a presença do Crediamigo é importante para o estímulo ao empreendedorismo nas comunidades.

É um programa que popularizou o acesso ao crédito solidário para empreendedores que não possuíam garantias reais, nem experiência creditícia com o setor bancário e sistematizou um modelo de atuação próprio, caracterizado pela formação de parcerias, planejamento de estratégias e expansão de mercado com Unidades de atendimento autônomas de agências bancárias, além de qualidade na orientação ao microempreendedor.

OP - Em Bangladesh, o microcrédito ajudou milhões de pessoas a saírem da pobreza. Isso também é possível no Brasil? O microcrédito consegue atuar com tanta força no combate à pobreza e exclusão social?

Romildo Rolim - O microcrédito, que combina crédito e orientação, pode sim contribuir no desenvolvimento social. O trabalho por conta própria contribui no combate à pobreza, porque reduz a quantidade de pessoas que antes estavam desocupadas ou fora do mercado de trabalho. Com o microcrédito, elas passam a trabalhar em sua própria atividade, ter uma ocupação e melhorar as condições de vida de sua família.

Ao longo desses 21 anos, o Banco do Nordeste alcançou mais de 6 milhões de pessoas que já tomaram crédito pelo Crediamigo, com mais de 69 bilhões de reais aplicados em toda a história desse Programa. Atualmente, dos 2,2 milhões de clientes ativos em nossa carteira, 40% possuem renda familiar mensal de até R$ 1 mil. São pessoas de baixa renda que, não fosse o Crediamigo, teriam mais dificuldades de serem atendidos pelo sistema financeiro convencional.

Em 2014, o Etene realizou um estudo, intitulado “Avaliação do Programa Crediamigo: melhoria das condições de vida”, que verificou que o microcrédito é um fator importante para a sustentabilidade da atividade econômica de microempreendedores sem muitos recursos, com crescimento da atividade vinculado ao aumento do lucro do negócio, em relação ao tempo de exposição ao Programa Crediamigo. Assim, em nossa área de atuação (Nordeste e norte de Minas Gerais e do Espírito Santo), a experiência tem sido exitosa. Acreditamos que possa ser replicada nacionalmente.

"O microcrédito, que combina crédito e orientação, pode sim contribuir no desenvolvimento social"

OP - Tem crescido a demanda pelo microcrédito no Interior ou é ainda mais concentrada na Região Metropolitana de Fortaleza? Como vocês têm feito para chegar aos municípios cearenses?

Romildo Rolim - Atualmente, o interior do Estado do Ceará possui um maior mercado elegível para o microcrédito, no comparativo com a Região Metropolitana de Fortaleza. Em termos de demanda, 60% de nosso volume destina-se ao interior do Estado, sendo 40% da demanda para a região metropolitana de Fortaleza.

Possuímos duas gerências regionais, uma em Sobral e outra em Juazeiro do Norte, que facilitam o atendimento aos clientes nas cidades do interior do Estado. O Ceará é destaque em nossas operações em microcrédito, tendo números expressivos no Programa Crediamigo. Também devido à proximidade com a sede do Banco do Nordeste é o mercado em que mais testamos inovações.

O Crediamigo atua em todos os municípios cearenses e, de janeiro a outubro de 2019, aplicamos R$ 2,7 bilhões em microcrédito para empreendedores cearenses. O desempenho é 17,2% superior ao realizado no mesmo período em 2018, quando foram emprestados aproximadamente R$ 2,3 bilhões.

Além disso, é destaque também nossa grande atuação no interior do Ceará com o Programa Agroamigo, que atende microempreendedores rurais. O Agroamigo atua em todos os municípios cearenses e, de janeiro a outubro de 2019, aplicou R$ 252,3 milhões, beneficiando 50.668 agricultores familiares.

OP - A crise mudou o perfil das pessoas que contratam o microcrédito?

Romildo Rolim - O perfil das pessoas que contratam microcrédito permanece similar ao que sempre temos atendido. Temos muita representatividade dos setores de comércio e serviços. Nosso público contempla empreendedores por oportunidade, que utilizam o microcrédito como renda complementar; empreendedores provisórios ou sazonais, que empreendem quando não possuem um emprego formal ou em épocas mais favoráveis; e temos o empreendedor que busca iniciar uma atividade por conta própria, porque sempre quis investir, mas não tinha coragem, daí ele aprende novas competências, se reinventa ou abraça aquilo que sempre quis se dedicar.

OP - No atual momento do País, onde vivem cerca de 12,8 milhões de pessoas desempregadas, a demanda por crédito tem sido maior?

Romildo Rolim - A demanda por crédito depende de diversos fatores. Hoje, o Crediamigo alcança 17,5% de market share e queremos ampliar esse número para 42% até 2022, pois ainda temos muito a crescer. O mercado é grande. Aumentamos em mais de 8% o número de clientes ativos e batemos recorde também em novos clientes (já são 391 mil no ano). O volume emprestado cresceu 16% e a quantidade de operações, 7%, na posição de outubro de 2019. São números que evidenciam uma forte demanda por microcrédito. Estamos otimizando fluxos, conferindo celeridades aos processos, em melhoria contínua, tudo para atender de forma mais ágil o público.

"O grande diferencial do BNB sempre foi o atendimento direto, personalizado e humano aos microempreendedores"

OP - Como o BNB está se preparando para digitalização do microcrédito?

Romildo Rolim - Estamos em processo de digitalização do microcrédito, com evolução no atendimento ao cliente e na interação digital conosco. O grande diferencial do BNB sempre foi o atendimento direto, personalizado e humano aos microempreendedores. Queremos agora dar um salto em inovação, mas integrando o atendimento humano que temos hoje aos recursos digitais, inclusive orientando nosso cliente nesse processo. Construímos um app para clientes Crediamigo, com lançamento previsto para o primeiro trimestre de 2020. É um grande desafio que o Crediamigo está engajado e nossas equipes bastante empolgadas.

OP - Há um desafio para o microcrédito no mundo que é se voltar para abertura de novos negócios e não atender apenas empreendedores que já estão trabalhando. Como o BNB tem atuado neste sentido?

Romildo Rolim - Hoje, já atendemos pessoas que estão iniciando um negócio. Para isso, elas ingressam em um grupo solidário já estruturado. Com isso, essa pessoa que está começando a empreender vai conviver com empreendedores mais experientes, mais “calejados”, vai receber apoio deles e dicas, além de ter “exemplos de sucesso” para se espelhar. Atualmente, 20% dos clientes de um grupo solidário podem ser de novos negócios.

OP - Mudará alguma coisa para o Crediamigo com a MP Verde e Amarela? Entre as medidas, está uma alteração na Lei nº 13.636, de 20 de março de 2018, que trata do microcrédito. Segundo o Governo Federal, o objetivo é reduzir a burocracia que dificultava o acesso dos empreendedores aos recursos. A projeção é assinar 10 milhões de contratos até dezembro de 2022 e conceder R$ 40 bilhões em créditos.

Romildo Rolim - A MP veio em um bom momento, para estimular ainda mais o microcrédito no Brasil. Temos algumas mudanças interessantes. Uma delas é o aumento do faturamento máximo permitido para que o cliente se enquadre. Isso ampliará a quantidade de negócios a serem atendidos.

 

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