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O ilhéu das Sete Aves
Reportagem Seriada

O ilhéu das Sete Aves

O canto pode ser raro, mas aves encantadoras reinam entre as pedras

O ilhéu das Sete Aves

O canto pode ser raro, mas aves encantadoras reinam entre as pedras
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Os amanheceres em Trindade não são costurados por cantorias de pássaros. Tanto que a vocalização isolada de um casal de grazinas (Gygis alba), o som vem de uma montanha por trás da Estação Científica da Ilha de Trindade (Ecit), desperta os sentidos de quem se interessa por investigar quais tipos aves vivem num lugar quase inacessível.

Nos 9,28 quilômetros quadrados de terra firme do vulcão desativado, lugar onde atracamos por três dias no meio da imensidão azul, apenas sete espécies de aves compartilham sol a sol do território para abrigar-se, alimentar-se, acasalar-se e ir recriando o mundo.

Ocasionalmente, narram os biólogos Dagoberto Port e Fabiane Fisch, há registro da passagem de outros tipos por lá. Garça-vaqueira, batuíras, maçaricos... Mas o habitat é dividido, mesmo, entre os bandos de grazina-de-trindade (Pterodrama arminjoniana), trinta-réis-escuro (Anous stolidus), grazina (Gygis Alba), atobá-grande (Sula dactylatra), trinta-réis-das-rocas (Onychoprion fuscatus), tesourão-grande (Fregata minor) e tesourão-pequeno (Fregata Ariel).

Grazina, pássaro, na Ilha da Trindade, no Espírito Santo. (Foto: Demitri Túlio/Acervo Pessoal)(Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Grazina, pássaro, na Ilha da Trindade, no Espírito Santo. (Foto: Demitri Túlio/Acervo Pessoal)

Em comum entre elas, o isolamento imposto pela dificultosa travessia até Trindade e o (vizinho) arquipélago de Martim Vaz. Talvez, por isso, algumas espécies não enxerguem ameaça na intromissão do homem em seus territórios.

Caso das grazinas (Gygis alba), pássaros brancos, de bicos longos e olhos circulados por minúsculas penas pretas que dão a impressão de terem cílios feitos. Geralmente em grupo ou casal, se deixam fotografar de perto e até ensaiar um pouso nos punhos ou chapéu. Sobrevoam curiosas.

E porque a Ilha tem mais rocha do que árvores, os ninhos são construídos sem nenhuma sofisticação entre pedras. As sete espécies também compartilham do instinto de pôr os ovos na superfície do solo vulcânico ou dunas. Quem muito se diferencia, hábito da grazina-de-trindade (Pterodroma arminjoniana), ousa se aninhar em locas ou pequenas cavernas.

Rabo-de-palha, pássaro, na Ilha da Trindade, no Espírito Santo. (Foto: Demitri Túlio/Acervo Pessoal)(Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Rabo-de-palha, pássaro, na Ilha da Trindade, no Espírito Santo. (Foto: Demitri Túlio/Acervo Pessoal)

Por 62 dias, Dagoberto Port e Fabiane Fisch, doutorandos em Ciência e Tecnologia Ambiental pela Universidade do Vale do Itajaí, avaliaram o impacto da atividade humana nas populações de aves da ilhota. Monitoraram as taxas de abandono dos ninhos e o sucesso reprodutivo das espécies que nidificam nas proximidades da Estação Científica da Ilha de Trindade. Estão cruzando conclusões.

Trindade foi lugar de nascimento para várias espécies de aves. Para além das sete de hoje. Dagoberto Portanota, por exemplo, o atobá-do-pé-vermelho que, misteriosamente, desapareceu daquele habitat. Em outras épocas “foi abundante na ilha e, agora, só aparece às vezes”.

Vira-pedras

O vira-pedras (Arenaria interpres) é visitante ocasional da ilha. É frequentador de praias marítimas e mede 22 cm. Também é conhecido por maçarico-turco.

Trinta-réis-das rocas

O Onychoprion fuscatus pesca pequenos peixes e crustáceos na superfície do mar, não mergulha. Ocorre no Atol das Rocas e, raro, na foz do rio Amazonas. Foram vistos 520 indivíduos em Trindade.

Trinta-réis-escuro

Em Trindade foram observados 30 indivíduos. O Anous stolidus também está no Atol das Rocas, Abrolhos, Fernando de Noronha e São Pedro e São Paulo.

Grazina

A pescadora Gygis alba tem a maior colônia na Ilha. Foram avistados mais de mil indivíduos. Tem um filhote por vez e, no Brasil, está em Martins Vaz, Abrolhos e F. de Noronha. Vive ainda em Ascensão e Santa Helena e alguns lugares do Índico e Pacífico.

Grazina-de-trindade

A Pterodrama arminjoniana se alimenta, principalmente, de lulas e, eventualmente, de pequenos peixes. Não mergulha. Nidifica em Trindade e Martins Vaz, e também na Round (Mauritius), no Oceano Índico. Os filhotes permanecem no ninho aproximadamente 3 meses. As visitas dos pais são irregulares, até três dias sem serem alimentados. Foi avistada uma colônia de 97 aves na Ilha.

Fragata

O tesourão-grande (Fregata minor) é um dos predadores dos filhotes de tartaruga verde. Ele também se alimenta de peixes capturados na superfície do oceano ou que aparecem mortos na praia. Nidifica em Trindade e ocorre ainda no Índico e Pacífico. Foram observados apenas seis indivíduos

Atobá-grande

Não deu tempo ir ao ninhal do atobá-grande (Sula dactylatra), na trilha do M (4.200m). O registro, aqui, é em Abrolhos. Em Trindade foram observadas 115 aves pelos biólogos. O atobá é um exímio mergulhar e pescador.

Expedição Trindade - Diário de Bordo

Ao deixar de avistar a baía de Todos os Santos, comecei a marear. Foram quase três dias vomitando e soro para reidratar. Embarcamos, na tarde de 18/3, na Base Naval de Aratu (Salvador) com destino a Trindade (ES).
Os fortes enjoos me fizeram passar a 1ª etapa da viagem deitado em um alojamento da corveta. Três beliches ocupados por mim e os pesquisadores: Mendes e Allan, da UnB. Difícil dormir. Um ferro evitava que fôssemos ao chão por causa do balanço intenso do navio.
As refeições na apertada corveta Caboclo obedeciam uma ordem. O refeitório não comportava, ao mesmo tempo, oficiais, cientistas e jornalistas. Então primeiro as visitas, depois os militares. Quem terminava dava lugar ao outro. Havia dias em que o mar estava "bravo" e era preciso segurar pratos e cadeiras.
Na Ilha, na hora do almoço e jantar, nos servíamos no refeitório da guarnição da Marinha. Comida a base de feijão, arroz frango e boi. Quem comia, lavava o prato, talheres e o copo.
Antes das 5 da manhã de um domingo, estávamos de pé: eu e os biólogos Dagoberto Port e Fabiane Fisch. Os dois se prontificaram para me orientar nas trilhas da Gruta e Príncipe. Fomos fotografar pássaros. Equipados com capacetes, cantil, protetor solar e mochilas subimos entre pedras e voçorocas. Dagoberto e Fabiane, por terem feito todos os caminhos da Ilha, são autorizados a andar sem a supervisão de militares. É proibido fazer os mais de 13 roteiros de lá sem a presença de um militar da Marinha do Brasil. Um trilheiro experiente.
A bordo da corveta Caboclo ou na Estação Científica, em terra firme, lavávamos as nossas roupas em máquinas de lavar. Principalmente depois de voltarmos de três ou quatro horas de trilha, suor e poeira.
Na praia dos Portugueses, soube da história de um casal francês que virou “náufrago” por um mês na ilha. Em agosto de 1994, viajando pelos mares, deram com Trindade e decidiram desembarcar para festejar o aniversário da esposa. Mas não contavam com um vento forte que fez a âncora se soltar e o barco ser arremessado. Os estrangeiros foram levados ao continente, trinta dias depois. Quando um navio militar passou pela Ilha.
Cachos de banana doce e mamão à vontade. Comíamos as duas frutas de pequenos pomares cultivados por marinheiros. As roças ficam na área das ruínas da antiga colônia.
Já havia partido de Trindade em direção a Abrolhos. O medo era “merear” novamente. Mas a fragata Caboclo pegou uma onde de “surfar”. Quase nada de balanço para minha sorte.
Chegar e sair de Trindade é tenso. Um bote da Marinha leva carga, marinheiros, pesquisadores e repórteres. Sorte quando o mar está calmo e as ondas permitem embarques e despedidas sem risco. Se não é na marra.
Ao voltar para Fortaleza, após 11 dias no mar, adoeci com febre de 39 graus e dores no corpo. Os médicos de Fortaleza quiseram saber em Trindade havia casos de malária ou outra doença tropical. Por e-mail, o capitão-de-fragata Rodrigo Otoch informava que “graças a Deus nunca houve casos de doença dessa gravidade”. Dengue foi o diagnóstico. Peguei em Ilhéus ou no Ceará.
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