Chegar ao topo de um vulcão desativado, a 5.500 metros do fundo do oceano Atlântico, é proeza indescritível para qualquer explorador. E tanto faz, seja ele marinheiro de primeira viagem ou um velho lobo do mar. Pois sim. A bordo da corveta Caboclo, um veterana da Marinha (57 anos) acostumada nos caminhos e atalhos dos mares do Brasil, fomos redescobrir a desafiante Ilha de Trindade. Seguimos a rota de antigos navegadores.
Após três dias e meio de um oceano quase sem fim, e uma insistente onda de través (que tromba na lateral do navio e faz vomitar até a alma), aportamos ao largo do ilhéu. Como fizeram portugueses e ingleses há mais de 500 anos. Lugar mais extremo do País, numa perspectiva de continente/Atlântico, a ilha é hoje destino exclusivo de marujos e cientistas que tentam decifrar o rosário de mistérios que o ilhéu ainda oculta. São 9,28 de quilômetros quadrados de terra firme fincados na extremidade oriental da cadeia de montanhas submarinas Vitória (ES)-Trindade.
Ainda há lacunas sobre a origem e as transformações de Trindade, apesar dos registros de investigação científica se reportarem a 1918. Do tempo das viagens do explorador Bruno Álvaro da Silva Lobo e seus relatórios para a Biblioteca Nacional.
Na ínsula, para surpresa de quem espera encontrar criaturas medonhas e peçonhentas, o mais voraz dos predadores é um caranguejo amarelo (Johngarthia lagostoma). Habitué da terra firme, ele devora tudo que as grandes patas alcançam.
Outro enigma científico em Trindade é a vegetação. Só surpreendente a 3.500 metros de altura. Uma floresta de samambaias gigantes, que nos transporta para cenários da idade dos dinossauros, desafia pesquisadores. Foi o que restou de uma flora exuberante que existiu até o século XIX.
Desde dezembro de 2010, o Programa de Pesquisas Científicas na Ilha de Trindade (Protrindade), vinculado à Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, tem investido em expedições e atraído pesquisadores de universidades brasileiras para decifrar esse recôndito da Amazônia Azul.
De dois anos e meio pra cá, 253 cientistas se arrancharam no Posto Oceanográfico da Ilha de Trindade (Poit) para explorar a ilha. Atualmente, segundo o cearense Rodrigo Otoch, 45, capitão-de-fragata e atual gerente do Protrindade, 25 projetos científicos estão em curso.
O POVO nos enviou, eu e a fotógrafa Luciana Otoch, para reportar sobre a 23ª Expedição Científica à Trindade. Onze dias entre o mar e a ilha. No ímpeto dos desbravadores de ontem e hoje. Uma viagem ao fim ou começo do mar que se desenha em um dos longe do Brasil.
Boa leitura!
Os capitães-de-Corveta da Marinha, Fabiano Ichayo e José Duarte, conduziram até Trindade seis pesquisadores, um repórter, uma fotógrafa e o gerente do Protrindade, capitão-de-Fragata Rodrigo Otoch. Os cientistas eram da Universidade de Brasília (4) e Universidade Estadual Paulista (2). Na Caboclo, também chamada de “Avó dos navios da Marinha”, 60 militares se revezavam na lida com o mar
Em 1955, o Brasil comprou uma flotilha de dez corvetas de um estaleiro civil holandês para a Marinha. Atualmente, apenas duas estão na ativa: a Imperial Marinheiro (V15) e a Caboclo (V19). Eles são navios usados para patrulha, resgate e reboque.
A corveta Caboclo, apesar da estrutura limitada, se destacou no resgate dos corpos da queda do Air France 447 (31/5/2009). Foi o navio a achar primeiro a área do acidente e a primeira recolher vítimas. Morreram todos: 228 passageiros/tripulantes.
Chico Bento, personagem de Maurício de Sousa, é o mascote da corveta Caboclo. Uma homenagem à coragem e alegria do caboclo brasileiro. A corveta Caboclo transportou, para Trindade, óleo diesel e outros produtos
A Ilha de Trindade foi descoberta em 1501 pelo navegador português João Nova. No ano seguinte, o explorador lusitano Estevão Gama batizou a ilhota. Abandonada, foi invadida pelos ingleses no século XVIII. Em 1783, o português José de Mello Brayner retomou o território.