Maurício Souza paga por homofobia com "desculpas pra rico ver"
Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc
Maurício Souza paga por homofobia com "desculpas pra rico ver"
Jogador de vôlei faz postagem de teor homofóbico. Patrocinadoras do Minas, clube em que o meio de rede joga, pressionam e o atleta é multado e afastado — só para ser reintegrado horas depois, após as piores desculpas que alguém já escreveu
Próximo ao fim da carreira e com desempenho em declínio, o bolsonarista Maurício Souza parece estar em campanha para angariar votos da base conservadora brasileira. Talvez seja o plano de aposentadoria do meio de rede, que há anos defende a seleção nacional e, vestindo verde-e-amarelo, sagrou-se campeão olímpico na Rio-2016.
Foi nesse tom que ele resolveu "protestar" contra um personagem ficcional se assumir bissexual — Jon Kent, filho do Superman principal e que em uma das linhas da DC Comics está usando o manto do maior super-herói da editora. Entre uma bifobia casual e uma transfobia mais descarada, ele foi respondido por Douglas Souza, também campeão olímpico e assumidamente gay. Escrevi brevemente sobre o caso na semana passada. Evito repetir o que Maurício escreveu. Não quero dar maior relevância a alguém que já tem bem mais alcance do que eu.
Nessa terça-feira, o caso escalonou. Na minha linha do tempo, isso tem a ver com o peso de Douglas Souza desde a Olimpíada de Tóquio-2020. Assim, o incômodo do ponteiro/influencer acabou ganhando maior peso junto ao público. Os dois são desafetos há anos, algo que ficou mais claro recentemente, desde que Douglas passou a se posicionar mais publicamente. Eles eram colegas de quadra até metade do ano, no projeto Vôlei Taubaté.
O assunto já parecia arrefecer quando o Minas, time de Maurício, publicou uma desenxabida nota. "O Minas Tênis Clube está ciente do posicionamento público do atleta Maurício Souza, do Fiat/Gerdau/Minas. Todos os atletas federados à agremiação têm liberdade para se expressar livremente em suas redes sociais. O Clube é apartidário, apolítico e preocupa-se com a inclusão, diversidade e demais causas sociais. Não aceitamos manifestações homofóbicas, racistas ou qualquer manifestação que fira a lei. A agremiação salienta que as opiniões do jogador não representam as crenças da instituição sociodesportiva. O Minas Tênis Clube pondera que já conversou com o atleta e tem o orientado internamente sobre o assunto.". Em suma, inicialmente o clube defendeu o central.
Levando a cabo o modelo do Sleeping Giants, iniciativa hoje internacional de desmonetização de disseminadores de discurso de ódio, os fãs do vôlei passaram a pressionar Gerdau e Fiat por um posicionamento, que veio como ameaça de fim do patrocínio caso o clube "passasse a mão na cabeça" do marmanjo homofóbico.
Segundo o jornalista Demétrio Vecchioli, do Uol, parte dos jogadores teriam sugerido publicar uma carta em apoio a Maurício, ameaçando deixar a agremiação em caso de punição. Ainda segundo o colunista, dois deles (Luciano e Maique — este homossexual assumido), se negaram a assinar o documento e os colegas desistiram. Capitão do time, William Arjona nega a informação.
Fato é que houve uma punição. Multa e afastamento do meio de rede. A suspensão seria revogada após retratação de Maurício Souza. E, bem, vamos ao pior pedido de desculpas que li em anos. "Pessoal, após conversar com meus familiares, colegas e diretoria do clube, pensei muito sobre as últimas publicações que fiz no meu perfil. Estou vindo a público pedir desculpas a todos a quem desrespeitei ou ofendi, esta não foi minha intenção", escreveu em um perfil no Twitter então com 50 e poucos seguidores. No Instagram, onde a ofensa original foi postada, são cerca de 250 mil "fãs". Ressalte-se ainda que Maurício sequer menciona quem ofendeu e por quê. É tudo indefinido, um novo ápice da arte do "desculpas a quem tiver se ofendido". Horas depois, após repercussão negativa (ou pressão do clube/patrocinador), ele publicou vídeo em que dizia basicamente a mesma coisa para os 250 mil do Instragram.
Sendo bem sincero, eu respeitaria mais o "conservador" Maurício Souza se ele bancasse o que fala. A desculpa vazia é ceder e se ser homofóbico é tão importante para ele, o atleta deveria ter coragem de arcar com as consequências. Seguiria sendo ignorante, mas mostraria ter um ideal (ainda que de caráter corrompido). Com a (frouxa) nota, ele mantém o emprego e mostra que as ideologias dele não são lá tão importantes.
Para o Minas, isso foi suficiente e ele deve ser reintegrado. As empresas patrocinadoras, até a publicação dessa coluna, não voltaram a se manifestar. Ou seja, deve acabar em pizza. Termino com fala de Douglas, que conhece melhor o vôlei, conhece melhor o Maurício, do que eu. "O famoso não vai dar em nada né. Toda vez a mesma coisa, cansado disso de sempre ter falas criminosas e no máximo que rola é uma “multa” e uma retratação nas redes sociais. Até quando? Feliz pelas empresas se juntando contra e triste por atletas tentar passar o pano nisso. Vergonhoso. Todos os dias, todas as horas um dos nossos morrem. E o que temos? Uma retratação", publicou para seus 3 milhões de seguidores no Instagram e 260 mil no Twitter.
P. S.: Queria citar ainda que várias atletas e ex-atletas se posicionaram em tom crítico a Maurício Souza, como a bissexualíssima Carol Gattaz, que joga também no Minas, além da craque Sheilla e da ex-jogadora Fabi Alvim — que entrevistamos recentemente.
P. S. 2: Foi só eu publicar a coluna que O Globo publicou declaração de Renan dal Zotto, técnico da seleção brasileira masculina de vôlei. Segundo o ex-craque, "é inadmissível este tipo de conduta de Maurício (...) Em se tratando de seleção brasileira, não tem espaço para profissionais homofóbicos. Acima de tudo preciso ter um time e não posso ter este tipo de polêmica no grupo". Maurício Souza era titular do Brasil treinado por dal Zotto.
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