Ana Márcia Diogénes é jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assessora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
Foto: Cristina Indio do Brasil/Agência Brasil
MULHERES ocuparam ruas de várias capitais brasileiras
Esta coluna é quinzenal, mas, às vezes, alinhavo mentalmente colunas diárias sobre o que vejo por aí, como se fosse publicar. São tantas inquietações e algumas boas notícias (sim, elas existem) no nosso cotidiano, que o cérebro entra no modo “on” de querer conversar, refletir, interagir, de não deixar passar como algo normal aquilo que arrepia, para o bem ou para o mal.
Entre as maiores inquietações dos últimos tempos está o feminicídio. Um assunto sobre o qual devemos falar todos os dias, todas as horas. É no decorrer de cada seis horas que nós, mulheres, somos assassinadas no Brasil. No mundo, o tempo entre os assassinatos passa a ser contado em minutos.
Relatório da ONU Mulheres, divulgado em novembro de 2024, diz que a cada 10 minutos uma mulher ou menina é morta por seu parceiro íntimo ou outro familiar.
Mulheres com pernas amputadas, rosto esmurrado, corpo esfaqueado, mulheres queimadas vivas com seus filhos, presas em casa... Seres humanos que morreram simplesmente porque outros seres, embrutecidos, se julgaram donos de seus corpos, almas e destinos.
Ouvi uma vez uma pessoa dizendo que alguns homens agiriam assim, e que isso seria de forma inconsciente, pela falsa compreensão decorrente do formato dos corpos masculino e feminino. Algo como: quem penetra parte de seu corpo no do outro se julgaria dono daquela morada. Isso me remete a fincar uma bandeira em alguém, como se pessoas fossem terra disponível à apropriação.
No último domingo, foram realizadas marchas contra o feminicídio em várias cidades brasileiras. Estive na manifestação em Fortaleza e sai lendo alguns dos vários cartazes que mulheres (em sua maioria) e homens (poucos) carregavam.
Entre as frases, “Homens, precisamos interromper a piada machista”, “Toda mulher tem o direito de viver sem medo”, “O que você já deixou de fazer por ser mulher?”, “Parem de nos matar” e “Por mim, por nós e pelas outras”.
Foto: Acervo pessoal
Um dos cartazes na manifestação
Umas das que me chamaram a atenção foi “Decolonizar nossas crianças para que não reproduzam a violência do patriarcado”. Lembrei inclusive da coluna que escrevi quinzena passada, em que abordei o caso de crianças portuguesas que torturaram uma criança brasileira que acabou sem a ponta dos dois dedos.
Esses casos não são isolados. Crianças filhas de pais preconceituosos, racistas e com intolerância religiosa têm muito mais chance de repetir o mesmo comportamento. Filhos de pais que estimulam olhar a mulher somente a partir de seu corpo, como num supermercado em que se escolhe produtos, tendem a seguir o modelo perverso de nos ver fatiadas em pedaços de prazer. Para servi-los, claro.
Eu até falei no primeiro parágrafo que também via boa notícia no cotidiano, embora nem sempre seja fácil. Como tenho como objetivo de vida buscar a felicitância nos processos, o que trago como positivo neste tema é que o cartaz - sobre a necessidade de decolonizar as crianças para evitar que a violência do patriarcado se reproduza - estava sendo carregada por um homem.
Pode parecer bobagem para alguns, mas cada homem que, além de aderir, se manifeste publicamente contra o feminicídio, representa uma conversa machista a menos nos grupos de WhatsApp, nas mesas de bar, no jogo de futebol e na educação de filhos. Não existe inocência em “brincadeirinha” machista. Por trás delas a morte continua a nos espreitar.
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