Ana Márcia Diogénes é jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assessora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
Foto: Divulgação/Netflix
Série "Adolescência", da Netflix
Comecei pela curiosidade de saber o que era incel, uma das palavras mais citadas nos comentários sobre a série Adolescência, que está na liderança do top 10 de séries da Netflix este ano. Saber seu significado foi suficiente para entender que, justamente por abordar uma temática tão dura, era fundamental assistir aos quatro episódios da série. Neles, muitos pais de adolescentes devem ter se sentido perdidos em um mundo que pode estar ali, no quarto ao lado, mas que passava despercebido pela maioria deles.
Tantas devem ser as pessoas que ficaram curiosas sobre o termo, que uma rápida visita a um buscador na internet mostra a quantidade de dicionários que o explicam. Descobri que a palavra existe desde os anos 90. Só que até a série abordar a questão, habitava apenas universos restritos aos que se consideram incapazes de se relacionar com alguém ou ter vida sexual, mesmo que assim o desejem. Creem que o sexo seja algo negado a eles por não terem atrativos.
Desta forma, é comum que quem se considere um incel ponha a culpa de suas frustrações sexuais nas mulheres. Pesquisadores do tema indicam que, em troca de mensagens entre os incels, é comum que as dificuldades emocionais que vivenciam sejam atribuídas às mulheres, que classificam como voltadas somente à aparência e interesse financeiro.
O fato da série ter viralizado – e vir sendo comentada tanto nas redes sociais, como por psicólogos, pais e educadores – traz ao cotidiano, para além do universo incel, a masculinidade tóxica e a violência online. Mostra ser realidade o que muitos pais e responsáveis acreditavam ser ficção: o perigo de uma geração que se cria dentro do seu próprio quarto, com reduzida interação, com temores que se incrustam e não são compartilhados.
A sensação ao assistir é que o coração vai sair pela boca. Não quero citar cenas, para não tirar a graça de quem não assistiu, somente destacar a necessidade de refletir sobre o que os episódios jogam à mesa, como se fossem cartas de baralho de naipes trocados. Ao desembaralhar o que significam, vamos entendendo a urgência de se perceber como os adolescentes são influenciados nos diferentes níveis, principalmente os que se conectam apenas com o mundo online. A casa, a família e a escola passam a ser apenas caminhos para que voltem ao universo do quarto.
A cadeia de eventos da série "Adolescência" segue as transformações da família Miller depois que o filho, com apenas 13 anos, é incriminado como assassino de uma adolescente da mesma escola que estuda. Os acontecimentos vão indicando como os discursos conservadores e baseados na misoginia podem afetar o desenvolvimento emocional dos meninos.
E, ainda, em como eles são induzidos a odiar as mulheres só porque são mulheres, uma vez que na mente deles seriam as culpadas de suas frustrações. Na fala de Jamie, o adolescente assassino, é reproduzida uma tal teoria 80/20, que preconiza que 80% das mulheres se sentiriam atraídas por somente 20% dos homens. O que deixaria os demais sem chance de ter parceiras.
O fato da série mostrar quem matou já no início, tira o aspecto de tentar descobrir quem é o assassino, e entra nos “por quês”, nos “quem” influenciaram, nos “quem” não perceberam, nos “quem” não interagiram. Não é sobre culpa de pessoas ou redes sociais. A série, ao final, é sobre a sociedade.
É sobre como a maioria dos adultos está despreparada para a realidade de conviver com as novas gerações. Seja no celular ou tablet que substituem as babás de crianças pequenas, seja quando eles crescem e ficam num universo paralelo, no quarto ao lado, ali na mesma casa. Em síntese, propõe que a sociedade reflita sobre uma frase do pai de Jamie: “Desculpa, filho, eu devia ter feito mais”.
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