Os caminhos que levam e trazem à Trindade estão na memória das Chelonias mydas. São nos longes da ilha brasileira onde milhares de tartarugas verdes ou aruanãs confiam o ressurgimento da existência. O ciclo é assim: as fêmeas gigantes e prenhes acertam com as correntes marinhas que vão dar no berçário onde há mais ou menos 20 anos nasceram e escaparam de predadores. Aos milhares, retornam entre janeiro e março de cada ano para cavar ninhos e desovar enquanto dure uma noite de lua ou um breu com estrelas.
Durante o dia, o sol em Trindade pede sombra. Como as praias de lá carecem de cobertura vegetal, o risco das tartarugas desidratarem é também obstáculo para a sobrevivência da espécie. Tanto para quem chega carregada de outras vidas, quanto para quem rebenta.
A bordo da corveta Caboclo ou na Estação Científica, em terra firme, lavávamos as nossas roupas em máquinas de lavar. Principalmente depois de voltarmos de três ou quatro horas de trilha, suor e poeira.
O gestor ambiental David Luis Costa e Sousa, responsável pela coleta de dados do Projeto Tamar na ilha, explica que os ovos eclodem em mais ou menos 8 semanas e cada fêmea chega a pôr uma média de 120 por ninho. As praias de Andradas e Tartarugas respondem por 65% das ocorrências. Por ano, nascem por lá cerca de 300 mil filhotes.
Em Trindade, somente na temporada de nidificação de 2013, foram realizadas quase 1000 abordagens às fêmeas em processo reprodutivo. David Luis e os biólogos voluntários Bruno Buchaim e Annye Vernier se revezam, em duplas, durante a noite (a partir das 22 horas até o início da madrugada) checando a chegada dos comboios de aruanãs. Pela manhã, com o sol nascendo, retornam para ajudar no desencalhe de mães exaustas ou nos nascimentos em hora inapropriada.
Na primeira noite em Trindade, acompanhei o percurso de David e Bruno na praia dos Andradas e Príncipe. Uma surpresa para quem vem do asfalto. Sem lua, com o auxílio de lanternas, eles mediram pelo menos oito tartarugas e checaram quem ainda não tinha a etiqueta de monitoramento do projeto Tamar.
Acordei cedo na manhã seguinte para voltar à trilha à beira mar. E por sorte, flagramos o momento em que dezenas de filhotes retardatários submergiam da areia já quente na praia do Príncipe. Além do sol, caranguejos e aves espreitavam o caminho delas até o mar. O início de uma corrida para viver e os primeiros registros do mapa para o retorno daqui a 20 ou 25 anos e refazer a existência.
As tartarugas podem compartilhar de uma “inteligência coletiva”. O conceito, estudado por cientistas norte-americanos, aponta para consciência de ação em grupo. Daí voltarem, 20 ou 25 anos depois de rebentarem, para desovar na Ilha onde nasceram.
Segundo a bióloga Soraya Bruno, do projeto Tamar, a primeira expedição para monitorar a reprodução das tartarugas verdes, em Trindade, aconteceu entre 1982/1983.
Dias antes de chegarmos à ilha, o gestor ambiental David Luis encontrou uma tartaruga aruanã (Chelonias mydas) morta na praia. Ao fazer a análise, ele retirou quatro tipos de plástico do estômago do animal. Lixo que ela comeu pensando ser alimento.
Nas praias da Ilha de Trindade, o projeto Tamar protege pelo menos 14 mil ninhos das tartarugas Chelonia Mydas. Os filhotes, ao rebentarem debaixo da areia, têm o instinto de se deslocarem em direção ao mar.
Segundo o Tamar, a origem das tartarugas ou quelônios está datado de 220 milhões de anos. São 13 famílias desses animais com 75 gêneros e 260 espécies descobertas até aqui.
(Infográfico - O ciclo das tartarugas)